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Sinestesia faz sentir o desvio entre as palavras e as coisas apresentadas a quem escuta

‘poente’. Mesmo nas formas já dissolutas, apressadas, do nosso presente. Dobras de


sinos marcaram vidas (Proust, Drummond, crianças no interior), mas as dobras das
estrelas, apesar do silêncio positivista do espaço, fazem imaginar que o tremolo que
marca o tempo musical de ‘poente’ convida a sensibilidade à imaginação. Mesmo
repetido na execução inteira esse pulso, tremolo rápido, não é em nada apressado: ao
contrário ele é anti-moderno. É duração. Pode ser isso, mas um outro chute seria mais
acertado: o tremolo acompanha o cintilar das estrelas. Quando ainda não se estiver
suspenso nesse luzir que um dia se esteja, como a lua aos gregos significava outra coisa
que a nós agora. A música, o poema, inverte o sentido da flecha do tempo apontando
para um outro perdido. ‘Tabas’ cobertas de ‘arabescos’ abrindo-se às molduras das
estrelas, quase uma descrição proustiana em detalhes. Mas em ‘poente’ nada é
demorado, o tempo e a escala são flechas que se atravessam de verso em verso, às vezes
adjetivando a contradição. Presente-ausente é ver o mar em ilhós, pelo cais. Sinestesia
(mas essa não é a palavra), contradição(?) entre a metafísica e o natural, entre o
histórico e o sideral, finito e infinito. Entre a jabuticaba (ou açaí) e o quasar, entre a física
e o individual (a consciência?). O belo da música é que ela apresenta tempos sem espaço
e escalas sem referência. Não entro no mar por ser mineiro (apesar de cacaso), nem nos
astros por ser telúrico, mas, caso houvesse permanência na morte, não seria insublime
a duração de ‘poente’ como imagem de um pós-entardecer possível. Não entro nas
cores comparecendo juntas, de mãos dadas, à luz. São sempre de tons escuros, apesar
da luz e do brilho. Entro, finalizando, numa pergunta: na escrita do verso “vidas em
carretéis” iberê camargo estava? Salve André! Salve Luísa! Abraços!

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