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| RAMANA MAHARSHI RAMANA MAHARSHI ENSINAMENTOS ESPIRITUAIS “Sri Ramana é um verdadeiro filho do solo indiano, Ele é auténtico ¢, além disso, um verdadeiro fendmeno. Na [ndia, é considerado 0 ponto mais imaculado na brancura dos céus.” C.G. JUNG Ramana Maharshi é um dos maiores mestres espirituais da India mo- dema. Aos dezesseis anos, atingiu a experiéncia profunda do verdadeiro Eu superior sem a orientagao de um guru, permanecendo, daf em diante, consciente da sua identidade com a Absoluto em todos os momentos. Depois de alguns anos de reclusdo silenciosa, comegou a responder as perguntas formuladas por quantos prosseguiam em sua busca espiritual mundo afora. Maharshi nao seguia nenhum sistema tradicional de ensinamento e quase nfo escreveu. Seus ensinamentos tomaram’a forma de didlogos com visitantes que buscavam sua orientac4o; seu método de instrugdo consistia em dirigir quem andava em busca ‘de seu Eu superior, além de recomen- dar, como caminho para a compreensdo, um tipo de auto-indagacao in- cans4vel, no qual se destacava a pergunta: “Quem sou eu?” A transcrigdo dos didlogos de Ramana Maharshi é conhecida dos as- pirantes espirituais de todo o mundo e.apreciada pelo seu senso de intenso poder de inspiragdo, que transcende todas as divergéncias religiosas. EDITORA CULTRIX §) 9 Seetiments "Bn trabarh 2% para que sungdA ests pensanerte ? odesapego consists om destrusy infeiva mente os em seu Local de Otigem @ semdeixar vestigios. 26 tanto ve estade de Vigilia como ncestade AS conve persamentys nomes @ filmas ocorcem simmltaneamente , we ES % aleydon dey "Quo Sow sue? 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Rua Dr. Mario Vicente, 374 - 04270 - Sao Paulo, SP - Fone: 272-1399 que se reserva a propriedade literdria desta traducdo. Impresso nas oficinas gréfieas da Editora Pensamento. Sumario PREFACIO 7 INTRODUCAO DE C. G. JUNG 9 ESBOCO BIOGRAFICO . 13 QUEM SOU EU?...... - 17 INSTRUCAO ESPIRITUAL « 29 Instrugéo . pal Pratica ... - 35 Experiéncia - 47 Realizagéo ... Pel O EVANGELHO DE MAHARSHI ... 57 Trabalho e Remincia 59 Siléncio e Solidao . . 67 Controle da Mente eee Bhakti e Jfiana . 77 Eu Superior e Individualidade . . 81 Realizagao do Eu superior 85 O Guru e sua Graga ... . 91 Paz e Felicidade . . . 9 Auto-Inquirig&o --101 Sadhana e Graga .... » 109 O Jiiani e o Mundo 115 O Corago é 0 Eu superior 123 Aham e Aham-Vrtti .. 133 NOTAS | . 141 GLOSSARIO .. 143 Prefacio Uma inspiragéo suave — desprovida de pensamentos — é capaz de promover o éxtase da consciéncia total — além das palavras. Nos trés livros de respostas aos que buscam, Bhagavan Rama- na Maharshi, sem ferir 0 bom senso, a razdo ou a Iégica, expressou da melhor forma o indizivel, mostrando o caminho — os intimeros caminhos — para o Eu superior e o Ser. A fim de compreender a experiéncia maxima, deve-se buscar a experiéncia interior. Além do que vocé pensa, encontra-se 0 que vocé é. Tal per- cepgéo nao envolve praticas nem atitudes especificas, exceto a Compreensio. Nao é necessdrio o recolhimento — nenhuma mudanga de tempo, espago ou condigGes atuais — mas apenas uma mudan¢a de ponto de vista, que vocé realiza em favor de seu Eu superior. Em uma carta recente, S.S. Cohen faz a seguinte afirmacao: “ ‘Ser’ resume todo o ensinamento pratico de Bhagavan. Nada existe na vida material que possa substitui-lo — nem a riqueza, 0 sexo, as artes, a ciéncia ou qualquer outro ideal. O Ser é 0 Bem maior -, beatitude e verdade absolutas.”” Bhagavan chegou & Iluminacao por si mesmo, sem um guru fi- sico. Possa vocé encontrar a resposta neste livro. Essa pode ser a viagem que dispensa todas as outras. Descubra quem vocé é, e nao podera deixar de Ser! Saiba que vocé é imortal, e s6 lhe é dado Ser. Possam todos os seres alcangar o bem-estar, possam todos os seres ser felizes. Paz, paz. PAZ Joe & Guinevere Miller Introdugao Sti Ramana e Sua Mensagem para o Homem Moderno C. G. Jung Sri Ramana é um verdadeiro filho do solo indiano. Ele € autén- tico e, além disso, um verdadeiro fenémeno. Na India, é considerado © ponto mais imaculado na brancura dos céus. Encontramos na vida e nos ensinamentos de $17 Ramana o que de mais puro existe na india; com seu alento de libertagao da huma- nidade, é um cAntico milenar cuja melodia possui um tinico e gran- dioso motivo, 0 qual, em seus milhares de reflexos multicoloridos, renova-se dentro do espfrito hindu, do qual o préprio Sri Ramana Maharshi é a tiltima encarnagdo. A identificag&o do Self com Deus iré chocar o homem ociden- tal. Eis uma percepgdo estritamente oriental, segundo os escritos de Sti Ramana. A Psicologia nado tem nenhuma outra contribuicio a acrescentar, exceto constatar que se encontra bem além de seu al- cance propor coisa semelhante. Contudo, para o hindu, esta claro que o Self como Fonte Espiritual nao difere de Deus; habitando o préprio Self, o homem nao apenas est4 contido em Deus, mas € 0 proprio Deus. Si Ramana € bastante claro a este respeito. O propésito das praticas orientais € 0 mesmo do misticismo ocidental: mudar o foco do “Eu” em Self, o homem em Deus. 9 O que implica o desaparecimento do “Eu” no Self, e do homem em Deus. Esforgo semelhante é descrito em exercitia spiritualia, no qual a “propriedade pessoal”, o “Eu”, submete-se, no mais alto grau, ao Cristo. Sti Ramakrishna adotou a mesma posigéo no que se refere ao Self, sé que com ele torna-se um pouco mais evidente 0 dilema entre “Eu” e Self. Si Ramana deixa claro que o verdadeiro objetivo da pratica espiritual é a dissolucéo do “Eu”. Ramakrishna, entretanto, demonstra certa hesitag4o a esse respeito. Embora afirme que “‘enquanto durar o senso do Eu, serao impossiveis 0 Conheci- mento verdadeiro (jfidna) e a Libertagio (nukti)”’, resta-lhe reco- nhecer a natureza fatal de ahamkara. Afirma ele, “Como alguns poucos podem obter essa uniao (samddhi) e libertar-se desse ‘Eu’? S6 muito raramente isso é possivel. Falem o quanto quiserem, iso- lem-se continuamente; ainda assim esse ‘Eu’ insistiré em voltar. Der- tube o choupo hoje e amanha veré novos brotos formando-se. Quan- do por fim descobrir que esse ‘Eu’ nao pode ser destruido, deixe que permanega como o ‘Eu’ servo”. Diante dessa concessio, S1i Ramana é, sem dtivida, mais radical. As relag6es entre essas duas quantidades, o “Eu” e o Self, em constante modificag&o, constituem um campo de experiéncia que tem sido explorado pela consciéncia oriental de indole introspectiva, com intensidade praticamente inatingfvel para o homem ociden- tal. A filosofia oriental, tao diferente da nossa, representa para nds uma dadiva extremamente valiosa, a qual, contudo, “devemos con- quistar a fim de possui-la”.~Mais uma vez, as palavras de $17 Rama- ha resumem os ensinamentos fundamentais, acumulados pelo espirito da fndia ao longo de milhares de anos de contemplagio do Ser Inte- rior; a vida e a obra do Maharshi exemplificam mais uma vez 0 es- forgo interior dp povo hindu na busca da Fonte original libertadora. As nagées orientais veem-se ameagadas por uma rapida desin- tegragéo de seus valores espirituais, e o que surge em lugar destes nao pode ser considerado como o néctar do pensamento ocidental. Portanto, sébios como S$:i Ramakrishna podem ser considerados pro- fetas modernos, Nao apenas nos fazem lembrar a milenar cultura es- 10 piritual da india, como também sao a personificagao dessa cultura. A vida e os ensinamentos desses dois sfbios sfo um impressionante alerta, a fim de que nao sejam esquecidas as exigéncias da alma em meio & civilizagéo ocidental, com seus interesses materialistas, tec- noldgicos e comerciais. O impeto séfrego rumo a obtengao e & posse nos campos politico, social e intelectual, explorando a paixéo insa- cidvel e manifesta da alma ocidental, também vem se alastrando pelo Oriente e ameaga trazer conseqiiéncias que precisam ser examinadas. Muito jé se perdeu nao apenas na {ndia, mas também na China, onde outrora o espirito vivia e florescia. A exteriorizag4o da cultura oci- dental de fato pode exterminar diversos males, cuja destruigio mos- tra-se desejével e vantajosa. Contudo — a experiéncia tem mostrado —,tal progresso custa caro demais: a perda da cultura espiritual. Sem diivida, € mais confortdvel habitar uma casa bem arrumada e limpa, mas isso nfo responde & pergunta sobre quem é o morador dessa ca- sa, sobre se a alma desse morador partilha de semelhante ordem e pureza, isto 6, A da casa, de que participa a vida exterior. A expe- riéncia evidencia que, uma vez iniciada a busca de bens externos, 0 homem jamais se satisfaz com o suprimento das necessidades sim- ples da vida, passando a desejar buscar sempre mais no mundo ex- terno, movido por seus preconceitos. Esquece-se por completo de que, a despeito de todas as vitérias externas, interiormente ele conti- nua 0 mesmo e, assim, se queixa de sua pobreza quando possui ape- nas um automével e nao dois, como algumas pessoas que esto a sua volta. Naturalmente, a vida exterior do homem pode trazer intimeros progressos e certo embelezamento, que perdem seu significado na medida em que o homem interior nao os acompanha. A provisio de todas as “‘necessidades” €, sem diivida, uma fonte de felicidade que n&o deve ser subestimada. Todavia, além e acima desta, o homem in- terior tem necessidades que no podem ser satisfeitas por bens ex- ternos: e quanto menos a voz interior é ouvida, na busca das “‘mara- vilhas” deste mundo, mais o homem interior torna-se fonte de inex- plicdvel m4 sorte e incompreensivel infelicidade, em meio a con- dig6es de vida das quais poder-se-ia esperar coisa bem diferente. A 11 externalizagéo leva ao sofrimento incuravel, porque ninguém com- preende como é possivel sofrer em virtude da prdpria natureza. Nin- guém se espanta da prépria insaciabilidade, mas a considera um di- reito inato; o homem nio percebe que a dieta parcial de sua alma acaba por produzir desequilfbrios os mais sérios. Af reside a enfer- midade do homem ocidental, que néo descansaré enquanto nfo con- taminar o mundo inteiro com sua impaciéncia voraz. A sabedoria e 0 misticismo orientais, portanto, tem muito a di- zet-nos em sua linguagem inimitavel. Eles devem lembrar-nos 0 que possuimos de semelhante em nossa propria cultura, 0 que j4 esque- cemos, bem como dirigir nossa ateng&o para o que deixamos de la- do, como algo insignificante: 0 destino de nosso homem interior. A vida e os ensinamentos de Sri Ramana sao importantes nfo apenas para os hindus, mas também para o ocidental, fornecendo relatos de grande interesse humano, além de um alerta 4 humanidade que ameaga perder-se em meio ao caos de sua inconsciéncia e falta de autocontrole. Esta introducio foi escrita originalmente para o livro Der Weg zum Selbst, de Heinrich Zimmer, e traduzida por R. F. C. Hull no volume 11 das Obras Completas de C. G. Jung. Cedida pela Prince- ton University Press, editora das Séries Bollingen. 12 Esbogo Biografico Ramana Maharshi (1879-1950) foi um dos maiores mestres es- pirituais da India modema. Aos dezessete anos, atingiu a experién- cia profunda do verdadeiro Eu superior, sem a orientacaéo de um gu- ru, permanecendo, daf em diante, consciente da sua identidade com o Absoluto (Brahman) em todos os momentos. Depois de alguns anos de recluso silenciosa, finalmente comegou respondendo a per- guntas formuladas por quantos prosseguiam em sua busca espiritual mundo afora. Maharshi nado seguiu nenhum sistema tradicional de ensinamento; em vez disso, falava a partir da propria experiéncia di- reta da ndo-dualidade. Ramana Maharshi quase nao escreveu: seus ensinamentos tomaram a forma de didlogos com visitantes que bus- cavam sua orientagio (segundo transcrigéo de seguidores), as ins- trugdes breves por ele deixadas a seus seguidores, e algumas cangées. Seu método de instrugao consistia em dirigir repetidamente © que fazia a pergunta ao seu verdadeiro Eu superior, além de reco- mendar, como caminho para a compreensao, um tipo de auto-inda- gacao incansavel, no qual se destacava a pergunta “Quem sou eu?”. A transcrigéo dos diélogos de Ramana Maharshi é conhecida pelos aspirantes espirituais do mundo inteiro, e apreciada por seu intenso poder de inspiragao, o qual transcende todas as divergéncias reli- giosas, Sri Ramana Maharshi nascey no dia 29 de dezembro de 1879, em Tiruchuli, Tamil Nadu (sul da India), filho de Shundaram Ayyar, amanuense e advogado de interior; recebeu 0 nome de Venkatara- 13 man, abreviado para Ramana. Certo dia, aos dezessete anos, passou repentinamente pela experiéncia da morte, na qual percebeu que 0 corpo morre, mas a consciéncia nao é atingida. “Eu” sou conscién- cia imortal. ““Tais especulagées”, relatou ele tempos depois, “nao eram infundadas. Atravessaram-me como verdades vivas e poderosas, das quais tive a experiéncia direta, quase sem reflexdo. O ‘Eu’ (isto , o verdadeiro Eu ou Eu superior) é realidade, a nica realidade nesse estado transitério. Toda atividade consciente relacionada com © meu corpo fluia para esse ‘Eu’. Daquele momento em diante, toda atengdo, como se através de poderosa mégica, passou a ser atraida para o ‘Eu’, ou Eu superior. O medo da morte desapareceu por com- pleto. A partir dai, permaneci inteiramente absorvido no ‘Eu su- perior’.” Depois desta experiéncia, Venkataraman perdeu todo o interes- se pelas coisas do mundo e acabou por deixar o lar sem a permissao dos pais, chegando 4 montanha sagrada de Arunachala. La passou varios anos em silenciosa concentragao, primeiro no recanto escuro de um templo em Tiruvannamalai, no sopé da montanha, e, mais tar- de, em diversas cavernas da montanha; durante esse periodo, negli- genciou por completo todos os cuidados corporais e, em determina- do momento, foi literalmente devorado por insetos. Mesmo quando sua mie procurou-0 e tentou levd-lo de volta para casa, ele nao que- brou o siléncio e agiu como se nao estivesse vendo. Quando seus seguidores imploraram que desse alguma resposta aos apelos deses- perados da sua mie, ele escreveu as seguintes palavras impessoais em um pedaco de papel: “O destino da alma é determinado segundo seu prarabdha-karma. O que nao deve acontecer, néo acontecer4, nao importa 0 quanto vocé deseje. O que deve acontecer, aconte- cera, nao importa tudo o que vocé faca para evitar. Quanto a isso, nao resta dtivida. Portanto, o melhor caminho € permanecer em siléncio.” Quando, mais tarde, Ramana Maharshi interrompeu o siléncio, € comecou a responder a perguntas sobre o caminho para o Eu supe- rior, desenvolveu-se um Grama & sua volta em Tiruvannamalai. 14 Nessa localidade, Ramana Maharshi, que sofria de cancer, entrou em mahasamadhi. Até hoje aspirantes espirituais de todas as nacio- nalidades visitam o local, como ponto de peregrinacgao onde a pre- senga do grande santo ainda pode ser sentida. Adaptado do verbete “Ramana Mahar(i)shi”, da Enciclopédia de Filosofia e Religides Orientais, de Kurt Friedrichs (Boston: Shambhala Publications, 1988). 15 — Gad. QUEM SOU EU? XE 7 Quem sou eu? (NAN YAR?) Assim como todos os seres humanos desejam ser sempre feli- zes, Sem sofrimento; como existe em todos os casos, 0 amor supre- mo ao préprio Eu superior; e como apenas a felicidade produz o amor, para que se atinja essa felicidade que é a natureza do ser e que € experimentada no estado de sono profundo, onde nao hd men- te, deve-se conhecer o préprio Eu superior. Para tal, o caminho do conhecimento, que consiste na indagagao ‘‘Quem sou eu?”’, é 0 principal meio. 1- Quem sou eu? Nao sou 0 corpo fisico, composto dos sete humores (dhdtus); n&o sou os cinco érgaos dos sentidos cognitivos, isto é, os sentidos da audic&o, do tato, da visio, do paladar e do olfato, os quais apre- endem seus respectivos objetos, ou seja, 0 som, 0 toque, a cor, 0 sa- bor e 0 odor; nao sou os cinco érgaos conativos dos sentidos, isto é, os 6rgéos da fala, da locomog’o, da apreenséo, da excregéo e da Procriag4éo, os quais tém como fungées respectivas a fala, o movi- mento, a apreensao, a excregdo e 0 prazer; nao sou os cinco gases vitais, prana, etc., os quais realizam respectivamente as cinco 19 fungGes de inspiragdo, etc.; nao sou nem mesmo a mente pensante; tampouco sou a ignordncia, a qual é dotada apenas das impressdes residuais dos objetos, e na qual nao hd objetos nem fungées. 2- Sendo sou nada disso, entao, quem sou eu? Depois de negar todas as qualidades supracitadas com “‘isto nao, aquilo nao”, a Consciéncia que permanece — isto sou eu. 3— Qual a natureza da Consciéncia? A natureza da Consciéncia é existéncia-percepcao—beatitude. 4— Quando seré alcangada a realizagdo do Eu superior? Quando o mundo que é observado for afastado haverd a reali- zagao do Eu superior, que € o observador. 5— Ndo haverdé a realizagdo do Eu superior enquanto existir o mundo (considerado real)? Nao. 6— Por qué? O observador e 0 objeto observado sio como a corda e a ser- pente. Assim como o conhecimento da corda, que é 0 substrato, s6 sera obtido quando desaparecer o falso conhecimento da serpente iluséria, também a realizagao do Eu superior, que é o substrato, sé ser alcangada quando a crenga de que o mundo é real for afastada. 7 - Quando serd afastado o mundo, enquanto objeto observado? Quando a mente, causa de todas as cognigGes e de todas as ag6es, aquietar-se, o mundo desapareceré, 8— Qual é a natureza da mente? Aquilo que é denominado mente constitui um poder extraor- dindrio que reside no Eu superior, origem de todos os pensamentos. Sem os pensamentos, a mente nao existe. Portanto, o pensamento é a natureza da mente. Sem os pensamentos, nao existe uma entidade independente denominada mundo. No sono profundo, nado existem pensamentos e nao existe o mundo. Nos estados de vigilia e sonho existem pensamentos e também um mundo. Assim como a aranha produz o fio (da teia) a partir de si mesma e novamente leva-o para dentro de si, a mente projeta o mundo a partir de si mesma e nova- mente converte-o em si mesma. Quando a mente é produzida pelo Eu superior, surge 0 mundo. Por conseguinte, quando surge 0 mundo (aparentemente real) o Eu superior nao aparece; e quando aflora (brilha) o Eu superior, o mundo nao aparece. Quando se indaga in- sistentemente sobre qual a natureza da mente, esta acaba por deixar o Eu superior (como residuo). Atman € 0 que se relaciona com o Eu superior. A mente s6 existe em dependéncia de alguma coisa gros- seira; nfo existe sozinha. A mente é denominada o corpo sutil ou alma (Jiva). 9 — Qual o caminho para a compreensdo da natureza da mente? O que surge como “Eu” neste corpo é a mente. Se alguém in- dagar em que local surge em primeiro lugar o pensamento “Eu”, es- sa pessoa descobriré que esse local é 0 coragdo. Daf origina-se a mente. Alguém que pensa constantemente “Eu”, “Eu”, ser4 levada Aquele local. O pensamento “Eu” é o primeiro a surgir na mente. Os demais pensamentos s6 brotam depois deste. E apés o aparecimento do primeiro pronome pessoal que surgem o segundo e terceiro pro- nomes; sem 0 primeiro pronome, inexistem 0 segundo e terceiro. 10— Como aquietar a mente? ‘Através da indagacio “Quem sou eu?”, o pensamento “Quem sou eu?” destruiré todos os outros e, como a vareta usada para avi- var a fogueira, ao final ele mesmo acabaré destruido. Entao, surgir4 a compreensao do Eu superior. 21 11 — Por que agarrar-se ao pensamento ‘‘Quem sou eu?’’? Quando surgem outros pensamentos, no se deve insistir neles, mas indagar: “‘Para que surgem esses pensamentos?”’ Nao importa quantos sao eles. A cada um, deve-se indagar prontamente, “Para quem surgiu este pensamento?” A resposta seria “Para mim’’. Se logo depois se fizer a pergunta “Quem sou eu?”, a mente retorna 4 sua fonte e o pensamento se aquieta. Com a repeticgao dessa pratica, a mente desenvolverd a habilidade de permanecer em sua fonte. Quando a mente, que é sutil, aflora através do cérebro e dos érgaos dos sentidos, surgem nomes e formas grosseiras; quando permanece no coragio, tais nomes e formas desaparecem. Impedir que a mente divague e reté-la no Coragdo é o que se denomina “‘interioridade” (antar-mukha). Permitir que a mente saia do Coragio é conhecido como exteriorizagéo (bahir-mukha). Assim, quando a mente perma- nece no Coragao, o “Eu” que é a fonte de todos os pensamentos de- saparece e o Eu superior que sempre existiu pode brilhar. O que quer que se faca, deve-se fazé-lo sem o “Eu” egdico. Desta forma, tudo apareceré como natureza de Shiva (Deus). 12 — NdGo existem outras maneiras de aquietar a mente? Nao existem meios adequados afora a indagagéo. Com outros meios, a mente mostra-se aparentemente controlada, mas acabard por manifestar-se. Também através do controle da respiracao a mente se aquieta; mas s6 permanece assim enquanto a respiragao estd contro- lada, e quarido esta volta ao habitual, a mente também voltar4 a agitar-se e a vaguear, compelida por impressdes residuais. A fonte é a mesma para a mente e a respitagao. O pensamento é a natureza da mente. O pensamento “Eu” é o primeiro a surgir na mente; isto é egoidade. Daf originam-se a egoidade e a respiragao. Assim, quando a mente se acalma, a respiracao é controlada, e quando a respiragéo est4 controlada, a mente se acalma. Entretanto, no sono profundo, embora a mente esteja calma, a respiracéo no para. Isso se deve a vontade de Deus, a fim de que o corpo possa ser preservado e as 22 pessoas nao tenham a impressio de que é a morte. No estado de vigilia e no samadhi, quando a mente se aquieta, a respiragéo é con- trolada. A respiragao é a forma grosseira da mente. Até o momento da morte, a mente mantém a respiragdo fisica, quando o corpo mor- te, a mente leva consigo a respiragao. Portanto, o exercicio de con- trole respiratério serve apenas para acalmar a mente (ynanonigraha); mas nao destréi (manondasa). Assim como a pratica do controle respiratério, a meditagao nas formas de Deus, a repetigéo dos mantras, o controle alimentar, etc., nao passam de auxiliares para a calma da mente. Através da meditagéo nas formas de Deus e da repetigio de mantras, a mente € direcionada. Mas sua condig&o é errante. Assim como quando se dé a um elefante uma corrente para seu tronco, ele segue agarrado a corrente, também a mente se ocupa com um nome ou forma apenas. Quando ela se expande na forma de intimeros pen- samentos, todos tornam-se fracos; mas quando os pensamentos sio dissipados, a mente torna-se direcionada e forte; para essa forma mental, a auto-indagagfo torna-se facil. De todas as normas restriti- vas, a melhor € a relativa & ingestéo moderada de alimentos sattvi- cos; observando-se esse costume, a qualidade sAttvica da mente se acentua, 0 que sera de grande valia na auto-indagagio. 13 — As impressées (pensamentos) residuais dos objetos surgem in- terminavelmente, como as ondas de um oceano. Como afas- ta-las? A medida que a meditagio sobre o Eu superior se eleva mais € mais, os pensamentos vao sendo destrufdos. 14~ E posstvel afastar as impressées residuais dos objetos prove- nientes de tempos imemoriais, permanecendo o puro Eu su- perior? Em vez de entregar-se A diivida — “FE. possivel ou niio?” — é preciso que se atenha insistentemente 4 meditagdo sobre o Eu supe- 23 Tior. Mesmo quando vocé é um grande pecador, nao deve se preocu- par e lamuriar “‘Oh! Sou um pecador, como poderei ser salvo?’”’; ao contrario, deve renunciar por completo ao pensamento “‘Sou um pe- cador” — e concentrar-se intensamente na meditagao sobre o Eu supe- rior; entéo, sem diivida, haver4 vitéria. Nao existem duas mentes — uma boa e outra m4; a mente é uma sé. As impressées residuais € que sao de dois tipos — favoraveis e desfavordveis. Quando a mente encontra-se sob a influéncia das impressées favordveis, é considera- da boa; e quando sob a influéncia de impressdes desfavordveis, é considerada ma. Nao se deve permitir 4 mente vaguear rumo a objetos munda- nos e ao que diz respeito a outras pessoas. Nao importa o quanto ou- tras pessoas possam ser m4s; nao se deve nutrir édio por essas pes- soas. Deve-se evitar tanto 0 desejo quanto o édio. Tudo que se dé ao outro, dé-se a si mesmo. Se essa verdade for compreendida, o que nao sera dado aos outros? Com o surgimento do Eu superior, tudo brota; uma vez apaziguado o Eu superior, tudo se acalma. Conforme nos comportamos com humildade, daf resulta o bem. Se a mente se acalma, pode-se viver em qualquer lugar. 15 — Durante quanto tempo deve ser praticada a inquirigGo? Enquanto houver impresses dos objetos na mente, deve-se praticar a inquirigéo “Quem sou eu?”. Os pensamentos devem ser destrufdos no exato local de origem através da inquirigdo. E sufi- ciente que uma pessoa utilize repetidamente a contemplagéo do Eu superior até que este seja realizado. Enquanto restam inimigos no in- terior da fortaleza, eles continuam a miné-la; se séo destrufdos assim que surgem, a fortaleza permanece em nossas mos. 16 — Qual a natureza do Eu superior? Na verdade existe apenas o Eu superior. O mundo, a alma in- dividual e Deus constituem aspectos dele, como a prata na madrepé- rola; os trés surgem e desaparecem ao mesmo tempo. “24 O Eu superior existe onde nao existe o pensamento do “Eu”. A isso chama-se siléncio. O Eu superior é 0 mundo; o Eu superior é “Eu’’; o Eu superior é Deus; tudo é Shiva, o Eu superior. 17 — Tudo ndo é obra de Deus? O sol nasce sem desejar, sem deliberagéo, sem esforgo; e com sua simples presenga, 0 sol emite fogo, o Idtus floresce, a 4gua eva- pora; as pessoas realizam suas varias fungGes e entao repousam. As- sim como na presenca do magneto a agulha se desloca, com a sim- ples presenca de Deus as almas governadas pelas trés fungdes (cés- micas) ou pela quintupla atividade divina realizam seus atos e, entao, repousam, segundo seus respectivos karmas. Deus nada tem a transformar; Ele nao tem karma. Assim como os acontecimentos ter- Testres nao afetam o sol, ou os méritos e deméritos dos outros quatro elementos nao afetam o éter difuso. 18 — Quem é o maior dos devotos? O que se entrega ao Eu superior, que é Deus, é o melhor dos devotos. Entregar o Eu superior a Deus significa permanecer cons- tantemente no Eu superior, sem permitir o surgimento de quaisquer pensamentos além do pensamento do Eu superior. Deus suporta todos os fardos que Ihe sdo langados ao ombro. Se o poder supremo de Deus faz com que todas as coisas se movam, por que preocupar-nos constantemente, sem submeter-nos a esse po- der, com idéias tais como 0 que deve ser feito e o que nio deve ser feito e de que maneira. Sabemos que o trem transporta todos os car- Tegamentos; ent’o, por que levarmos conosco nossa pequena baga- gem com grande desconforto, em vez de colocar tudo no bagageiro do trem e acomodar-nos & vontade? 19— O que é desapego? O desapego consiste em destruir inteiramente os pensamentos em seu local de origem e sem deixar vestigios. Assim como 0 pesca- dor de pérolas amarra uma pedra a cintura, mergulha até o fundo do 25. mar e recolhe as pérolas, também o aspirante deve desenvolver 0 desapego, mergulhar dentro de si mesmo e obter a pérola do Eu superior. 20 — Nao é possivel a Deus e ao Guru libertarem uma alma? Deus e o Guru s6 podem mostrar o caminho da libertagao; so- zinhos nao podem libertar a alma. Na verdade, Deus e o Guru nfo sfo diferentes. Assim como a presa que cai nas garras de um tigre nao tem escapatéria, também aqueles que adentram o alcance do olhar complacente do Guru por ele sero salvos e nao se perderao; contudo, cada um por seus pré- prios esforgos deve buscar o caminho mostrado por Deus ou 0 Guru e alcangar a libertacgéio. S6 se pode conhecer a si mesmo com o pré- prio olhar do conhecimento e nfo com.o de outrem. Aquele que € Rama precisa da ajuda de um espelho para saber-se Rama? 21- E necessdrio dquele que anseia pela libertagao indagar qual a natureza das categorias (tattvas)? Assim como aquele que deseja livrar-se do lixo nao precisa analisé-lo e ver seu contetido, também o que deseja conhecer o Eu superior nao precisa contar o ntimero de categorias, nem analisar suas caracteristicas; o que ele tem a fazer é rejeitar por completo as categorias que ocultam o Eu superior. O mundo deve ser considera- do um sonho. 22 — Nao existe diferenga entre vigilia e sonho? A vigilia é longa e o sonho curto; essa é a tinica diferenga. As- sim como os acontecimentos do periodo de vigilia parecem reais en- quanto estamos despertos, também os acontecimentos do perfodo de sonho parecem reais enquanto sonhamos. No sonho, a mente toma outro corpo. Tanto no estado de vigilia como no estado de sonho, pensamentos, nomes e formas ocorrem simultaneamente. 26 23 — E de alguma valia a leitura de livros para aqueles que dese- jam a libertagao? Todos os textos afirmam que para lograr a libertagio deve-se acalmar a mente; portanto, o ensinamento conclusivo é de que a mente deve ser acalmada; quando isso é compreendido, nao é ne- cesséria a leitura intermindvel. A fim de acalmar a mente, basta in- dagar dentro de si sobre o que € o préprio Eu superior; sobre como essa busca pode ser efetuada ngs livros? Deve-se conhecer o Eu su- perior com o préprio olhar da sabedoria. O Eu superior encontra-se protegido por cinco camadas; mas os livros nado fazem parte delas. Como o Eu superior deve ser encontrado através da investigacao, eliminando-se as cinco camadas, intitil busc4-lo nos livros. Chegar4 © momento em que sera preciso esquecer tudo o que foi aprendido, 24 — O que é a felicidade? A felicidade é a prépria natureza do Eu superior; felicidade e Eu superior nao s4o diferentes. Nao existe felicidade em qualquer objeto mundano. Com nossa ignorancia, imaginamos obter felicidade dos objetos. Quando a mente se expande, ela experimenta o sofri- mento. Na verdade, quando seus desejos so satisfeitos, ela volta a seu lugar de origem e participa da felicidade, que é o Eu superior. Da mesma forma nos estados de sono, no samadhi e no desfaleci- mento, e quando o objeto desejado é obtido, ou o objeto indesejado € removido, a mente volta-se para o interior e desfruta da pura feli- cidade do Eu superior. Assim, .a mente agita-se sem cessar, saindo e retomando ao Eu superior. Sob a drvore, a sombra € aprazivel; sob o sol, o calor é intenso. Uma pessoa que esteve exposta ao sol refres- ca-se ao atingir a sombra. Aquele que permanece indo e voltando, da sombra ao sol e vice-versa, é tolo. O homem sdbio permanece in- definidamente na sombra. Assim, também, a mente de quem conhece a verdade nao deixa Brahman. A mente daquele que a desconhece, ao contrério, erra pelo mundo, sentindo-se infeliz e retornando, por um curto espaco de tempo, a Brahman, a fim de experienciar a feli- 27 cidade. Na verdade, 0 que se chama de mundo nao passa de pensa- mento. Quando o mundo desaparece, isto é, quando ndo existe pen- samento, a mente sente a felicidade; e quando surge o mundo, a mente sofre. 25 — O que é sabedoria-introvisdo (jnana-drsti)? Permanecer em quietude é 0 que se denomina sabedoria-intro- visao. Aquietar-se € dissolver a mente no Eu superior. A telepatia, o conhecimento de acontecimentos passados, presentes e futuros, e a clarividéncia nao constituem a sabedoria-introvisio. 26 — Qual a relagao entre a auséncia de desejo e a sabedoria? A auséncia de desejo é a sabedoria. Os dois nao sao diferentes; sao a mesma coisa. A auséncia de desejo consiste em impedir a men- te de vagar em diregdo a algum objeto. A sabedoria implica 0 nao- aparecimento de qualquer objeto. Em outras palavras, buscar apenas o Eu superior € desapego ou auséncia de desejo; ai permanecer é sa- bedoria. 27 - Qual a diferenga entre investigagdo e meditagao? A investigagao consiste em reter a mente no Eu superior. A meditacAo consiste em pensar que o préprio Eu superior é Brahman, existéncia-consciéncia-beatitude. 28 — O que é a libertagao? Indagar a natureza do préprio Eu superior que se encontra em cativeiro e compreender a sua verdadeira natureza € a libertagao. INSTRUCAO ESPIRITUAL XO Instrugao (UPADESA) 1 — Quais as caracteristicas de um verdadeiro mestre (sadguru)? A permanéncia constante no Eu superior, fitar a todos com 0 mesmo olhar, a coragem inabal4vel em todos os momentos, _luga- Tes e circunstancias, etc. 2 —Quais as caracteristicas de um disctpulo (sadsigya)? A poderosa nsia de dissolugao do sofrimento e a obtengao da alegria, e a intensa aversio a todos os tipos de prazer mundano. 3 — Quais as caracteristicas da instrugdo (upadesa)? A palavra upadeSa significa “préximo ao local ou assento” (upa, préximo; deSa, local ou assento). O Guru, personificagio do que € indicado pelas palavras sat, chit ¢ Gnanda (existéncia, cons- ciéncia e beatitude), mostra o caminho ao discipulo que, devido a aceitacao das formas dos objetos dos sentidos, desviou-se de seu verdadeiro estado e que, conseqiientemente, vé-se, atormentado e alquebrado por alegrias e tristezas, continuar dessa maneira, recolo- 31 cando-o em sua verdadeira natureza, onde nao existe a diferen- ciagao. UpadeSa significa também aproximar, mostrar ao préximo um objeto considerado distante, possibilitando ao discipulo ver que Brahman, que ele acreditava distante e diferente de si mesmo, est4 perto e nao é diferente dele. 4— Se é verdade que o Guru é o préprio Eu superior (atman), qual o principio subjacente a doutrina que afirma ser imposst- vel ao discipulo, ndo importa o quanto ele seja sdbio ou os poderes que eventualmente possua, atingir a realizacdo do Eu superior (&tma-siddhi) sem a graga do Guru? Embora 0 estado do Guru seja, em verdade, o de si mesmo, é muito dificil para o Eu superior que se tornou alma individual (jiva) devido & ignorancia perceber seu real estado ou natureza, sem a gra- ga do Guru. Todos os conceitos mentais séo controlados pela simples pre- senca do verdadeiro Guru. Se dissermos aquele que arrogantemente afirma ter visto o litoral distante do oceano do conhecimento, ou Aquele que declara arrogantemente poder realizar feitos praticamente impossiveis, “Sim, vocé aprendeu tudo que é possivel, mas apren- deu a conhecer a si mesmo? E vocé que é capaz de realizar feitos quase impossfveis, j4 viu a si mesmo?”, eles abaixarao as cabegas (envergonhados) e guardarao siléncio. Assim, € evidente que apenas através da graca do Guru e por nenhum outro meio torma-se possivel conhecer a si mesmo. 5 — Quais as caractertsticas da graga do Guru? Ela estd além de palavras ou pensamentos. 6 — Se é assim, por que costuma-se afirmar que o disctpulo perce- be seu real estado através da graga do Guru? E como o elefante que desperta depois de ver um leo em seu 32 sonho. Assim como 0 elefante desperta ante a simples visio do leao, igualmente o discfpulo desperta do sono do desconhecimento para a vigilia do verdadeiro conhecimento, por meio do olhar benevolente da graga do Guru. 7— O que significa a afirmagdo de que a natureza do verdadeiro Guru é a do Senhor Supremo (Sarve§vara)? No caso da alma individual que deseja atingir 0 estado do ver- dadeiro conhecimento, ou estado de divindade (Zsvara) e visando es- te fim pratica sempre a devogdo, o Senhor, testemunha daquela alma individual e idéntico a ela, surge na forma humana quando a de- vogao do individuo alcangou um estdgio de maturidade, utilizando- se de sat-chit-dnanda, suas trés caracteristicas naturais, sua forma e nome, os quais assume graciosamente e, a pretexto de abencoar 0 discfpulo, absorve-o em Si. Segundo essa doutrina, o Guru pode ser denominado Senhor. 8—- Entao, como alguns grandes seres atingem o conhecimento sem o Guru? Para algumas pessoas amadurecidas, o Senhor brilha como a luz do conhecimento e confere a consciéncia da verdade. 9 — Qual a finalidade da devogao (bhakti) e o caminho de Siddhanta (isto 6, Saiva Siddhanta)? Aprender a verdade de que todos os atos realizados com de- voco altrufsta, com o auxflio dos trés instrumentos purificados (corpo, mente e linguagem), na condigéo de servo do Senhor, tor- nam-se atos do Senhor, trazendo a liberdade dos conceitos de “Eu” e “Meu”. O que também € verdade para aquilo que os Saiva-Sid- dhantins denominam para-bhakti (suprema devocio), ou viver a ser- vigo de Deus (irai-paninittal). 33 10— Qual o objetivo do caminho do conhecimento (jana) ou Ve- danta? Aprender a verdade de que “Eu” nao é diferente de Senhor (Ivara) e libertar-se do sentimento de ser 0 agente (kartrtva, aham- kara). 11— Pode-se dizer que a finalidade de ambos os caminhos éa mesma? Quaisquer que sejam os meios, 0 objetivo a ser alcangado é a destruigéo do senso de “Eu” e “meu”, e como sao interdependentes, a destruicao de um deles provoca a destruigdo do outro; assim, tanto o caminho do conhecimento que afasta 0 senso do “Eu”, quanto 0 caminho da devogéo que remove o senso de “‘meu” serve ao propé- sito de alcangar aquele estado de siléncio que se encontra além do pensamento e da palavra. Nota: Se existe 0 “Eu”, é necessdrio aceitar também o Senhor. Se alguém deseja resgatar com facilidade o supremo estado de identida- de (sayujya) no momento perdido, deve aceitar essa conclusao. 12 - Quais as caracteristicas do ego? A alma individual na forma do “Eu” é o ego. O Eu superior que tem como natureza a inteligéncia (chit) nado possui o sentido de “Eu”. Tampouco 0 corpo inconsciente possui o senso de “Eu”. No misterioso surgimento de um ego ilusério que se coloca entre o inte- ligente e o inconsciente encontra-se a origem de todos esses proble- mas, €, com sua destruig&o, quaisquer que sejam os meios, 0 que realmente existe serd visto como tal. A isso se chama Libertagao (mokga). Pratica (ABHYASA) 1 — Qual o método para a pratica? Como o Eu superior de uma pessoa que tenta buscar a Auto- realizacao na verdade é ela mesma, como inexiste algo superior, ou além dela que deva ser alcangado, e como a Auto-realizacéo é a compreenséo da prépria natureza, aquele que busca a Libertagéo percebe, sem qualquer dtivida ou ma interpretagéo, sua verdadeira natureza distinguindo o eterno do transitério, jamais desviando-se de seu estado natural. A isto se chama a prética do conhecimento. E a investigagao que leva 4 Autocompreensio. 2—- O caminho da investigagdo pode ser seguido por todos os as- pirantes? Esse caminho serve apenas para as almas que esto prontas. As outras devem seguir métodos diferentes, segundo o estAgio de suas mentes. 3— Quais séio os outros métodos? So a) stuti, b) japa, c) dhyana, d) yoga e e) jfidna, e assim por diante. 35 a) Stuti consiste em cantar louvores a Deus.com grande senti- mento de devocio. b) Japa consiste em murmurar 0 nome dos deuses ou mantras sagrados, como 0 om, mental ou verbalmente. (Enquanto segue os métodos stuti e japa, a mente As vezes es- tard concentrada [lit. fechada] e as vezes difusa [lit. aberta]. Os ca- prichos da mente no serao evidentes para os que seguem esses mé- todos.) c) Dhyana é a repeticao dos nomes, etc., mentalmente (japa) com sentimentos de devogio. Nesse método, o estado mental ser4 facilmente compreendido. Pois a mente ndo pode estar ao mesmo tempo concentrada e dispersa. Quando alguém se encontra em dhya- na, nao ha contato com os objetos dos sentidos, e quando est4 em contato com tais objetos, nao ha dhyana. Portanto, os que se encon- tram nesse estado podem observar os caprichos da mente e, impe- dindo-a de pensar em outras coisas, fix4-la em dhyana. A perfeigéo em dhyana € 0 estado do Eu superior (lit. habitar na forma “‘disso”, tadakaranilai), Como a meditagéio atua de maneira extremamente sutil na ori- gem da mente, nao é dificil perceber sua ascensao e calma. d) Yoga: A respiragaéo possui a mesma origem da mente; por- tanto, acalmar uma dessas leva, sem esforgo, @ tranqjiilidade da ou- tra. A pratica de serenar a mente-através do controle da respiragio (pranayama) é denominada yoga. Os yogues, fixando a mente nos centros psiquicos tais como 0 sahasrara (lit. o \6tus de mil pétalas), permanecem durante qual- quer periodo de tempo sem tomar consciéncia de seus corpos. Du- rante esse estado, parecem imersos em uma espécie de alegria. Mas quando a mente aflora, trangiiilizada (tornando-se novamente ativa), ela retoma seus pensamentos mundanos. Portanto, é necessdrio treind-la langando mao de praticas como dhyana sempre que a mente se tornar exteriorizada. Assim ela atingird um estado onde nio existe manifestagao nem tranqiiilidade. 36 e) Jfidna € a aniquilacao da mente, na qual esta assume a forma do Eu superior, através da pratica constante de dhyana ou da inves- tigagio (vichara). A extingio da mente é 0 estado no qual cessam todos os esforgos. Os que af se encontram jamais desviam-se de seu verdadeiro estado. Os termos siléncio (mouna) e inagdo dizem res- peito apenas a esse estado. Nota: 1) Todas as praticas sao seguidas visando apenas a concen- tragao mental. Como todas as atividades da mente, tais como recor- dar, esquecer, desejar, odiar, atrair, descartar, etc., constituem alte- rag6es da mente, elas nao podem ser o seu verdadeiro estado. O ser absoluto e imutdvel constitui sua verdadeira natureza. Portanto, o conhecimento da verdade de um ser e ser essa verdade é conhecido como libertagdo do cativeiro e destruigéo das amarras (granthi nd- Sam). Até que esse estado de tranqiiilidade da mente seja firmemente atingido, a pratica de habitar constantemente o Eu superior e de manter a mente livre de outros pensamentos € essencial ao aspirante. 2) Embora numerosas sejam as praticas para obtengao da forca mental, todas atingem o mesmo fim. Pois é claro que a pessoa que concentra a mente em algum objeto acabar4 por simplesmente per- manecer como esse objeto, cessando todos os conceitos mentais. A isso se chama meditagéo bem-sucedida (dhyana siddhi). Os que se- guem o caminho da inquiricao percebem que a mente manifesta ao fim das perguntas é Brahman. Os que praticam a meditag&o percebem que amente manifesta ao fim da meditacao € 0 objeto da meditagio. Como © resultado é o mesmo em ambos os casos, cabe ao aspirante praticar de modo ininterrupto um desses métodos, até que seu objetivo seja alcangado. 4 — O estado de serenidade ainda requer ou ndo requer esforgo? O estado de serenidade nao é um estado de indoléncia passiva. Todas as atividades mundanas, que habitualmente exigem esforgos, so realizadas com a ajuda de uma parte da mente e com intervalos freqiientes. Mas 0 ato de comunhdo com o Eu superior (atma vyava- 37 hara), ou calma interior, implica intensa atividade, realizada com toda a mente e sem pausas, 5— Qual a natureza de maya? Maya é o que nos faz considerar como nao-existentes o Eu su- perior, a Realidade, os quais estéo sempre e em toda parte presentes, abrangentes e luminosos; e como realidade a alma individual (jiva), o mundo (jagat) e Deus (para), de cuja inexisténcia j4 se teve pro- vas conclusivas em todos os tempos e locais. 6— Se o Eu superior brilha por sua livre vontade, por que nao é reconhecido, como os demais objetos mundanos, por todas as pessoas? Onde os objetos sao conhecidos, € o Eu superior que se conhe- ce a si mesmo na forma desses objetos. Pois o que se conhece como consciéncia ou conhecimento é apenas a poténcia do Eu superior (dima Sakti). O Eu superior € 0 tinico objeto consciente. Nada existe fora do Eu superior. Se tais objetos existem, eles séo todos incons- cientes; portanto, nao podem conhecer a si mesmos, tampouco co- nhecerem-se uns aos outros. O Eu superior parece envolvido em luta no oceano do nascimento (ou da morte) na forma de alma individual, porque nfo conhece sua verdadeira natureza. 7 - Embora Deus esteja presente em tudo, parece, a partir de Passagens tais como “‘louvando-o através da Sua Graga’’, que Ele sé pode ser conhecido por meio de Sua Graga. Entéo, como a alma individual pode atingir, pelos préprios esfor¢os, a compreensdo do Eu superior na auséncia da Graga do Se- nhor? Como o Senhor denota o Eu superior, e Graga significa a pre- senga ou a revelagio do Senhor, nao existe um momento em que Deus permanega desconhecido. Se a luz do sol é invisfvel para a co- Tuja, a culpa € toda desse pdssaro e nao do sol. Da mesma: maneira, 38

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