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aracy a. amaral © 1984 Aracy A. Amaral Discitos desta edigio reservadas it AMPUB Comercial Tid (Studio Nobel é um selo editorial da AMPUB Comercisl Ltda.) ‘Rua Pedrosa Alvarenga, 1046 9° andar —04531-004 ~ Sio Paulo SP one: (11) 3706-1466 ~ Fax: (11) 3706-1462 ‘wavuiisrastudionohel.com br Email: studionobel @livrastudionobel.som.br Coondenagito ediiona!: Carla Milano Banape de prodedo: José Gongalver de Arruda Filho, ‘Myriam Carvalho dos Santos e Sueli Geraldo Peters. Tastrapia da capa: Livio Abrame (1903-1992). Operdrio ‘eMéiqumnas, 1927/1929, Linoleo - 7.1 x 10,7em, Imoressao: Payen Grafica ¢ Bditora Lada Reinepressdo: 2006 Dados Internacioaais de CatalopaeSo na Publicayio (CIP) (Canara Brasileira do Livro, SP, Bess) “Amaral, Aracy A ‘Arte para que? : a prooeupasio social na ats brasileira, 1930-170 : subsidios ‘para uma historia socal da arte no Brasil / Aracy A. Amaral, 3°. ed, io Palo Studio Nobel, 2003, L Arte modema —Séeulo 20 — Brasil 2, Arie e sociodade 1 Titulo, TL. Titulo: [A preooupagio social aa arts brasileirs, 1930-1970 I. Titulo: Subsidio para ums, ‘historia social da arte no Brasil 93-0030 eDD-709.81 Indices para catlogo sistemition 1. Brasil: Arte contempordnea Século 26 : Artes visuais 702.81 2. Brasil Artes visuais = Sévulo 20 709.81 E PROIBIDA A REPRODUGAO ‘Neshua parte desta obra podera ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrinicor ou ravages, sem a permissto, par escrito, do editor. Os infratores seio punidos pela Lei n° 9.61098, Impresso no Brasil/ Printed ie Bracit Sumario 1. Odilemadadesfungioda arte .. varamwenenvenvevcrne 1 © artista como profissional — A desnecessidade da arte — Arte titil — Arte, para qué? — Ineficcia da arte — “Neutralidade” da arte — A manipulagdo da arte pelo mundo capitalista — A preocupaco social na arte latino-americana — O protesto como dado intermitente na produgo do artista — A proposta de “socializagao da arte”, 2. Aemergéncia da consciéncia politica no meio artistico . wengue BU Clarté, Claridade e Zumbi — Livio Abramo: um pioneiro da preocupagao social — Mario Pedrosa, eritico de arte — Os intelectuais ¢ a politica: O Homem Livre — A efervesetncia politica no Rio: Movimento — A primeira exposigao de arte social: uma conferéncia antolégica — Artee elite — A arte social exposta — Fungo do artista no Brasil — Revista Académica e Bellas Artes — Coutribuigiio de Segall — A chegada de Portinari — A consagracdo de Portinari e uma critica violenta. 3. Osanos 40como divisor de aguas .. + 9 A presenca critica de Mario de Andrade — Portinari por Mario de Andrade — Uma idéia em 1938: museus populares — A renovagio de “O movimento modernista” — ‘Arte social e arte politica — Arie pura e arte interessada — A movimentagio artistica — A importincia da polémica da exposigzio Segall — Arte moderna em Belo Hori- zonte. 4. Ageragdo do pés-guerra .. +. 129 Os expressionistas nos anos 40 — A exposigdio dos “19 pintores" — O artista na ci- dade — Produgio artistica ¢ sociedade — A critica “interessada” de Ibiapaba Mar- tins — Folclorismo ¢ internacionalismo: a experiéneia cubana — Scliar como articu- lador — A experiéucia da guerra — Os latino-americanos cm Paris — As discusses na A.L.A. — A exposigao da Associagao Latino-Americana — Um prefacio de Marta Traba — O nascimento de Horizonte — Centro Simon Bolivar: uma alternativa — Leopoldo Méndez: contato determinante — O TGP em Paris: a intermediagao de Scliar — O artista e o partido — Possibilidades de arte social — O sectarismo em Sao Paulo — Na 4rea da literatura: um caso. 5. A experiéncia dos Clubes de Gravura .. 173 A presenga da gravura ¢ da ilustragio — Com quem quero me comunicar? — A gra- vyura como obra miltipla — A gravura chinesa: a arte como arma — A trincheira da ilustragiio — O “Grupo de Bagé” como niicleo — Os Clubes de Gravura — Balango do Clube de Gravura — A experiéncia em Sao Paulo — O Clube de Gravura de Santos — O grupo de Recife. 6. Realismo versus abstracionismo eo conironto com a Bienal exes G27 Di Cavalcanti: o artista social — Trés polémicas — A posicdio de Fundamentos — Abertura do MAM-SP: entusiasmo, expectativas e erfticas — A diversidade de pos- turas 20 realismo — O realismo de Vasco Prado e Dandibio Gongalves — A presenga de Portinari — De onde sai a “nova geraglio” — Mesa-redonda sobre o abstracio- nismo — O confront com a Bienal — As iniciativas dos donos da guerra — AAs clas- ses dominantes como controladores da produgao artistica — Os intelectuais e a Bie- nal, segundo Pedreira — A posigao de Cordeiro — O debate sobre a Bienal-MAM: 0 desejo de participacao do artista na entidade — Manifesto contra manifesto — A cristalizagio do debate — O publica e a Bienal — O retorno de Para Todos — O envio a Veneza em 56 — Um novo tempo, uma nova fase. 7. Apolémica sobre a funco social da arquitetura . va seen 2B A arquitetura como servidora da classe dominante — O arquiteto e a ditadura — As oposigdes a Niemeyer — De Porto Alegre: dois discursos sobre a responsabilidade social do arquiteto — Por que o cosmopolitismo? — Artigas: a discuss de idéias dos grandes nomes da arquitetura — Arquitetura brasileira — Afirmagiio e defesa do arquiteto brasileiro — A polémica com a conieréneia de Max Bill — Brasilia: a critica da utopia necesséria — Gullar e o formalismo da arquitetura brasileira — Da ine- xisténcia da eritica de arquitetura. 8. Anos 60; da arte em fungiio do coletivo a arte de galeria + 313 MCP como precursor — Por uma atuagao no meio popular: a teorizagiio — Artistas ¢ intelectuais: trés alternativas — “Hi o novo onde esti o povo"” — Relagdo artista- piiblico — As trés artes e 0 povo — O problema da qualidade e da comunicabilidade da obra — A supremacia do contetida — Cultura posta em questéo — Cultura popu- lar: fendmeno novo — A fungio do artista — As artes plisticas como comentéria — O teatro como inspiragao — Entre a metafora e a ambigiiidade — A obra de arte no contexto politico — O mercado versus artista consciente? Bibliografia geral consultada .......-.22...00005 ann BS Colegiio de periédicos — bibliotecas ¢ arquivos — varios ... eresacensien CNE Esboco de cronologia (1930-1970) . 7 381 Brasil: eventos gerais — Brasil: meio artistico — América Latina: eventos gerais — meio artistieo — Exterior: eventos gerais — meio artistico. 2. A emergéncia da consciéncia politica no meio artistico ‘Tarsila do Amaral (1886-1973). Operdrios, 1933. Oleo s/ tela — 150x205em, ‘Acervo Artistico Cultural dos Palicios do Governo, Palicio da Boa Vista, Campos do Joc. 31 2. A emergéncia da consciéncia politica no meio artistico No Brasil, a primeira manifestagdo escrita que conbecemos de um artista plistico nacional sobre a problemética social, bem como sobre a utilizago da arte na ajuda ao “amilhoramento” politico-social do homem, como diria Mério de Andrade, datada de 1933, viria de Di Cavalcanti, Trata-se de texto escrito a propésito da exposigao de Tarsila, no Palace Hotel do Rio de Janeiro nesse ano de grande efervese@ncia politica, ¢ que incluia, ja de volta da viagem da artista a URSS com Osorio César, as duas telas mais conhecidas de sua significativa fase de preocupagdo social, Operdrios ¢ 2% classe. Tocado pela mensagem da revolugdo russa, citando varias vezes 2 Bogdanoy, Di Cavalcanti reivindica nesse artigo a participago do artista, com seu trabalho, no processo revoluciondrio: “Nés artistas nfio podemos nos separar da humanidade, com veleidades de possuirmos qualquer coisa de superior aos nossos semelhantes. Por isso, quando um artista sente-se incompreendido niio pode repudiar a incompreenso que © circunda, deve ao contrario procurar as razdes dessa incompreensao. E elas s6 podero se encontrar no estado social que as determinam. Existe hoje no mundo uma divisio tio nitida de mentalidade, que o homem indiferente, o homem que se coloca acima das competigées, tornou-se um anacronismo e toda sua existéncia é uma traigao A sua época.”* Longe, porém, de se pensar que Di Cavalcanti detivesse a exclusividade da preocupacio social em sua arte. Em 1932, Quirino Campofiorito retrata 0 seu Operdrio (col. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro), assim como, jé em Paris, em 1934, realizaria uma natureza-morta, cujo tema era, significativamente, 20 anos de inicio da 1 Guerra Mundial, de evidente cunho pacifista e, mesmo 10s anos de represstio aos movimentos de esquerda do Pais, na segunda metade dos anos 30, representaria temas centrados no trabalho e na vida operiiria, como Hora do almogo ¢ Aquecendo a comida aos camaradas, esta iltima de 1939. Eugenio Sigaud, igualmente, a partir de meados dos anos 30, assume a tematica operaria, constante em sua obra, a refletir suas preocupagoes de ordem social.” Mas jf em inicios de 20, ‘mais veemente”, aos olhos das classes dominantes fora a “aparicao do socialismo na sexta parte do globo ¢ as Iutas do proletariado em nosso Pais. Este se organizava e se levantava em movimentos cada ver mais fre- ailentes, expressos na greve dos padeiros em 1911; dos foguistas da E. F. Noroeste, (1) DI CAVALCANTI. “A exposigdo de Tarsila, a nossa época e arte”. Diario Carioea, Rio de Janeiro, 15 out. 1933, (2) Com efeito, Sigaud ja assina, em 1935, no Jornal de Bellas Artes do Rio de Janeito, sua primeira ‘matéria significativamente intitulada “Por queé esquecida entre nis a decoragio mural?” iniciando a partir de 1937 temética operiria, uma constante om sua obra. Em 1945 participa, com numerasos artistas do Rio e de Séo Paulo, da mostra “Artistas Plisticos ao Partido Comunista do Brasil”, bem came, no ano seguinte, do “Movimento Pré-Imprensa Popular”, no Posto 6, em Copacabana. 33 em Bauru, no mesmo ano; dos teceldes de Stio Paulo em 1913 e, finalmente, na greve geral de 1917 nos bairros da Modca e do Bras. Em 1922, surgia o Partido Comunista do Brasil. Jornais operdrios apareciam em todos 0s cantos, dirigidos por anarquistas, socialistas ¢ comunistas. Estes fatos ndo poderiam deixar de influenciar a intelec- tualidade revolucionéria da pequena burguesia e do proletariado."? Clarté, Claridade ¢ Zumbi Narrando como as novas idéias chegavam ¢ se difundiam entre nbs, Tbiapaba Martins cita, a propésito, depoimento do escritor Afonso Schmidt: “A literatura de p6s- guerra enveredava pela senda democratica através de sens elementos mais expres- sivos, desmascarando a guerra ¢ a opressio do homem pelo homem. No Rio, fun- dava-se a revista Claridade, que reunia esses elementos, e em Sao Paulo agrupa- vam-se eles no Grupo Zumbi. Escritores pequeno-burgueses e operarios juntavam-se no mesmo clamor contra os latifundidrios e grandes fazendeiros de café e pecua- eae TS sionso Schmidt, nesse depoimento, recorda a histéria desses grupos: “A literatura do pés-guerra tomou logo a diregio por eles tragada. Tratava-se de desmascarar a guerra, o imperialismo, o ‘Comité des Forges’, as duzentas familias do Banco de Franga, a internacional sangrenta dos armamentos. Invocava-se contra tudo isso o mais belo sentimento da paz. Esperava-se organizar um mundo melhor, E, durante um ou dois anos, a literatura caminhou nesse sentido. Mas, como esta acontecendo agora, as forgas conservadoras, desmanteladas pela conflagragio, foram tomando pé, organizando-se nos planos econdmico, intelectual e espiritual.”” E. assim, inspirando-se no titulo de obra recente de Henri Barbusse, Clarté, “No primeiro impulso para a conquista da paz definitiva, os escritores democriticos do mundo organizam-se num grupo, o Grupo Clarté, que tinha a sua sede em Paris, Cerea de cem grandes nomes, tendo a frente Henri Barbusse. Sua revista Clarté levava pelo mundo uma mensagem de solidariedade, de fraternidade, entre os homens. A boa semente florescia por toda parte, No Rio de Janeiro, Nicanor Nasci- mento, um republicano da velha guarda, deu 2 lume a revista Claridade, com 0 mesmo programa. E em Buenos Aires surgi uma publicaco intitulada Claridad que, mais tarde, deverie continuar como empresa editora.” Em Sio Paulo, esse movimento renovador teve correspondente na criagio do Grupo Zumbi, em 1920: “A escolha do nome do heréi de Palmares, por si so, dé a idéia dos seus intuitos. O programa foi publicado em jornais da época, até mesmo num folheto de minha lavra."® 0 Grupo Zumbi “Devia filiar-se ao Grupo Clarté de Paris, Dele faziam parte jovens escritores pequeno-burgueses ¢ operarios que, em prosa ¢ verso, colaboravam (3) MARTINS, Ibiapaba, “Os artistas plisticos ifm um dever a compris”. Fundamentos, Sto Paulo, (18), aio 951. (4) MARTINS, Ibigpaba. “0 soro da wsteriidade”, Fundamenios, Sto Paulo, (23), de. 1951. (S) Depcimento ce Afonso Schmidt, apad MARTINS, Tbiapabs, op. cit. (item 4). "Os artistas plisticos tm um dever s cumprir.” E autor do texto, margem do depoimento de Sehmigt dio titulo do folheto meacionado: “Palavras de um comunista brasileiro & Liga Nominalista e & mocidade das escolas”. Era a época dos folhetos, rapidose apressados, “come quem da ur recado urgent.” 4 ses semanérios roménticos. © movimento, apesar de nenhuma projegio de nés sates, seus fundadores, tomou vulto.”” E termina o depoimento de Schmidt: “Tudo é para contar que, em 1918, 1919 e 1920, os escritores pobres de Séo Paulo anizaram-se num grupo de tendéncias renovadoras que chegou a encontrar eco na 192. Mais tarde, os nossos colegas, que se encontravam do outro lado da barri- . também realizaram o seu movimento. A ‘Semana de Arte Moderna’ pode ser mada como reago a0 movimento ‘Clarté’. No caso, reagio contra o nosso apaga- Sssimo Grupo Zumbi que, de grandioso, s6 tinha o programa,..”” A tinica excegdo feita, {4 nesse inicio dos anos 50 por Ibiapaba, refere-se 20s artistas de origem proletaria, aos quais une Portinari e Guignard: “Maior influéncia, esta no sentido positivo, iriam exereer muitos anos depois (da Semana) Candido tinari e Guignard na Universidade do Distrito Federal e, em S40 Paulo, os inte- antes do Grupo de Santa Helena”: “No sombrio Edificio Santa Helena, la pelos anos de 1933-34, reunia-se um grupo de antigos decoradores e pintores de liso. Havia detudo entre eles, desde imigrados recentes, como Pennacchi, até velhos pintores de parede, como Alfredo Volpi, ou jogadores de futebol ha pouco aposentados, como cisco Rebolo. A crise, a falta de trabalho eram a preocupagio constante daqueles homens que antes viviam de decorar paredes de residéncias gra-finas de Sao Paulo. Sem trabalho quase sempre, disttibuiam-se por trés ou quatro escrit6rios naquele edificio. Quase todas as noites se reuniam para discutir a situacao nacional e inter- acional, 0 socialismo, o fascismo, o comunismo.” Rebolo, Volpi, Manuel Martins, Humberto Rosa, Mario Zanini, Clévis Graciano, Figueira, Pennacchi ¢ 0 escritor Rogue De Chiaro, raramente mencionado, eram alguns dos artistas que freqiienta- vam 0 Edificio do Santa Helena. “Quase todos eram ou tinham sido operdrios sentiam na prépria carne as conseqiiéncias da crise. Homens ligados aos problemas Ge seu tempo, empolgavam-se pelo ascenso das forgas democraticas do pais, condu- zidas pela Alianga Nacional Libertadora. Sua pintura era o reflexo de uma formagio autodidata."* (©) “Tanto assim” — depde Afonso Schmidt — “gue Henri Barbusse, recebendo nosso manifesto, mandou-nos ‘Les Croix en Bois’ ¢ "La Lucur dans L'abime’, este wltimo de sua lavra.”” Na verdade, a correspondéncia se perdeu nio tendo chegado ao destinatario. Até que um dia, porcasualidade do destino, Asirojildo Pereira, percorrendo, como de hibito, sebos do Rio de Janeiro, encontcou a venda, ainda com & cinta do endereso, o folheto. Comprou 0 livro ¢ contou a histéria ma Vor do Povo, enviando a pu- biicagdo, depois, « Schmidt. (2) MARTINS, Tbiapaba, op. cit. (lem 4). Ver a propésito dos niicleos de esquerda ja existentes no Brasil MENDES JUMIOR, Antonio; MARANHAO, Ricardo. “Repiblica Velha”. In: __, Brasil Historia, Sun.t.¥.3, p. 324-8, assim como FOSTER DULLES JUNIOR, John W. ‘“Astrojildo ataca o grupo 'Clasté brasileiro”. In: _"_. Anarquistas e comunistas no Brasil. Trad. César Parreira Horta. s.1., Nova Fronteira, 1977, p. 14088. (8) MARTINS, Ibiapaba, op. cit. (item 4). Esta interpretagio & contestada por Fillvio Abramo, que atribui o entusiasmo pela ascensio das forgas democriticas & criagao da Frente Unica Antifascista, em 1933, muito antes, portanto, da A.N.L. Depoimento de Filia Abramo a a., Sto Paulo, 13 mar. 1983, Toigpaba Martins acrescenta ainda aesse texto: “Gracas as discusses que se procescavam nas salinhas pequeninas do Edificio Santa Helena, foi possivel o aparacimento da Sindieato dos Artistas Plasticos ¢ a érie de exposigdes organizadas por essa entidade, paralelas as mostras do Salo Paulista de Belas Artes iniciadas em janeizo de 1934, Mais tarde, surgem os diversos Salles de Maio, nos quais ha mimero muito maior desenhoras ricas, amadores de artes plisticas e um pouco do espirito de 1922. Justamente por iss0, tum grupo de dissidentes deste salio resolve mais tarde reunir-se aos integrantes do ‘Grupo de Santa Helena’; éentio que aparece a chamada ‘Familia Artistica Paulista’, na qual se integram Volpi, Bonadei, Paulo Rossi, Gobbis, Graciano e muitos outros.” 35 Livio Abramo: um pioneiro da preocupagao social Cabe, contudo, ao jovem Livio Abramo, em fins dos anos 20, em Sao Paulo, o pio- neirismo, entre nés, da militancia e preocupagdo social por parte do artista refle- tindo-se em suas eriagdes plasticas. No fim da década de 20 fora profundamente tocado pela influéncia do expressionismo alem4o, visto em exposigdes apresentadas em Sao Paulo, em 1929 ¢ 1930. Dessa tendéncia, o expressionismo, no se afastaria por longos anos e, embora jamais tivesse se interessado pelo realismo socialista — trotskista por convie¢o a partir de 30 —, seria numa linha expressionista que abordaria a vida do operariado paulistano em inicios dos anos 30, ¢ que lavraria seu protesto — tinico artista brasileiro a fazé-lo — com dezenas de desenhos ¢ gravuras diante da Guerra Civil Espanhola na segunda metade dessa década.° Confirma Mario Pedrosa: “E ele o primeiro artista, ao que se saiba, a transpor para a xilo 0 tema da luta de classe: 0 operario na fabrica, 0 operrio coletivamente em protesto, a velha fabrica de tecidos com o seu perfil recortado, grades e chaminés erectas como uma infantaria em face do inimigo e em volta, pela acidentada topo- grafia adjacente, o casario operario, em grupos, trepados pelas elevagdes como trogos emboscados de assaltantes (guerrilheiros?). Havia nos xilos ¢ lindleos de Abramo, num desenhe limpido e forte, um acento caloroso de solidariedade de classe." Tendo-se iniciado nas artes da gravura em madeira sozinho (autodidata), em fins dos anos 20, artifice preocupado sobretudo com a qualidade de sua produgio, Livio, ainda nos anos 20, seria ilustrador de varios periédicos italianos da época, como L’Arrotino, bem como do “jornal do Partido Comunista”, para o qual entrara, em 1930." Mas seria exatamente em fungio de sua atividade como ilustrador para o P.C. que Livio Abramo teria decretada sua expulsao do partido, em 1931, ao se recusar a fazer uma caricatura de Trotsky, conforme solicitado pela direaio do periddico.? Passa entao a ilustrar Luta de Classes, jornal da oposigao de esquerda, além de (9) Livio Abramo ¢ bem claro em sua posigiic: “Arte politica e social é valida, para mim, desde que seja, antes de mais nada, arte. O exemplo est ai em grandes artistas que cultivaram o género, como Kaetie Kollwitz, Daumier, Goya, Do contrario, pode ter a intengo de ser arte social, mas é, antes de tudo, mi arte. Considero arte social também a arte das sociedades tribais, dos indigenas, ou de um primitivo como Vitalino.” Depoim, de Livio Abramo a a., S20 Panlo, 22 fev. 1979. Verdadeiro trabalhador da culwura, ia verdade, munca me considerei um ‘artista’ na expressio da palavra, pertencente ttc. Jé fui chofer de caminhdo, sindicalista, jormalista; minha roda de amigos era deoutra rea. Quando desenhava ou gravava, fazia-o por gosto, com paixio. Mas nfo pretendendo nunca fazer dessa atividade o objeto dnico de minka vida. Até hoje nio me considero ‘artista’.” Livio Abramo enfatiza 0s acontecimentos politicos da década de 30 como as principais preoeupagies de sun geragio, fssim como a Guerra da Espanha. “Antes e depois dela, o grande desencanto com a subida de Franco. Um ‘momente importante, coma marco, fora também o confronto definitivo, a meu ver, entre integralistas antifascistas na Praga da Sé, no historico momento de 7 de outubro de 1934." (40) PEDROSA, Mario. “Entre a Semana e as Bienais”. In: Mundo, homem, arte em crise. S20 Paulo, Perspectiva, 1975, p. 278. (11) Sen avd, Bartolomen (“‘Bértolo”) Scarmagnan, participara da greve de Curitiba de 1917 , depois, daquela de Sao Paulo no mesmo ano. Depoimento de Filvio Abramo a a., Séo Paulo, 2S mar. 1982. (12) Recosando-se Livio Abramo, com efeito, a fazer uma caricatura de Trotsky como um exchorro conduzido por Tio Sam por uma corrente, Eneida, enido secretiria-geral, moveu-the um processo interno €, por decisio da diretoria, foi expulso. Luta de Classes, periédico da opesigao de esquerda em que. 36

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