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* rte 0 PARANA C-m., D8/OFOr m2 Le aeeeee Deacle Cepenat[omioeste—m-<. Gases Nosigul Pe ne ese il. einen. bee ODL ea. Gera N*:_2414 — dota: 22 ei ew Wroteco: ho 1 pote’ don é este AY Gab PRESENTAGAO ‘Quando othamos para 0 que ocorre hoje nas dreas de fronteira agricola, o que salta @ vista? De um lado, levas de migrantes ruman- do em sua direcao; constantes e graves confli- 10s entre posseiros, fazendeiros e grileiros; 0 desfile de jaguncos fortemente armados: a in- xeréncia policial na defesa do latifindio. impunidade da lei; ¢, por iltimo, wn intransi- gente ‘Nao!" a qualquer possibilidade de im- Plantagao de wna Reforma Agréria. De outro lado, registra-se a existéncia de grupos de posseiros que, apés duro e firme combate, conquistam para suas familias 0 legttimo direito a terra. Mas a histéria ndo acaba at. Logo a se~ uir recomeca 0 proceso de reconcentracao da terra © Parand, dentro de sua especificidade, é wm exemplo pico disso. Este Estado, que durante tres décadas recebeu significativos contingentes populacionais, onde a luta pela terra desencadeou uma verdadeira insur reigdo, na década de 70 expulsou nada menos que 1.201.475 migrantes. Até quando serd 0 Brasil palco de seme- thante situagao? A deste trabalho objetiva trazer tona a lua travada pelos migrantes durante 0 processo de ocupacéo da fronteira Paranaense. Recuperar a meméria histérica é wna forma de lancar alicerce para a construgao do novo. ce. Rendon (Centro de Estudos Migratérios —» -03- 2 29/04/2004 gO gf Sa! £, INTRODUCAO o Bomunidade que historicamente'se formou no ltoral paranaense © no pla- curitibano, ocupou todas as terras de campo que, em largas faixas cercadas por imensas florestas, vio desde Curitiba, pelos Campos Gerais, campos de Gua- rapuava, campos de Palmas, até as atuais divisas entre Santa Catarina e Rio Gran- de do Sul. Explorou ervais ¢ as florestas de araucérias a clas associados Baseade ‘nos latifiindios campeiros da cringio do gado, nos engenhos de beneficiar erva- mate, nas serrarias de pinheiros, formou a sociedade paranaense tradicional que ccriou o sistema da Provincia monérquica ¢ do Estado republican. Mas nio che- g0u a ocupar todo 0 territério do Parand. As terras cobertas de florestas que sio as terras de melhor qualidade para a agricultura, © que se estendiam pela maior parte do territ6rio paranaense, ocupan- do os vales do Paranapanema, ido Parand, do Ivaf, do Iguacu, no foram aprovei- tadas por essa comunidade, cuja expansio, até 0 século XX, realizou-se pelas freas de campos naturais. Os campos, sobretudo os Campos Gerais, tinham sido fea predominante na estrutura social ¢ econdmica, mas essa estrutura se estava desagregando ¢, desde o final do século XIX, outras regides do Estado estavam iniciando a sua ascengio dentro de novas estruturas que comecam a se formar. 34, em 1892, na Mensagem ao Legislativo Estadual, o Presidente do Estado do Parand, pedia a0 Congresso uma lei de terras que pudesse previnir a invaséo dos fazendeiros paulistas, plantadores de café, em plena expansio no vale do Pa- ranapanema, cujas terras eram “tio ambicionadas pelos minciros ¢ paulistas © que, ‘Por estes ‘itimos cram consideradas, para a cultura do café, como prolongamento do textit6rio do seu Estado”(|). Desde 1862, a vanguarda de mineiros paulistas penetrara no Norte do Pa- rand, pela regio hoje denominada Norte Velho, fundando fazendas e criando ci- dades, nos vales do Paranapanema, do Cinzas e do Jataf. Af apareceram as cidades de Tomazina, Colénia Mineira (hoje Siqueira Campos) ¢ Jacarezinho, a qual, de- pois de 1910, se tomou 0 centro da regio. A ocupacio dessa area se estende até ‘as margens do Tibagi e se completa no decénio de 1920. ‘A qualidade das terras ¢ as perspectivas de lucro atrafram colonizadores colonos também para a margem esquerda do Tibagi. Primeiro de Maio © Sertané- polis foram iniciativas de éxito, contratadas ambas, em 1919, respectivamente pe- las companhias colonizadoras Corain ¢ Cia., ¢ Leopoldo de Paula Vieira, Em 1924, Lord Lovat, que tinha promovido colonizagio agricola na Austrélia © na ‘Africa, e integrants da Missio Montagu vinda ao Brasil, visitou a regio do Norte do Parané, contratando, em 1927, com o Governo do Estado, a aquisicdo de cerca de 500,000 alqueires das melhores terras, situadas entre os rios Paranapanema, ‘Tibagi e Ivaf. Estas terras eram jé disputadas por antigos concessionérios ¢ po: ros, @ quem a nova companhia compraria antes os titulos discutidos e as posses ccontestadas. Fundara, em Londres, em 1925, a Parand Plantations Limited e, em consér- cio com a Companhia de Terras Norte do Parané e com a Companhia Ferrovidria Sao Paulo-Paran, executou o plano de colonizacéo das terras obtidas do Governo paranaense. Foram estas planificadamente divididas em lotes agricolas, construiu- 4. se a estrada de ferro e fundaram-se cidades, entre as quais sobressaem as de Lon- drina, centro da regio chamada do Norte Novo, fundada em 1931, e Maringé, fundada em 1947. Vieram colonos de todo 0 Brasil, desenvolvendo grande riqueza agricola que, embora tivesse seu ponto de apoio na cultura cafeeira, expandiv-se com a pe- quena propriedade e com a policultura. O gedgrafo Pierre Monbeig, estudando a colonizacao do Norte do Parané, em face da colonizagio do Oeste de Séo Paulo, ‘acsimn caencterizou/aquola:i£“G tamnbéen use colodinaylo =o une We feaho‘alire: dores ou de associagdes de familias ~ mas do tipo de economia capitalista modex- na’’(2), Mais além das terras da Companhia de Terras Norte do Parané, 0 Governo do Estado, desde década de 1930, numa acidentada agao contra os grileiros e os intrusos, dividiu o seu imenso patriménio de terras devolutas, na regio do cha- mado Norte Novissimo, promovendo também a colonizagio pela venda de lotes agricolas. A cidade de Paranaval, a partir de 1944, polarizaria esta regio. Outro acontecimento de relevaincia era notado também a partir da década de 1920. Na Mensagem de 1922, ao Legislativo Estadual, 0 Presidente do Estado informava: “Mais de quinhentas familias oriundas do Rio Grande do Sul ¢ Estados limitrofes, ‘tém se estabelecido nestes Gltimos tempos em terras do nosso Estado, principal- ‘mente nos municfpios de Palmas e Foz. do Iguagu..."(3). ‘Comegara outro processo de deslocamento de populagdes em diregio as ter- ras do Parané. Os rio-grandenses do sul, expelidos de suas terras agricolas, pelo minifiindio, iniciavam a ocupagio efetiva das terras do Sudoeste e Oeste do Pa- rand. (© principal negécio sobre que se apoiavam os alicerces da economia da Provincia, a exportagéo da erva-mate ¢ 0 iniciar da inddstria da madeira, esta na década de 1880, havia, desde 0 final do século, chamado a atengo para as matas da regio do Iguagu e do Parans. ‘A conjuntura favorecia, nessas éreas, um tipo de ocupagio extensiva, rare- feita, pela concessio de grandes tratos de terras devolutas, pelo Governo do Esta- do, & companhias particulares, exploradoras do mate e da madeira, sem quaisquer ligag6es com a comunidade tradicional paranaense ¢ sem a efetiva colonizacio do tertitério concedido. De outro lado, col6nias militares, de nacionais, haviam, ainda no século XIX, sido fundadas, Iguacu e Chopim, face aos problemas de fronteiras princi- palmente com a Argentina. Esta, entre outras razdes, objetivaria também a posse dos imensos éervais nativos da regio. is e as madeiras do Iguacu e do Parand haviam sido objeto de maior conhecimento e divulgagao ao tempo da guerra do Paraguai, em virtude das pene- tragées militares ocorridas.. Muitos, sobretudo argentinos, voltariam mais tarde & regio. ‘A aco, porém, das companhias foi tipicamente de explotaglo, depredat6ria espotiadora. Eram, via de regra, companhias estrangeiras, inglesas ou argenti- nas. Muitas, nem sequer tentaram a colonizagio, como no caso das concessGes fei- tas & Estrada de Ferro Sao Paulo-Rio Grande, em troca da construgéo da ferrovia, € que somavam milhdes de hectares no Sudoeste, Oeste ¢ Noroeste do Parand, su- cedida, em 1920, pela Companhia Brasileira de Viagéo ¢ Comércio - Braviaco. ‘Outras, apenas se dedicaram extragdo da erva e da madeira. Devastaram, com -05 suas obrages, a floresta, retirando-the as madeiras de lei que, pelo rio Parané, ‘eram exportadas para a Argentina, além de arrasarem 0s ervais, com a exportacio do mate, também para a Argentina. Acresce o fato que, muitas vezes, tanto 0 ma- te, como a madeira, eram simplesmente contrabandeados. Entre as grandes companhias da régio, nessa conjuntura, podem ser citadas, ‘4 Compatiia Maderas del Alto Parana © a Companhia Matte Laranjeiras, aquela proprietéria da Fazenda Britinia, e esta da drea entre porto Mendes ¢ porto Guai- ra, © da respectiva estrada de ferro que ligava os dois pontos do rio Parand. Os trabalhadores da mata, geralmente brasileiros e paraguaios, empregados dessas ri- ‘cas companhias, viviam, no entanto, em condigées de miséria e exploracio, trans- formados em verdadeiros servos de gleba. Os mensu de Don Allica, proprictério do porto Artaza € de extensos ervais, foram os mais conhecidos pelas brutalidades ‘a que eram submetidos pelos feitores. A miséria e as atrocidades suportadas pelos trabalhadores da mata, a depredacdo que sofria 0 patriménio nacional, foram reve- ladas, sobretudo, quando da passagem e estada das colunas revolucionérias de 1924, nessa regio, onde justamente se desenrolaram, com centro em Catanduvas, grandes agées militares. Entre os revolucionérios estiveram no Sudoeste © Oeste do Parané, Luiz Carlos Prestes, Joao Cabanas, Juarez. Tivora, Cordeiro de Farias © outros, ¢, entre os legalistas, sobretudo 0 seu comandante em chefe, o general Rondon. Os depoimentos de revoluciondrios e de legalistas sobre as condigées dos trabalhadores da regio ¢ a explotacio do patriménio nacional pelas companhias estrangeiras, surpreenderam a opinido pablica brasileira. Viajantes brasileiros que visitavam esporadicamente, dadas as dificuldades de transporte, os saltos de Guaf- rae do Iguacu, foram sempre unanimes na sua observacdo da vida até certo ponto faustosa dos proprietérios ¢ administradores, bem como das condicdes sub-huma- ‘nas em que viviam 0s trabalhadores das obrages ¢ dos ervais. Com a revolugao de 1930 que denunciaria também as negociatas de terras no Parana, varias con- cessdes, sobretudo pela inoperincia e 0 no cumprimento de cléusulas contratuais, foram anuladas, voltando 2.300.000 hectares de terra ao patriménio do Estado, O Decreto n® 300, de 3 de novembro de 1930, fizera reverter ao Estado, 1.700.000 hectares da Braviaco; o Decreto n? 1495, de 15 de junho de 1934, fazia caducar a concessio, de 300.000 hectares, de Antonio Alves Almeida, no norte do Estado; 0 Decreto n® 1678, de 17 de julho de 1934, operava o mesmo em relacdo a 240.000 hectares que haviam sido concedidos a Meyer, Anes © Cia. Ltda., depois Compa- hia de Colonizacéo Espéria. Da mesma maneira, foram também anulados 87.000 hectares concedidos a Miguel Matte. Por sua vez, a expanséo da civilizagio capitalista com a marcha do café ‘sua aplicagao na politica de Gettilio Vargas, rumo ao Oeste, teve repercussSes no Parané, onde, em 1940, o interventor Manuel Ribas declarava: “‘precisamos acabar ‘com esses senbores feudais!”(4), ¢ iniciava forte luta contra os grileiros que se hhaviam apossado de cerca de 59 mil quildmetros quadrados de terras do Estado (mais:de um quarto do seu territério), procurando reconquistar milhées de hectares que deveriam ser efetivamente colonizados. ‘A guerra de 1939-1945 levou também, por motivos de seguranga nacional, & proibiglo da propriedade da terra, por estrangeiros, nas zonas de fronteiras, sendo, ‘em consequéncia, nacionalizadas varias companhias. Outras, para nao serem in- corporadas a0 patriminio da Unido, transferiram 0 controle de suas agées © -06- gestiio, a grupos nacionais. No Parand, neste sentido, as transferéncias ou vendas de maior importancia, foram aquelas relativas & Parand Plantations Limited ¢ & ‘Compaiiia Maderas del Alto Parana, aquela com sede em Londres, ¢ esta em Bue- nos Aires, mas de capitais ingleses. Esta mesma politica do Estado Novo ¢ a situago de guerra é que levaram, ainda, a criagao do Territério Federal do Iguagu, com terras do Sudoeste © Oeste paranaenses, além daquelas de Santa Catarina Enquanto tudo isto se passava, continuara a entrada, nessa regidio, das famf- lias excedentes de antigas zonas coloniais do Rio Grande do Sul e de Santa Cata- Nas fireas coloniais rio:grandenses, desde o final do século XIX, vinha acen- tuando-se a insuficiéncia de terras face a0 aumento da populacdo de agricultores, descendentes dos imigrantes italianos ¢ alemies. Assim, desde as primeiras déca- das do século XX, formaram-se companhias de colonizaco, no Rio Grande do ‘Sul, que adquiriram terras de mata, ainda nio ocupadas, primeiro no Noroeste do proprio Rio Grinde do Sul, a0 longo do rio Uruguai, depois no Oeste catarinense ¢, em continuidade, no Sudoeste do Parané. Planificaram a colonizacao dessas ter- fis, c veaderam os lotes agricolas acs agricliores excedentes das velhas zona coloniais do Rio Grande do Sul. Desde, mais ou menos, 1900 a 1930, as matas fo- ram desaparecendo com a formacio de lavouras de cereais, com a criago de suf- nos © com 0 aparecimento de cidades ¢ municipios novos, no Rio Grande do Sul, no Oeste catarinense, e, depois, no Sudoeste do Parané. Na década de 1940, essa colonizacéo ultrapassa o rio Iguacu, entrando no Oeste paranaense, 20 longo do rio Parané, até encontrar, na altura de Campo Mourio, as frentes pionciras dos agricultores da agricultura tropical, provenicntes dos colonizadores da fea paulis- 1a que, inversamente, vinham de Norte para Sul, em busca de terras para 0 café. Em 1946, uma dessas companhias colonizadoras. do Rio Grande do Sul, a Industrial Madereira Colonizadora do Parani. S.A. - Maripd, adquiriu da Com- Pafiia Maderas del Alto Parana, com sede em Bucnos Aires, as terras que esta, em ‘tempos anteriores, bavia obtido para colonizacéo, no ceste paranacase. Eram as terras da Fazenda Briténia que mediam 36 quilémetros de norte a sul © 72 quilé- ‘metros de oeste a leste, e situavam-se no vale do rio Parand. Essa imensa gleba foi rapidamente colonizada, pelo mesmo proceso da pequena propricdade e da poli- cultura. Af também surgiram cidades novas, como Toledo, Marechal Cindido Rondon ¢ outras. A regio teria, mais tarde, a cidade de Cascavel como centro po- Na década de 1960, todo 0 Estado do Parand estava com 0 seu territério cocupado, desaparecendo as frentes pioneiras ¢ os grandes problemas de terras. Encontram-se € comesam a confundir-se as és ondas de povoamento, a do Pa- rané tradicional que se expandiu desde o século XVI, de Paranagué ¢ Curitiba, pelas regides de campo, com a criagio do gado, a indéstria da erva-mate © da ma- deira de pinho; a dos agriculiores da agricultura tropical do café que, pelas ori- gens € pelos interesses histéricos, ficaram mais dirctamente ligados a Sao Paulo; € 1 dos colonos da agricultura de subsisténcia, plantadores de cereais ¢ criadores de ssufnos que, pela origem e pelos interesses histéricos, se ligaram mais intimamente 20 Rio Grande do Sul. Cada uma dessas trés ondas criou o seu préprio tipo de economia, formou um tipo de sociedade ¢ fundou as suas préprias cidades. -07- ©. problema relevante que se-colocou ina histéria do Parané, foi o da inte- ‘gracio dessas comur 1 = LEGISLACAO E POLITICA AGRARIA No Parand tradicional, ou seja na érea dos Campos Gerais, a ocupacio ¢ a propriedade da terra, como de resto em todo o Brasil, estabeleceram-se pela posse ial e pela concessao de sesmarias, ‘As posses iniciais, nessa area, foram feitas pelos ricos e poderosos habitan- tes de So Paulo, Santos ¢ Paranagué,, njo,como um meio para trasiadar-se uma sociedade inteira, mas simplesmente como.um negécio a ser explorado comercial- ‘mente, tendo em vista o, abastecimento de Sio Paulo e das regides mineradoras do século XVII, Esses proprietérios sempre foram absenteistas, e as primeiras fazen- das foram fundadas 4 margem do caminho, que de Curitiba ia para Sorocaba © Sio Paulo, Por essa estrada, 08 fazendeiros, mandavam conduzir as suas boiadas para 08 - ‘Sto Paulo, Minas e Rio. Para fundar uma fazenda ao longo desse caminho, 0 em- preendedor mandava um seu preposto, com alguns escravos, tomar posse da terra, para onde conduziam algumas cabecas de gado. Depois, alegando essa posse, re- queria a sesmaria. Entre 1725 e 1744, mais de noventa sesmarias foram requeridas, alegando-se ‘4 ocupagao anterior, por pessoas de So Paulo, Santos e Paranagué. O mimero, porém, de requerentes dessas sesmarias, que variavam de tamanho entre 4 mil ¢ 8 ‘mil alqueires paulistas, era muito menor que o ntimero de sesmarias, o que signifi- ‘ca que a mesma pessoa requeria mais de uma. ‘Num levantamento, procedido em 1772, das fazendas do Parand, foram re- ‘censeadas, 29 grandes fazendas desde o Pitangui, hoje municipio de Ponta Grossa, até o rio Itararé, ou seja na parte norte dos Campos Gerais. No centro dessa érea, a Relagio assinala 12 grandes fazendas, enquanto que, nos campos da Lapa, ou seja ao sul de Curitiba, existiam 9 grandes fazendas, Mas, nem toda a extensio dos Campos Gerais estava coberta pelos latifiin- dios. Na Relagio das Fazendas, de 1772, ao lado dos 29 latifiindios da parte nor- te, existiam 100 sitios, pequenas propriedades, realmente exploradas, a0 longo da estrada de Curitiva-Siio Paulo; na parte central, 13 sitios, € nos campos do sul, 12 sitios. Em resumo, no ano de 1772, em toda a extensio dos Campos Gerais, desde Itararé, aos campos da Lapa, tendo por eixo a estrada das tropa, existiam SO ‘grandes fazendas e 125 sitios. Da linha da estrada das tropas, as fazendas foram adentrando para a linha dos confins ocidentais dos Campos Gerais. Atravessam os matos da serra da Espe- ranga, ocupando 0s campos de Guarapuava. Daf, atravessam as matas do rio Tgua- ‘su, ocupando os campos de Palmas, Marchando mais para o sul, a comunidade ‘campeira dos Campos Gerais, entrou nos campos de Sio Joio, de Onde retrocedeu ‘ao encontrar a expansio, em sentido contrério, dos fazendeiros do planalto catari- nense, De Palmas, ocupou 0 campo |Eré, de onde em procura de um caminho em diregio &s Miss6es, regis produtora de muares, atravessou o passo de Goié-En, sobre 0 rio Uniguai, chegando até Santo Angelo, com a primeira ocupagdo dos campos do Nonoai. Nessa drea distendida organizaram-se as fazendas que, nos meados do século XIX, atingem toda a sua potencialidade dentro do sistema econémico-social de um perfodo histérico. Nessa expansio reviveram aspectos de pioneirismo que retardou & estabilizagio da sociedade Varnhagen observava, ainda em 1851, que os criado- res de gado dos Campos Gerais, possufam 0 “espirito de exploracio dos antigos paulistas, e com a idéia de descobrir um pedaco de campo para a criagao de gado, Porém, a partir das primeiras décadas do século XIX, a sociedade fundada no latifindio jé se encontrava estabilizada, com a grande familia residindo nas fa- zendas, & base do trabalho escravo, e com a mocidade encontrando nas atividades do tropeirismo a sua forma de participago na vida social Nas uiltimas décadas do século, a situacdo era diferente. A constante queda da produgdo das fazendas ¢ a perda dos mercados de So Paulo e Rio, constitui- ram, talvez, 0 principal fator da desintegracao do sistema e decadéncia da classe dos fazendeiros, vindo em seguida o fim dos negécios de tropeirismo ¢ de inver- ‘nagem pelo aparecimento das estradas de ferro, na zona do café paulista. Conco- mitantemente a estes fatores, ocorriam outros: fora efetivada a completa ocupagio oo ® cas reas de campo, impedindo a colocagio, no sistema, das novas geragoes: a ca- pacidade de producio das terras era comprometida, cada vez mais, pelas sucessi- vas partilhas hereditérias ¢ dificultava a expansio da economia pelos métodos tentio usados; nem contavam com capitais mobilizéveis para trabalhar as terras de acordo com as novas situagées de mercado, Esses capitais vo aparecer em méos de outros segmentos da sociedade, com ‘outras motivacdes econémicas. Além dos ervateiros que, desde 0 primeiro quartel do século XIX, criariam, pela exportacdo, o principal negécio da Provincia, ga- nhava expresso, no fim do século, a industria da madeira. ‘No entanto, com a exploragiio dos ervais ¢ das matas de araucérias, pouco fora acrescida, no decorrer do século, a drea do territério ocupado. Por sua vez, 0 plano de colonizagio com imigrantes estrangeiros, posto em prética pelo Governo Provincial, também. nfo visara 0 preenchimento de largos espagos vazios, mas ‘apenas a agricultura de abastecimento. tiltimo movimento de expansio das populagdes dos Campos Gerais foi, j4 no século presente, realizado na diregéo do Tibagi. A nordeste desta cidade pas- ssa-se da regio de campos para a zona mista de matas e campos, ¢ logo mais se sobe a escarpa do segundo para o terceiro planalto das matas tropicais. Tibagi foi © centro dessa pequena frente pioneira que alcancou até Queimadas © Faxinal de ‘Siio Sebastido. Na década de 1930, porém, deteve-se o avango. Ela encontrara a frente pioneira, muito mais importante, do Norte do Parané, além de haver ficado condicionada pela presenca do grande latifiindio da fazenda Monte Alegre. Em 1894, 0 Presidente do Estado alertava o Congresso Estadual, depois de informar que os paulistas e mineiros tinham iniciado plantagdes de café na regiao hoje denominada de Norte Pioneiro, ou de Norte Velho, sobre a necessidade de ‘ocupar-se o territério: “o povoamento das fertilissimas regides do imenso serti0 do Oeste do Parand, € assumto que deve ocupar vossa atenco, pois que € 1& que bf de descavolver-sc a agricultura ¢, especialmente, a grande lavoura dc café j6 iniciada com Gtimos resultados nos vales dos rios Paranapanema, Cinzas ¢ Ja- tat” (6). ‘O regime de obtengio da terra era outro. A Resolucao de 17 de julho de 1822, declarara extinto aquele das sesmarias. Na realidade, porém, a simples ocu- ppacdo da terra tomara o lugar das concessdes pelo Poder Publico. A posse, prati- ‘cada livremente, desordenaria no Brasil, em geral, a situac&o da propriedade fun- disria. ‘A Lei n? 601, de 9 de janeiro de 1850, daria, no entanto, as grandes linhas do regime da propriedade, no Brasil. Findou absolutamente com a concessio de sesmarias, proibindo a ocupacio de terras devolutas. Determinava, ainda, a revali Gago das sesmarias ou de outras concessées do Governo, central ou provincial, que se achassem cultivadas, ou com princfpios de cultura, ¢ morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionério, ou de quem os representasse, embora nio tivesse sido cumprida qualquer das condig6es impostas pela concessio. ‘A Lei de Terras proibia, ainda, as aquisigdes de terras devolutas por outro tf- tulo que no o de compra. As terras devolutas ficavam incorporadas ao patrimdnio nacional. Desta maneira, somente pela aquisiclo era dado 0 acesso a terra, © 50- mente a0 Governo Imperial era permitida a concessio de terras para a fundagio de povoagées, abertura de estradas € quaisquer outras servidées, € assentos de esta- belecimentos pibticos. A No Parand, o primeiro Presidente da Provincia, Zacanas de Goes € Vascon- cellos. declarava, em 1854, haver encontrado confuso e desordenado 0 estado da propriedade territorial, frequentes os conflitos pelas questées de posses e limites, Os Relatérios dos demais Presidentes de Provincia, quase todos, contém obser- vagGes relativas as quest6es de terras. ‘A marcha da ocupagéo do territ6rio, porém, cessara com a estabilizacio € decadéncia da sociedade campeira dos Campos Gerais. Restavam, pois, ao final do século, desocupadas as regiées do Norte, Oeste © Sudoeste paranaenses, afora 4 presenga de rarefeitos posseiros caboclos, nos seus confins, que nao se organiza- ram em comunidades Nao resta divida que 0 acesso a terra exclusivamente por meio da compra, aralisara 0 movimento expansionista de ocupacao territorial. Na verdade, a Lei de Terras, fora o grande instrumento de reacio da sociedade tradicional. ‘Ao Governo central competia unicamente a realizacio de concessées de ter- ras, ¢ ele as fez com conseqiiéncias de importincia para o Parand. Haja vista as concess6es de terras referentes as construgGes de ferrovias No caso paranaense, 0 Decreto Imperial n° 10.432, de 9 de novembro de 1889, ja ao cair do Império, foi o mais significativo, concedendo & Estrada de Fer- ro Sio Paulo-Rio Grande, subsididria, alids, da Brazil Railways Company, uma rea imensa, ainda que descontinua, de terras devolutas ¢ nacionais, e bem assim as compreendidas nas sesmarias € posses, até 9 quilémetros, para cada lado, na extensao total das linhas de estradas de ferro da sua concessio, constitufdas pelas linhas-tronco Itararé-Uruguai, ¢ ramal de Jaguariafva a Ourinhos (parte paranaen- se). bem como 0 ramal de Guarapuava ¢ seu prolongamento até Foz do Iguagu, via rio Jordao. Seriam, alifs, por diversas vezes, modificados os termos desta con- cessio € 0 tracado da linha férrea 0 advento da Repiblica modificaria, porém, a situagio ¢ a questio de terras, no Brasil. Pelo artigo 64 da Constituicdo de 1891, passaram a pertencer aos Esta. dos, as terras devolutas neles situadas, ¢ cada um péde organizar a sua adminis- taco de terras, segundo leis proprias E. verdade que, na sua maioria, seguiram estiitannnte as diretrizes da Lei de Terras, de 1850. Entre eles, 0 Parané, com Lei Estadual n? 68, de 20 de dezembro de 1892, justamente reclamada pelo Presi- dente do Estado, na sua referida Mensagem ao Legislativo, ¢ regulamentada pelo Decreto n® 1, de 8 de abril de 1893. © artigo 3° da Lei Estadual n° 68 dispunha que as sesmarias ¢ outras con- cesses do Governo, ou os quinhées parciais em que estivessem subdivididas, quer se encontrassem, ou nfo, no dominio dos primeiros sesmeiros ou conces- siondrios, poderiam ser revalidados, desde que verificada a existéncia de cultura efetiva © morada habitual, ¢ realizada a sua medicao e respectiva demarcacio. O prazo estabelecido era o de cinco anos, improrrogaveis. ‘A Lei Estadual n® 68 reconhecia, pois, a legitimidade das posses existentes dentro dos limites das sesmarias ou concessées, sujeitas porém a revalidagao, des- de que houvessem sido declaradas boas por sentengas passadas em julgado © que tivessem sido mantidas com cultura efetiva ¢ morada habitual. A sua érea, contu- do, nunca deveria ser superior & érea cultivada e érea igual em mata. Outras pos- ses, encravadas em sesmarias ou concessdes. dariam direito apenas & indenizacso pelas benfeitorias feitas. se mantidas com cultura efetiva e morada habitual, duran- te 0s ditimos cinco anos € sem protesto piblico da parte do sesmeiro ou conces- stonéno Seniam respeitadas, entretanto, apenas as posses estabelecidas antes de 15 de novembro de 1889 Era rigorosamente proibida a invasie do dominio alheio, sobretudo © apossamento de terras devolutas do Estado, para a derrubada ou queimada de matas, plantages ou edificagdes, ou, ainda, quaisquer outros atos ossessérios. Por sua vez, 0 Estado do Parané, em toda a extensio do seu dominio, some: te poderia alienar suas terras por forca de lei ¢ atos dos poderes competentes, a ‘aqueles que se propusessem, pelo trabalho, tornd-las uteis, ow seja em troca de servicos em proveito da comunidade paranaense. ‘Quando da Lei de Terras, do Parand, no final do século XIX e principios do século XX, a conjuntura caracterizava-se pelo interesse dos capitais ingleses, no Brasil, pelos negécios de terras, além de serem os gru;-»s ingleses os principais detentores das concessées de servicos piiblicos, feitas pelo Governo brasileiro Um pais sem recursos para investimentos, teve que lancar miios do seu patriménio de terras, para a implartagio de tais servigos.. A construcéo de estradas de ferro concretiza esse interesse ¢ o controle exer- cido pelos grupos estrangeiros. Nessa conjuntura imperialist, enquadra-se a con- cessdo de imcusas glebas, no Parand, & Estrada de Ferro Sio Paulo-Rio Grande, ‘em troca da construgio da estrada Guarapuava-Foz do Iguacu, ligando leste-oeste Paranaenses, facilitando a ocupacdo desses espacos praticamente vazios desde a expulsio dos jesuftas pelos bandeirantes. O préprio Governo Provisério da Rep\ blica, com atribuigées legislativas, pelo Decreto n° 305, de 7 de abril de 1890, ‘embora com modificagées, havia confirmado as concess6es em favor de Sao Pai o-Rio Grande. ‘Muitas outras concessdes, visando todas a colonizacio dessas reas extensas do Oeste paranaense, foram também realizadas pelo Governo no Estado, no inicio do século, sobretudo na vigéncia da Lei Estadual de 5 de abril de 1916, revogad: porém, em 1922. Entre elas, podem ser citadas, a estabelecida, por contrato, em 1901, entre a Secretaria de Obras Publicas ¢ Colonizacao do Estado do Parané, ¢ ‘Manuel José da Costa Lisboa, por si e como procurador de Domingos Barthe, para a compra de 50,000 hectares de terras, nas comarcas de Guarapuava e Palmas, destinadas & localizacdo, no prazo de cinco anos, de 250 familias de colonos, ¢ para fins industriais; a concessio feita, em 1907, a Henrique Schiiller, de 50 a 150 mil hectares de terras, entre os rios Piquiri ¢ Paranapanema, para a localizacio de 1,500 familias de colonos nacionais ou europeus, no prazo de dez anos; ou as fa- ‘mosas concessdes para a construcio de ferrovias, feitas a Augusto Hauer, em 1906, para a estrada de ferro, partindo de Ponta Grossa, através da zona entre 0 Ivaf ¢ o Piquiri, atingir a Ponta da Fortaleza, & margem esquerda do Paranapane- ‘ma; a Miguel Sheeham, de uma estrada de ferro, partindo de Paranagué e termi- nando na margem esquerda do Pepiri-Guacu, no lugar denominado Barracio ou Dionisio Cerqueira, passando pelos municipios de Guaratuba, Lapa, Ambrésios, Palmas e Cleveldndia. Na vigéncia da Lei de 1916 encontram-se também as primeiras concessdes feitas pelo Governo do Estado do Parané, de terras situadas no Norte, na margem ‘esquerda do Tibagi, a Corain ¢ Cia., a Leopoldo de Paula Vieira. 'Nas terras do Oeste ¢ do Sudoeste, via de regra, porém, no houve acto co- lonizadora, empenhadas algumas concessionérias apenas na exploragao da erva 12- mate © da madeira. Muitas, nem sequer iniciaram quaisquer trabalhos de ocupacio cefetiva da terra, com a localizaco de colonos. -B- As terras do Norte do Parané, contudo, pela invasio da cultura cafeeira, to- ram efetivamente colonizadas, sobretudo a partir da iniciativa da Parané Planta tions Limited. E verdade que também ali, muitas concess6es nao foram devida- ‘mente aproveitadas, ou foram exploradas ‘sem éxito, voltando a0 patriménio do Estado. Estes anos da revelacdo das terras roxas do Parané caracterizam-se, na hist6- ria regional, como o tempo dos negécios de terras. Negécios de terras que pela movimentacio fundidria favoreceriam a ascenco econdmica do Parané modemo, mas que, também, muitas vezes, convulsionaram as comunidades paranaenses, Fregiientemente foram lesivos aos interesses do Estado, desde os primeiros tempos, dilapidando o patrim6nio piblico. A revolucio de 1930 procurou, ja a0 tempo do interventor Mario Tourinho, reaver concess6es feitas sem observincia das disposigées legais 2 contrérias aos interesses publicos. Entre as anulagGes rea- lizadas, e decorrentes da nova politica revoluciondria, ressaltam aquelas das con- cessdes feitas a Estrada de Ferro Sio Paulo-Rio Grande, & Companhia Agricola Marcondes (Piraps), ¢ a AntOnio Alves Almeida (Nova Bahia), entre outras. Desde 1939, na interventoria de Manuel Ribas, o Governo do Estado inves- tiu novamente contra os exploradores de terras, reconquistando para o dominio do Estado, centenas de milhares de hectares. Por outro lado, pela Portaria n® 8568, de 1939, 0 Governo Estadual iniciava ao norte © a oeste da Companhia de Terras Norte do Parand, nova fase de colonizagio oficial, fundando vérias colénias. Fo- ram aquelas de Icara, Jaguapitd, Centendrio, Pagu e Paranavaf. Da mesma manei- ra, também no Sudoeste, foram estabelecidos nticleos coloniais, pelo Governo, em Jacutinga, Barro Preto, Cov6, Mato Branco, Passa Quatro e Retiro do Pinhal. Governo estabelecera, ainda, um “seguro ¢ eficiente servigo de cadastro de com 0 objetivo de corcear ¢ eliminar tanto quanto possivel, os efeitos das crimino- ‘as atividades conhecidas pela bizarra denominacao de grilos, as quais, subtraindo grandes reas de terras ttcis a0 povoamento de vastas ¢ ricas regies, entravam a marcha da colonizaco do interior do Estado” (7) Niicleos coloniais, empreendidos por particulares, foram, também, instalados nessa regido, assim, entre outras, as colOnias de Jagoda, iniciada pela Companhia Colonizadora Mercantil Paranaense Limitada e a de Santa Bérbara, pela Empresa Colonizadora Santa Barbara Limitada, A guerra de 1939-1945 ¢ a nacionalizagio de propriedades em zonas de fronteiras, fizeram reverter em favor do patriménio nacional, grandes porgdes de terras no Parané. Assim, a incorporacdo da Companhia Estrada de Ferro Sio Pau- lo-Rio Grande, & Superintendéncia das Empresas Incorporadas a0 PatrimGnio da Unio, acarretou a ineorporagio, por sua vez, das terras, entre outras, conhecidas por Andrada, Chopim, Chopinzinho, Pinhio, Arroio Bonito, Missées, Riozinho, ‘Santa Maria ¢ Silva Jardim. ‘Contudo, nem a iniciativa governamental de colonizagiio, do Governo do Es- tado ou da Unido, nem aquela de companhias colonizadoras idéneas, nem a incor- Poragio de terras ao patriménio nacional, trariam ordem & questo de terras no P: rand. Pelo contrério, a redemocratizacio do pais, em 1946, abriria © mais agitado periodo da histéria da ocupagao da terra pelos proprietérios privados. -14- 95 2 - OCUPACAO DA TERRA NOY PARANA MODERNO Pelo exposto, observa-se que a primeira expansio povoadora, motivada pela fungio dos campos na conjuntura, ficou limitada, durante largo tempo, 20 Parand tradicional, ou scja as areas de campos € ao eixo da estrada das tropas. ‘As primeiras tentativas, mais por razes de ordem militar que colonizadoras, dos meados do século XIX, de expansdo rumo ao Norte paranaense, com 0 estabe- lecimento da Col6nia Militar do Jataf e dos aldeamentos de Sao Pedro de Alednta- rae de Sao Jeronimo da Serra; ou aquelas do ultimo quartel do século, rumo ao Oeste do Parang, com as colénias militares de Foz do Iguacu e de Chopim, justa- ‘mente porque nao tinham fungio no sistema, haja vista a repetida observagao dos relat6rios oficiais de que 0s colonos, tanto de uma, como de outras, néo tinham ‘onde colocar a produgio agricola das coldnias, pela auséncia de mercados e de transportes, nao resultaram, na verdade, na ocupacio colonizadora da terra. ‘Somente quando, desde 0 final do século XIX, novas estruturas comegavam a se formar, € que outras regides paranaenses seriam efetivamente ocupadas, partithadas pelos proprietérios privados A partir da década de 1860, penetrando pelos cursos superior € médio do Ita- raré, fazenieiros paulistas € mineiros, iniciaram plantages de café e a formagio de fazendas no Norte paranaense, nos moldes tradicionais de Sdo Paulo e Minas Gerais. Os. mateiros que percorriam a regido, haviam difundido a noticia da existéncia de manchas de terras roxas. Concessées de terras foram requeridas, me~ diante aquisicao feita a baixo preco, ainda ao Governo Imperial e, nesta primeira frente pioneira que chegaré apenas ao rio Cinzas, surgem cs micleos de Colénia Mineira (1862), Tomazina (1865), Santo AntOnio da Platina (1866), Vencesiau Braz ¢ So José da Boa vista (1867). Era constituida por fazendeiros, grandes Proprictérios isolados que empreendiam a empresa, com suas familias ¢ emprega- dos, espontaneamente, procurando as terras do Norte do Parana para o plantio do café e, em menor escala, para a criagio do gado. ‘As fazendas, nessa fase, constituem grandes propriedades. O colono 6, ain- da, geralmente nacional e assalariado, enquanto que a producdo escoa exclusiva- mente por Séo Paulo. As técnicas agricolas ¢ 0 regime de trabalho sio todos um prolongamento das praticas tradicionais paulistas. ‘A penetracdo em territério paranaense, porém, somente tomaria expressio, como onda povoadora, no inicio do século XX quando a conjuntura tornaria pro- curadas ¢ preferidas, para 0 plantio do café, as terras do Parané. Este Estado, por no haver, ainda, ultrapassado as suas quotas, estava fora das medidas restritivas 20 plantio do café, advindas das crises de superprodugio, no incidindo sobre os seus cafeeiros as taxas que jé gravavam, por exemplo, aqueles de S40 Paulo. Nas primeiras décadas do século, com a fundagéo de Jacarezinho (1900), ‘Cambaré (1904), Bandcirantes (1921) ¢ Cornélio Procdpio (1924), propiciadas timas sobretudo pela chegada a Ourinhos (1908) da Estrada de Ferro Sorocaba- na, realizou-se a colonizacio da area entre 0 rio Itararé e o rio Tibagi, earacteriza- 1s- On *o Ke da também pela ocupagdo espontinea dos lazendeires que. come empresa privad. individual, estabeleciam as suas tazendas em terras adquindas ao Estado do Pa rand, a posseiros antigos, ou a concessiondrios na regio. Nao ocuparam, porém. toda a extenséo da rea, por completo, restando terras & sua retaguarda, ocupadas ‘mais tarde inclusive por colonizacio dirigida, como foi 0 caso da col6nia Assai ‘A colonizacao dirigida, no entanto, quer promovida por empresas privadas, ‘ou pela iniciativa oficial, seria, sobretudo, realizada entre a margem esquerda do ‘Tibagi e as barrancas do rio Parané. ‘De outro lado, os povoadores vinham agora através do rio Paranapanema, trazidos pela agéo das companhias colonizadoras que revelaram a exuberdincia das terras do Norte do Parané, organizaram 0 fluxo migrat6rio e a efetiva ocupacdo da terra, Foram, inicialmente, as concessées, de 50 mil hectares cada uma, feitas a Corain ¢ Cia. (Primeiro de Maio) a Leopoldo de Paula Vieira (Sertanépolis). Lo- tearam suas concessdes em chécaras, sitios e pequenas fazendas. Outras concessées foram, ainda, realizadas, entre as quais aquelas a Manuel Firmino de Almeida (Zacarias de Goes), a Anténio Alves Almeida (Nova Bahia) © & Companhia Agricola Marcondes (Piraps). ‘A mais conseqiente, no entanto, dessas concessdes, foi a realizada, por meio de venda, feita pelo Governo do Estado do Paran4, de terras consideradas devolu- tas, & Parané Plantations Limited, com sede em Londres, companhia inglesa que passava, como outras jé 0 faziam, a operar no Brasil também com negécios de ter- ras ¢ colonizacéo. A Companhia de Terras Norte do Paran4, contando com técnica superior, ‘organizou modemamente a colonizacio da imensa érea que alcancaria 515 mil al- queires, dividindo-a em zomas que, ap6s 0s servicos de medigio e demarcacio, abertura de picadas e estradas, eram sucessivamente colocadas & venda. Tibagi ¢ Piraps foram as primeiras colonizadas, situadas que estavam mais préximas do es- crit6rio central da Companhia, em Londrina. Depois, foram as zonas do Rio Bom, Primitiva ¢ Paranhos, finalmente a do Ivaf. As zonas, por sua vez, foram divididas ‘em glebas ¢ estas, rescrvadas as dreas para a localizacio de patriménios e cidades, ‘em lotes colonials, cujo tamanho médio, nas terras da Companhia, era de cerca de 15 alqueires. Os lotes, em faixas alongadas, foram todos planejados com frente para a estrada que passava no alto dos espig6es, e com aguadas, nos fundos, nos ‘vales. Nao havia servidées, nem propriedades encravadas. Toda a érea colonizada pela Companhia de Terras Norte do Parané foi dota- da de boas estradas,| colocando as propriedades rurais em comunicaciio facil com 0s centros urbanizados e fucilitando o escoamento da produgao. Foram desde logo criados muitos patriménios, como pontos de apoio As propriedades rurais. Estas, via de regra, niio distavam mais de 15 quilémetros de um patriménio ou de uma cidade. Fora, assim, prevista © garantida a integragéo entre © meio rural ¢ 0 urba- no. Intensa propaganda, acerca do Norte do Parané e das condigées da coloni- zaG%0, foi realizada pela Companhia, sobretudo através de folhetos e de jornais de ‘grande circulagio, principalmente em Sio Paulo, com 0 objetivo de atrair colonos nacionais. A aquisicéo de lotes rurais cra facilitada, em prestagées, até quatro anos, aos juros de 8% ao ano, € a dos lotes urbanos, as datas, até dois anos. Ao comprador era exigida a reserva de 10% de fea florestal na propriedade adquin- 6 da \ Companhia prestava, ainda. transporte assisténcia para a instalagao inicial dos colonos. Milhares de colonos. com suas familias, vieram desta maneira radicar-se no Norte do Parané, tornando-se desde logo proprietérios de suas terras, onde, via de regra, plantavam o café e tinham, ainda, pequena lavoura de subsisténcia. "Até 0 ano de 1943, a Companhia de Terras Norte do Parand vendera cerca de 117 mil alqueires. Dez anos depois, em 1953, haviam sido vendidos 400 mil alqueires, divididos em cerca de 26 mil lotes agricolas, cuja drea média era de 15 alqueires. Nese mesmo ano, em média, quatro famflias estavam localizadas em cada lote, ou seja cerca de 100 mil familias na érea rural, colonizada pela Compa- nhia. Esta, a partir de 1951, no tendo podido adquirir novas terras devolutas do Estado, teve de langar-se a novos empreendimentos que ndo apenas os de venda de terras e colonizacio, surgindo, em conseqiéncia, a Companhia Melhoramentos Norte do Parané. A iniciativa da Companhia de Terras Norte do Parané ¢ de outras compa- nhias colonizadoras, particulares, fez povoar densamente a regio. Os povoadores recém-chegados eram, sobretudo, paulistas, mineiros ¢ nordestinos. Colonos es- trangeiros, de variada procedéncia, também se estabeleceram no Norte do Parané, ‘muitos espontancamente, outros dirigidos por companhias colonizadoras. No ilti- ‘mo caso, sio exemplificativas as coldnias de Assaf e Uraf, aquela fundada pela Brazil Tokushoku Kaisha - Bratac, ¢ esta pela Nambei Tochibushiri, com imigran- tes japoneses ¢ seus descendentes. ‘© Governo do Estado, proprietério, ainda, de grandes éreas de terras devolu- tas © de terras de antigas concessées anuladas que haviam retornado ao seu pa- triménio, iniciou também, a partir de 1939, diretamente, um programa de coloni- zagio de muitas dessas reas, no Norte paranaense. Foram, assim, de iniciativa oficial, além de Jataizinho, situada entre Ibipori (concessio feita, em 1935, a Francisco Gutierrez Beltrao) ¢ © rio Tibagi, as colénias Igara (1941), Jaguapita (1943), Centenério (1944), Interventor (1950) e Pagu (1950), em terras da ex-con- ‘cessio Alves Almeida, bem como a coldnia Paranavaf, mais a0 oeste, em 1942, si- tuada a sede no centro da antiga Fazenda Brasileira, cujas terras haviam voltado a0 patriménio do Estado do Paran4, apés a revolugao de 1930. ‘© sistema de colonizacéo praticado pelo Governo do Estado foi semelhante ‘a0 da Companhia de Terras Norte do Parané, vendendo suas terras em pequenos lotes agricolas, exceto nos casos da colénia Centenério que foi loteada em fazen- ddas, e de Paranavaf, onde as propriedades rurais eram de dimens6es variadas, con- forme a sua localizacéo em relacio A sede da Coldnia. No Oeste paranaense, as concessées realizadas pelo Governo do Estado as ‘companhias particulares, nas primeiras décadas do século, pouco ou nada realiza- ram em favor da colonizacio efetiva. Os niicleos coloniais tentados, quer pelas Préprias companhias, como aqueles estabelecidos por|Meyer, Anes € Cia. (Sol de Maio ¢ Santa Helena), quer pelo Governo, como a colénia Bom Retiro (atual Pato Branco), nao tiveram condigdes de progresso pelo isolamento em que se encontra- vam ¢ pela auséncia de mercados. ‘A revolugéo de 1924 revelou claramente a situagio de miséria e de abandono da regio, explorada apenas depredatoriamente pelas companhias que extrafam a ‘erva-mate € a madeira. Permanecia, até essa época, o Oeste paranaense pratica- mente despovoado ¢ desconhecido. ~17- ot, porém, nessa mesma década yue teve inicio & entrada, em grande excal da corrente povoadora vinda do Rio Grande do Sul ¢ Santa Catarina, constituida, Principalmente, de agricultores de origem italiana e alema Entraram por Paws Branco. infletindo depois pelos vales dos rios Chopim, Piquin Parané Essa corrente povoadora € que, realmente, ocuparia a terra, onde a explo- ragio da erva-mate € da madeira deixara, apenas, rarefeitos cuboclos, semindma- des na floresta. Traziam, via de regra, alguns recursos pecuniérios para a sua ins- talago, © plantariam cereais e criariam porcos. Entram somente com os seus re- cursos particulares, sem quaisquer auxilios dos poderes piblicos ou de Srgaos as- sistenciais. ‘A partir de 1939, 0 Governo do Estado resolveu colonizar também suas ter- ras devolutas e de antigas concessdes, no Oeste paranaense, fundando, na margem esquerda do Piquiri, as col6nias Piquiri, Cantu, Goio-Bang ¢ Goio-Eré, & mar- ‘gem direita do Ivaf, as colénias Manuel Ribas, Muquildo e Mourio. Seguiu planos de colonizagéo, demarcando os lotes rurais ¢ prevendo reas para a instalac3o de nécleos urbanos. Os lotes agricolas, nessas coldnias, foram, em geral, de reas su- eriores aqueles do Norte do Paran4, medindo, em média, mais de 20 alqueires ‘PitiNeeen nova fuse Go povoemeato Go Ocete paranaenss, compantias coloniza- portincia que teve 0 empreendimento, destaca-se a Industrial Madeireira e Coloni- zadora Rio Parané S.A. - Maripé, com sede no atual municipio de Toledo. Esta Companhia, em 1946, com capitais rio-grandenses, adquiriu a Fazenda Britania, com cerca de 124 mil alqueires, da Compafiia Maderas del Alto Parané, antiga concessionfria na regio. Iniciados os trabalhos da Maripé, com a instalacao dos escritérios centrais ¢ de uma serraria junto 20 arroio Toledo, foram medidos e de- marcados os lotes, abertas as picadas © estradas, reservadas as éreas para a cidade de Toledo © mais 13 ncleos urbanos, ¢, assim, abertas as vendas de terras, lotes urbanos ¢ lotes rurais. O lote urbano, a chécara a colémia foram as unidades se- guidas pela MaripS. As chcaras que circundam os nicleos urbanos foram, em média, de um alqueire, enquanto que as colénias (sitios), servidas sempre por 4guas correntes, foram demarcadas com a firea média de 10 alqucires. ‘Os colonos poderiam comprar mais de um lote, porém, a insuficiéncia de re- cursos para tanto, impediu a formagio de grandes propriedades. A procura das ter- ras ofertadas pela Maripé, por colonos gatichos ¢ catarinenses, foi extraordinéria, de tal modo que, em 1951, todas as terras demarcadas, jé se encontravam vendidas ‘ou compromissadas. A Companhia, no entanto, nio realizara grande campanha publicitéria em torno do empreendimento, a fim de nio atrair aventureiros ¢ para- sitas. Havia preferido empregar, como agentes de venda, sitiantes ¢ comerciantes que primeiro haviam chegado a Toledo, com a obrigagio de periodicamente visitar suas localidades de origem, recrutando novos colonos, conhecidos © selecionados, Em 1956, afora algumas reas extensas que vendera para serem colonizadas por ‘outras companhias, a Maripé havia vendido 9.618 coldnias do projeto inicial, res- tando apenas 3.544 a venda. A Companhia, por sua vez, adquirira também outras porgdes de terras. Os seus fundadores ¢ responsaveis participavam, ainda, de ou- ‘tas companhias colonizadoras da regio, tais como, a Colonizadora Gaiicha Limi- tada, com sede em Séo Miguel, Foz do Iguacu: a Industrial Agricola Bento Gon- sgalves, com sede em Medianeira: a Colonizadora Matellindia. com sede em Ma- 18- tclindia; a Terrase Pinhais Limitada, com sede em Sao Jorge, Foz do Iguagu; a Pinho © Terras Limitada, com sede em Céu Azul; € a Pinho e Terras Limitada, de Palotina, A obra colonizadora das grandes companhias de terras que, com seriedade, ‘operavam seus negécios, € aquela do Governo do Estado, como agente coloni- zador, constituem, no Parand moderno, 0 eixo propulsor da repartigfo da terra e sua efetiva ocupacdo pelos proprietirios privados. Elas se fizeram sob o regime da pequena propriedade, salvo em casos e freas excepcionais. Também, em funcio da produgdo agricola, notadamente do café no Norte dos cereais no Oeste ¢ Su- doeste paranaenses. ‘A colonizacio, organizada pelas companhias, fundada na venda de pequenos lotes agricolas aos interessados diretamente no cultivo da terra, supunha, entretan- to, uma engrenagem, um suporte juridico-contabil, de seguranca reciproca, entre ‘0s que pagavam e recebiam terras e outros beneficios, e 0s colonizadores que re- cebiam pelas terras e pelos servicos complementares que prestavam, © contrato de compra e venda, uma vez. efetuado, dava a0 colono a posse imediata da terra, e 0 término do pagamento das prestagGes acertadas, garantia-Ihe de imediato 0 titulo de dominio pleno, transferido pela empresa vendedora e pro- prietéria capaz.. A regio Norte do Parand, gracas principalmente A aco ordenada da Com- panhia de Terras Norte do Parané, péde experimentar, além de outras razses fa- voraveis da conjuntura, progresso répido, em virtude das condigées de seguranca do direito de propriedade, por parte dos lavradores, ainda que pequenos propricti- rios. Da mesma maneira, a atuagio da Marip4, no Oeste paranaense, deu aos colo- nos condigées de seguranga e trangiilidade, indispensdveis & sua fixacio. Adquirindo o seu lote agricola, o lavrador, logo segurameate, tomava-se 0 proprietiirio do seu pequeno sitio, amparado pelo poderio financeiro e politico da companhia que 0 vendera € 0 tinha como cliente. Se eram duros os tempos da abertura da mata e das primeiras rogas, trabalhava terra sua e no era molestado or questées de terras. Mas, se esta foi a regra que fez povoar densamente as regides do Paran mo- demo, pontos € momentos houve em que as questdes de terras assumiram graves aspectos conflitantes, por vezes, dramiticos. Nao faltou a especulaco nos negé- cios de terras, como nao faltou o ludforio de muitos lavradores, nem tio pouco a exploracdo dos trabalhadores rurais. Se, de um lado, a seguranca do direito de propriedade atraiu milhares de la- vradores honestos, descjosos do legitimo acesso A terra, a exuberiincia © a riqueza das glebas, atrairam também aventureiros em busca de toda a sorte de facilidades. Acresce, ainda, 0 fato de que além da colonizagio particular, espontinea ou diri- ida, ¢ da oficial, houve, muitas vezes, a ocupacéo pura e simples de terras devo- lutas ou pertencentes a particulares que no se encontravam presentes. Configurou-se, nesse caso, a posse quando muitos colonos estabeleceram-se em terras devolutas ou abandonadas, com cultura efetiva e morada habitual, Em conseqtiéncia, quando o Estado vendeu as terras, ou desejou ele préprio colonizé- las, muitos lotes, e mesmo glebas inteiras, jé se encontravam ocupados pelos pos- seires. Foi, por exemplo, 0 caso, no Norte do Parané, da col6nia Jaguapita, cujas terras jf se encontravam praticamente todas ocupadas quando 0 Governo iniciou ali os trabalhos de medigio e demarcagiio. No Oeste foram também numerosos 0s 19. casos da presenga, em massa, de possciros, como nas cokinias Piquirt © Cantu A venda de terras devolutas, ou de antigas concessdes, a companhias colont- zadoras ou a requerentes individuais, traria 0 problema da necessidade de regula- rizagdo da situagdo dos posseiros nelas encontrados, ou a sua retirada, nem sempre pacifica. O conflito juridico entre dois ou mais pretensos proprietarios que aliena- ‘vam as mesmas terras a dois ou mais compradores, também agravaria a questo de terras. Neste sentido, foi de suma gravidade, a questio entre o Estado do Parand e a Unifio, em torno das terras da antiga concessio da Estrada de Ferro So Paulo- Rio Grande. Outras vezes, a ocupagio de terras devolutas, ou pertencentes a particulares ausentes, foi deliberada, caracterizando-se a imtrusagem, ou seja a modalidade il cita de ocupagao e posse da terra, Sobretudo no povoamento do Oeste paranaense, séo freqiientemente encontrados os intrusos, ilegalmente empossados em terras de antigas concess6es inexploradoras. Também, no Norte do Parané, embora mais, ‘ordenado 0 povoamento pela aco da Companhia de Terras Norte do Parand, com a valorizagio répida ¢ crescente de suas terras, com a cultura do café, principal- ‘mente em Areas colonizadas pelo Governo do Estado, estiveram presentes os intru- sos, motivando & agitagio. Em todo o Parand, onde se verificaram negécios de terras, surgiv a industria da intrusagem, desinteressados os intrusos na legalizacéo de suas posses, € objeti- vando apenas o recebimento de novas terras pela sua saida, ou 0 pagamento de in- denizacdes pelas benfeitorias realizadas na propriedade, as quais, via de regra, fi- ‘cayam muito aquém das importincias exigidas para a sua retirada. Muitas vezes, a intrusio era violenta, quando aventureiros penetravam ¢ ins- talavam-se, mesmo pela forca, em terras j& alienadas, porém com os titulos defini- tivos ainda no expedidos, exigindo quantias de vulto para abandonarem as terras invadidas, nao faltando as ameacas ostensivas de sevicias ¢ mortes. Estes invaso- res operavam freqdentemente para grupos poderosos, interessados geralmente na formagao de grilos. A intrusagem dirigida era efetivada no intuito da formagio de posses. pois que estas geravam direitos, agravando, mais ainda, a questo de terras pela habili- taco de dois ou mais pretensos proprietirios legitimos. Com freqiéncia, a luta pela terra era travada entre o posseiro, o intruso € 0 proprictério que tinha titulo de dominio pleno, quando dois ou mais possciros, intrusos ¢ proprietirios ndo se apresentavam disputando o mesmo lote ou a mesma gleba Do ponto de vista social, a existéncia no Parané de milhares de posseiros, sua luta pelo domfnio pleno da terra que ocupavam, com suas rogas ¢ ranchos, desde anos, € que lhes era arrebatada por terceiros, geralmente figurdes das cidedes, constital o mais dramético aspecto das questies agririas do Parand mo- demo. A existéncia e o tumulto| provocado pela intrusagem, complicariam sobre- modo a solugio da efetiva ocupagio da terra pelos proprietérios privados, gerado- res que foram de intimeros conflitos de interesses privis 40 ettudo da ocupagio. .. “Westphalon, Machado Bathans - Note GRANDES GRILOS DE TERRAS NO PARANA NE Grilos Alqucires 1 Reconquista 446.280 2 Guavirova he ote * 171.000 3 Sio Manuel. 71.000 4 Boa Ventura. 0.222. és x 5.000 5. Laranjeiras 38,000 6 Ubs .. 100.000 7 Corumbatat . 22.22 3 z 216.300 8 Bandeirantes .. o 403.740 9 Sfio Jofo do Rio Claro - 30,000 10 Colinia de Baixo 5.887 11 Boa Esperanga . 255.980 12 Piraps 4 Be «SO SID 13 Ribeirio Vermetho .... 2 45.000 asl é : 148.290 15° Tigre . : 17.660 16 Barra Bonita... Re aa ao Rap ote 16.270 17 Pontal do Rio Cinzas . 13.590 18 Sio Joo do Rio Pardo . 38.000 19° Ipiranguinha ... 2.6.22 21.000 20. Flores Conceigio 22.000 Total... enganed 2.434.567 Outros aspectos devem, ainda, ser considerados em relacfo A posse ¢ a0 dominio da terra, no Parané modemo, decorrentes da colonizacio recente e da sua extraordindria valorizagio. Entre estes sobressai, pela perturbacio da ordem dos negécios de terras, da efetiva ocupagio ¢ reconhecimento dos direitos dos legiti- mos proprietirios, mesmo que simples posseiros, a pritica organizada da grilagem de terras, ou seja da formacéo de grilos, por espertos aventureiros, hébeis no ‘apossamento de terras alheias, com base em titulos falsos de propriedade. Falsifi ‘cando documentos, como escrituras de transferéncias de propriedades, recibos ‘outros, appssavam-se!de vastas reas, gerando nao apenas conflitos de ordem juri- dica, mas sobretudo a inquietagéo, no meio rural paranaense. Ficaram famosos, na historia agréria recente do Parané, os grilos das terras de Reconquista, ‘Séo Manuel, Boa Ventura, Laranjeiras, Ub4, Corumbataf, Bandeirantes, Sao Joao do Rio Claro, Colénia de Baixo, Boa Esperanca, Pirap6, Ribeiro Vermelho, Bar- ra do Tibagi, Tigre, Barra Bonita, Pontal do Rio das Cinzas, Séo Jodo do Rio Pardo, Assento do Salto do Ipiranguinha ¢ Flores Conceigao (8) Intrusos ¢ grileiros, via de regra, com o concurso de jagumgos, pistoleiros de oficio, intrangdilizavam posseiros e sitiantes, obrigados também, muitas vezes, a reagir & bala, de sorte que muitos capitulos da hist6ria da ocupagao da terra do Pa- rand modemo, foram escritos com fogo e sangue. “2. pe , -MOVIMENTOS AGRARIOS NO 3} PARANA MODERNO © grande problema agrério do Parandé modemo diz respeito, sem divida, & propriedade da terra, ou seja a0 domfnio pleno da mesma pelos proprietérios pri- vados. A repartigéo da terra nio se fez, contudo, scm maiores dificuldades. Desde © inicio do século XX, até a década de 1960, quando o Parané encontra-se efeti- vamente ocupado, dura e penosa foi a implantagio do regime da pequena proprie- dade e das condigées de trabalho, no meio rural, que marcam a revolucdo agréia paranaense. Basicamente, por questdes de terras, j4 no comego do século, na drea limitro- fe contestada pelos Estados do Parané e de Santa Catarina, irrompia movimento sertanejo de graves proporgées. Eram, em parte, terras de campo ocupadas pelos latiftindios pastoris. Os campos de Palmas, constituiam, na verdade, a mais avangada penetragio, nesse rumo, em terras do Parand, da sociedade tradicional campeira paranaense. Ali, os grandes proprietérios rurais ocupavam, ainda, posigdes de prestigio social, éco- admico ¢ politico, porque senhores da terra Dispersa, porém, pela grande propriedade ou nos confins da mesma, uma populagao de agregados e posseiros que o sistema de latifindio nao mais comportava, praticando apenas uma lavoura de subsisténcia e criando alguns pou- ‘cos animais, em terra que ndo era sua. Tinham apenas a posse da terra, onde er- guiam seus ranchos ¢ realizavam suas rogas, com 0 beneplacito do “‘coronel” fa- Zendeiro e mesmo ao abrigo do compadrio que o regime paternalista instituira. De outra parte, nas zonas de matas do territ6rio contestado, as atividades principais, dominadas também pelos grandes proprictérios, eram aquelas ligadas & exploragio de ervais e da madeira. Os caboclos que viviam dessas atividades, dispersos pela mata, constituiam também uma populagio miserével ¢ sem terra. Eram posseiros ou intrusos em terra alheia Até aos ervais © is matas chegava 0 poderio dos grandes proprietérios, se- tnhores também dos ervais © da madeira, ou arrendatérios daqueles pertencentes 20 Estado. Em conseqiiéncia, tanto os caboclos das zonas de campo, como aqueles das zonas. de mata, eram obrigados a seguir adiante, embrenhando-se no sertio, para estabelecer os seus ranchos € rocas, intrusando terras ou tirando novas pos- ses. Portm, a repressio contra intrusos © posseiros muitas vezes se fazia sentir violenta, inclusive com a agio da Policia do Governo, este quase sempre ao lado dos grandes proprietirios. ‘A questio de terras muito se agravaria, no final do século, na regido do Con- testado, pela passagem das terras devolutas para a competéncia dos Estados, de Yez que 0s seus Governos eram controlados pelas oligarquias locais que faziam esar 0 seu poderio, conseguindo terras © beneficios e, sobretudo, ago policial contra intrusos e posseiros Estes cram violentamente despejados, perdendo os poucos bens que pos- suiam, devendo tudo recomecar novamente 23.

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