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A engenharia do TEXTO Cee mee eu Om Ce mais belos e expressivos poemas, “0 lutador”, evocou eee no ae ome) eee er Meee cnc! Peer ae mrt ume MMe Ta Lutar com palavras / é a (uta mais va. / Entanto en vant ern we Outta. Mm PARA Oe ec) ee ec en a ea ne ey inquietude e ineonformaglo diante do mundo, do Oe OC nC aoe Pee uCieoe cra a SOM eu Se seen ae ae nae ccm ce) criativo wt) per} eum Osi nessa relacio, quase sempre, tensiva com o real. A Pee Connemara crisdores no afé de dizer sobre 0 mundo e encontrar um sentido para o seu existr, por meio do dialogo cor acs eee neo da constituigdo evolutiva do homem. Come Cee onc Ta J0-e pela pratica, 0 que justifica PE eee mee a rc eee calm Ca rte one Ts ete te ene Peete es oR emu ee OC compreensio da engenharia que regula a producao de anc dor Se ee CeCe aT considerava uma “arte”, que, segundo afirmacao do rofessor Gdenildo Sena: “Nada tem a ver, portanto, Copyright® Odenildo Sena, 2011 fexron Isaac Maciel Coowoangho eroRA. Tenério Telles are « Prceo Gero Heitor Costa Rewsho Nicleo de Editoracao Valer Nowa Yeato Vereosa heck em DB olen JP bie a s474e Sena, Odenildo. ‘A-engenharia do texto: Um caminho rumo a pratica da boa redacdo. 4.2 ed. revista. / Odenildo Sena, - Manaus: Editora Valer, 2011. 218 p. ISBN 85-7512-257-0 1. Lingua Portuguesa ~ Criagdo textual 2. Analise do discurso I, Titulo, coo 808.606 22. Ed. 2011 Editora Valer ‘ay, Ramos Ferreira, 1195 ~ Centro 69010-120, Manaus ~ AN Fone: (92) 3635-1326 ‘wor.editoravaler.com.br Eu te nomeci rainha. Bristem mats altas que tu, mais ales, mas puras do que tu, mais paras ‘Mais belas do que we, mais bela Mas tu és a rainha. Quando vais pelas ruas, rninguém te reconhece. Ninguém vé a corod de cristal, ninguém vb o tapete de ouro vermelho que pisas por onde passa, 0 tapete que no existe. E apenas aparece, cantam todas 0s rios em meu corpo, as campanas estremecem 0 cls eum hino enche 0 mundo. Somente tue ett, somente tu @ eit, amor mets, 0 escutamos. Pablo Neruda Para Carol, metéfora viva de todos os momentos. Para Maria do Carmo Sena, minha mae, exemplo de pacitncia, coragem, bravura e desafio: buissola a me guiat. Para Jean ¢ Jansen, mais que filhos, parceiros de cantas ligGes de vida. Para o filho Eric, jintensa ¢ nova luz a brilhar em mim. Tenho medo de escrever. F tho perigeso. Quem tentou sabe. Perigo de mexer no que std oculto ~ ¢ 0 mundo vazio nio esté d-toa, std oculto em suas rakzes submersas em profindidade do mar. Pare escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente Mas é um vasio terrivelmente perigaso: dele arranco sangue. Sou escritor que tem medo de cilada das patavras: as palavras que digo escondem coneeras — quais? Talvez as diga. Excrever é uma pedra langada no fando do poco. Clarice Lispector SUMARIO Apresentagio — Carlos Eduardo de Souza Gongalves u 0 inicio da jornada (A citulo de introdugio) 7 \PITULO TL parigrafo como unidade bésica de composigio do texto 27 MTULO II igrafo c suas qualidades internas 105 LO Wl afo a complexidade do texto 125 cas de composigio do texto 173 05 finais acerca desta jornada 21 213 Apresentagao Professor Carlos Eduardo de Souza Goncalves* Existe a crenga generalizada de que escrever tim texto 6 t3- sofa para aqueles que conhecem as regras de gramatica ¢ de orto- grafia dos livros oficiais e slo capazes de empregar um bom ni- mero de palavras raras ¢ dificeis. Infelizmente essa maneira de pensar nfo ¢ exclusiva de leigos, mas é compartilhada por profes- sores de portugues das escolas de ensino fundamental e médio. Tal entendimento é, sem diivida nenhuma, a principal causa do fra- casso no propésito de ensinar a lingua padréo aos alunos daque- les niveis escolares. O péssimo resultado disso é divulgado por to- dos os meios disponiveis. As “barbaridades” produzidas por alunos em provas, em vestibulares e outros tipos de concurso sio, hoje, tum prato cheio explorado pela mfdia. © trégico de tudo isso é que cesse quadro tende a permanecer por algum tempo, porque as €s- colas convencionais ¢ os cursinhos preparatérios insistem em tra- tar o ensino da lingua verndcula como treinamento pata provas escolates e provas de concurso. Esse tipo de treinamento tem um defeito intrinseco que é0 de considerar o texto mera formalidade, vilida por sua apa- réncia externa. © texto, oral ou escrito, é 0 elemento-chave da comunicagao. © falante tem pleno conhecimento da comunica- + Carlos Edtanlo de Souza Gingalves é profesor da Universidade Federal do Armazonas ‘ice-reitr da Universidade do Estado do Amazonas Odenildo Sena | 11 bilidade textual, sabendo que palavras soltas e frases desconexas nao fazem um texto. De fato, o texto, em sua fungéo comunica- tiva, estd além das normas que caracterizam o uso padrao da lin- gua. Ele nao é apenas uma montagem estérril de palavras ortogra- ficamente corretas que guardam entre si telagdes sintéticas de concordancia, de regéncia ¢ de colocagao, O texto resulta de perfeita unido entre o pensamento ea linguagem, constituindo- seem um conjunto indivis(vel. Trata-se de “um continuo comu- nicativo contextual caracterizado pelos farores de textualidade: con textualizagio, coeséo, coeréncia, intencionalidade, informatividade, aceitabilidade, situacionalidade ¢ intertextualidade” (FAVERO, Leonor Lopes, 1998, p. 7). Odenildo Sena nos mostra isso com perfeigéo, produto de anos a fio de vivéncia escolar na lida de ensinar a trabalhar o tex- to. A engenharia do texto & um roteiro seguro para quem quer tri- thar 0 érduo caminho da comunicagao esctita, O livro tem den- sidade te6rica e qualidade didética indiscutivel. Jé na apresentagio © Odenildo adverte: “escrever bem no é uma tarefa simples e pra- zerosa”, Essa compreensio descarta, desde 0 inicio, a falsa ideia de que ¢ possivel fornecer ao aluno algumas “dicas” com as quais seria posstvel transformar um texto ruim em algo aparentemen- te bom. Esse é um excelente ponto de partida: aprender a escrever antes de tudo, aprender a pensar. E aprender a organizar o pen- samento. E desenvolver ideias, primeiramente definindo-as com cla- reza.¢, em seguida, detalhando-as de forma que seja respeitado o nexo que as une. Escrever no & somente a manifestacio de um dom natural, é, acima de tudo, a aprendizagem de um trabalho de ar- tifice, de uma arte arduamente conquistada. 12 | A engenharia do rexto Vista sob essa ética, as quatro partes do livro possuem uma fungio que o distingue dos costumeiros treinamentos me- ramente formais, E bom salientar que os momentos em que 0 au- tor fragmenta o pardgrafo em suas partes nao significa que ele ado- tou 0 corriqueiro conceito de fando e forma. E, na realidade, um trabalho de anatomia em que as partes dissecadas precisam set tra- balhadas ¢ ligadas por sua fungao e significado, tendo em vista o objetivo de quem escreve o texto, Portanto, a maneira de expor © pensamento na construgao do pardgrafo tem de se ajustar ao que se quer dizer. A partir dessas ideias bisicas, o livro se desenvolve dentro de excelente concepgao didatica que deixa transparecer a experién- cia do Odenildo em lidar com esse tipo de trabalho na sala de au- Ja, Sua vivéncia, adquirida ainda no ensino fundamental e médio, se consolidou nas duas tiltimas décadas no ensino superior, por meio de persistente labor experimental no ensino de graduagio. Para corroborar essa assertiva, é suficiente lembrar que o livro es- t& cheio de exemplos extrafdos de trabalhos de alunos, desenvol- vidos em todos esses anos. Na ordem do que ficou dito no parigrafo anterior, tem a obra do Odenildo outro mérito que a torna agraddvel e moder na. A partir de exemplos extrafdos de jornais e revistas atuais, pos- sibilita 20 aluno, principalmente dos cursos médio ¢ superior, aces- so 8 linguagem viva, palpitante e de alto grau de pertinéncia, Odenilde Sena | 13 A engenharia do texto um caminho rumo 4 pritica da boa redagao O inicio da jornada (A itulo de introdugio) E prudente iniciarmos esse primeiro contato com uma afirmagio categética que néo s6 abra.as portas para desconsteuir- mos uma série de mitos envolyendo o ato de escrever, como tam- bém nos coloque diante de uma verdade que nao admite eufemis- ‘mos: escrever bem nao é uma tarefa fécil e prazerosa! Em que se ampara essa corajosa assertiva? Busquemos apenas alguns fatos para sustenté-la. Se escrever bem fosse uma tarefa de ficil desempenho, os anos de batente no ensino funda- mental ¢ médio seriam suficientes para que, 20 final dessa lon- ga etapa, ninguém precisasse se preocupar com a temivel exigen- cia da redagao nos concursos vestibulares. Mas nao ¢ 0 que acontece, Sé para citar um caso, no vestibular de 2001 da Uni- versidade Federal do Amazonas, segundo informagées da propria comissio organizadora, cerca de dez mil candidatos “zeraram” na prova de redagao. “Tal resultado significaria, entao, que os candidatos aprova~ dos sio bons de escrita? Ledo engano. Professores universitérios de lingua portuguesa que ministram aulas para os perfodos ini- iais saber muito bem que, respeitadas as excegoes, é acentuado ‘0 mimero de alunos que demonstram enormes dificuldades para registrar suas ideias no papel. Mas a situaggo nao termina af. O razodvel tempo de expe- rigncia em cursos de pés-graduacao esté a nos provar que as difi- culdades para se concatenar ideias em uma monografia ou disser- tagio, sempre excetuando alguns casos, persistem a tal ponto, que Odenildo Sena | 17 © professor orientador mais criterioso acabs-se tornando, também, co-autor na construcdo dos textos. Enfim, para abreviar a histé- Fia, esse efeiro cascata estende-se, naturalmente, ao desempenho de muitos profissionais egressos dos varios cursos universitarios, Se tudo isso pode representar, de algum modo, um deses- timulo para se comegar a escrever bons textos, é confortdvel sa- ber que nao estamos sozinhos. Basta percortermos um pouco os Fatos que marcam o encontro de alguns dos nossos grandes escr tores com o ato de escrever. José J. Veiga, por exemplo, admite tra- tar-se de uma batalha permanente que exige muita perseveranca. Fernando Sabino, por outro lado, classifica o ato de escrever co- mo algo muito dificil ¢ penoso que implica um jogo de pacién- cia entre escrever ¢ reescrever varias veres, Lygia Fagundes Telles, Por sua vez, néo deixa por menos. Para ela, trata-se de uma luca que requer paciéncia, humildade e senso de humor. Podemos também nos lembrar de Milton Hatoum, que, entre a escritura © as tantas reescrituras, distanciou-se dez anos do primeiro livro, até nos oferecer 0 romance Dois irmios. entre essas ¢ tantas outras, vale ainda registrar uma situa- so por nés presenciada. Havia solicitado ao bom amigo e escri- tor Tenério Telles que fizesse a apresentagio da segunda edicao do meu livro Palauna, poder e ensino da lingua. Decorridos alguns me- ses, fui convidado a ir a0 seu escritdrio, na Editora Valer. Apés 0 carinho da recepcio, vi-me diante de uma pessoa que parecia ter vencido uma extraordindria batalha, Ble fer questéo de let na prépria tela do computador o texto solicitado. Num dado momen- to, fez uma pausa. E, de repente, vi em sua expresso uma ctian- $2 que, com uma satisfagdo contagiante, dizia-me num misto de prazer e-vitbria que, depois de varias semanas de luta com as pa- 18 | A engenharia do texto lavras, havia encontrado 0 caminho para a construgao daquela par- te do texto. ; Deve ficar claro que as situagSes aqui postas sao de natu- rera diferente. No caso dos escritores citados, 0 embate a se des- tacar envolve o processo de criagio e suas tantas nuangas, como a sutileza na escolha das palavras mais adequadas, a perspectiva da narragdo, a construgdo metaférica que mais desperta a sensibili- dade ¢ 0 envolvimento do leitor ete. No caso dos alunos e profis- sionais egressos das universidades, 0 né da questo situa-se, prin- cipalmente, na dificuldade para se dar ordem légica as ideias, articulando-se as palavras as oragies, estas aos perfodos, estes aos pardgrafos € estes ao texto em sua totalidade, configurando, assim, o sentido de texto como uma unidade que lembra um tecido que, por sua vex, € constituido de pequenas malhas que, conectadas en- tre si, estdo sempre a servigo do conjunto. Em relacdo a este tiltimo caso, as questées até aqui postas jf constituem combustivel suficiente para muita polémica que, cer- tamente, iia iniciar-se com a geraglo da seguinte pergunta: a quem cabe a culpa? Cursos de pés-graduacao em diversas universidades vem desenvolvendo um grande ntimero de pesquisas que apon- tam varias diregGes, nao com o propésito de indicar culpados ou, apontar receitas, mas de equacionar as dificuldades que mais con- tribuem para esse estado de coisas. Um dos rumos assumidos por tais reflexdes diz respeito a uma espécie de escolarizagio da escri- ta que tem como vor de propaganda a propria escola. Referimo- nos a determinadas ideias equivocadas acerca do ato de escrever que se cristalizaram, formando um muro de resistencia que sepa- ra aqueles que foram “ungidos” para escrever bem daqueles que no o foram. Odenildo Sena | 19 E comum, por exemplo, nossos alunos ouvirem de seus pro- fessores que esctever bem & uma questio de dom, nao é para qualquer um. Ora, basta nos lembrarmos de que, diferentemen- te da modalidade falada, que nos é socialmente transmitida, a mo- dalidade escrita da lingua € adquirida pelo falante, ou seja, decor- reda sua passagem por um processo formal de aprendizagem que exige muito empenho, trabalho ¢ dedicagio, Nada tem a ver, Portanto, com a falsa ideia de que alguns poucos nasceram pre- miados com o dom de produzir bons textos. Muito pelo contré- rio, Escrever é uma habilidade que pode ser perfeitamente desen- volvida. Quantas © quantas vezes nos deparamos com o falso prag- matismo de que escrever bem é uma competéncia que pode set desenvolvida com algumas boas “dicas”? Quem parte dese prin- cipio certamente escreve muito mal, Sao cantas as particularida- des presences em um texto, so tantas as possibilidades que a lin- guia pe A disposicio do escritor e € tio singular o uso dessas opie, que as férmulas pré-fabricadas acabam mesmo compromerendo @ construgao de bons textos, Nada tem a ver, portanto, com “

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