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Linguagem onesegráfica:

novas possibilidades do audiovisual

Misaki Tanaka1,
(Mii Saki)

Introdução

Este estudo aborda os programas produzidos para o padrão oneseg2, que é uma grande

possibilidade para a transmissão televisual no mundo contemporâneo, direcionado para

dispositivos portáteis3, principalmente os celulares, sem a necessidade de streaming4, e pode

fazer uma transmissão própria ou simultânea com a televisão tradicional5.

No Japão, depois do governo permitir a programação diferenciada para o celular,

houve um avanço significativo na produção de oneseg. Pesquisas realizadas em Tóquio em

1 Professora da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo, Brasil.
2 Padrão oneseg: a transmissão de TV Digital é dividida em treze segmentos. O padrão full HD utiliza doze
segmentos e o segmento restante é utilizado para a transmissão do programa televisual em padrão oneseg.
3 A classificação de portabilidade e de mobilidade está baseada no estudo de Cannito (2010). Segundo o autor,
a portabilidade é a transmissão digital para dispositivos pessoais.
4 Forma de transmissão instantânea de dados de áudio ou vídeo através de redes.
5 Utilizar-se-á o termo “televisão tradicional” para transmissões realizadas para televisores.
20156 revelaram não haver coincidência entre o horário de maior audiência de oneseg e o da

televisão tradicional, bem como a forma de consumo do programa.

Em geral, quando se assiste à televisão tradicional, o consumidor está dentro de um

recinto, sozinho ou rodeado por amigos ou familiares em número reduzido, ao contrário de

quem assiste ao programa oneseg, que se encontra num ambiente externo, rodeado por

inúmeras pessoas desconhecidas. Assim, a hipótese é: se a diferença de recepção do cinema

e da televisão resultou em duas linguagens - cinematográfica e televisual -, as diferenças entre

os programas para a televisão tradicional e oneseg podem fazer surgir uma nova linguagem.

O sistema de televisão digital adotado pelo Brasil é o ISDB-TB, baseado no sistema

japonês. A digitalização ainda se encontra em processo e se espera que o sinal analógico seja

desligado em todo o território nacional até o ano de 2023. Assim como no Japão do início

deste século, a lei brasileira ainda não permite programação diferenciada entre a transmissão

para a televisão tradicional e para os dispositivos portáteis, entretanto, há chances de o Brasil

seguir os mesmos caminhos daquele país.

Dessa forma, o objetivo deste estudo é analisar os episódios japoneses especialmente

produzidos para oneseg, levantar as principais características dos elementos componentes

da sua linguagem e verificar se há algo que se possa chamar de um típico programa

oneseg com uma linguagem específica para que, num futuro próximo, os produtores de

conteúdo do Brasil tenham uma base para o início da criação de programas televisuais para

dispositivos portáteis.

Como referencial teórico, este artigo se alicerça nos estudos sobre a narrativa de

Gaudreault e Jost (2009); sobre a estética audiovisual de Aumont (2018) e Machado (2014);

e sobre a construção do tempo e do espaço japonês de Okano (2013-2014).

6 A autora e mais dois japoneses contratados entrevistaram duzentas pessoas em Tóquio, em abril de 2015 e
cem pessoas em agosto de 2015.
Num primeiro momento, foi realizada a pesquisa bibliográfica e, paralelamente, uma

pesquisa entre os usuários de oneseg. A partir desse levantamento, selecionou-se o que

Machado chama de episódios seriados, devido ao sucesso que esses obtiveram com o

usuário7 de oneseg. A partir desse recorte, foi realizada a análise dos elementos componentes

da linguagem e a maneira como esses elementos foram relacionados entre si para a

construção da narrativa. Por meio das diferenças observadas entre a linguagem utilizada nos

programas oneseg e a utilizada nos programas televisuais tradicionais, propõe-se o uso de

termos “programa casual” e “linguagem onesegráfica”.

Características gerais do oneseg

No Japão, com o advento do sinal digital para radiodifusão, as redes de televisão

começaram a transmitir sinais para dispositivos portáteis chamados de padrão oneseg.

Comparado à transmissão em full HD da televisão tradicional, o oneseg possui menor

definição, entretanto, permite maior cobertura geográfica e estabilidade de som e de imagem.

A princípio, a programação do oneseg era idêntica à da televisão tradidional, todavia, desde

2008, a lei japonesa permite uma programação diferenciada. A entrevista feita para este

estudo foi realizada com os residentes na capital japonesa em virtude de Tóquio ter sido a

primeira região do mundo a oferecer a tecnologia 3G, que possibilitou o serviço de videofone

em 2001, e do Japão acumular experiência de transmissão regular de programas televisuais

via banda de TV para dispositivos portáteis.

2.1

O programa oneseg e o seu usuário no Japão

7 Utilizaremos o termo usuário e não telespectador, por oneseg se diferir em muitos aspectos que veremos no
decorrer deste artigo.
De 2 a 4 de abril de 2015, os pesquisadores envolvidos neste estudo entrevistaram

duzentas pessoas residentes em Tóquio, com idade entre 18 e 65 anos, e cem pessoas entre

13 e 70 anos de idade, entre 5 e 6 de agosto do mesmo ano 8 , a fim de entender o

comportamento dos consumidores de audiovisual em celulares.

Diante do exposto, os três gêneros de programa mais acessados sem distinção de

faixa etária foram aqueles referentes à previsão de tempo, os que ofereciam dicas do cotidiano

e os que apresentavam diferentes hobbies. Os programas jornalísticos foram mais acessados

por pessoas entre 26 e 65 anos de idade, enquanto que o de variedades teve melhor aceitação

por aqueles com idade entre 18 e 45 anos. Quase a totalidade dos entrevistados abaixo de 25

anos assistiu a videoclipes, ao passo que apenas um pouco mais de vinte por cento de pessoas

acima de 45 anos acessou esse gênero. Aqueles com idade inferior a 30 anos, em especial, os

adolescentes, mostraram interesse também em jogos transmitidos por oneseg. A rede NHK

(Japan Broadcast Center), por exemplo, disponibilizava o jogo “jam, kem, pom”. Neste, o

usuário podia escolher a personagem com quem iria jogar e, se vencesse, receberia

pontuações a serem trocadas por prêmios.

Além disso, a entrevista se voltou para o aspecto fidelidade. Dentre os programas

que conquistaram o usuário regular, destacam-se os programas de previsão de tempo e de

ficção de curta duração. A ficção foi acessada por apenas sessenta por cento das pessoas

entrevistadas, mas a regularidade denota sucesso desse gênero no dispositivo portátil.

Quanto ao horário acessado, ficou evidente que o pico de audiência representa outro

aspecto que diferencia oneseg da televisão tradicional. Assistir aos programas enquanto espera

a chegada do trem ou do metrô consistiu na circunstância mais citada pelos entrevistados.

Convém lembrar que, em Tóquio, o meio de transporte mais utilizado é o veículo sobre

trilhos e um encontro entre colegas de trabalho ou amigos é marcado, em geral, em algum

8 Pesquisa quantitativa: perguntas como “quais gêneros”, “com que frequência” etc.
ponto da cidade, como a Praça do Sino de Prata, na estação Tóquio; ou a estátua do cachorro

Hachikō, ao lado da estação Shibuya; ou, ainda, a estátua de coruja Ikefukurō, na estação

Ikebukurō, entre outros locais. Na maioria dos casos, o tempo de aguardo não superou

quinze minutos, mas afirmaram ser uma boa opção assistir ao oneseg para não considerarem

esse período como tempo perdido.

Outro momento de audiência apontado por todas as faixas etárias e ambos os sexos

é quando se encontra dentro do transporte coletivo. A pesquisa revelou também que os

adolescentes assistiram aos programas oneseg em seus quartos por não apreciarem os

programas televisuais que o restante da família costumava sintonizar, enquanto que os

maiores de idade aproveitaram, também, o horário de almoço.

A partir desses dados, pode-se perceber a existência de um descompasso entre o

horário nobre9 do oneseg e da televisão tradicional. Desta última, coincide com o horário do

jantar e o do café da manhã, enquanto o do primeiro, é imediatamente após o café da manhã,

seguido por logo depois do expediente e durante o horário de almoço.

2.2

As peculiaridades dos programas oneseg

Inicialmente, as redes de televisão japonesa transmitiam um programa para o

segmento da banda que sobrava do full HD, entretanto, com o advento de novas tecnologias,

foi possível dividir esse segmento em duas partes. Dessa forma, hoje, as emissoras

transmitem duas programações diferentes, oneseg 1 e oneseg 2.

Há duas grandes diferenças entre assistir a um programa televisual no celular e no

televisor residencial. Uma delas é o tamanho da tela, cujo televisor residencial, hoje, alcança

até 262 polegadas. Obviamente, a experiência de assistir a um audiovisual numa tela pequena

e numa grande é bem diferente. Na tela grande, os detalhes de objetos e expressões corporais

9 Horário de maior audiência.


podem ser visualizados inclusive em planos abertos, além disso, com a tela grande, o público

poderá ter a sensação de imersão, algo impensável numa tela de um dispositivo portátil.

Outra diferença reside na possibilidade de movimentar o aparelho: com o celular, o usuário

pode colocar o aparelho na posição que desejar a qualquer momento, enquanto que com o

televisor tradicional, dificilmente o telespectador irá mexer na posição do aparelho enquanto

assiste ao programa.

Uma singularidade do padrão oneseg é poder assistir aos programas com o celular na

horizontal ou na vertical. Quando se assiste com o celular na horizontal, a imagem preenche

toda a tela, com possibilidade de optar pela legenda, como acontece com a maioria dos

televisores tradicionais. No entanto, quando se opta pela posição vertical, a imagem é exibida

na metade superior da tela e, na inferior, aparecem informações direta ou indiretamente

relacionadas ao programa ou à programação. Dessa forma, ao contrário da maioria dos

televisores, em que, em geral, as informações ficam sobrepostas nas imagens, no oneseg não

há interferência dos caracteres no consumo da narrativa.

As informações que o oneseg oferecem são as mais variadas possíveis. Em caso de

ficções, por exemplo, podem ser desde a sinopse até o resumo do capítulo e dados a respeito

das principais personagens, informações sobre locações cujas gravações foram realizadas ou

sobre os props10 ou objetos de arte11 que aparecem na telinha. De fato, o envio desses dados

será uma excelente oportunidade para se pensar em diferentes formatos de publicidade ou

divulgação de informações de utilidade pública.

Outra vantagem do oneseg é a facilidade com que o usuário pode interagir com a

narrativa, como foi o caso da série Toque-me12, bastante citada pelos entrevistados. Nesta, ao

10 Objetos descritos no roteiro, que interagem com as personagens ou que são essenciais para o
desenvolvimento da narrativa.
11 Objetos que compõem o ambiente cenográfico, sem participação no desenrolar da história.
12 Tradução livre. Todos os nomes dos programas citados neste artigo são também tradução livre.
tocar a tela com os dois dedos sobre o corpo das personagens, estas engordavam quando o

usuário afastava os dedos, e emagreciam quando os juntava. Dificilmente um telespectador

se sentirá confortável, sentado à frente de um televisor tradicional, a uma distância de

aproximadamente meio metro, para manipular a tela enquanto a narrativa se desenvolve.

Além de permitir a alteração do tipo físico das personagens, o Toque-me permitia interferir na

movimentação. Ao inclinar o celular, as personagens escorregavam para o lado inclinado,

algo difícil de fazer com um televisor.

Os sistemas componentes da linguagem do audiovisual

Entende-se por audiovisual um produto cujas imagens e sons são combinados para

transmitir uma ideia. Dessa forma, os programas televisuais, filmes e vídeos são considerados

audiovisuais, cada um com a sua própria linguagem, mas sempre apoiados nos sistemas

sonoros e visuais. De acordo com Gaudreault e Jost (2009), esses sons e imagens estão muito

imbricados, contudo, para efeito deste estudo, serão separados num primeiro momento, para

depois, juntá-los.

3.1

Os sistemas sonoros

Para este estudo, toma-se por base a classificação dos elementos componentes do

audiovisual sugerido por Tanaka (2013), cujo som é subdividido em quatro sistemas sonoros:

texto falado, música, efeitos sonoros e silêncio. Os efeitos sonoros, por sua vez, são

subdivididos em quatro grupos: foley, hard effect, sound effect e ambiente.

Considera-se o silêncio como parte integrante dos sistemas sonoros, pois em

produções audiovisuais aprimoradas, a equipe de som grava o silêncio de cada locação para
posteriormente inseri-lo na pós-produção. A gravação do silêncio ocorre, em parte, visto que

não há silêncio absoluto e nem todas as ondas sonoras são audíveis a todos os ouvidos

humanos. Uma onda sonora de 19.000 Hz pode ser ouvida por algumas pessoas e não por

outras, no entanto, o corpo humano sente a vibração dessa onda, embora o seu sistema

auditivo não acuse a presença do som.

O foley é o som produzido pela equipe de áudio para reforçar os movimentos e as

intenções das personagens em cena. São efeitos sonoros que devem estar em sincronismo e

recebem esse nome em homenagem a Jack Foley, criador dessa técnica de produção sonora.

O hard effect é o som produzido por algo que está dentro de campo, apesar de não ser

o resultado da movimentação ou intenção da personagem. Para Holman (2010), a definição

de hard effect é muito simples: se vê um carro, ouve-se um carro. Sons de aviões, motocicletas,

tiros, bombas etc, desde que não tenham sido produzidos pelas personagens do filme.

Por sua vez, o sound effect é o som que cria um efeito dramático, sem ter relação direta

com os objetos de cena. Pode reforçar um aspecto visual, como a cor do vestido da

personagem ou o título do filme, ou mesmo o hard effect ou o foley. Neste sentido, o sound effect

assemelha-se com a música não diegética.

Para a contextualização do espaço geográfico e temporal, é utilizado o som ambiente.

A ideia de expressar sonoramente a locação cuja cena acontece surgiu a partir do Word

Soundscape Project, projeto liderado pelo compositor Murray Schafer na década de 1960

com a finalidade de analisar o ambiente acústico do Canadá. De acordo com Schafer (2012),

a paisagem sonora é a ambiência acústica dos lugares, como as ondas do mar e vento numa

praia ou a movimentação de veículos e passos de pessoas nas ruas de uma metrópole.

3.2

Os sistemas visuais
Quanto aos sistemas visuais, são divididos em quatro: texto escrito, imagem fixa,

imagem cinética gravada e imagem fixa animada. Esta última refere-se aos desenhos que,

sequenciados, oferecem a ilusão de movimentação. Já a imagem cinética gravada é o resultado

da gravação de um fato. A diferença entre essas duas é que na imagem fixa animada, as

imagens são produzidas e sequenciadas pela equipe com o propósito de criar movimentação

em objetos inanimados, enquanto que na imagem cinética gravada, a mudança de posição

dos objetos ou de personagens é realizada no momento da gravação. Vale observar que a

interpretação dessas imagens realizada pelo público não se restringe àquela que está sendo

vista na tela. Tudo que esteja fora de campo 13 também interfere na interpretação da

mensagem do audiovisual.

Todos os grafismos, exceto letras e números, as fotografias, gráficos e tabelas estão

englobados no sistema imagem fixa, devido ao fato de cada um deles não representar grandes

diferenças na análise da linguagem do audiovisual.

As formas, cores, tamanhos e como os elementos aparecem e desaparecem da tela

influenciam no conteúdo e na transmissão das mensagens que o audiovisual pretende passar

para o usuário.

3.3

A relação entre os sistemas

Os sistemas sonoros e visuais podem ser relacionados de duas formas: como são

ordenados e como são colocados simultaneamente. As informações contidas nos sons e nas

imagens exibidas concomitantemente produzem mensagens e efeitos que cada um dos

sistemas não revela por si só. Essa característica do audiovisual faz com que Gaudreault e

13 Aumont (2018) explica o “fora de campo” como imagem invisível que é o prolongamento do que está visível
na tela.
Jost (2009) afirmem que há um entrelaçamento entre os sons e as imagens. A maneira como

os sistemas são sequenciados, principalmente as imagens cinéticas e animadas, é

frequentemente estudada com pormenores nos títulos que discutem a montagem

cinematográfica. Entretanto, a relação dos sistemas coexistentes, apesar de termos poucos

estudos, é fundamental para se entender os detalhes da narrativa, as intenções e as

singularidades dos autores na construção do audiovisual. Neste artigo, recorta-se o estudo

das relações entre os sistemas em relações concomitantes, por estas serem bastante

significativas na análise da linguagem utilizada para o oneseg. Tanaka (2000) propõe a

classificação dessas relações em duas: a de tempo e a de conteúdo. Na de tempo, há a

sincronização e antecipação; na de conteúdo, redundância, complementação e contradição.

Na relação de tempo, analisa-se se os sistemas aparecem de forma sincronizada ou

se algum elemento aparece antes dos outros. Considera-se como relação de tempo antecipada

quando um dos sistemas é percebido antes dos outros. Por exemplo, um casal se divertindo

com uma bola, dentro de um rio. As imagens cinéticas gravadas mostram o casal, enquanto

o foley reforça o som da bola. Ainda sobre a imagem do casal, pode-se antecipar o som

produzido por um elemento que irá aparecer, por exemplo, passos de uma onça. Segundos

depois, no lugar do casal, a tela mostra uma onça andando entre os arbustos, enquanto o

som de passos continua. Neste caso, diz-se que o som de passos foi antecipado em relação à

imagem. O áudio dos passos justapostos à imagem do casal acrescenta comentários à

narrativa que, na sincronização, não poderá criar.

Na relação de conteúdo, analisa-se se há contradição, complementação ou

redundância entre os sistemas utilizados.

Entende-se por redundância quando dois os mais sistemas descrevem o mesmo

assunto ao mesmo tempo. Essa relação é utilizada para reforçar e garantir a memorização de
um dos itens da mensagem pretendida. É bastante utilizado nos packshots 14 de peças

publicitárias, quando surge, por exemplo, a imagem do produto, enquanto o locutor fala o

nome desse produto. Nas ficções e documentários, a redundância é utilizada principalmente

nos momentos em que há uma informação importante que os autores pretendem passar para

o público.

A complementação é utilizada sobretudo quando os autores querem passar

informações significativas, embora não sejam essenciais. Um exemplo dessa relação é quando

a imagem mostra um produto, enquanto aparece um texto escrito informando as

características deste que, apenas pela imagem, não se pode perceber.

Para Tanaka (2000), há contradição entre os sistemas quando o conteúdo de um

sistema adversa com o do outro, apresentado concomitantemente. Por exemplo, numa cena

feliz, coloca-se uma música melancólica. O perigo dessa relação é a possibilidade de o público

interpretar a mensagem de uma forma diferente daquela pretendida pelos autores, entretanto,

se bem realizada, será um momento que ficará mais tempo na memória do público. A

contradição instiga o público e poderá fazer com que este reflita sobre as ações ou estado

psicológico das personagens em questão.

As características da linguagem do oneseg

Para este estudo, foram selecionadas as séries oneseg que venceram o concurso realizado entre

2010 e 2015 chamado Desenvolvimento de Oneseg Aoyama. A escolha deste concurso deve-

se a diversos fatos arrolados a seguir. Primeiramente, por ter sido um espaço cuja participação

era aberta a todos, independente de faixa etária, gênero, profissão, local de residência. Em

segundo lugar, pelo perfil das pessoas que participaram da votação: todos os usuários do

14 Em geral, cenas finais de um comercial, cujo produto ou marca fica em destaque.


oneseg puderam votar no seu programa de preferência. Não menos importante, a votação

decisória não era pela série como um todo, mas por episódios. Esse processo de seleção fez

com que aqueles com o conteúdo e linguagem mais adequados para o meio e para o usuário

fossem vencedores. Entre os episódios seriados15 vencedores, pode-se citar Eu me chamo

Noda, Okappa chan vai viajar, Meu subordinado tem 50 anos de idade, Tarō Gion, o motorista de táxi,
16
Ciência com savanna, A garota e a sereia e Ainda não tenho amigos .

4.1

Os sistemas utilizados no oneseg

As séries oneseg que tiveram sucesso utilizaram todos os sistemas visuais, entretanto,

os sistemas sonoros foram pouco explorados. Comparadas às produções televisuais e

cinematográficas, as do oneseg eram mais simples, acusando pouco tempo de produção e baixo

recurso financeiro. Percebe-se que não houve um trabalho detalhado de desenho de

produção, tampouco de desenho de som.

Apesar de não serem programas ao vivo, parecem não ter destinado um profissional

responsável para trabalhar o texto falado. Os diálogos parecem ter sido aproveitados do

modo como foram gravados, sem suavizar as transições entre planos, sem eliminar os ruídos

de respiração, ou de dentes ou de lábios, sem solucionar os problemas de articulação das

palavras ou sobreposição das falas das personagens.

15 Machado afirma que uma das características da televisão é a serialização de seus programas. Pode ser
classificado em capítulo, episódio seriado e episódio único. Por episódio seriado entende-se um programa cuja
história é completa e autônoma, com começo, meio e fim; as personagens principais e uma mesma situação
narrativa se repetem nos episódios seguintes.
16 Para este estudo, além dos citados neste parágrafo, outros vencedores também foram analisados. Os títulos
dos programas estudados nesta pesquisa aparecem no decorrer do texto.
A música é outro sistema pouco trabalhado. Utilizada poucas vezes, ao invés de criar

o clima, principal função num audiovisual, surgia como um preenchimento do espaço

sonoro, sem acrescentar comentários relevantes à narrativa visual.

Diferentemente de filmes de produção reconhecida, os efeitos sonoros parecem ter

sido trabalhados apenas por uma equipe pequena, sem a subdivisão de foley, hard effect, sound

effect e ambiente. Apesar de não ter sido um trabalho meticuloso em boa parte dos programas,

independente de estilo ou gênero, houve uma presença significativa de efeitos sonoros. Na

sua maioria, foram efeitos para enfatizar as ações ou estado psicológico das personagens,

tais como ser nocauteada ou estar apaixonada. Em alguns casos, nota-se o uso massivo de

sound effects.

O silêncio foi utilizado com certa frequência, sugerindo a existência do ma, assim

como em outras manifestações nipônicas. De acordo com Okano (2013-14), o ma é um

elemento que permeia toda a cultura japonesa, trata-se do espaço intermediário, o terceiro

excluído, é ser um e outro ao mesmo tempo, ou simultaneamente não ser um, nem outro.

Além desse significado ambíguo, o silêncio do oneseg valorizava a ação anterior e a posteriror,

enfatizava a dramaticidade ou a comicidade, era o momento em que tudo podia acontecer,

criando uma grande expectativa.

Quanto aos sistemas visuais, sabe-se que a iluminação corresponde a um elemento

essencial para a produção da imagem cinética gravada, mas poucas foram as séries vencedoras

que demonstraram um bom trabalho de luz. Se, por um lado, a justificativa para o uso de

pouco recurso na produção de imagem cinética gravada poderia ser a tela pequena para a

exibição, isso cai em contradição quando se analisa os enquadramentos. Dentro dessa lógica,

se a tela é pequena, os enquadramentos também deveriam ser mais fechados. Todavia, os

programas não se limitaram a closes, planos médios ou de conjuntos pequenos. Não

raramente, foram utilizados planos gerais. A duração de cada plano variou de acordo com o

estilo e o gênero, contudo, comparada às produções televisuais brasileiras, pode-se dizer que
foram planos de duração média a longa. Raramente foram utilizados os ângulos extremos de

câmera, na sua maioria, câmeras na altura, ou ligeiramente altas ou baixas. Os movimentos

de câmera também foram suaves, sem chicotes17.

As imagens fixas animadas marcaram presença em quase todos os programas

analisados, até mesmo em live action18, fazendo parte de uma cena intercalada ou sobreposta

à imagem cinética gravada. Contudo, o desenvolvimento do acting 19 das personagens

animadas era bem simples, com movimentos reduzidos e estilizados.

Houve uso constante do texto escrito, inclusive para repetir o texto falado e para

explicitar o pensamento das personagens em caracteres japoneses, romanos ou símbolos e,

as fontes, cores e formas do aparecer e do desaparecer na tela eram bem trabalhadas na boa

parte dos episódios, a ponto de terem uma interface com animação.

A ilustração foi o elemento mais marcante nos programas oneseg analisados. Assim

como os efeitos sonoros, repetidamente apareciam na tela para ressaltar as ações ou o estado

emocional das personagens, tanto em animações, quanto em live action.

4.2

Relação simultânea entre os sistemas no oneseg

Quanto à relação de tempo, a sincronização foi a mais frequente e não houve

aproveitamento de antecipação para adicionar comentários à narrativa. Isso é um dos indícios

de que a produção é realizada com pouco recurso e/ou em curto período de tempo.

Quanto ao conteúdo, houve um percentual expressivo de redundância, com o uso

de efeitos sonoros, texto escrito animado e ilustrações. Como dito, a redundância é utilizada

17 Movimento brusco de câmera, deixando as imagens borradas.


18 Cenas em que as personagens são interpretadas por atores humanos. Animação é quando uma sequência de
quadros fixos é exibida de forma a criar ilusão de movimento.
19 Atuação das personagens.
para evidenciar uma determinada mensagem, impedindo que o usuário interprete de outra

forma. O destaque na redundância atesta que as séries não possuem ramificações na narrativa

e se baseia em uma ou duas mensagens centrais que permeiam o programa. Além disso,

houve redundância na fala e no texto escrito em algumas das séries analisadas. Isso pode ser

o resultado dos sistemas sonoros menos trabalhados ou da dificuldade de ouvir o som via

celular quando se está num ambiente externo.

4.3

Hibridação

Observou-se o uso excessivo de redundância, utilizando, especialmente, os efeitos

sonoros e as ilustrações. Estas últimas estavam presentes não somente em animações, como

também em live action.

No caso das animações, não faltaram as séries cujas personagens são resultantes de

desenhos, atuando nos cenários provenientes de captação fotográfica ou videográfica. No

caso de live action, várias séries inseriram personagens ilustradas, como foi o caso de A androide

apaixonada pela ferrovia. Dessa forma, a narrativa percorria os mundos real e imaginário

simultaneamente.

Destarte, o que mais se destaca é a combinação dos elementos animados com as

imagens cinéticas gravadas ou fotografias, ou seja, o hibridismo. Nos programas de auditório,

de gastronomia e de variedades comandados por atores, não faltaram sobreposições de

ilustrações e caracteres em movimento.

Em A Cozinha de Kotori, a personagem que preparava os alimentos era interpretada

por uma atriz, todavia, os ingredientes eram personificados e animados. A título de exemplo,

em um dos episódios encenado no inverno, uma batata reclamava do frio enquanto os

brócolis perguntavam à atriz se não havia banho de ofurô quente por perto. A atriz resolveu,

então, fazer um cozido de legumes. Por outro lado, na série Piano-bar apaixonado, cujas
personagens eram ilustradas, as imagens cinéticas gravadas eram utilizadas no momento do

preparo dos coquetéis.

4.4

Pinceladas educativas, informativas e o estado de espírito

No concurso Desenvolvimento de Oneseg Aoyama concorreram audiovisuais dos mais

diversos gêneros: comédias, romances, musicais, dramas, programas de gastronomia, de

viagem etc. Todavia, qualquer que fosse o gênero, todos possuíam toques educativos e

informativos. Por exemplo, em cada episódio de Piano-bar apaixonado, as freguesas

lamentavam de problemas com os seus parceiros com o bartender, que citava psicólogos de

referência, dava conselhos sobre relacionamentos, além de oferecer um drinque especial,

mostrando o seu preparo detalhadamente.

Já em Os equívocos do Naitsu, programa de auditório comandado por uma dupla de

comediantes, os erros cometidos por um dos integrantes para arrancar o riso da plateia eram

ponto de partida para explicar acontecimentos da história do Japão.

Os apresentadores pândegos de Ciência com Savanna sugeriam brincadeiras inusitadas

a cada episódio, como “o que acontecerá se quebrarmos um ovo cru dentro do oceano”, ou

“como ficará um picles se passarmos uma corrente elétrica”, faziam as experiências,

explicavam os fenômenos químicos e físicos, e finalizavam fazendo um paralelo entre a

experiência realizada e uma situação do cotidiano de forma bastante cômica.

Em Okappa cham vai viajar, uma animação cuja personagem era fotógrafa, mostrava

diferentes regiões do mundo, com a personagem interagindo com os habitantes do lugar

visitado de forma bastante lúdica, ao mesmo tempo em que ensinava as características da

cultura, fauna e flora locais.

As diferenças de comportamento e de formas de pensar entre gerações foram temas

de Meu subordinado tem 50 anos de idade, uma das primeiras a ganhar um espaço regular na grade.
Diferentemente do que acontece na vida corporativa japonesa, a série era protagonizada por

uma mulher bem jovem como chefe e um homem cinquentenário como seu subordinado. A

postura dessas duas personagens instigava o usuário a repensar e refletir sobre o que era

“normal” naquela sociedade, provocando risos no usuário.

Como se pode perceber, as séries do Desenvolvimento de Oneseg Aoyama sempre

incluíam aspectos informativos e educativos nos seus episódios de forma descontraída,

transformando a transmissão do conhecimento em algo não maçante, e passível de apreensão

em ambientes de recepção com muitas interferências e ruídos.

Considerações finais

Como se pode perceber, há algumas características marcantes na linguagem dos

programas oneseg que foram sucesso com o usuário. Essas características surgem, antes de

qualquer coisa, pelas condições de recepção. De modo diferente do público de televisão

tradicional, quando, no período matutino, a maior audiência ocorre no horário de desjejum

e no noturno, no horário de jantar, a audiência do oneseg é exatamente posterior ao desjejum

e anterior ao jantar, além do horário de almoço. Além disso, enquanto que o telespectador

se encontra em ambiente interno, o usuário do oneseg está, em geral, em ambiente externo.

Portanto, este usuário não está concentrado totalmente na narrativa. Se o pico da

audiência do oneseg é nos horários cujos usuários estão em percurso, sua atenção é direcionada

para o transporte que deverá passar no ponto ou na estação, e, posteriormente, na estação

ou no ponto em que ele deverá descer. Somado a isso, o usuário está exposto a uma série de

ruídos capaz de facilmente desconcentrá-lo: buzinas, pessoas conversando, anúncios

sonoros, entre outros.


A partir das entrevistas, conclui-se que o principal objetivo de assistir ao oneseg é

aproveitar o tempo ocioso para não ter a sensação de ter perdido um tempo no seu dia a dia.

Em suma, espera-se um programa que não seja totalmente supérfluo, mas que tenha algo a

dizer e acrescente algo em sua vida, aumentando o seu repertório.

Considerando os fatos relatados, pode-se inferir que o programa oneseg deve atender

necessidades que não são idênticas as de um telespectador instalado confortavelmente

sentado no sofá ou na cama.

Se o usuário sofre inúmeros estímulos fazendo com que a sua concentração não seja

contínua, a primeira sugestão que se pode mencionar é que os programas oneseg devem ter

durações curtas. Dessa forma, tem-se a maior probabilidade de se ter o usuário atento ao

programa do começo ao fim.

Com a atenção dividida entre a narrativa e as atividades que o usuário desenvolve ao

mesmo tempo, dificilmente uma narrativa com muitos subplots poderá ser acompanhada e

compreendida. Desse modo, a mensagem do programa deve ser simples, com um plot20, sem

subplots, por exemplo.

Contudo, o usuário não espera apenas um passatempo, mas um conteúdo que

acrescente algo ao seu desenvolvimento pessoal ou profissional. Ocorre que, quando se inclui

um conhecimento ou informação de caráter educativo, o audiovisual tende a ficar mais

denso, deixando de ser uma diversão. Para minimizar o peso da seriedade do conteúdo, é

necessário que se pense numa estratégia. Uma das soluções para tal problema consiste em

vestir o audiovisual com uma roupagem que o deixe aparentemente mais leve. Essa

roupagem, frequentemente, aparece em forma de humor, explorando o absurdo ou a

inversão de valores.

20 É a trama que serve como um esqueleto da narrativa, uma série de acontecimentos interligados, como causa
e efeito. Numa telenovela, por exemplo, há um plot e inúmeros subplots.
O uso de diferentes sistemas, sonoros e visuais, reforçando a mensagem com o uso

da relação simultânea de redundância, garante a transmissão das intenções da produção,

minimizando assim, a falta de concentração do usuário.

Em virtude do aspecto descompromissado, para ser uma ocupação ligeira sem ser

um mero entretenimento, o assunto abordado deve ser de fácil digestão, não exigindo do

usuário um conhecimento prévio ou comprometimento deste em tomar esta ou aquela

atitude. Neste sentido, um programa ideal para oneseg assemelha-se a características de um

casual game21 e sugere-se tomar a palavra emprestada e criar o termo “audiovisual casual”.

Não menos importante é a interatividade, sobretudo para o usuário jovem. Diferente

do público idoso, que é mais passivo, o usuário jovem é um público ativo. Já que os

dispositivos portáteis oferecem uma facilidade na interação, o programa oneseg deve

aproveitar essa tecnologia a seu favor e desenvolver narrativas com essa possibilidade, que

poderá se tornar um dos pontos fortes dessa nova forma de consumir um audiovisual.

Em suma, os programas especificamente produzidos para o padrão oneseg devem

possuir conteúdo e linguagem diferentes dos da televisual tradicional. Destarte, considera-se

pertinente o uso de termos programa casual pelo seu caráter descompromissado e linguagem

onesegráfica pelos sistemas e pelas relações entre os sistemas sonoros e visuais utilizados.

Referências

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http://www.nhk.or.jp/tsunagou/sohoko/aoyama-k.html. Acesso em: 18 jan. 2016.

AUMONT, J. A estética do filme. 9. ed. Campinas: Papirus, 2018.

CANNITO, N. A televisão na era digital. 2. ed. São Paulo: Summus, 2010

21 É um jogo simples, intuitivo, não necessita da leitura de um manual para aprender a jogar; pode ser concluído
em pouco tempo, e é uma forma de diversão e passatempo para jogadores. Tetris e Pac-man são exemplos de
casual games.
GAUDREAULT, J.; JOST, F. A narrativa cinematográfica. Brasília, DF: UnB, 2009.

HOLMAN, T. Sound for film and television. 3. ed., New York: Focal Press, 2010.

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Comunicação e Semiótica), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2000.

______. As ficções televisuais do Japão. João Pessoa: UFPB, 2013.

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