Você está na página 1de 6

PLANEJAMENTO INTEGRADO DOS RECURSOS – UMA ANÁLISE EXERGÉTICA

José Márcio Costa1, Delly Oliveira Filho2, Jadir Nogueira da Silva3, Luiz Aurélio Raggi4

RESUMO

Realizou-se este trabalho com o objetivo de indicar a análise exergética como ferramenta do
planejamento integrado dos recursos (PIR). O rendimento energético baseado somente no primeiro
princípio da termodinâmica não leva em consideração a “qualidade” da energia utilizada. O
rendimento baseado no segundo princípio da termodinâmica indica a capacidade máxima de realizar
trabalho. Assim, o planejamento de sistemas de energia poderá obter o melhor resultado na
associação do par recurso-uso final da energia.

Palavras-chave: exergia, planejamento, energia.

ABSTRACT

The Integrated Resources Planning – An Exergetic Analysis

Exergetic analysis was evaluated as a tool for integrated resources planning (IRP). The energy
performance based only on the first principle of thermodynamics ignores the “quality” of the energy
used. The performance based on the second principle of thermodynamics indicates the maximum
capacity to carry out work. Thus, the optimum results can be obtained by planning energy systems
combining resource and final use of energy.

Palavras-chave: exergy, planning, energy.

Recebido para publicação em 28.08.2006


1
Eng. Agrícola, Prof. Adjunto, Depto de Eng. Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG
2
Eng. Eletricista, Prof. Adjunto, Depto de Eng. Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG
3
Físico, Prof. Titular, Depto de Eng. Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG
4
Eng. Agrônomo, Prof. Adjunto, Depto de Informática, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG

394 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.16, n.4, 394-399 Out./Dez., 2008
INTRODUÇÃO desenvolvimento sustentável e a minimização
do impacto ambiental têm se tornado cada vez
A ambição desmedida por riqueza em nossa mais relevante em relação aos demais.
sociedade, dita moderna, tem sido incapaz de Portanto, trata-se de uma abordagem que se
avaliar a resposta dada pelo meio ambiente. inicia desde o recurso natural como reservas
Respostas que necessitam da intervenção do de energia, biomassa e potencial hidroelétrico
homem para que as próximas gerações tenham até o uso final dado a energia. Também,
qualidade de vida. As manifestações da projeta-se estratégias de integração das
natureza têm sido gritantes, pois, cada vez mais, opções de ofertas energéticas do lado da
as catástrofes naturais estão acontecendo no demanda, ferramentas para explicar os custos
mundo: cidades inundadas, calor excessivo, econômicos, sociais e ambientais da conversão
neve em diferentes estações do ano, queimadas e do uso final dado à energia. As projeções são
incontroláveis, escassez ou excesso de chuva, baseadas nos serviços de energia solicitados,
chuvas ácidas etc. considerando-se várias bases tecnológicas
Em janeiro de 1992, foi realizada a (tipos de equipamentos de conversão de
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio energia, lâmpadas eficientes, motores de alto
Ambiente – Rio 92, que, devido ao seu grande rendimento etc.) e fatores socioeconômicos
sucesso, veio comprovar a importância e o (preço, renda, índice de aceitação de
desejo de uma política ambiental consolidada e determinada tecnologia, hábitos de consumo
aplicada. A Rio 92 foi um marco mundial para etc.) (JANNUZZI & SWISHER, 1997).
promoção do meio ambiente e contou com a O conceito de exergia pode se tornar parte
presença de representantes governamentais do PIR na busca do par ideal, recurso x uso
de 179 países, 18.000 participantes de 166 final, por avaliar a qualidade de energia e que
países e 450.000 visitantes (PNUMA, 2000). uso final se faz dela. A análise exergética
A preocupação com a redução dos baseia-se no primeiro e segundo princípios
impactos ambientais e com o desenvolvimento da termodinâmica, que valorizam e
sustentável reverteu-se em ações práticas da quantificam o conceito de qualidade do uso
sociedade civil brasileira, como as da da energia, diferentemente do critério
Associação Brasileira de Normas Técnicas tradicional de medir apenas a eficiência
(ABNT, 2006). Definiu-se um texto preliminar (avaliação energética), o qual se baseia
de normas para certificação ambiental de somente no primeiro princípio da
produtos com a criação de um programa termodinâmica, e que estabelece que a
denominado “ABNT – Qualidade Ambiental”. energia se conserva, mas nada aborda a
Essa certificação tem como meta informar os respeito da sua qualidade (OLIVEIRA FILHO
consumidores sobre produtos que são menos et al., 2000).
agressivos ao meio ambiente (ABNT, 2006). Vários setores da economia têm ignorado
Outro grande exemplo é a “Lei Robin Hood” a análise exergética no planejamento de
(Lei no 12.040/95) do Estado de Minas Gerais, sistemas. Acredita-se que isso é devido,
que favorece os municípios de menor porte e principalmente, à falta de familiaridade com
mais pobres com aumentos na quota-parte do o segundo princípio da termodinâmica e às
ICMS (GOVERNO DE MINAS GERAIS, 1997). implicações decorrentes para avaliação
Em troca, esses municípios têm que investir precisa. Há variáveis e alguns fatores que
em educação, saúde, agricultura, patrimônio não se encontram totalmente disponíveis no
cultural e preservação do meio ambiente. Os mercado e precisam ser estudados, daí a
critérios para preservação do meio ambiente, dificuldade. São eles: fatores tecnológicos
com menor impacto sobre os recursos naturais, de conversão da energia, informações sobre
são a proteção legal das reservas ambientais, o o uso final da energia, razões políticas e
tratamento de lixo e esgotos sanitários. nível de conscientização sobre o segundo
A abordagem sistêmica do Planejamento princípio da termodinâmica, exergia e suas
Integrado dos Recursos (PIR) envolve implicações no planejamento, e sobre as
questões importantes sobre o suprimento da diversas esferas de decisão da sociedade,
energia e a satisfação das necessidades dos tecnologia disponível, equipamentos
consumidores com confiabilidade, economia eficientes e hábitos de consumo (COSTA &
financeira e a vertente questão ambiental. O OLIVEIRA FILHO, 2000).

Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.16, n.4, 394-399 Out./Dez., 2008 395
A análise exergética pode dar às A energia é transferida para o meio
instituições reguladoras do sistema ambiente, mas também ocorre aumento de
energético nacional, instrumentos que pressão no gás, que aumenta
auxiliem o mercado econômico a encontrar o sucessivamente a disponibilidade
equilíbrio entre o impacto ambiental e a energética. O ar comprimido, expandido à
utilidade necessária ao setor elétrico. temperatura ambiente, gera trabalho e retira
O objetivo deste trabalho foi demonstrar a do meio igual quantidade de calor. A
complementaridade da avaliação exergética diferença que torna marcante a análise
no planejamento integrado dos recursos exergética é a parte líquida transformável da
sobre o uso da energia. energia em qualquer outra forma energética
(equação 2)
MATERIAL E MÉTODOS
Exergia = α Energia 0≤α≤1 (2)
Neste trabalho, constatou-se a
importância da busca de índices de em que,
avaliação do uso da energia nos princípios α = fração da energia convertível em
da termodinâmica, esclarecendo sua trabalho útil.
significância pelo primeiro princípio da A definição de exergia em geral é “a
termodinâmica (PPT), também conhecido capacidade de realizar trabalho”. Esse
como Lei da Conservação da Energia e conceito é fundamentado na relação entre
pelo segundo princípio da termodinâmica as eficiências de PPT e SPT, por fatores de
(SPT) que se baseia nos enunciados de conversão energia/exergia, conforme
Kelvin-Planck e Clausius. indicado pela equação 3 (OLIVEIRA
De acordo com o enunciado de Kelvin- FILHO,1995)
Planck, é impossível construir um
dispositivo que opere num ciclo
termodinâmico e não produza outros ε =α1
(3)
efeitos além do levantamento de um peso η α2
e da troca de calor com um único
reservatório térmico. Portanto, é em que,
impossível construir um motor térmico que,
ε = Eficiência exergética;
operando segundo um ciclo, receba uma
η = Eficiência energética; e
quantidade de calor de um corpo com alta
temperatura e produza igual quantidade de α1 e α2 = Índices tecnológicos dos
trabalho. Conforme o enunciado de equipamentos e processos de conversão de
Clausius é impossível construir um energia.
dispositivo que opere segundo um ciclo e A equação 3 indica que a análise
não produza outros efeitos além da exergética contém em si a análise
transferência de calor de um corpo frio energética. Contudo, não se pode falar que
para um corpo quente. (VAN WYLEN et a análise exergética depende somente da
al., 1998). energética. A eficiência do segundo princípio
O fornecimento de trabalho, de acordo da termodinâmica depende também dos
com o primeiro princípio da termodinâmica, índices tecnológicos dos equipamentos e
gera calor, mas não esclarece o que é feito processos de conversão de energia (fração
do calor que atravessa a fronteira. Pela da energia convertível em trabalho útil,
análise energética é impossível mensurar a conforme a equação 2).
disponibilidade de energia do sistema capaz A equação 4 indica como na análise
de gerar trabalho, conforme indicado pela exergética calcula-se a eficiência exergética.
equação 1
Trabalho ÚTIL Exergia ÚTIL
Energia ÚTIL ε= = (4)
Eficiência energética = (1) Trabalho DISPONÍVEL Exergia DISPONÍVEL
Energia DISPONÍVEL

396 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.16, n.4, 394-399 Out./Dez., 2008
Pode-se atribuir aos rendimentos equilíbrio termodinâmico com o meio
energéticos e exergéticos pesos ambiente”, deve ser evidenciada.
diferenciados, segundo ambos os princípios Como resultado deste trabalho,
da termodinâmica, para a tomada de decisões demonstrou-se o exemplo do chuveiro para
no PIR (ALMEIDA NETO, 1999). O peso aplicação das análises energética e
atribuído a cada parcela dos rendimentos exergética. Consideraram-se a potência do
utilizados será em função da importância que chuveiro (P = 4400 W), as temperaturas
os mecanismos reguladores darão aos usos inicial e final da água (Figura 1), e a vazão
quantitativos e qualitativos da energia, sendo da água (0,05 L/s).
assim, seria possível escolher o melhor par A eficiência energética (η) de primeira lei
recurso-uso final da energia. foi calculada pelas equações 5 e 6,
demonstrando a relação entre a energia útil
RESULTADOS E DISCUSSÃO (água aquecida) e a energia fornecida
(energia elétrica)
Neste trabalho, analisou-se a avaliação
do rendimento energético pelo primeiro η=
Energia útil (calor )
=
Q
=
q ρ c p ( T2 − T1 ) (5)
Energia fornecida ( eletricida de ) W W
princípio da termodinâmica, que não leva em
consideração a “qualidade” da energia
utilizada. Já o segundo princípio da em que,
termodinâmica, auxilia na determinação prática q = Vazão de água do chuveiro, L/s;
da utilização da energia, determinando-se, ρ = Massa específica, kg/L;
assim, a qualidade, que pode ser distinguida cp = Calor específico da água, J/kg K;
entre as várias formas de energias pelo T2 e T1 = Temperatura de saída e de entrada
rendimento da segunda lei da termodinâmica. da água no chuveiro, K e
Segundo CIMBLERIS (1979), no conceito W = Potência do chuveiro utilizado, W.
de exergia a “capacidade máxima de uma
Q 0,05 4,2 ( 40 − 20)1000 (6)
substância de executar trabalho em η= = = 0,95 = 95%
W 4400
processos, cuja condição final seja o

Ti = 20 oC
H2O

ENERGIA CHUVEIRO
ELÉTRICA

H2O
Tf = 40 oC

Figura 1. Esquema de um chuveiro alimentado com energia elétrica

Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.16, n.4, 394-399 Out./Dez., 2008 397
Quadro 1. Rendimento do chuveiro elétrico pelo primeiro e segundo princípio da
termodinâmica

Equipamento Rendimento (%)


PPT (η) SPT (ε)
Chuveiro elétrico 95,0 6,27

A eficiência exergética entre as duas for medida pela qualidade de seu uso final,
fontes de calor foi calculada pelo ciclo de conforme o segundo princípio da
Carnot, conforme as equações 7 e 8. O termodinâmica, e não somente pela
trabalho disponível considerado para quantidade.
energia elétrica foi de 97%, “performance” • O desafio do desenvolvimento
de motores de alto rendimento elétrico de sustentável e a preocupação ambiental têm
alta potência. gerado a consciência ecológica que
estabelece um novo padrão de
T2 − T1 20 planejamento para a sociedade. O índice de
ηCarnot = = = 0,0638 ≅ 6,4% (7)
T2 313 rendimento da análise exergética pode
passar a ser parâmetro para as ONG’s
ambientalistas e defensoras da Terra e
Trabalho ηCarnotηAH2O (6,4) (0,95)
ε= ÚTIL
= = = 6,27% (8) comissões de defesa do meio ambiente,
Trabalho η
DISPONÍVEL EE→Trabalho
0,97 visando avaliar o impacto ambiental do par
recurso-uso final.
em que, • Considerando-se as perspectivas de
ηCarnot = Eficiência do ciclo de Carnot uma estratégia de planejamento integrado
utilizando as temperaturas de saída e dos recursos, a eficiência de processos
entrada do chuveiro; poderá ser quantificada pelos dois princípios
η AH2O = Eficiência do chuveiro elétrico para da termodinâmica: pelas eficiências
energéticas e exergéticas.
aquecimento de água; e
ηEE→Trabalho = Eficiência de motores elétricos
de alto rendimento utilizando a mesma REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
energia elétrica fornecida ao chuveiro para
aquecimento d’água. ABNT- Associação Brasileira de Normas
No Quadro 1, mostram-se os rendimentos Técnicas – http://www.abnt.org.br. Agosto/2006.
do primeiro e segundo princípios da
termodinâmica. ALMEIDA NETO, J. F. Análise exergética
Os resultados foram bem distintos nas do clico do combustível nuclear – Etapa
avaliações de rendimento pelo primeiro e da mineração até a obtenção do
segundo princípios da termodinâmica. Tal concentrado de urânio (“Yellow Cake”).
diferença evidenciou que, as análises de Belo Horizonte: Escola de Engenharia da
eficiência têm grande complementaridade nas Universidade Federal de Minas Gerais,
avaliações do melhor recurso e serviço que 1999. 132 p. Dissertação (Mestrado) –
utilizam energia para determinado uso final. Universidade Federal de Minas Geais, 1999.

CIMBLERIS, B. Uma introdução à energia


CONCLUSÕES disponível e conceitos correlatos. Belo
Horizonte: UFMG, 1979. 116p. (Apostila do curso
• Se nos sistemas atuais de planejamento de pós-graduação em engenharia térmica).
o direcionamento recurso-uso final da
energia baseia-se somente no primeiro COSTA, J. M.; OLIVEIRA FILHO, D. Tarifas
princípio da termodinâmica, fica claro que no exergéticas horo-sazonais. In: ENCONTRO DE
planejamento integrado dos recursos, este ENERGIA NO MEIO RURAL, 3 - AGRENER
poderá ser melhorado se também a energia 2000. Anais… Campinas, SP. (CD-ROM).

398 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.16, n.4, 394-399 Out./Dez., 2008
GOVERNO DE MINAS GERAIS. Secretaria de OLIVEIRA FILHO, D.; TANABE, C.S.;
Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento COSTA, J.M. Considerações da análise
Sustentável. ICMS ecológico – Coletânea de exergética em tarifas de energia elétrica.
normas. Belo Horizonte, julho/1997. 51p. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola
e Ambiental, Campina Grande, PB, v. 4,
JANNUZZI, G.M.; SWISHER, J.N.P. n.1, p. 114-119, 2000.
Planejamento integrado de recursos
energéticos: meio ambiente, conservação PNUMA, 2000. http://www.rolac.unep.mx.
de energia e fontes renováveis. Campinas, Dezembro/2000.
SP: Ed. Autores Associados, 1997. 246p.
VAN WYLEN, G.J.; SONNTAG, R.E.;
OLIVEIRA FILHO, D. Electric energy system
BORGNAKKE, C. Fundamentos da
planning and the second principle of
termodinâmica. 5. ed. São Paulo: Edgard
thermodynamics. Quebec, 1995, 199p. Thesis
Blucher Ltda., 1998. 537p.
(Doutorado) – McGill University, Montreal, 1995.

Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.16, n.4, 394-399 Out./Dez., 2008 399

Você também pode gostar