Você está na página 1de 38
‘Dados Inernacionis de Caalogago na Puicoso (CIP) (Clara Brasilia do Livro, SP, Bras) “Hist ds Améses Lain A Amie Luna Clos o- ‘ms 1 / Losi Beal (ng); adugo Marin Cara Cee), Seo Paulo Edita da Universidde de So Paulo; Brass. DF: FFuncagao Alexandre Gusmio, 1997. ‘loa Te Connie ty oan Anan WsoNessieon26 © Andean Hien 2 Amie aia Pfad co Aonial 1 Bett Lest 97-3864 epp-s%0 1. América Latina Hsia iris cn gan portugaesa esos 8 p= st da Sip Pal Av Pr Lian e378 Sane Fa Cidade Unive (550900 Ste Paulo —SP~ Dri Fax O11) 2110088 Te O11) SIARST F 26 Primedia Baal 1997 Perr Pesee Severe rst» | AS SOCIEDADES ANDINAS ANTERIORES A 1532* niece ‘Vesperas 6a Conquista QUANDO A REGIAO andina foi invadida pelas topas de Pizarro em 1532, quarenta anos haviam-se passedo desde a capitulacao de Granada e da primeira das ilhas das Antilhas aos castelhanos e mais de vinte anos desde a invasio da Mesoamérica, Uma geragio inteira de europeus —quase duas — estavam fumiliarizados com os costumes dos “pagios” ¢ dos “indios”. Os filhos que haviam gerado no Novo Munda estavam agora crescidos; falavam as linguas de suas maes, Pais € filhos ouviam as histOrias de lugares muito mais remotos, a sul do Panamé, habitados por povos mais ricos. Os boatos sobre sociedades que viviam nos Andes eram comuns entre 0s colonos do Tstmo; Garcia, ouvin o bastante para encorajé-to a juntar-se a uma incursio dos chiriguanos contra as habitantes das montanhass avangando a partir do ssadeste, atacaram instalag6es incas, pelo menos cinco anos antes de Pizarro invadir pelo norte. Muito depois que o grupo de Pizarro fez valer seus pre- ‘ensos direitos aos Andes, outros pretendentes insistiram em dizer que ‘guns acreditam que mesmo no Brasil, Um portugués, Aleixo foram os primeiros a ouvir falar desses reinos. # dessas historias e dos relatos posteriores de testemunhas oculares que deriva basicamente nosso conhecimento sobre as civilizagoes andinas em 1532. Trata-se de um conhecimento bastante incompleto; mesmo a comuni- ‘dade académica nem sempre tem consciéncia da fragmentariedade em que ‘permanecem 0s registros, A arqueologia poderia ajudar, nao fosse a posigio marginal que os arquedlogos ainda mantém nas replicas andinas (em fla~ ‘grante contraste com 0 que acontece no México). E possfvel que milhes de pessoas leram a ode de Pablo Neruda a Machu-Picchu e outros milhoes visi- taram 0 monumento, mas ninguém sabe que segmento da sociedade inca hhabitou o lugar. 1550 niio impede que ondas sucessivas de arquitetos “restau © autor e 0 editor agradecer aussio de Ms, Olivia Hart Londtes, na preparagso final deste capitulo 440 Goldsmith’ College, [A AMERICA AS VESPERAS DA CONQLIETA rem’ a coléia, mas poticos arquedlogos se dedicam profissionalmente — se é que algum o faz —a esse estudo, trabalhando no proprio sitio, incrustado profundamente na paisagem quase vertical, ow nas técnicas de constructo ‘que distinguem Machu-Picchu de outros centros urbanos dos Andes. Paradoxalmente, grande parte de periodos mais antigos, alguns que datam de centenas de anos antes dos incas, parecem mais acessiveis ¢ tive- am suas pecas de cerimica minuciosamente estudadas; e 0s aspectos deco- rativos de outras técnicas, especialmente a tecelagem — a principal arte dos ‘Andes — foram todos catalogados, fotografados, preservados, Todavia, ‘quanto mais nos aproximamos de 1532, época em que o Estado andino foi dominado ¢ estilhacado nas centenas de grupos étnicos que 0 compunham, menos possibilidade temos de obter conhecimentos através da arqueologia rra forma como é praticada hoje, ¢ mais temos de depender dos relatos escri- tos por aqueles que “estiveram ld”. Fisses relatos sio notiveis sob alguns aspectos: no espago de dois anos apés ‘6 desastre de Cajamarca, quando o rei Atahualpa foi capturado, foram publi- ‘eadas em Sevilha duas narrativas que descrevem esses acontecimentos, numa, poca em que as comunicagses transatlinticas eram lentas e a impressao de livros, perigosa. Uma delas foi o relato oficial do primeiro escrivao de Pizarro, Francisco de Xerez, que se empenhou em demonstrar que 0 seu era o “relato verdadeiro” (Verdadera Relacién de la Conquista del Per (1534]), pois outra ‘estemunha ocular se the havia antecipado, Mesmo antes, numa feira anual que se realizou em Lyon, vendedores ambulantes vendiam & negociantes do Reno e de Piemonte folhas impressas que descreviam o resgate de Atahualpa. (s estudiosos costumam queixar-se das falhas desses relatos; todo espe- cialista tem listas de questdes importantes que permanecem sem resposta. Dangas folcloricas ainda hoje renovam 0 encontro dos incas com os solda- dos europeus, mas nio € posstvel recuperar uma tradigao oral dindstica 450 ‘anos aps 08 acontecimentos. Alguns relatos antigos, feitos por estrangeiros, ‘do hé muito tempo de conhecimento geral, porém nao restam muitos deles. (© século XIX foi o grande perfodo de descoberta e publicagdo dessas antigas descrigées; antes mesmo que a maioria delas fosse impressa, W. H. Prescott tivera acesso a elas, f notével como sua Conquest of Peru (1897) permanece atual, mais de 130 anos apés sua publicacao. Isso se deve menos & com- preensio que Prescott tinha das civilizacbes pré-colombianas do que a0 ‘tempo escasso que os historiadores contemporineos dedicam & pesquisa de rnovas fontes, além da mencfonada superficialidade da arqueologia inca. © Annico estudioso importante nesse campo foi Marcos Jiménez de la Espada, que ha cem anos atras estava no apogeu de sua atividade, enquanto ganhava a vida como conservador de anfibios no Museu de Hist6ria Natural de Madri, Paralelamente, Jiménez publicou tanto a3 fontes que Prescott havia utilizado na forma de manuscritos quanto outras 3s quais o estudioso a Nova Inglaterra jamais tivera acesso, Fm 1908, quando Pietschmann des- cobriu em Copenhagen um texto realmente inaudito — uma “carta” de 1200 paginas ao rei da Espanha, escrita ¢ ilustrada, por volta de 1615, por ‘um “indio” andino — havia desaparecido a urgéncia que Jiménez sentira em Publicar fontes primariass passaram-se outros 28 anos antes que vissem a luz as queixas de Guaman Poma (Nueva Cordnica y Buen Gobierno). Desde entio, novos textos ocasionais foram localizados, a maioria deles por ‘Hermann Trimborn, de Bonn, mas ¢ digno de nota o quanto Prescott se assemelha a Cunow (1896), a Baudin (1928), a Rowe (1946), a Murra (1955) ‘ou, mais recentemente, a Hemming (1970). Todos eles utilizaram quase as ‘mesmas fontes, ese diferem é em questdes de interpretagao e ideologia, Nos tilsimos trinta anos, foi removida uma parte do mistério, especial- ‘mente com relagio a0 Estado inca. Houve algum avango no entendimento a articulagao entre os grupos étnicos locais © os incas, através do estudo das ‘demandas litigiosas, ou dos registros demogréficos e tributdrios compilados ‘nas primeiras décadas de dominio espanhol. Ainda assim, € fato que a inves- tigagio de John H. Rowe sobre as organizacbes politicas dos Andes centrais (“Inca Culture at the Time of the Spanish Conquest”, publicada hé quase ‘quarenta anos, em 1946, no Handbook of South American Indians) permane- ‘ce uma boa exposigao de nosso conhecimento etnografico, O exame da vida ‘quotidiana e da organizacio dos Estados andinos continua sendo um traba- Tho de fblego, a ser empreendido seriamente quendo 05 arquedlogos © 03 etndlogos aprenderem a trabalhar juntos € quando as cinco repiblicas que sao herdeiras da tradigao andina — Bolivia, Peru, Equador, Chile e Argenti- ‘na — decidirem que essa heranga Ihes pertence realmente. Enquanto isso, notamos que os primeiros observadores quinhentistas, ‘chegaram a certas conclusoes que os estucliosos modernos confirmaram. Em primeiro lugar, a paisagem nao sc asscmelhava a nada que jé houves- sem visto antes ou de que tivessem ouvido falar, embora alguns fossem sol- £ possivel talver identificar outros empregos tardios dos mritmacs para propésitos nao-agricolas, mas os prolongamentos militares ¢ artesanais da estratégia “arguipélago” so indicio suficiente de que aquilo que comecou como um meio de complementar 0 acesso produtivo a uma série de pisos ecol6gicos se transformara num oneroso meio de controle politico. Tahuantinsuyo, o Estado inca, nao foi a primeira comunidade politica multigtnica surgida nos Andes. Nas siltimas décadas, 0§ arqueslogos tm “Uistinguido varios “horizontes” (perfodos em que as autoridades centrais aylln 8-181, 1988, |AAMBRIGA AS VESPERAS DA CONAUISTA préprias autoridades: cada uma compreendia familias da populacao aimara dominante e dos oprimidos pescadores uros; nio podemos dizer na pritica “Guo sucesso teve esse esforso idcolbgico em reunir pessoas de classes dis- tintas num dinieo grupo familiar, ‘Nao hi informasao sobre santuérios lupacas, porque a inspegao foi reali- ada logo depois da conversio dos senhores lupacas 20 cristianismo, Foram advertidos a no adorar os picos de montanhas cobertos de neve; foram também proibidas a8 peregrinagdes aos monumentos erigidos no passado nas cidades pré-incaicas muradas. Em 1567, ainda havia uma minoria de ricos donos de rebanhos que permaneciam sem batismo; sabe-se que alguns dos xamis ¢ sacerdotes aimaris foram mantidos num,campo de concentra- gio perto do lago, fazendo uabalhos de fiegao, mas o segundo bispo de ‘Charcas, frei Domingo de Santo Tomas, ordenou que fossem libertados, Autor do primeite dicionério e gramatica da lingua quichua, o bispa fazia parte do Conselho Real das Indias, mas foi também confidente de Bartolomé dde Las Casas; argumentou que os xamis nio podiam ser mantidos prisionei- 10s, pois nunca haviam sido convertidos e assim ndo eram apéstatas._ Existem algumas informacdes sobre templos do culto ao sol construdos pelos incas em territdrio lupaca. Uma parte da “provincia” dos yunguyos foi expropriada e nela foi erguido um centro de peregrinagto. Membros das linhagens reais de Cuzeo foram reassentados em ybana e nas ilhas imediatamente préximas da praia. No final do sécalo XVI, a Igreja etro- pia decidiu reutilizar este centro de peregrinagdos esté em uso ainda hoje. (Os lupacas sa0 a mais conhecida dentre as muitas comunidades politicas dos aimaris que, no periodo pré-incaico, surgiram no altiplano mais eleva- do. Outras dessas comunidades estio agora sendo estudadas e suas proprie- dades rurais, inclusive as localizadas na regio costeira desértica do Chile, foram mapeadas™, Suas tradigoes orais foram ocasionalmente registradas 2 estudioso que mais dew atengio aos laos de familia entre os antigas andinos e ua manipulate pelo Estado foi R. Tom Zuidema. Ver The Ceque Syster of Cuzco: Te Socal Orginizatio ofthe Capital of the Ina, Leiden 1964, € "The Inea Kinship System A New ‘Theoretical View”, em R. Belton € E. Mayer (eds, Andeaw Kinship and Merriage, Washington, D.C, 1977, 2% Ver Adolph Bandelier, The Islands of Ttccen and Koti, New York 1910. “™4 Tristan Plas, "Mapas Coloniales en la Provincia de Chayanta, em Martha Usioste de Aguirre (ed), Estudios Boivianos en Honor a Gurmar Mendoza, La Pa, 1978 al nos documentos dos processos judiciais que seus senhores entregaram & Audiencia de Chareas; durante uma década ou meis, a administragdo colo- nial incentivou petigbes desse tipo por motivos proprios. Essas reclamagdes de antigos e novos privilégios compreendiam as recitagdes de genealogias mantenedores ainda ativos dos registros de nds, Um desses reclaman- es taciongu os noch de scus entescsiorsh inclusive wn que “prestou obediéncia” ao Inca quatro geragdes antes, Em troca havia recebido uma esposa da corte, e seu filha Moroco foi incInido na genealogia como “Inca”: juntamente com a esposa vieram artigos de vestuirio tecidos pelos artesios tra relagao especial entre Cuzco ¢ os senhores aimards foi seu papel militar. J4 no inicio da expansio de Tahuantinsuyo, seus exércitos eram recrutados sob 0 mesmo principio da mitn que mobilizava energias para os ‘outros servigos pablicos: homens ¢ mulheres marchavain para a batalha alter- _nadamente, ayllu por ayllu, um grupo étnico apés outro, Vinham equipados com stias armas tradicionals, iderados por seus préprios senhores étnicos ‘Nada disso 0 livrava dos muitos outros servigos que deviam a Cuzco®. Em algum momento da histéria de Tahuantinsuyo, essa mita deve ter Parevidoineficent: os enhoresaimardsalegaram, aum memoranda ditigido _) dat Filipe 1, que a habilidade e a lealdade militares de seus ancestrais haviam Siecle ee cistas a Pa namIu SRG So A ‘ramos apenas soldados [.] dispensados do tributo [.] ee todas as outras taxas€ servigos pessoais, como do pastorcio [..] ou de servir a mite na corte, na grande cidade de Cuzco, ou de ser pedreiros, tecedores de roupas (..] ¢ de cultivar 4 terra, do trabalho de carpintaria ou nas pedreiras — as pessoas se acostumaram a mover ‘um morro com as mios para algura outro lugar. [.] No éramos nem dancarinos, ‘nem pallacos acostumados a cantar cangBes de vitéria para os chamados ingas.26 Nao podemos dizer quais as conseqiéncias desse servigo militar prolongado sobre a produgao dos meios de subsisténcia da populacdo aimara que havia ficado para trés. Em outras localidades dos Andes, os remanescentes na “pitria” étnica eram obrigados a trabalhar as terras dos soldados, mas as lon- 25 Waldemar Espinoza Soriano, “EI Memorial de Charsas: Cronica Inédita de 1582", Gannura (Revista de a Universidad Nacional de Educacién), Chosica, Peru, 1968, 2% Mura, citado em “La Guerre et es rebelions", pp. 931-932. AS SOCIEDADES ANDINAS ANTHRCORES 41531 As D4 CONOOISTA a ‘a8 auséncias, que ultrapassavam o calendario agricola, devem ter constringi- ddo os intercambios baseados io patentesco mas politicamente explorados. Tampoueo podemos dizer até que ponto « divisio dual de todo o altpla- no numa urcisuyo (a metade montanhesa) e uma wisuyo (a metade aqui tica) refletiu a realidade aimara ou, mais tarde, a inca. A dicotomia parece ter sido mais acentuada na regiso do lago Titicaca. E possivel que, nesse local, tenha havido um substrato lingifstico por tras do dual, pelo qual os hhabitantes da metade do leste falavam pukina em yez de aimar4, Infeliz- mente, 0 filtro inca-através do qual muitos examinaram as que ainda nio permite o deslindamento do contexto étnico do dualismo. F pos- sivel que, originariamente, as metades tenham ocupado o centro ou se “encontrado” no lago Titicaca, uma zona “neutra” com seu microclima pro- rio. Pode ser que urcos e umas se tenham reorganizado quando Cuzco se toot o niicleo®”, Quando os europeus 06 encontraram pela primeira vez, ambos estavam ritual e administrativamente incluidos no mesmo setor sul, «6 collasuyo, 0 setor de maior densidade populacional do Fstado inca. ~O componente “aquitico” da divisao dual do planalto € também discer- nivel na presenea entre os aimaris de uma minoria ocupacional eétniea, tal 170s. A real importincia de sua pre- senca esti-se torhando mais clara grapas Wfecente pesquisa*®. No perfodo colonial, os pescadores a0s poucos se juntaram as fileiras aimards, mas aatri- buigdo a eles de lingua pukina ¢ 0 sentimento disseminado de que eram os ‘ocupantes nativos dos altos Andes exiger uma confirmagao arquedlégica. Correlacionar a informasio histdrica com a escavagdo arqueolégica & ‘uma abordagem que s6 foi usada ocasionalmente nos Andes. Muitos dos enigmas da historia andina sio menos inacessiveis do que pode parecer. ‘Ainda existem continuidades nos modos de vida e nas linguas, apesar dos 450 anos de dominio colonial; remontam até mesmo a6 periodo pré-ineai- co. Tanto as tradigoes orais dindsticas quanto as deméticas so pelo menos parciaimente dispontvels nos registros de testenvunkas oculares e adminis- tradores europe “arqueologia, poder-se-ia dispor de uma versio muito mais sélida, embora anos sensacional, da sociedade andina, andinas 7 Thrtse Bouse Cassagne, "U Espace aaas ce etna?) ASG, 35-6) 1087-1080, 1978 2 -Nathan Wachtel, “Hommes eau Te probleme uru (XVIe-XVIle siécles)", ABS, 33(5-6):1127-1159, 1978, se fossem comprovadas ¢ ampliadas com a ajuda da

Você também pode gostar