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ett ale) CT yaa ene een Ce asa Ce ee ea ete cia como conteddo g6rme, visivelmenta eM ea er ec sae eee ee ee Ce ee gee ee ey etry eee panei ere er ees ee een ee ee ere See a ee) eee ts Se eres ee preacups¢ao com a midia é sempre igual- ee ear acre Cee tre nas também humanista, ee ees ru osignificante, o evento, crise, como fun sdamento de sua investigagio. Jé olhamos as Co eee! Ce te ey te ery ee ees ee ee as eae es eee nae Ce es eae eer ea cet tes iad ett ale) CT yaa ene een Ce asa Ce ee ea ete cia como conteddo g6rme, visivelmenta eM ea er ec sae eee ee ee Ce ee gee ee ey etry eee panei ere er ees ee een ee ee ere See a ee) eee ts Se eres ee preacups¢ao com a midia é sempre igual- ee ear acre Cee tre nas também humanista, ee ees ru osignificante, o evento, crise, como fun sdamento de sua investigagio. Jé olhamos as Co eee! Ce te ey te ery ee ees ee ee as eae es eee nae Ce es eae eer ea cet tes iad ae aCe ee oe eae eee oe ert tees Ce Pretacdek erréneas inavitévels. Pois a midi Cee ee er ee eee nee eens Ou arenes Cer teeter ent aoe ee een ats a ee eat ea eee ei ee akc aera ues ete eee ee {08 de referéneia, pontos de parade, parton Ce ime Caren Shaka au aes Ganache ue he Sipdaahicel ong st ere eet San eee nee ee hee Ct a ea Se ae Sa Cea eee Lae een Focen Siensrat@ professor de mi caer eerie en eerie Cee een ae Loe Catt stay i ~ Se CR ee ee CO een Meee eens 4 fee ey Ce ee eee ee tees E aposar disso 0s estudos scadémicas sdbre midia ra ‘mente se tomam acessiveis ¢ relavante para os muitos CO eae ee eee Eles s80 nao poucas vezes considerados incapazes de nos dizer algo de substantivo sobre o mundo em que vivemos. tf de Roger Silverstone, traduzido por Milton Camargo Mota, \ ‘Simultaneamente humano e humanizador, Porque estu- ee eee ee i) Lemurs ReCoMENDADA Critica da comunicacdo, L. Slee Historia da sociedade da informagdo A. Mattlart Historia das teorias da. comunicagdo ‘A. Mattelat, M, Mattelare Ideografia dindmica, P. Ley Inteligencia coletiva, P. Levy Pesquisa em comunicagéo, Me Immacolata Vessalo, Roger Silverstone Por que estudar a midia? Tradugio: Milton Camargo Mota Titulo original Why Study the Media? © Roger Silverstone 1999 Sage Publications Lid 6 Boohll Steet — London ECA 4PU ISBN: 0-7619-6854-1 niche: Marcas Marcionilo Puupanago: Mauricio B. Lel Revsio: Rita de Cisia Diasaawacko: Tea nos Savtas Custoo10 Eaigdes Loyola Rn 1822 9347 ~ pang (216.000 Sio Paulo, SP Cia Postal 42535 "04218970 ~ Sto Palo, SP un wim Ba) srssars Home page ¢vendss:wwwloola.com br Era leyola@leyclacomr ends: vendas@oyocom or Tako dios reserves Nenhuna pare desta ora pode Ser repro ou transmis por guar forma eo aise moos (ele die ou medic, nnd foc € pravagdo) ou argv om guage emo anc de las som perma ex da Eatora ISBN: 85-15.02464.0 2 ego: outubro de 2005 © EDIGOES LOYOLA. Sio Paulo, Brasil, 2002 Para Jennifer, Daniel, Elizabeth e William Sumario Prefatcio © agradecimentos 1 A TEXTURA DA EXPERIENCIA. MeDiacao TECNOLOGIA . ns Clamores tertuais ¢ estratégias de andilise RETORICA, PoEnica Exorismo Dimensoes da experiéncia. BRINCADEIRA PERFORMANCE Consumo, : Locais da agdo € da experiéncia CASA E LAR COMUNIDADE wns GuoBo Fazendo sentido n 33 45 60 6 9 95 110 13 9 147 161 165 181 197 212 13. CONFIANCA. ais. 14, MEMORIA..j 231 15.0 OUTRO . 2a7 Prefacio e agradecimentos 116. RUMO A UMA NOVA POLITICA DA MIDIA E A UMA POLITICA DA. NOVA MiDIA Bibliografia 263 285, Como comecar? Agora que terminel. Talvez relendo minha proposta inicial. Para relembrar o que me propus fazer. E ndo fazer. Este era para ser um livro sobre a midia, mas nao sobre os estudos da midia, pelo menos n4o como muitas vvezes sio vistos. Era para ser um livro que debatesse @ importincia central da midia na cultura ¢ na sociedade no novo milénio. Era para ser um livro que levantasse questdes dificeis e tentasse definir diversos procedimentos para os que se preocupam com a midia; mas nao procu- raria respostas demais. Abertura, em vez de fechamento, era nossa meta, Nao podemos escapar & midia, Ela esta presente em todos os aspectos de nossa vida cotidiana, Essencial a esse projeto como um todo era o desejo de por a midia no ceme da experiéncia, no coracio de nossa capacidade ou incapacidade de compreender 0 mundo em que vive~ mos. Essencial também era o desejo de reclamar para estudo da midia uma posigdo intelectual aceitivel num mundo que nao hesita em repudiar a seriedade © a per- tingncia de nossas preocupagoes. 8 | Para estar 2 mica? Queria que o estudo da midia se destacasse destas paginas como uma tarefa humanista, mas também huma- Devia ser humanista em sua preocupagao com o indi- viduo e com grupo. Era para ser humana no sentido de estabelecer uma ligica distinta, sensivel a especificidades historicas e sociais ¢ que recusasse as tiranias do determi- nismo tecnoldgico € social. Ele tentaria navegar na fron- teira entre as ciéncias sociais ¢ as ciéncias humanas, Acima de tudo, 0 livro foi talvez concebido como um manifesto, Eu queria definir um espaco. Engajar-me ‘com os que esto fora de meu proprio discurso, em algum lugar na academia ow no mundo além dela. Era a hora, pensava, de levar a midia a sério. O estudo da midia precisa ser critico, relevante. Deve criar e manter certa distancia entre si e seu objeto. Pre- cisa mostrar que € pensante. Espero que as paginas se- guintes satisfacam, pelo menos em algum grau, a esses exigentes requisitos Mas, se 0 projeto tiver éxito, mesmo parcial, em cumprir seus objetivos, entdo, como qualquer outra coisa, rd porque indmeras pessoas, colegas ¢ alunos, contri- buiram de maneira direta e indireta para ele. Deixem-me iti-los, com gratidao: Caroline Bassett, Alan Cawson, Stan Cohen, Andy Darley, Daniel Dayan, Simon Frith, Anthony Giddens, Leslie Haddon, Julia Hall, Matthew Hills, Kate Lacey, Sonia Livingstone, Robin Mansell, Andy Medhurst, Mandy Merck, Harvey Molotch, Maggie Scammell, Ingrid Schenk, Ellen Seiter, Richard Sennett, Bruce Williams, Janice Winship e Nancy Wood. Nenhum deles, € claro, tem responsabilidad pelos erros e infec dades que podem ter restado. 10 Por que estar» mii A textura da experiéncia Talk show vespertino de Jerry Springer, 22 de de- zembro de 1998. Reprisado pela enésima vez no canal via satélite UK Living, Ele fala com homens que trabalham como mulheres. Duas Mleiras de travestis e transexuais discutem suas vidas, suas relagdes ¢ seu trabalho. Sio atormentaos pela audiéncia televisiva. Quvem perguntas sobre ter filhos. Um casal troca aliangas: “Afinal, nunca fizemos isso antes e & uma transmisso em rede nacional’ Jerry conclui com uma homilia sobre a normalidade ¢ falta de seriedade desse tipo de comportamento, Fazendo sua audiéncia lembrar-se de Milton Berle € de Some like it hot (Quanto mais quente melhor), de performances de uma época mais inocente, em que se vestir com roupas do Sexo oposto nao era visto como algum tipo de perversio. Um momento de televisio. Explorador mas também exploravel. Momento facilmente esquecido, uma particula Subatdmica, uma cabeca de alfinete no espago midiatico, ‘mas agora mencionado, notado, sentido, fixado, nem que seja apenas aqui nesta pagina, Um momento de televisio que foi local (todos os personagens trabalhavam num Testaurante tematico de Los Angeles), nacional (origi- ‘testa do expentnca | 11 nalmente transmitido nos Estados Unidos} e global (che- gou até aqui). Um momento de televisto arranhando a superficie da sensibilidade suburbana, tocando as mar- gens, a base. No entanto, um momento de televisio que servira perfeitamente. Ele representa 0 ordinario 0 continuo. Em sua unicidade, € absolutamente tipico — um elemento na constante mastigago da cultura cotidiana pela midia; seus significados dependem de saber se realmente 0 notamos, se ele nos toca, choca, repugna ou atrai, enquanto entramos, atravessamos € Saimos do ambiente midistico cada vez mais insistente € intenso, Ele se oferece ao espectador de passagem © 20s anunciantes que solicitam sua atencéo, talvez com desesppero cada vez maior. E também se oferece @ mim como 0 ponto de partida de uma tentativa de res- ponder pergunta: por que estudar a midia? E 0 faz con- ttariando as expectativas, & claro, mas também de modo muito natural, pois levanta inimeras questdes que no Podem ser ignoradas, questdes que emergem do simples reconhecimento de que ia € onipresente, didria, imensio essencial de nossa experiencia contempoi nea. E impossivel escapar & presenga, & representagio da midia. Passamos a depender da midia, tanto impressa como cletronica, para fins de entretenimento e informacio, de conforto e segurana, para ver algum sentido nas continu dades da experiéncia e também, de quando em quando, para as intensidades da experiéncia. 0 funeral de Diana, Princesa de Gales, € um exemplo caracteristico. Posso notar as horas que o cidadao global passa em frente da televisi.o, ao lado do ridio, folheando jornais e, 12 | Porque estudiar @ mia? cada vee mais, surfando na Internet. Posso notar também como essas figuras variam globalmente de Norte a Sul ¢ dentro dos paises, de acordo com os recursos materiais € simbélicos. Posso notar quantidades: vendas globais de software, variagdes na freqdéncia de salas de cinema e no aluguel de fitas de video, propriedade pessoal de compu- tadores de mesa, Posso refletir sobre padres de mudanca ‘lvez de maneira bastante precipitada, sobre arriscadas projecdes de futuras tendéncias de consumo, Mas ao fazer tudo isso, ou algumas dessas coisas, estou apenas pati- nando na superficie da cultura da midia, superficie mui- tas vezes suficiente para os que se preocupam em vender, ‘mas claramente insuficiente para quem se interessa pelo que a midia faz, como também pelo que fazemos com ela. E € insuficiente se queremos compreender a intensidade € a insisténcia de nossas vidas com nossa midia. Por esse motivo, temos de transformar quantidade em qual Guero mostrar que é por ser tio fundamental para © econémica, do mundo modemo. Estudar sua onipresenga* ¢ sua complexidade. Estudé-la como algo que contribui para nossa varidvel capacidade de compreender o mundo, de produzir e parilhar seus significados. Quero mostrar que deveriamos estudar a midia, nos’ termos de Isaiah Berlin, como parte da “textura geral da experiéncia", expresso que toca a natureza estabelecida da vida no mundo, aqueles aspectos da experiéncia que tratamos como corriqueiros e que devem subsistir para vivermos € nos comunicarmos uns com os outros. Hi muito, os socidlo- ‘A texture da experéncia | 13 0s se preocupam com a natureza ¢ a qualidade dessa dimensto da vida social, em sua possibilidade e em sua continuidade, Os historiadores-também, a0 menos na vi- sio de Berlin, néo podem deixar de depender dela, pois seu trabalho — como todos das ciéncias humanas — depende, por sua vez, da capacidade que cles tém de relletir sobre o outro e de compreendé-to. A midia agora é parte da textura geral da experién- cia. Se incluissemos a linguagem como uma midia, isso ndo mudaria ¢ teriamos de tomar as continuidades da fala, da escrita, da representagao impressa e audiovisual como indicadores do tipo de respostas que procuro para minha pergunta, pois sem atengao 4s formas e aos con- tetidos, as possibilidades da comunicagéo, tanto dentro do tido-por-certo de nossas vidas cotidianas como con- tra ele, nao conseguiremos compreender essas vidas. Ponto. A caracterizagio de Berlin é, claro, principalmente metodolégica. O “por qué?” necessariamente implica 0 “como”. A historia deve ser um empreendimento huma- nista, nao cientifico em sua busce por leis, generalizagoes ou fechamento teédrico, mas uma atividade baseada no reconhecimento da diferenca e da especificidade e numa Percepcéo de que os afazeres dos homens (como a ima- Binagdo liberal € tragicamente baseada em género se- xuall) requerem uma espécie de compreensio e explica- Gio algo afastadas dos preceitos kantianos e cartesianos de racionalidade e razdo puras. Minha reivindicagao para © estudo da midia seguiré esse caminho, e também oca- sionalmente retornarei a seus métodos. 14 | Porque estatar 2 mila? ees eee eee eee ee Berlin também fala do tipo apropriado de explicagio relacionado a andlise moral € estética na medida em que ela pressupie conceber os seres humanos no apenas como organisms no espaco cujo comportamen- to apresenta regularidades que podem ser descritas € encer- radas em formulas que poupam trabalho, mas como seres| ativos, que perseguem fins, moldam sua vida e a dos outro, sentem, rfletem, imaginam, cram, em constante interaco ¢ intercomunicagéo com outros seres humanos; em suma, envolvidos em todas as formas de experiéncia que compre- endemos porque as comparilhamos no as vemos pura- mente como observadores extemos. (Berlin, 1997, p. 48) Sua confianga numa nogio de nossa humanidade compartihada € tocante ¢ esti talvez, em desacordo com 2 sabedoria contemporanea que recebemos; mas sem ela estamos perdidos e o estudo da midia se torna uma im- possibilidade, Isso também vai inspirar minha andlise. Mais tarde voltarei a esse tépico. Ha outras metaforas nas tentativas de compreender © papel da midia na cultura contemporinea. Ja pensamos nela como condutos, que oferecem rotas mais ou menos imperturbadas da mensagem mente; podemos”pensar nela como linguagens, que fomecem textos ¢ representa- ses para interpretagio; ou podemos abordé-la como ambientes, que nos abragam na intensidade de uma cul- tura miditica, saciando, contendo © desafiando sucessi- vamente. Marshall McLuhan vé a midia como extensdes do homem, como prateses, que aumentam o poder ¢ a influéncia, mas que talvez (e € provavel que ele tenha teu ca expertnsa [15 Pensado assim) tanto nos incapacitam como nos capact- tam, enquanto nés, objetos e sujeitos redamos mais ¢ mais no profilaticamente De fato, podemos pensar na midia midia, nos social neo das incertezas usuais da interacéo cotidiana, gerando infinita ¢ insidiosamente os como se da vida cotidiana ¢ criando cada vez mais defesas contra as intrusées do indesejavel e do ingovernavel. Grande parte de nossa preocupaséo publica com os efeitos da midia concentra- S€ nesse aspecto do que vemos e tememos, especialmente, ‘na nova midia: que ela substituird a sociabilidade ordind ta € que estamos criando, sobretudo por meio de nossos filhos homens, ¢ muito especialmente por meio da classe operiria masculina e dos meninos negros (que continuam @ sero locus da maior parte de nosso pinico moral), uma raga de viciados na telinha. Apesar de sua ambivaléncia, Marshall McLuhan (1964) nao vai tao longe. Pelo contri- Ho, Mas sua visio da cultura ciborgue precede a de Donna Haraway (1985) em cerca de vinte anos. Essas metéforas slo iiteis. Sem elas estamos conde- nados a uma visio obscura da midia, como através de um Vidro. Mas, a exemplo de todas as metiforas, a luz que angam € parcial e efémera; precisamos ir além dela. Meu Propésito € justamente esse. Para responder a minha Pergunta teremos de investigar as maneiras como. midia Participa de nossa vida social e cultural contemporénea, Precisaremos examinar a midia como um processo, como luma coisa em curso e uma coisa feita, e uma coisa em ‘Curso € feita em todos os niveis, onde quer que as pessoas eee ee eee 16 como profila- ticamente social na medida em que ela se tornou suceda- se congreguem no espago real ow virtual, onde one, sicam, onde procram persuadi,inforar entree, edu- car onde procuram, de miiplas manera ¢ com gra de suceso varies, st conectarumas com a5 ours, Entender a midia como um proceso — e recomhece que o proceso ¢ fundamental steramente soil — ¢ insist na mia como historicamente especfica. A mia esté mudando, ja mudou, radicalmente. 0 século XX vi 0 telefone, 0 cinema, 0 radio, a televisio se tornarem objetos de consumo de massa, mas também instrumentos essenciais para a vida. cotidiana. Enfrentamos agora 0 fantasma de mas uma itensificegto da cultura miditica pelo crescimento global da Internet ¢ pela promessa (al- guns diriam ameaga) de um mundo interativo em que tudo e todos podem set acesidos, instantancamente Eniender a midia como processo também implica litco ou talvez, mais estritamente, politicamente econ mico, 0s significados oferecidos e produzidos pelas varias comunicagdes que inundam nossa vida cotidiana sairam de instituigdes cada vez mais globais em seu alcance e em suas sensibilidades e insensiblidades. Pouco oprimidas pelo peso histério de dots séculos de avango do capita- lismo e desconsiderando cada vez mais 0 poder tradicio- nal dos Estados nacionais, elas estabeleceram uma plata- forma, € frgoso admit, para a comuniagto de massa Esta ainda é, apesar de sua diversidade e de sua flexibi- lidade progressivas, a forma dominante dessa comunica~ fo, Ela constrange e invade culturas locais, mesmo que nao as subjugue, - ics | 17 ‘rescue do experénela | um reconhecimento de que cle & fundamentalmente po- 4 5 Os movimentos nas instituigdes dominantes da mi- dia global sao de escala tecténica: erosdo cultural gradual &, de repente, deslocamentos sfsmicos quando multinacio- nais emergem do mar, feito novas cordilheiras, enquanto utras afundam e, como a Atlantida, so apenas mitica- ‘mente lembradas como, outrora,talver relativamente bene- volentes. 0 poder dessas instituigdes, o poder de controlar as dimeris0es produtivas e distributivas da midia contem- poranea € a debilitaggo correlativa e progressiva de go- vernos nacionais em controlar 0 fluxo de palavras, ima gens ¢ dados dentro de suas fronteiras naciofiais Si0 profiindamente significantes e indiscutiveis. E_um trago fundamental da cultura da midia_contemporanea. Grande parte do debate atual baseia-se numa nogio da velocidade dessas diversas mudangas © desenvolvi- mentos, mas confunde a velocidade da mudanga tecnolé- ica ou, realmente, da mudanga da mercadoria com a velocidade da mudanga social e cultural. Hé uma tensio constante entre o tecnoldgico, 0 industrial e 0 social, tensfio que deve ser levada em conta se queremos reco- nhecer a midia como, de fato, um proceso de mediacao. Pois ha poucas linhas diretas de causa ¢ efeito no estudo da midia. As instituigdes ndo produzem significados. Elas os oferecem. As instituigdes no apresentam uma mudan- ‘ca uniforme. Elas t&m ciclos de vida diversos ¢ histérias diferentes. — Mas entdo nos confrontamos com outra questo, depois com outra € mais outra. 0 que medeia a midia? E como? E com quais conseqiiéncias? Como entender a midia como contetido ¢ forma, visivelmente caleidoscépica, in- 48 | Porque estadr 3 mii? visivelmente ideolégica? Como avaliar os modos pelos quais se travam as batalhas pela midia e dentro dela: balathas pela posse e pelo controle tanto de instituigdes como de significados; por acesso € participagao; por re- presentagao; batalhas que impregnam e afetam nosso senso uns dos outros, nosso senso de nés mesmos? Estudamos a midia porque queremos respostas a essas questées, respostas que sabemos que nao podem ser conclusivas ¢ que, de fato, ndo devem sé-lo. Por mais atraente que seja € muitas vezes superficialmente convincente, no se pode obter uma tinica teoria da midia, De fato, seria um tremendo erro tentar encontrar uma. Um erro politico, intelectual e moral. Mas ao mesmo tempo nossa preocupagdo com a midia & sempre igual- mente uma preocupagio pela midia. Queremos aplicar 0 que passamos a compreender, envolver-nos com os que poderiam estar em posigo de responder, queremos en- corajar a reflexibilidade e a responsabilidade, 0 estudo da midia dever ser uma ciéncia relevante € também humanista. Minhas respostas, portanto, & minka propria pergun- ta vo se basear numa nocdo dessas complexidades, a0 mesmo tempo substantivas, metodoligicas e, no mais amplo sentido, morais. Estou lidando, afinal, com seres humanos ¢ suas comunicagées, com linguagem e fala, com’ 0 dizer € 0 dito, com reconhecimento e mal-reconhe- cimento © com a midia vista como intervengdes técnicas e politicas nos processos de compreensdo. Dai o ponto de partida. A experiéncia. sua, E sua ordinariedade. A minha ea Reema 6 expenitnes | 19 A pesquisa na midia muitas vezes preferiu o signi- ficante, 0 evento, a crise, como fundamento de sua inves- tigagao. Ja olhamos as perturbadoras imagens de violén- cia € de exploragdo sexual e tentamos avaliar seus efei- tos. Focamos os eventos-chave da midia, como a Guerra do Golfo, ou os desastres, tanto os naturais como os causados pelo homem, a fim de explicar o papel da midia no controle da realidade ou no exercicio do poder. Tam- bbém focamos os grandes cerimonais piiblicos de nossa era para explorar seu papel na cria¢ao da comunidade na nal. Isso tudo é relevante, pois sabemos, desde Freud, 0 quanto a investigagao do patolégico, ou mesmo do exa- gerado, revela sobre o normal. Mas uma atengio continua a0 excepcional provoca interpretagdes erréneas inevité- veis, Pois a midia ¢, se nada mais, cotidiana, uma presen- a_constante em nossa vida didria, enquanto ligamos e desligamos, indo de um espaco, de uma conexdo midié- tica, para outro. Do radio para o jornal, para o telefone. Da televisdo para o aparelho de som, para a Internet. Em piiblico privadamente, sozinhos com os outros. E no mundo mundano que a midia opera de maneira mais significativa. Ela fitra e molda realidades cotidianas, por meio de suas representagdes singulares ¢ miltiplas, Fomecendo critérios, referéncias para a condugéo da vida didria, para a produgdo © a manutengio do senso comum. E € aqui, no que passa por senso comum, que devemos fundamentar 0 estudo da midia. Para poder pensar que a vida que levamos é uma realizagao continua, que requer nossa participacio ativa, embora muitas vezes em circuns- tncias que nos permite pouca ou nenhuma escolha € 20 | Por que estusst 9 midis? nas quais 0 melhor a fazer é simplesmente “arranjar-se’. A rmidia nos deu palavras para dizer, as idéias para exprimir, nao como uma forga desencamada operando contra n6s enquanto nos ocupamos com nossos afazeres didrios, mas como parte de uma realidade de que participamos, que dividimos e que sustentamos diariamente por meio de nossa fala didria, de nossas interagées didtias. 0 senso comum, obviamente nem singular nem in- conteste, € por onde devemos comecar. 0 senso comum, tanto expresso como precondicdo da experiéncia. 0 sen- so comum, compartilhado ou ao menos compartilhavel € medida, muitas vezes invisivel, de quase todas as coisas. ‘A midia depende do senso comum, Ela 0 reprodu, recor- re a ele, mas também o explora € distorce. Com efeito, sua falta de singularidade fornece o material para as controvérsias € 0s assombros diarios, quando somos for- sados — em grande medida pela midia e, cada vez mais, talvez apenas pela midia — a ver, a encarar os sensos comuns ¢ as culturas comuns dos outros. 0 medo da diferenga. 0 horror da classe média as paginas da im- prensa marrom e dos tabldides. A rejeigdo precipitada e, como se pode argumentar, filistina do estético ou do intelectual. Os preconceitos de Tagdes € géneros. Os va- lores, atitudes, gostos, as culturas de classes, as etnicidades ic, reflexdes € constituigdes da experiéncia e, como tals, terrenos-chave para a definigdo de identidades, para nos- sa capacidade de nos situar no mundo modemo. Alé disso, € pelo senso comum que nos tornamos aptos, se € que de fato nos tornamos, a partilhar nossas vidas uns ‘com os outros € distingui-las umas das outras. ‘A texturado expertnca | 21 Essa capacidade para a reflexdo — de fato, sua fun- damental importancia — tem sido notada com freqiiéncia suficiente por aqueles que:procuram definir as caracteris- ticas da modemnidade ¢ da pés-modernidade, mas suas proprias reflexdes tendem a ver a virada reflexiva mais ou menos exclusivamente nos textos de especialistas da filosofia ow da ciéncia social. Quero reivindicé-la também para 0 senso comum e, de tempos em tempos, até mesmo, u talver especialmente, para a midia, A midia € essencial a esse projeto reflexive ndo sé nas narrativas socialmente conscientes da novela, no talk show vespertino ou no programa de ridio com participagao do ouvinte, mas também nos programas de noticias ¢ atualidades, e na publicidade; como que através das lentes miiltiplas dos textos escritos, dos audiotextos e dos textos audiovisuais, © mundo € apresentado e representado: repetida e inter- minavelmente. Que outras qualidades poderiamos atribuir a expe- ncia no mundo contemporéneo ¢ ao papel da midia nela? Perdoem-me se recorro a metéforas espa is para tentar comecar uma resposta, mas me parece que 0 espa- Go fornece a estrutura mais satisfatéria para abordar a questao. 0 tempo também, é claro; mas o tempo —, e isso agora é um lugar-comum na teoria pds-moderna — jé no é 0 que era. Nao mais uma série de pontos, nao mais claramente demarcado por distingdes de passado, presen- te € futuro, 10 mais singular, compartilhado, resistente. Podemos dizer tudo isso, sabendo contudo que o dispen- sar dessa maneira nao € totalmente certo, ou é no minimo 22. | Porque estar» ii? prematuro; sabendo que a vida ¢ vivida no tempo e Finita; sabendo também que a seqiéncia é ainda fundamental, que o tempo nao é reversivel (exceto, claro, na tela) ¢ que historias ainda podem ser contadas. Sabemos que leva- mos nossas vidas através de dias, semanas e anos; vidas marcadas pelas reiteragdes de trabalho € lazer, pelas re- petigées do calendirio e pelas longues durées da historia mal notada ¢ talvez. progressivamente esquecivel. No entanto, a midia tem de responder por muita coisa, espe- cialmente a altima geragao da midia computadorizada, pois enquanto a radiodifusao foi sempre baseada no tem- po, mesmo que o contetido dos programas nio 0 fosse, 0 Jogo de computador € infinito € a hnteriet, imediata, Como Lewis Carrol poderia ter indagido: pode o tempo sobre- viver a semelhante surra? Entdo é do espago que devemos tratar, pelo menos Por enquanto. E espaco em miiltiplas dimensées, admitin- do talvez que 0 espaco é, ele mesmo, como sugere Ma- uel Castells (1996), nada mais que tempo simulténeo. Deixemi-me propor (¢ esta nao é uma idéia original) que pensemos em nés mesmos em nossa vida cotidiana e em nossa vida com a midia como viajantes, movendo-nos de um lugar para o outro, de um ambiente mididtico para outro, estando as vezes em mais de um lugar ao mesmo tempo, como podemos imaginar estar quando assistimos a televisdo ou surfamos na World Wide Web, por exem- Plo. Que tipos de distingdes podemos fazer aqui? Que tipos de movimentos se tornam possiveis? Nés nos movemos entre espagos privados e piblicos. Entre espacos locais e globais. Passamos de lugares sagra- ‘testa do epeitada | 23 dos a seculares; de reais a ficcionais e virtuais, € vice- versa. Passamos do que é seguro para o que ¢ ameacador do que & compartithado para o que € solitario. Estamos ‘em casa ou fora, Atravessamos soleiras e vislumbramos ho- rizontes. Todos nés fazemos essas coisas constantemente € em absolutamente nenhuma delas estamos sem nossa dia, como objetos fisicos ou simbélicos, como guias ou pegadas, como experiéncias ou aides-mémoires. Ligar a televisdo ou abrir um jomal na privacidade de nossa sala € envolver-se num ato de transcendéncia espa- cial: um local fisico identificével — o lar — defronta e abarca 0 globo. Mas tal ago, ler ou ver, possui outros referentes espaciais. Ela nos liga aos outros, a nossos vi- zinhos, conhecidos e desconhecidos, que estdo simultanea- mente fazendo a mesma coisa. A tela bruxuleante, a pé- gina vibrante nos unem momentaneamente — mas com enorme significdncia pelo menos no sécalo XX — numa comunidade nacional. No entanto, compartilhar um espaco nao € necessariamente possui-lo; ocupé-lo néo nos da necessariamente direitos. Nossas experiéncias dos espagos ias, Raramente deixamos um rastro, mal-e-mal uma sombra, quando nos cenvolvemos com essas pessoas, 05 outros, que vemos, dos quais ouvimos falar ou a respeito de quem lemos. Nossa jornada didria implica movimento pelos dife- rentes espacos mididticos ¢ para dentro e fora do espago da ‘A midia nos oferece estruturas para 0 dia, pontos de referézicia, pontos de parada, pontos para o olhar de relan- ce e para a Contemplagio, pontos de engajamento e opor- tunidades de desengajamento. Os infinitos fluxos da repre- 24 | Porque eur» mii? sentagao da midia so interrompidos por nossa participa- ‘glo neles. Fragmentados pela atengdo ¢ pela desatencao. Nossa entrada no espago midiético € ao mesmo tempo, uma transig&o do cotidiano para o liminar e uma apropria- gio do liminar pelo cotidiano. A midia é do cotidiano e ao mesmo tempo uma altemativa a ele 0 que estou dizendo difere um pouco do que Manuel Castells (1996, pp. 3763s, identifica como o “espago de fluxos’, Para Castells, 0 espaco de fluxos sinaliza as redes, eletrdnicas, mas também as fisicas, que fornecem a dind- mica grade de comunicago ao longo da qual a informa- ‘io, os bens € as pessoas se movem incessantemente em nossa era da informagdo emergente. A nova sociedade € construida em seu. movimento, em seu eterno fluxo. O «spago fica instavel, deslocado das vidas que sao levadas, ‘em espagos reais, embora em alguns sentidos ainda delas. Meu ponto de partida, ao reconhecer essa abstraco, pre- fere contudo fundamentar um senso de fluxo do que Castells chama “a era da informagao” nos traslados den- tro e através da experiéncia, pois é ai que eles ocorrem: como sentidos, conhecidos e, &s vezes, temidos. Nés tam- ‘bém nos movemos em espacos mididticos, tanto na rea~ lidade como na imaginagdo, tanto material como simbo- licamente, Estudar a midia € estudar esses movimentos no €spago e no tempo e suas Inter-relagdes e talvez também, como conseqiiéncia, descobrir-se pouco convencido pelos profetas de uma nova era por sua uniformidade © seus beneticios. Se estudar a midia é estudé-la em sua contribuigdo Para a textura geral da experiéncia, entdo algumas coisas, A tenura ca experts [25 se seguem, A primeira € a necessidade de reconhecer a realidade da experiéncia: que as experiéncias sao reais, até mesmo as experiéncias “mididticas. Isso, em certa medida, pde-nos em desacordo com grande parte do pen- samento pés-moderno que diz que o mundo que habita- ‘mos é um mundo sedutora ¢ exclusivamente de imagens ¢ simulacros. Nessa visao, o mundo é um mundo em que as realidades empiricas sio progressivamente negadas, tanto para n6s como por nés, no senso comum € na teoria. Nessa visio, vivemos nossas vidas em espagos simbélicos ¢ auto-referenciais que nos oferecem nada mais que generalidades do sucedneo e do hiper-real, que nos proporcionam apenas a reprodugdo e nunca o original e, a0 fazé-lo, negam-nos nossa subjetividade e, de fato, nossa capacidade de agir significativamente. Nessa visio, somos desafiados com nosso fracasso coletivo a distinguir a realidade da fantasia ¢ a responder pelo empobrecimento, embora forgado, de nossas capacidades imaginativas. Nessa visio, a midia se torna a medida de todas as coisas. Mas sabemos que ela nao o &Sabenios, talver ao menos em relagdo a nés mesmos, que podemos distin, € de fato distinguimos, fantasia de realidade, que pode- mos preservar, e de fato preservamos, alguma distincia critica entre nds ¢ a midia, que nossas vulnerabilidades & influéncia ou a forga de persuasdo da midia séo desiguais. « imprevisiveis, que ha diferengas entre ver, compreender, aceitar, acreditar e agir por influéncia ou converter idéias ‘em ato; sabemos que examinamos 0 que vemos ou ouvi- mos com base no que conhecemos ¢ acreditamos, que de qualquer modo ignoramos ou esquecemos muita coisa, © 26 | for que esa a mid? : {que nossas respostas & midia, tanto em particular como ‘em geral, variam por individiuo e segundo os grupos soci de acordo com sexo, idade, classe, etnia, nacionalidade, assim como a0 longo do tempo, Sabemos de tudo isso. Isso € senso comum. E se nés, que estudamos a midia, tivéssemos contudo de contestar esse senso comum (€ 0 fazemos, devida e continuamente), ele ndo podetia ser eliminado sem que caissemos na mesma armadilha que identificamos para os outros: nao levar a sério a expe rigncia ¢ no testar nossas proprias teorias & luz da ex- periéncia, isto é, néo as testar empiricamente. Nossas teorias também jamais escapardo ao auto-referencial. Elas tam- bém se tomnarao infinitamente, reflexivamente irteflexivas. Abordar a experiéncia da midia, assim como sua contribuigdo para a experiéncia, e insistir que isso ¢ um empreendimento tio empirico como teérico sdo coisas mais faceis de dizer do que fazer, pois, em primeiro lugar, nossa pergunta exige de nds investigar 0 papel da midia nna formagio da experitncii¢, vice-versa, o papel da experiéncia.na_formagio da midia. Em segundo, porque exige de nds entrar mais fundo no exame do que cons- titui a experiéncia e sua composigao. ‘Vamos admitir, portanto, que a experiéncia é, de fato, formada. Atos € eventos, palavras ¢ imagens, impressbes, alegrias ¢ dores, até mesmo confusoes, s6 se tomam sig- nificativas na medida em que podem se inter-relacionar dentro de alguma estrutura, tanto individual como social uma estrutura que, embora tautologicamente, lhes confere significado, A experigneia ¢ uma questdo tanto de identi- dade como de diferenga. E tio tinica quanto compartilhavel. “A tecura da expereia | 27 E fisica e psicolg ébvio. Mas como desempenha um papel em sua formagdos ._ A experiéncia & nioidad i E moldada por atividades e ex nada de acordo com normas ¢ el & prova do tempo e do social Perado, pelo nao preparado, pel perio ! Belo incidente, pela catistro- {po faighrePta vulnerabildede, por Sua ineetve agdes ean i’ coetencia. Expressamos a experienc ie tascada me mes Sobte ela. Nese sentido, cla € fee comurn da. cose € SUS Sentidos. De fato, é 0 canitee que 05 amtnatensia corporal em diferentes cultures prec tien2P6l0K0s, em particular, afirmaran Piecondigao de nossa habilidade de com, tun, E interrompida pelo ines-| para perder de vista as fronteiras entre o humano ¢ 0 téenico, entre o corpo ea maquina. Pense digitalmente. Ainda falaremos mais sobre midia ¢ corpos. E os corpos vio além do fisico. A experiéncia nao se resume nem ao senso comum, nem a performance corpo- ral. Tampouco se encerra na simples reflexdo sobre sua capacidade de ordenar e ser ordenada. Pois, borbulhando sob a superficie da experiéncia, perturbando a tranquilida- de ¢ fraturando a subjetividade, esta 0 inconsciente, Ne- nhuma andlise da midia pode ignoré-lo, tampouco as teo- rias que o abordam, Passemos ento a psicandlise. Sim, mas a psicandlise € um grande problema, A psicandlise € um grande problema de varias ma- neiras. Ela oferece, talvez bastante & forga, uma maneira de abordar 0 perturbador e 0 ndo-racional. Ela nos forga a encarar a fantasia, 0 misterioso, 0 desejo, a perversio, @ obsessdo: os chamados problemas do cotidiano, que tanto sao representados como reprimidos em textos, mididticos de um tipo ou de outro e esgargam 0 delicado tecido do que normalmente se considera racional € nor ‘mal na sociedade modema. A psicanélise ¢ como uma Jinguagem. E como cinema. E vice-versa. A passagem da teoria ¢ da prética clinicas & critica cultural € carregada de ofuscamento e da fusdo bastante facil do particular € do geral, como também é repleta de arbitrariedade (mas~ arada como teoria) de interpretacao e andlise. No entan- to, como o préprio inconsciente, a psicanélise nao iré mbora. Ela oferece uma via para pensar sobre os senti- mentos: os medos © desesperos, as alegrias € confusdes Gue arranham o cotidiano e deixam nele uma cicatriz A testa dr wpeenes | 29 tempo, ¢ sobretudo de nos fixar em nossas inereases conectando € separando, compartilhando ¢ negando, dividual e coletivamente, na amizade e na inimizade, na paz € na guerra, J se opinou (Silverstone, 1981) awe tanto a estrutura como o contedido das narrativas da midia ¢ das narrativas de nosss discursoscotdianos so inter- dependentes, que, juntos, eles nos permitem moldar ¢ avaliar a experiéncia. 0 piblico e 0 privado se entrela- gam, narrativamente. Deve ser este 0 caso. Na novela € no talk show, os significados privados sao propagados publicamente e os piiblicos so oferecidos para consumo privado, As vidas privadas de figuras piblicas tornam-se a matéria da novela diria; os atores que representam personagens de novela tornam-se figuras piblicas solic- tadas a construir uma vida privada para consumo pibli 0, Caras! Contigo! 0 que se passa aqui? No cere dos discursos sociais| ue se incrustam em toro da experigncia ¢ a encamam, para os quais nossa midia se tomou indispensével, esto lum processo uma pritica de classficagto: a realizacio de distingdes juizos. A classificagdo, portant, nio & apenas uma questio intelectual, nem mesmo apenas pr tica, mas é nos termos de Berlin, uma questio estética e ética. Nossas vidas so administriveis na medida em que xiste um minimo de ordem, suficiente para fornecer 0 tipo de seguridades que nos permitem atravessar 0 dia No entanto, essa ordem que somos capazes de obter ndo € neutra nem em suas condigdes nem em suas conseqiién- las, pois nossa ordem exerce forte efeito sobre 2 ordem dos outros e dependerd da ordem, ou até mesmo da de- Parte da teoria da midia contemporanea, de orientagd Cognitiva ¢ propésito behaviorista. Ela questiona a reduc so sociolégica, embora na maioria das vezes deixe de reconhecer o social. Ela é ou certamente deveria ser, uma‘ abordagem para reforcar um senso das complexidades da midia e da cultura sem as cancelar. Se formos estudar a tmidia, teremos de encarar o papel do inconsciente na Constituigao, como também no questionamento, da expe- riéncia. Do mesmo modo, se formos responder & pergunta Sobre por que estudar a midia parte de nossa resposta seri porque o inconsciente oferece uma via, se ndo_uma Privilegiada, para dentro dos tervtérios ocultos da mente do significado, A experiéncia, tanto a mediada como a da midia, surge na interface do corpo ¢ da psique. Ela, claro, se exprime no social e nos discursos, na fala ¢ nas histérias da vida cotidiana, em que o social esti sendo constante- mente reproduzido. Para citar Hastrup mais uma vez: "Nao apenas a experiéncia esta sempre ancorada numa coletivi- dade, mas a verdadeira acdo humana é também inconce- bivel fora da conversacéo continua de uma comunidade, de onde surgem as distingdes e avaliagées de fundo neces- sirias para fazer escolhas de agées" (1995, p. 84). Nossas histérias, nossas conversas esto. presentes {anto nas narrativas formais da midia, na reportagem factual e na representagio ficcional como em nossos comtos do dia-a-dia: a fofoca, os boatos ¢ interagdes casuais em que encontramos maneiras de nos fixar no espago € no ‘teatura do experéocs [31 30.) Por ae ett» mit me sordem, dos outros. Aqui também nos confrontamos uma estética ¢ uma ética — uma politica essencialme — da vida cotidiana, para as quais a midia nos forn em importante grau, tanto os instrumentos como os pr blemas: os conceitos, categorias e tecnologias para co tuir e defender distancias; para construir e manter cot des, Esses instrumentos estdo talvez em mais evide € sto portanto mais controversos quando uma nago est ou se sente em guerra. Mas ndo deixemos essa visibilidas de momentanea nos ofuscar o trabalho diario em que! nos, individual coletivamente, e nossa midia estam« constante € intensamente envolvidos, minuto a minutoy hora a hora Por conseguinte, na medida em que a midia &, coma’ argumentei, essencial a esse proceso de fazer distingoes ¢ juizos; na medida em que ela, precisamente, medefa a dialética entre a classificagdo que forma a experiéncia e! a experiéncia que dé colorido 4 classificagéo, precisamos investigar as conseqiiéncias de tal mediagio. Temas de} estudar a midia, 2 Mediacao Comecei a dizer que devemos pensar na midia como tum processo, um processo de mediagio. Para tanto, & necessirio perceber que & midia se estefide para além do ponto de contato entre os textos mididticos e seus leitores, ou espectadores. E necessério considerar que ela envolve 05 produtores ¢ consumidores de midia numa atividade mais ou menos continua de engajamento e desengajamento com significados que tém sua fonte ow seu foco nos textos mediados, mas que dilatam a experiéncia e so avaliados & sua luz numa infinidade de maneiras. ‘A mediagao implica 0 movimento de significado de um texto para outro, de um discurso para outro, de" um vento para outro. Implica a constante tramisformayao de significados, em grande e pequena escala, importante € desimportante, & medida que textos da midia e textos sobre a midia circulam em forma escrita, oral € audiovi- sual, € a medida que nds, individual e coletivamente, direta e indiretamente, colaboramos para sua producto, A circulagao de significado, que € a mediacdo, € mais do que um fluxo em dois estigios — do programa trans mitido via lideres de opinio para as pessoas na rua —, 32 | Po que estar « mii? ediagto | 39 fe eee como Katz e Lazarsfeld (1955) defenderam em seu es seminal, embora cla apresente estigios e realmente flua, significados mediados circylam em textos primarios ¢ ccundarios, através de intertextualidades infindaveis, na rodia € no pastiche, no constante replay e nos intermis veis discursos, na tela e fora dela, em que nis, co Produtores e consumidores, agimos ¢ interagimos, urge temente procurando compreender 0 mundo, 0 mundo midia, 0 mundo mediado, o mundo da mediagio, também, € ao mesmo tempo, usamos 0s significados midia para evitar © mundo, para nos distanciar dele, desafios talvez impostos pela responsabilidade e pelo dado, para fugir do reconhecimento da diferenca, Essa inclusividade na midia, nossa forgada partic Pacdo com ela, € duplamente problematica. E dificil des+ vendar, encontrar uma origem, construir uma explicag do poder da midia, por exemplo. E dificil, provavelmente} impossivel, para nds, analistas, sair da cultura da midia, da cultura de nossa midia. Com efeito, nossos préprias textos, como analistas, so parte do processo de media do. Aqui, somos como lingtistas tentando analisar sua Propria lingua. De dentro, mas também de fora, “Um lingtiista nao sai do tecido mével da lingua verdadeira — sua propria lingua, as linguas que ele co- hece — mais do que sai um homem do alcance de sua sombra” (Steiner, 1975, p. 111). A meu ver, isso também se aplica @ midia. Dai a dificuldade. E uma dificuldade epistemolégica, relacionada 4s maneiras como alegamos nnossas compreensies da mediagao. E € ética, pois exige gue elaboremos juizos sobre o exercicio do poder no 34 | Por que estudar a mia? proceso de mesiaio,Extudar a mia € um rc, em Brnbos os casos. 1Ss0 implica, inevitv ne rocesso de desfamiliarizacéo. Questionar 0 da {© uit. Mergulhar abaixo da superficie do significado. Recs 0 svi, Te, singlt.Em ns bain amas vezes¢ com rao, o simples se tora complex, > dbvio opaco. Luzes brithantes fazem desaparecer ai sti tudo nos cantos. : soni elacao € como a tadugdo segundo a vi 0 de George Steiner. Nunca é completa, sempre transformativ ce nunca, talvez, inteiramente satisfatsria. E sempre con- testada. & um ato de amor, Steiner descreve a traduco em termos de movimento hermenéutico, um processo quédruplo de confianga, agressio, apropriagio e restitut- io. Confianga porque, ao desencadear o processo de tra- dugio, identificamos valor no texto de que estamos tra~ tando, valor que queremos compreender, alegar ¢ comu- nicar para os outros, para os nossos. Nesse ato inicial de confianga declaramos nossa crenga de que ha um sign ficado a ser apreendido no texto que estamos abordando € de que esse significado sobreviverd a nossa tradusio. Podemos, claro, estar errados. Agressdo porque todos os atos de compreensio séo “inerentemente apropriadores e, Portanto, violentos" (Steiner, 1975, p. 297). Na traducéo, entramos num texto e alegamos ter a posse de seu sig- nificado (Steiner é incorrigivelmente sexista em suas meta foras), mas a violéncia que fazemos aos sigificados alheios, mesmo nas mais suaves tentativas de compreender, € bastante familiar: nossos proprios discursos séo_salpica- dos de alegagdes de que a fepresentagio da midia ‘wean | 35 —tlenciosa, ideolégica ¢, amitide, simplesmente falsa. Apro= Priacdo significa levar os significados para casa: a perso- “nifieago, @ consumacio, a domesticacio (esses termos séo todos de Steiner) mais ou menos bem-sucedidas, mais ‘ou menos completas do significado, Esse é um processo que, no entanto, permanece incompleto e insatisfatério sem 0 quarto ¢ ultimo movimento: a restituigdo. Restitui- cio sinaliza uma reavaliagdo: a reciprocidade no ambito da qual o tradutor devolve significado ¢, talvez, faca-lhe acréscimos neste processo. A glria primitiva do original pode ter desaparecido, mas 0 que vemos em seu lugar é algo novo, certamente; algo melhor, possivelmente; algo diferente, obviamente. Nenhuma tradugo, como diz Jor- Be Luis Borges em Pierre Menard, pode ser perfeita, nem mesmo em sua perfeigéo. Nenhuma traducéo. E nenhuma mediagéo. Nao obstante as suscetibilidades de Steiner e da tra- ducao, ele se refere a ela como um processo didico, um movimento de um texto para outro e, principalmente, um movimento através do tempo. Ele implica a transiga0 entre textos passados e presentes. £ um movimento que inclui tanto significado como valor. A tradugo é uma atividade ao mesmo tempo estética e ética A mediagao parece ser mais e menos do que a tra- dugdo, tal como analisada por Steiner. Mais porque a mediagdo rompe os limites do textual e oferece descrigées da realidade, assim como da textualidade. E tanto vertical como horizontal, dependente dos constantes destocamen- tos de significados através do espaco tridimensional e até mesmo quadridimensional. Os significados mediados mo- 36 | For que estudor 9 mia? venvse entre textos certamente,¢ através do tempo, Mas também se mover através do espaso,¢ de espacs. Els se movem do puilico para o privado, do institucional para 0 individual, do globalizador para 0 local € 0 pes- soal, ¢ vice-versa. Eles sio fixos, por assim dizer, nos textos € fluidos nas conversas. So visiveis em quadros de aviso e sites da Intemet e enterrados nas mentes e nas embrancas. Mas a mediagdo é menos que a tradugio provavelmente porque as vezes néo tem nada de amoro- 50, 0 mediador no esta necessariamente ligado a seu texto, nem a seu objeto, por amor, embora possa estar em casos particulares. A fidelidade & imagem ou ao evento nio & de modo algum tao forte quanto é, ou foi um dia, a palavra. ; Uma tradugao é reconhecida e respeitada como um trabalho de autoria. A mediago envolve o trabalho de instituigdes, grupos € tecnologias. Ela nao comega nem termina com um texto singular, Suas pretensbes de fecha- mento, 0 produto das ideologias e narrativas de noticias, por exemplo, so comprometidas, no ponto da transmis- so, pela certeza de que a proxima comunicagéo, © pré- ximo boletim, a préxima histéria, 0 comentario ou a interrogagao por vir levardo as coisas ¢ os significados adiante e para outro lugar. A visio que Steiner tem da traducao nao ultrapassa 0 texto, a despeito do reconhe- cimento do proprio lugar dele, Steiner, na linguagem. Em contrapartida, a mediagio ¢ infinita, produto do desenre~ damento textual nas palavras, nos atos € nas experiéncias da vida cotidiana, tanto quanto pelas continuidades da ‘midia de massa e da midia segmentada. esiagio | 37 Desse modo, a mediagdo é menos do que a tradugéo precisamente na medida em que € produto do trabalho institucional ¢ técnico com patavras e imagens, ¢ 0 pro- duto também de um engajamento com 0s significados informes de eventos ou fantasias. Os significados que, de fato, surgem, ou que so alegados, tanto proviséria como definitivamente (de ambos os modos, ¢ claro, ¢ de uma sé vez, em quase todo ato de comunicagao), surgem sem a intensidade da atencdo especifica ¢ precisa a linguagem ou sem a necessidade de recriar, em algum grau, um texto original. Nesse sentido, a mediagaio € menos determinada, mais aberta, mais singular, mais compartilhada ¢ mais vulneravel, talvez, a abusos. No entanto, a discusséo continua pertinente, sobre- tudo porque o que se tem aqui no é a distingdo entre diferentes tipos de tradugdo: literalismo, parafrase ¢ livre imitagdo, que 0 proprio Steiner acha estéreis e arbitrarias. E pertinente porque temos aqui o reconhecimento de que a importincia da tradugdo reside no investimento, tanto ético como estético, que se faz nela € nas reivindicacdes que so feitas para ela e por ela. A traducdo é um pro- cesso em que os significados sio produzidos, significados que cruzam fronteiras, tanto espaciais como temporais. Investigar esse processo ¢ investigar as instabilidades ¢ 0 fluxo de significados ¢ suas transformagées, mas também a politica de sua fixagdo. Tal investigacao fornece o modelo para algumas coisas que pretendo dizer agora sobre @ mediagao, Consideremos o exemplo de um jovem pesquisador de televisio trabalhando num documentério sobre a vida 38 | Porque esr a mid? ‘em instituigdes totais. Uma série que investigara as ma- rieiras pelas quais tais instituigdes, nesse caso um mostei- fo, socializam novos membros em um novo modo de vida, um novo regime, uma nova ordem. Uma idéia ini- cial e a bem-sucedida persuasio do produtor executivo de sua viabilidade resultaram num almogo com o abade num restaurante no Soho. Ele deixaria uma equipe de produ- ‘glo entrar no mosteiro para seguir um grupo de novigos fem sua preparagio para se integrar & nova comunidade? Concederia ao meio televisivo os direitos de representa io? O abade consideraria isso. Um programa anterior em outra parte na rede tinha sido visto como um fracasso, mas esta era uma idéia interessante, e parecia haver entre os dois homens uma concordancia suficiente para a su- festio de que o pesquisador visitasse 0 mosteiro para discuti-la mais. Poucas semanas depois, o pesquisador esta numa sala com toda a comunidade de monges. Ele apresenta sta idéia do programa e é interrogado, Talvez por inocén- cia, mais provavelmente por orgulho profissional, ele delineia o que espera alcangar no programa, argumentan- do que sera fiel ao modo de vida deles e tentard nao ser deturpador nem sensacionalista. Ele viverd algum tempo na comunidade, O filme se baseard numa pesquisa meti- culosa € rigorosa. As vozes dos préprios monges sero ouvidas. Podem confiar em que o pesquisador passard a verdade (sim, ele disse isso). Ele € convincente. Chega-se @ um acordo, 0 pesquisador se une aos monges por duas semanas e segue sua rotina. Fala com eles, come com eles € freqiienta seus cultos, Passa a respeiti-los intensamente, Medagso | 39 mas ndo compreende sua fé. Ele escolhe dois novicos ¢ discute 0 que estara envolvido com eles. 0 plano é fazer © filme durante 0 periodo de um ano para monitorar progresso do noviciado, 0 pesquisador retorna a Londres e passa as informa~ Gées para o diretor e 0 produtor. A filmagem comega e, no devido tempo, termina. Uma infinidade de imagens, palavras e sons para ser editadas num texto coerente. 0 pesquisador, apesar de ter feito grande parte das entrevis- tas filmadas, agora ja néo esté muito envolvido no pro- cesso de producao e assiste de bragos cruzados, enquanto (© mundo que ele observou, 0 mundo que, embora imper- feta e incompletamente, passou a compreender é recons- truido quadro a quadro. Cada vez mais impotente, ele assiste 4 producio institucional do significado: a constru- gio de uma narrativa; a criagéo de um texto que atende as expectativas do programa, um texto que se encaixa no horério reservado, que solicitaré uma audiéncia e alegard um significado. Ele vé uma nova realidade surgindo sobre a antiga, reconhecivel, justa, pelo menos para cle, mas cada vez mais distante do que, segundo acredita, os pro= prios monges conheceriam e compreenderiam. Essa € uma tradugio feita de boa-fé. Contudo, no momento em que os significados emergentes cruzam a soleira entre o mundo das vidas mediadas eo da midia viva, no momento em que as agendas mudam e em que a televisio, neste caso, impde suas proprias formas de trabalho, uma nova realidade, mediada, ergue-se do mar, rompendo a superficie de um conjunto de experiéncias € oferecendo, afirmando, outras 40 | Porque etn » mia? 0 programa é transmitido ¢, de fato, reprisado. Al- gum tempo depois, o pesquisador se encontra socialmente com um membro da comunidade. 0 que ele achou, 0 que cles acharam? Timidamente, € um pouco dolorosamente, a resposta era bastante clara. Decepco. Pesar. Outro fra- casso. Uma oportunidade perdida. Pode ter sido um documentario, que entretanto nao documentou, nao refle- tiu ou representou com precisdo a vida ou a instituigdo deles, O pesquisador nao ficou inteiramente surpreso, nem chocado, Mas o reconhecimento do fracasso 0 derrubou. ‘A falha foi dele? Era inevitavel? Seria possivel outro resultado? esse meio tempo, milhdes de pessoas terdo visto 0 programa; muitas terio gostado; ¢ muitas ter incorpo- rado algo de seu significado em suas préprias compreen- sdes do mundo. A andlise da tradugio feita por Steiner no inclui o leitor ou a leitura, Minha andlise da media 0 deve inclui-los, pois sem privilegii-los, a todos nés ue nos engajamos continua e infinitamente com os sig nificados midiéticos, sem uma preocupacdo com a efici cia esse engajamento, corremos 0 risco de uma mé in- terpretagdo. Todos participamos do processo de mediacéo. Ou no, conforme 0 caso. . Essa histéria do envolvimento de um documentario televisivo com um mundo privado é, talvez, bastante fami- liar € cada vez mais compreendida tanto pelas pessoas abordadas para participar como sujeitos na mediacao como pelos espectadores € leitores que passaram a entender al- uns dos limites nas alegacdes de autenticidade por parte da midia. Mas em seu ceme, como Steiner reconhece, re- vedo | 41 side a questio da conflanca. E confianga em diversos pontos do processo. Os sujeitos do filme devem confiar naqueles que se apresentam como mediadores. Os espectadores des vem confiar nos mediadores profissionais. E os mediadores profissionais devem confiar em suas proprias habilidades e capacidades de fomecer um texto honesto. Embora possamos ser perdoados por considerar se- melhante confianga tao passivel de traigao, cinicamente ou nao cla é uma precondigio da mediacio, uma pre- condigéo necessaria em todos os esforcos da midia por representacio, ¢ especialmente por representagio factual. Claro, esse tépico da confianga ndo molda todas as for- mas de mediago, embora também seja uma precondigo, ‘como afirmou Jiirgen Habermas (1970), para qualquer comunicagao eficaz. Uma questo que sempre reaparecerd neste livro € saber 0 que esté ocorrendo com a confianga no ceme do processo da mediagdo ¢ com a percepgio de como € importante encontrar meios de preservé-la ou protegé-la. Todos nés somos mediadores, ¢ os significados que criamos so, eles préprios, ndmades. Além de poderosos. Fronteiras so transpostas,e, to logo programas sio trans- mnitidos, web-sites construidos ou e-mails enviados, elas Continuardo a ser transpostas até que as palavras ¢ ima- gens que foram geradas ou simuladas desaparegam da visto ou da meméria. Toda transposi¢ao é também uma transfor- magio. E toda transformacao é, ela mesma, uma reivindi cago de significado, de sua relevancia e de seu valor. Nossa preocupacao com a mediacéo como um pro Cesso € portanto, essencial a questo de saber por que 42 | Porque estar a mica? devemos estudar a midia: a necessidade de focar no movimento dos significados através dos limiares da re- presentagao e da experiéncia, De estabelecer os lugares € fontes de distirbio, De compreender a relagao entre sig- nificados publico ¢ privado, entre textos e tecnologias. E de identificar os pontos de pressdo. Além disso, devemos ‘nos preocupar nao apenas com a reportagem factual, com a midia como fonte de informagao. A midia é entreteni- mento, E aqui, também, significados so produzidos ¢ transformados: tentativas de ganhar a atengao, de cum- primento e frustragao de desejos; prazeres oferecidos ow negados. Mas ela também oferece recursos para conversa, reconhecimento, identificago incorporagio, a medida que avatiamos, ou nao avaliamos, nossas imagens € nos- sas vidas em comparaao com aquelas que vemos na tela Precisamos compreender esse processo de media compreender como surgem os significados, onde ¢ com que conseqiiéneias. Precisamos ser capazes de identificar 0s momentos em que o processo parece falhar, em que € distorcido pela tecnologia ou de propésito. Precisamos Compreender sua politica: sua vulnerabilidade ao exerci cio do poder; sua dependéncia do trabalho de instituigées € de individuos; e seu proprio poder de persuadir ¢ de reclamar atencdo € resposta. via | 3 Tecnologia Nao iremos longe em nosso interesse pela midia sem inquirir a tecnologia. Nossa interface com 0 mundo. Nossa confrontagéo com a realidade. As tecnologias da mi pois elas so tecnologias, tanto hardware como software, vém_em diferentes formas ¢ tamanhos, agora em répida mudanga e de maneira atordoante. Elas esti impulsio- nando muitos ‘de nés ao nirvana da chamada “era da informacdo", enquanto deixam outros ofegantes como bébados numa calgada arrastando os pés pelo lixo de software obsoletos e sistemas operacionais rejeitados, ou apenas se arranjando, na melhor das hipéteses, com uma telefonia antiquada ¢ uma difusdo terrestre analogica. Pensar sobre tecnologia, questiond-la no contexto de uma discussdo sobre a midia nao ¢ tarefa simples. E no s6 por causa da rapidez da mudanga, rapide impre- visivel ¢ incoerente em suas implicagées. Muito se escre- veu sobre a capacidade da tecnologia mididtica de deter- minar as maneiras pelas quais empreendemos nossos tra- balhos didrios, as maneiras pelas quais nossa capacidade de agir no mundo ¢ possibilitada e reprimida. Dizem-nos que estamos no meio de uma revolugéo tecnolégica (0 Twos | #8 que € verdade, pelo menos para uma pequena parcela da populagéo mundial) de amplas conseqiiéncias, revolugao na geracdo ¢ na disseminacao da informagdo. Novas tec- nologias, novas midias, cada vez mais convergentes pelo mecanismo da digitalizacio, esto transformando o tem- po € 0 espaco sociais ¢ culturais, Esse novo mundo nao para: 24 horas de noticiario, 24 horas de servicos finan ceiros, Acesso instantaneo, em todo o globo, a World Wide Web. Comércio interativo e sociabilidade interativa em economias e comunidades virtuais. Uma vida a ser vivida on-line. Canais e mais canais. Escolhas e mais escolhas. Televisio como balas sortidas. Ougamos as vozes do Vale do Silicio ou da Media Lab. Ougamos, por exemplo, Nicholas Negroponte (1995, p. 6): ro comego do proximo milénio suas abotoaduras ou brincos, dos lados direito esquerdo, poderdo se comunicar entre si por satlites de érbita baixa ¢ ter mais poder computacional do que seu atual PC. Seu telefone ndo tocard indiserimina~ damente; ele vai receber, selecionar e talvez responder as chamadas como um bem treinado mordomo inglés. A miia de massa serd redefinida por sistemas para transmit ¢ re= ceberinformagio e entetenimento personalizados. As esco- las mudardo para se tormar mais como museus e playgrounds em que as criangas reinam ideias ese socializem com outras criangas de todo © mundo. 0 planeta digital parecer uma cabeca de alfinete © se sentiré como ta. 0 que minhas abotoaduras diro uma a outra? 0 que vou fazer com todo esse poder computacional? Se toda minha informagio € personalizada, como vou aprender 46 | Porque ear 9 mia? algo novo? Quem vai pagar pelo novo tipo de escola € retreinar os professores (ou encontrar novos empregos para eles quando forem embora?). Como vou administrar os pontinhos de alfinete da proximidade global? 0 problema esté em como pensar a fundo nisso quando se admite que a tecnologia ndo vem até nés sem intervengao humana. Quando se reconhece que ela nasce de complexos processos de projeto e desenvolvimento que sto, eles mesmos, incrustados nas atividades de institui- des € individuos coagidos € capacitados pela sociedade pela histériaA nova midia é construida sobre as bases da_velha. Ela nao asc emplumada OU. perfeitamente formada. Tampouco é sempre claro_coma, seid Tnstitucionalizada ou empregada, ¢ sabemos menos, ainda giiais Conseqiiéncias ela terd na vida social, econd- mica_ou politica, As_certe ‘uma_tecno-ligica, as certezas do desenvolvimento cumulative na velocidade ¢ via mintuarizagZo, por exemplo, no produzem seu equi- valenté 1i08”Simbitos da. exp Mas @ mudanga teenoldgica produz, sim, conseqién- cias, Elas podem ser, ¢ certamente tém sido, profundas: mudam, tanto visivel como invisivelmente, 0 mundo em que vivemos. A escrita e a imprensa, a telegrafia, o réio, ‘clefonia e a televisio, a Internet ofereceram, cada um, novas maneiras de administrar a informagio ¢ novas maneiras de comunicé-la; novas maneiras de articular desejos ¢ de influenciar e agradar. Efetivamente, novas maneiras de fazer, transmitir e fixar significado. A tecnologia, portanto, nao é singular. Mas em que sentidos ela € plural? Teeraape [47 Marshall McLuhan queria que vissemos a tecnologia como fisica, como extensdes de nossa capacidade humana de agit, fisica e psicologicamente, no mundo. Nossa mi- dia, especialmente, ampliou sua extensio e seu alcance, conferindo-nos imenso poder, mas também modificando © ambiente em que o poder € exercido. As tecnologias fazem isso sozinhas, préteses para a mente e 0 corpo, de impacto totalizante ¢ efeitos rudes € indiscriminadores. 0 apelo de McLuhan nos anos 1960 baseava-se na novidade € na abrangéncia de sua andlise. Um profeta em sua época, em seu pais. E ainda o & Sua mensagem da sim- plicidade do deslocamento mididtico da mensagem como © lugar da influéncia esté em concordncia com os que véem na atual geragdo de tecnologias interativas e de rede a plena realizagio do mundo como medium. Para tais pessoas, “a Internet é um modelo para o que somos” Ciborgues. Cibemnautas. Dé asas as fantasias. E as fanta- sias, ou pelo menos algumas delas, sao realizadas. Arma- zenamento infinito. Acessibilidade infinita. Cartdes inte- ligentes ¢ implantes de retina. Os usuarios sio transfor- mados por seu_usa. E, como conseqiiéncia, a natureza humana é, com igual certeza, transformada. Clic. 0 teoricamente nao-sutil tem seu valor. Ele foca a mente na dinémica da mudanca estrutural. Faz-nos ques- tionar. Mas deixa de notar as nuangas da atividade e do significado, do exercicio humano de poder ¢ de nossa resistencia. Deixa de notar também outras fontes de mudanga: fatores que afetam a criacdo das proprias tec- nologias ¢ fatores que medeiam nossas respostas a elas. Sociedade, economia, politica, cultura. As tecnologias, & 48 | Porque estar» mii? preciso dizer, so mais capacitantes (e incapacitantes) do que determinantes, Elas surgem, existem e expiram num mundo que nao ¢ totalmente criado por clas. ‘Mas o apelo é compreensivel. E 0 que McLuhan articula e ao mesmo tempo reforga irrefletidamente € quase ‘um universal na cultura, em que a tecnologia pode ser vista como encantamento. A expressao € praticamente a mesma de Alfred Gell. Ele a emprega para descrever as tecnologias de encantamento que os humanos criaram para “exercer controle sobre as ideias ¢ agdes de outros; seres humanos” ll, 1988, p. 7), referindo-se com isso = 2 arte, A musica, & dana, 4 retdrica, aos presentes, ¢ a todos 0s artefatos intelectuais e praticos que surgiram para nos permitir expressar toda a gama das paixi humanas, isto é, a midi Mas tecnologia como encantamento tem uma refe- réncia mais ampla, pois descreve as maneiras pelas quais 4 todas as sociedades, incluindo a nossa, encontram na ‘* tecnologia uma fonte e uma esfera de magia ¢ mistério. > Gell fala disso também. Para ele, tecnologia e magia estio 'S indissoluvelmente ligadas. 0 feitico ¢ langado como as sementes so plantadas. 0 sucesso futuro € tanto reivin- ¢ dicado como explicado por meio disso. De fato, por de- finigdo, Pols néo se deve compreender a tecnologia ape- nas como maquina. Ela inclui as habilidades e competét fas, o conhecimento e o destjo, sem os quais nao pode} fanicionar. E "a magia consiste em um “comentario” sobre estratégias téenicas” (Gell, 1988, p. 8). As culturas que criamos em tomo de nossas maquinas € de nossa midia sio justamente isso. No senso comum e nos discursos Teeraops | 49 cotidianos, € até mesmo na escrita académica, as tecno- logias aparecem magicamente, sio magia e tém conse- giiéncias magicas, brancas e negras. Si0 0 foco de fan- tasias ut6picas e distépicas que, quando langadas, assu- mem, segundo se acredita, forma fisica, material (Wired, a revista do Vale do Silicio, é um exemplo caracteristico), As operagdes da maquina so misteriosas e, como resul- tado, compreendemos mal sua origem e seu significado. 0 uso que fazemos delas é cercado de folclore, a sabedo- ria comum de grupos e sociedades que desejam controle sobre coisas que ndo compreendem. Vé-se entdo que a tecnologia é migica e que as tecnologias da midia sao, de fato, teenologias de encan- tamento. Essa sobredeterminagdo Ihes confere um poder Consideravel, para néo dizer aterrador, em nossa imagina- sto. Nosso envolvimento com elas é impregnado pelo sagrado, mediado por ansiedade e, de quando em quando, arebatado por alegria. Nossa dependéncia delas & subs- tancial. 0 desespero que nos invade quando somos priva- dos do acesso a elas — 0 telefone como “linha salva- vidas", a televisio como “janela para o mundo” — é completo. Nosso entusiasmo, quando somos confrontados elo novo, as vezes desconhece limites: “Quatro trilhdes de megas? Nossa!" Nesse contexto, como também em outros, comecar_a tecnologias, no sentido que inclui’néo sé o qué, mas também 0 como.¢ o por qué da maijilina € S8u tsos, sa0 objetos e priticas simbélicos.e materia, estéticos e fun- cionais. E também nesse contexto que comecamos a in- 50 | Por que estudar 2 mia? vestigar os espacos culturais mais amplos em que as tec nologias operam © que Ihes do tanto seu significado como seu poder. Walter Benjamin identificou momentos decisivos na histéria da cultura ocidental com a invengéo da fotogra- fia e do cinema, momentos que, mesmo no contexto de sua prépria ambivaléncia, Benjamin interpretou erronea- mente como desencantamento. A reproduc meciinica (a primeira vez, é claro, na impressao) ¢ 0 trago definidor da tecnologia mididtica, rompendo a sacralidade fechada ¢ intima, inabordave, distante, da obra de arte a substi- iuindo pelas imagens ¢ pelos sons da cultura de massa. Para Benjamin, isso significava a possibilidade de uma nova politica, & medida que os novos espectadores em massa das imagens cinematogrificas se confrontaram com representagdes da realidade efetivamente sintonizadas com a experiéncia deles. Ele escreve: 0 filme € 2 forma de arte que est em consondncia com © aumento da ameaga A vida que o homem moderno tem de enfrentar. A necessidade do homem de se expor aos efeitos de choque € seu ajuste aos perigos que o ameagam. O cinema corresponde a profundas mudangas no aparato aperceptivo — mudangas sentidas numa escala individual pelo homem na nia, no trifego da cidade grande, numa scala historia por todo cidado contempordneo (1970, p. 252, n. 19). Nota-se, nesse caso, ¢ em outros, que as tecnologias da midia nascem em pontos de caréncia social generali- zada, nao individual. Raymont Williams (1974) mostra Teendapa | 51

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