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“O lugarzinho, no enquanto, foi sendo alvo de desgraças. (...

) Como as chuvas demorassem, vieram buscar


a mãe. No quintal dela entraram
mulheres meio-nuas, essas que costumavam limpar os poços. Precisavam de uma
mãe de gémeos para as cerimónias mágicas. Mandaram que ela mostrasse o túmulo
de sua filha. Farida acompanhou o grupo que, em fila, foi até à margem do rio.
Quando chegaram à campa, as mulheres verteram água sobre o pote fúnebre.
Dançaram, xiculunguelando. Depois, meteram a velha num buraco e foram-no
enchendo de água. Ela pedia: me deixem, tenho frio.
Mas as mulheres não abrandavam. A mãe de Farida visitara o Céu e se ela
estivesse molhada, certamente as nuvens também se encharcariam. As chuvas
viriam, por fim.
— Parem, ela está sofrer, gritou Farida.

Mas elas prosseguiram, cobrindo a coitada com água fria. Até que se afastaram
dançando e cantando, deixando a mãe no fundo da terra ensopada. Farida se
aproximou, quis ajudá-la a sair. Mas ela recusou: devia ficar ali, matopar-se, pagar
sua dívida com o mundo. Toda a noite, a filha permaneceu na cabeceira do buraco.
E lhe cantou um embalo, fosse a mãe a pequenina, saída do ventre da jovem.
Cansada, Farida adormeceu.
De madrugada, quando despertou, já a mãe ali não estava. Tinham-na levado,
gelada de mais para se manter impura. O sangue de sua mãe, vertido em seu
nascimento, já não sujava a aldeia. Nesse mesmo dia, tombaram grossas chuvas. As
sementes e a esperança se tinham finalmente reconciliado.”

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