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Kathia Maria Costa Neiva Embora as necessidades psicossociais tenham sempre existido nos individuos, grupos e sociedades, ica que a psicologia néo tenha se preocupado ides, nem buscado formas de solucioné-las. Ow EE Vas, oque 6Iintervengio Pecossocial? As primeiras referéncias ao termo trazem as ideias de mu- danea, transformagéo, pesquisa ¢ acéo., ressaltando a capacidade do individuo de perceber seus problemas e de ser parte integrante na busca das solugdes (LAPASSADE, 1977). Vale ainda mencionar a influénci a facilitando a compreensio e Ss Instituigdes e organizagées: om 197), (2002). Concorda-se, portanto, 20 afirmar que franceses como M. 5, J , C.GEBASEAe e outros, principalmente em Minas 4 au 180 Ponsa? Gerais, Sao Paulo e no Rio de Janeiro. Uma andlise histérica do desenvolvimento desta drea no Brasil é minuciosamente apresentada por Machado (2004) e resumida por Barros (1994) Atualmente, existem alguns grupos fortes de pesquisa e atua- do nesta area, concentrados nas Universidades Federais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Séo Jodo Del Rei, que tém contribufdo para a sistematizacao das ideias te6ricas e desenvolvimento de praticas psicossociais. No se pode descartar a influéneia dos movimentos pol 0s e sociais ocorridos na realidade brasileira, principalmente a partir da década de 1970, que provocaram 0 aumento im- portante de pesquisas e discussées cientificas sobre o tema, a criacéo de ONGs, e a formagéo de iniimeras associagées e social (PEREIRA, 2001). Vale mencionar também a contribuigao dos trabalhos de conscientizagao e de pesquisa participante de Paulo Freire € 08 projetos desenvolvidos pelas Comunidades Eclesiais de Base (BARROS, 1994; MACHADO, 2004). Para Machado e Roedel (1994, p. 7) a psicossociologia é uma vertente da Psicologia Social eujo campo “é o dos gru- pos, das organizacdes e das comunidades, considerados como ‘eonjuntos concretos que mediam a vida pessoal dos individuos € sao por ele criados, geridos e transformados”. A interven- 40 psicossociolégica surgiu a partir dos anos 1950, quando 08 psicossociGlogos passaram a priorizar os problemas e se preocupar com as instncias de mudanca, respondendo as demandas e incorporando o papel de pesquisador-interven- tor. Dubost (1994) expde em detalhes a origem e evolucao da intervencéo psicossociolégica. Machado (2004, p. 15) define: A pesquisa-intervencéo psicossocial como um trabalho de produgio de conhecimentos sobre grupos, organizagées, instituigées, comunidades e movimentos sociais, fundado nas reflexdes te6ricas e descobertas da psicologia social e 1 Katha ana Coste Nive da psicossociologia, e, simultaneamente, um conjunto de prétticas clinicas de consulta voltadas ao tratamento desses diferentes conjuntos sociais © meios abertos. De acordo con#@EBHER ¢ colaboradores intervencao psicossocial 88 assim ao G@EOCEESOMGamESTEGS) ‘edieaiiiseie e pode rng satide mental, politica, economia, educacio, ete. Considera-se, portanto, que = fe A seguir sero discutidas algumas caracterfsticas basieas da intervencdo psicossocial: 1.1. @@Kétententifeo, unindo a pesquisararagan Conforme mencionado anteriormente, #0 que produz reflexéo, critica e reformulacéo. Como ressalta asic, D. 109): GARITSEVERBAo junto a um grupo deve ser vista, a0 mesmo tempo, como uma aco e como um modo de desenvolvimento de oO nessa area assume assim um papel de (GBB 52) assume que L...] no hé possibilidade de nenhuma tarefa profissional correta em psicologia se nao é, ao mesmo tempo, uma in- ‘estigagio do que esté ocorrendo e do que esta se fazendo, 16 © gue. nerengia Pacosoca? ada ciéneia, mas estigacao cientifica , mas sim dentro do curso da mesma, 1.2. Preocupagao em gerar mudanga e desenvolvimento Provocar algum tipo de mudanga no sentido de desenvolv mento é o objetivo fundamental da intervengio psicossocial ‘Mas, mudanca alguma pode ocorrer sem que anecessidade de mudanca seja primeiramente pereebida e sentida pelo grupo. Ninguém muda sem ter consciéneia e desejo de mudar: Além disso, a resisténcia 4 mudanga 6 comum no ser humano, e ‘sao muitos os fatores que dificultam as mudancas, Carreteiro (1994, p. 100) retomando as ideias de Lévy ressalta que as ‘verdadeiras mudangas ocorrem a partir da elaboracao das dificuldades e da criacdo de novas modalidades de busca da verdade”, o que requer um genusno trabalho psiquico, Maison- neuve (1977) e Lévy (1994b) discutem o problema da mudanga ea contribuigao da psieossociologia para compreender e lidar com as mudaneas grupais. Vale ainda pontuar a ressalva feita por Sarriera, Silva, Pizzinato, Zago e Meira (2000) sobre a necessidade de avaliar 08 valores e a ética adotados ao definir quais mudancas sio almejadas para o grupo alvo da intervengéo. 1.3. Foco em grupos, instituigdes € comunidades Apesar de gerar mudaneas intrapessoais, a intervengao psicossocial tem como alvo os grupos, instituigSes, organize- gOes e comunidades. O aleance da intervengéo deve ser amplo e visar mudancas que vao, até mesmo, além dos grupos. Os v [a ata Mania Coot Naa problemas e necessidades dos grupos estéo sempre ligados 0s problemas e necessidades das instituicdes das quais cles sao parte integrante. Logo, “nao se pode tratar dos problemas dos grupos, sem tratar ao mesmo tempo dos problemas das organizagées e das instituigses” (LAPASSADE, 1977, p. 62). Alem disso, uma comunidade, organizacéo, instituiedo 6 for- mada por um conjunto de grupos, que se inter-relacionam e se interligam. Uma agéo em um dos grupos gera efeitos nos demais e, consequentemente, no conjunto como um todo. € necessidades psicossociais de MPs, instituigdes e/ou comunidades Quando se pretende 6 necessdrio pensar em Plosfatores : fatores de ordem econdmica, cultural, social e outros. Logo, @@§R@BSSidAG63 . Podem estar associadas a moradia, alimentagao, educacéo, trabalho etc. ‘nrosaria para stndblae BLEGER. leger ; P79) aponta diversas situacdes em que o psicélogo pode contribuir com intervengées visando & psico- higiene na comunidade: + Em diferentes instituigdes: famflia, empresas, fabricas, escolas, clubes, prisées, ete. Em distintas etapas do desenvolvimento da personali- dade: infancia, adolescéncia, maturidade, velhice. Em perfodos de mudanca no desenvolvimento: nasci- mento, desmame, puberdade, ete. Em situagées significativas que requerem mudaneas: casamento, gravidez, divércio, adogéo, reforma, luto, escolha profissional, desemprego, aposentadoria, ete. 18 O cue Inerengo Picossocar? + Em periodos criticos da vida que exigem o enfrentamen- tode problemas especificos: imigracao, doenga, desastres econémicos, acidentes, tragédias, ete, Carreteiro (1994) chama a atencéo para o fato de que as sociedades vém sofrendo rupturas e mudangas que geram mal-estar nos individuos e ressalta o papel importante dos pesquisadores-interventores na realizacao de intervencées que facilitem o enfrentamento e superacao das dificuldades. Alguns dos problemas observados na atualidade sao: 0 crescimento do individualismo, a busca ineessante de sucesso econémico & intoleréncia as diferencas, que tém acarretado disputas entre nagées, etnias, grupos religiosos e outros. Na medida om que a intervencéo psicossocial tem como objetivo geral melhorar a qualidade de vida e o bem-estar psicossocial dos individuos, 6 necessério, portanto, conhecer 8 fatores que interferem neste bem-estar. 0 mapeamento e a andlise das necessidades psicossociais do grupo, instituicso, organizagao ou comunidade foco da intervenedo so fundamen- tais. Tais necessidades podem estar na drea de satide, educa- co, trabalho, economia ou outra; o importante é conhecé-las ¢ definir prioridades para decidir o(s) foco(s) da intervenes. Essa decisdo deve ser tomada com ou pelo grupo. Entretanto, vale ressaltar que as intervencdes psicosso- ciais nao se aplicam apenas as populac6es desfavorecidas. No Brasil, em funcdo dos problemas sociais, das desigualdades de renda, das condigées de vida, a maioria dos trabalhos na rea 6 desenvolvida com essa populacao. Mas, 0 conceito de intervencao psicossocial abrange todo tipo de grupo, institui- ao ou comunidade (NASCIUTTI, 1996), 1.5. Intervengao focada Aintervencdo nao consegue abranger todas as necessidades de um grupo, instituiedo, organiza¢do ou eomunidade. Portan- 19 De Katia aa Conta iva +o, importante definir quais as necessidades mais prementes e mais viéveis de intervengdo para que se possa estabelecer o(s) foco(s) da intervengao. Sem isso, corre-se o risco de ajudar a querer resolver tudo e ndo resolver nada, perdendo-se o rumo e eficdcia da intervengéo. Como enfatiza Bleger (1984, p. 45), com relacéo ao trabalho do psicélogo em instituigies, este 1ndo pode trabalhar com todos os integrantes ou todos os, organismos da instituigéo ao mesmo tempo nem tampouco isso 6a desejar; por isso deve-se examinar os pontos de ur- éncia sobre os quais intervir como objetivos imediatos, Deve-se definir, portanto, as prioridades, sendo possfvel até intervir em diferentes focos, desde que se planeje devidamente ‘como e quando trabalhé-los, 1.6. CAfaiet predominantemente @SvERtvO ‘Talvez parega incoerente atribuir a intervencdo psicossocial um caréter predominantemente preventivo, pois 0 foco das intervengaes sao as necessidades psicossociais, na maioria das vezes preexistentes. Mas, considerando que seu objetivo maior 6 0 bem-estar psicossocial e a qualidade de vida, ou seja, os aspectos de satide e nao de doenga, seu foco maior é, portanto, a prevengio, Segundo Casas (2005) a partir de 1960 houve um movimento de mudanga na légica da interveneao psicossocial que passou inicialmente a centrar-se na légica da prevencao priméria e em seguida na légica da promocéo da satide, do bem- estar, da qualidade de vida, da participagdo social, ete. Sendo assim, a intervenedo psicossocial pretende funda- mentalmente prevenir o mal-estar psicossocial, a m4 quali- dade de vida das pessoas, grupos, instituigées e comunidade: Prioriza, portanto, a atividade de psico-higiene, caracteristica fundamental da psicologia institucional (BLEGER, 1984), area da qual sofreu influéncia, De acordo com este autor, 20 CO que 6 Ierengto Palos A psico-higiene no gira ao redor da doenga e sim das condigées habituais da vida nas situagées reais em que clas se dio, tomando sous problemas e alternativas em si mesmas ¢ em fungéo dos seres humanos que intervém. em cada uma delas, (BLEGER, 1984, p. 80). ‘A psico-higiene est, portanto, relacionada a utilizagéo dos recursos psicol6gicos para enfrentar os problemas que surgem no desenvolvimento da vida dos grupos, das instituicdes e das comunidades. ‘Dessa forma, a intervencao psicossocial na qualidade de érea de atuagéo volta o seu olhar para as situagbes cotidianas, para asatividades e necessidades da vida corrente da populagéo, bus- cando prioritariamente a promoeao de bem-estar psicossocial 1.7. Leva em conta 0 contexto social e cultural Conforme Casas (2005) ndo se pode compreender realidade social alguma sem conheeer o contexto s6cio-histérico em que esta se desenvolve. Os grupos, instituicdes, organizagées & comunidades estado inseridos em diferentes contextos hist6- rieos, sociais e culturais, Da mesma forma, as necessidades psicossociais variam segundo o contexto social e cultural. Portanto, nao se pode analisar necessidades nem prioridades sem analisar conjuntamente a instituicdo e o contexto em que esté inserida, O que pode ser necessidade em um contexto pode néo ser em outro. Compreender o contexto social e cul- tural em que o grupo-alvo esta inserido é fundamental para 0 planejamento e desenvolvimento da intervencéo. 1.8. Inclui a diversidade do grupo, instituicéo e/ou comunidade Cada grupo, instituigao, comunidade tem suas caracteris- ticas préprias, necessidades, exigéncias e peculiaridades. A a Katia ra Costa Neve intervengéo deve levar em conta as especi cao e contemplar as adaptagdes necessérias, trabalhando até com o enquadre possivel. O local, o horério, a frequéncia dos encontros, a forma de participagio do grupo néo podem ser rigidos e devem, portanto, ser adaptados ao que for possivel para que a intervengdo ocorra e seja eficaz, processo de intervengéo psicossocial passa pelas seguin- tes fases: * Diagnéstica: fase em que ocorre a caracterizacao da institui¢do, a andlise das necessidades psicossociais ¢ a delimitagéo do(s) foco(s) da interveneao. Delineamento da intervenedo: fase de planejamento e elaboracao do projeto de intervene. Desenvolvimento da intervengdo: fase de aplicagio do planejamento de modo flexivel, sendo este passtvel de mudangas a partir das necessidades e dos feedbacks do grupo-alvo, Avaliagdo da intervenedo: fase em que se verifica se os objetivos propostos foram alcangados, se ocorreram mudangas, ou seja, avalia-se a eficdcia da intervengao. Devolucao e divulgacdo dos resultados: fase em que 03 resultados séo comunicados ao grupo, a instituigdo ou & comunidade, incluindo também a ‘pos divulgacao cientifica dos resultados para disseminacao da proposta interventiva. Lévy (1994a), ao analisar as perspectivas futuras da Psicos- sociologia, aponta a influéncia crescente da psicandlise e de trabalhos na area de inspiracéo psicanalitica ea contribuigao de certas correntes da Sociologia Clinica na compreensao das dimensées institucionais e culturais e a multiplicagao ivose im, “a necessidade de uma abordagem pluridisciplinar e a impossibilidade da psicossocio- 2 (que Inerengto Palcssoca? logia renovar-se sem contribuigées externas” (LEVY, 1994a, p. 112), apesar da dificuldade de tais articulagdes em funcdo de diferencas epistemologicas e de representacées de objeto. De outro modo, Bleger (1984, p. 72), ao discutir a impor- ‘tancia da psico-higiene, aponta a necessidade de os psicdlogos conhecerem mais sobre a psicologia das situagées e da vida cotidiana e elaborarem “teorias psicolégicas que nao partam especificamente da patologia”. : Finalmente, Machado (2004, p.24) conelui que “a pesquisa- intervengio psicossocial é uma forma privilegiada de producéo de conhecimento cientifico novo e inédito” : ‘Nao se pretende esgotar aqui as origens e caracteristicas da Intervengio Psicossocial, mas sim tragar algumas diretrizes basicas para o trabalho nesta area, facilitando assim a com- preensio dos aspectos metodolégicos que sero apresentados nos préximos capitulos. Referéncias bibliograficas BAREMBLITT, G. Compéndio de andilise “ional e outras ‘correntes: teoria e prética. 6. ed. Belo Horizonte: Instituto Felix Guattari, 2002. : BARROS, R. D. B. de Intervengio Psicossociol6gica. 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A mudanga: esse obscu: al. Poicossociologia: anélise soci 1994b, p, 113-123. MACHADO, M. N. da M. Préticas , réticas psicossociais; pesquisando e intervindo. Belo Horizonte: Edigdes Campo Social, 2004 MACHADO, M. N. M.; ROEDEL, 8. Apresentagéo, In: LAVY, A. et A. Pricossociologia: andlise sociale intervengao. Petsipois: Voree p. 7-12, : MAISONNEUVE, J. Introdugdo a psicossociologia. Sf MAISONNEUVE, lugdo & psicosscciologia. Sto Paulo: NASCIUTTI, J.C. R.A instituigdo como via de acesso comunid solidariedade & autonomia, Petrépolis: Vozes, 1996, p. 100-126 PAGES, M. A vide aftiva dos grupo. Petrépolie: VozesBausp, PEREIRA, W.C. C, Nas trithas do trabalho comunitdrio e social: teoria, método e pratiea.Petr6polis: Vozes, 2001, PICHON:RIVIERE, H. Oprocesso grupal. 8 ed. Séo Paulo: Prowow-an grupal. 3, ed. Sto Paulo: Martins SARRIERA, J. C. et al. Intervencio psicossocial ¢ algumas quesides étcas etéenicas. In: SARRIERA J.C. (Coord), Peieologia comunitéria: estudos atuais. Porto Alegre: Sulina, 2000, p. 25-44 eto do desjo. In: LEVY, A. et eintervencio. Petropolis: Vazes, 19 4 CARACTERIZACAO INSTITUCIONAL E DIAGNOSTICO DAS NECESSIDADES PSICOSSOCIAIS Kathia Maria Costa Neiva interventor necesita primeiramente conhecer o grupo, instituigéo, organizagao ou comunidade, aproximar-se de seus componentes, ajudé-los a fazer um levantamento das neces- sidades psicossociais, para entao, junto com o grupo, decidir 0(8) foco(s) da intervencéo. Portanto, antes de planejar qualquer intervengéo, 6 pri- mordial conhecer se existe e qual é a demanda do grupo-alvo. “Uma intervengéo psicossocial ¢ desencadeada apenas se h4 uma demanda de algum grupo, organizacfo, insti ‘ou comunidade, 0 que néo exelui, da parte dos consultores, uma oferta de trabalho.” (MACHADO, 2004, p. 89). Ou seja, nem sempre a demanda de mudanga ou ajuda parte espon- taneamente do grupo; com frequéncia esta 6 desencadeada pela oferta do interventor. Da mesma forma, nem sempre a demanda é explicita, clara e até mesmo consciente. De acordo com Lévy (1994) faz parte do trabalho do psicossocidlogo fazer ‘emergir as demandas; nao s6 permitir uma expresso menos difusa delas, mas também permitir interpreté-las. “Fazer Katha Wana Costa Nava is no consiste em adotar uma atitude de (LEVY, 1994, p. 107) Quem fez a demanda inicial? A diregéo da instituigdo, um setor especifico, algum funcionério ou téenico? Partiu do quadro diretivo ou das bases? A demanda foi espontanea ou surgiu apés uma oferta do servico? & importante anal como surgi a demanda, se houve um encaminhamento, de quem partiu e como se deu. Além disso, segundo Bleger (1984, p. 42), para que uma instituigéo solicite e aceite a intervencéo é necessério um “certo grau de matu: de sua situaeao conflituosa, mas a funcéo do psicélogo conduz também a que se tome consciéneia de sua necessidade” Para Baremblitt (2002), 0 diagnéstico inicial 6 fundamental © portanto, deve ser estabelecido um eontrato com tal fim, implicando a criagdo e utilizagdo de dispositivos para ouvir todas as partes, além daquela que fez a demand: Iher os dados necessarios. Segundo este autor, “o diagnéstico J4 € uma operacdo de intervengéo” (BAREMBLITT, 2002, P. 102), por isso deve ser autorizado e legitimado, Toda instituigéo tem uma organizacéo prépria e objetivos especificos que devem ser devidamente conhecidos pelos interventores para que possam decidir sua tarefa profissio- nal na instituicao. A instituicéo possui objetivos explicitos ¢ itos, necessidades manifestas e latentes. Ao analisar ituicdo o psiedlogo deve nao s6 conhecer os aspectos explicitos, mas, principalmente, os implicitos para tomar decisdes e realizar assim sua tarefa de intervenedo. Quanto 0s objetivos, é necessario diferenciar os proprios objetivos da instituigao (explicitos e implicitos), dos objetivos para os quais a instituicdo solicita ou aceita a intervencao do psicélogo. Bo estudo diagnéstico que permite conhecer mais profundamente a instituigdo e suas necessidades (BLEGER, 1984), Sendo assim, a primeira etapa consiste em tramitar as devidas autorizagées e estabelecer 0 contrato para o levanta- 2 Ceratazago sudo e lgntnia des nacssdadespicossoiis mento diagnéstico. Em seguida, devem-se delinear os passos necessarios para a coleta das informacées que permitirao caracterizar a instituigao, organizagéo ou comunidade e diagnosticar as necessidades psicossociais. Diversos instrumentos podem ser utilizados nesta etapa para aeoleta de informagées e dados; os mais empregados si: entrevistas abertas, semiabertas e/ou fechadas, questiondrios, observagées, andlise histérica e documer diario de campo, fotos, filmes, gravagées e outros procedimentos comumente utilizados nas pesquisas-acéo e pesquisas participantes (MA- CHADO, 2004; SARRIERA et al., 2000; SARRIERA, 2008) Todos os contatos que o psicélogo estabelece com a ins- tituigdo/organizacéo ou comunidade fornecem material importante para o disgnéstieo. Logo, este deve estar atento a todo tipo de informagdo verbal ou nao verbal, positiva ou negativa, assim como as aliangas, defesas e resisténcias dos varios profissionais que atuam na instituigao. Por isso, convém ao psicélogo registrar minuciosamente suas contatos, observacées, entrevistas, nao poupando detalhes, pois so estes que muitas vezes fornecem pistas sobre as necessidades latentes. "Todos os primeiros contatosjé conduzem a uma impressio preliminar de varéter diagnéstico, para 0 qual se deve conhecer também a historia da instituigdo e — pelo me- nos ~ 08 grandes delineamentos de suas caracteristicas. (BLEGER, 1984, p. 51) As visitas institucionais e entrevistas devem ser previa- mente agendadas de acordo com a disponibilidade de ambas as partes: interventor ¢ instituigdo. E fundamental respeitar as caracteristicas da instituicao, sua rotina, suas normas e seu funcionamento. O interventor deve manter sempre uma atitude e de respeito para com a instituicdo, seus diri- gentes, seus funcionarios e sua clientela, ar eee Katia Mana Conte Neva Mas, o que é necessdrio saber sobre a instituicéo? 1b ne- cessario conhecer varios aspectos da realidade institucional. Para efeito didético, apresenta-se, no anexo 1, um roteiro para caracterizacéo da instituigéo e um levantamento das necessidades psicossociais. Algumas ideias para esse roteiro foram extraidas de Bleger (1984) e Sarriera (2008). O roteiro i quest6es relacionadas aos seguintes aspectos: a) Dados da instituigéo b) Historico da instituigdo ©) Servigosiclientela 4) Infraestrutura da Instituigao ©) Funcionérios/Profission 1) Necessidades psicossociais (relacionadas equipe téeni- ca e aos funcionérios; relacionadas a clientela) 8) Interesse e disponibilidade institucional para 0 desen- volvimento de um projeto de intervengéo psicossocial Evidentemente, esses dados sero coletados ao longo de uma série de visitas, entrevistas, observagées e deverao ser organizados em forma de relatério que permita extrair conclu- sdes e tracar um diagnéstico das necessidades psicossociais da instituigéo. B esse diagnéstico que norteara as decisdes com relagdo ao(s) foco(s) da intervengéo. Segundo Nasciutti (1996, p. 109-110), ao analisar a insti- tuigdo o psicossociélogo: C.-] vai dirigir seu olhar tanto para o que é de ordem a instit comunicagéo, funcionamento formal, divisao de papéis), assim como procuraré aprender o que é da ordem do sujeito e das relagdes interpessoais, E necessério, portanto, analisar diferentes niveis para compreender a complexidade da realidade institucional Py crac 9 dagrtsco das necessidades pcos Apés a coleta dos dados, estes devem ser analisados, 0 que pode ser feito por meio de diferentes técnicas. A escolha das ‘técnicas deve estar relacionada aos objetivos da andlise. Mui- tas vezes so utilizadas varias técnicas ao mesmo tempo. As téenieas devem abarcar aspectos qualitativos e quantitativos (SARRIERA, 2008). Podem ser usadas, portanto, anélises estatisticas, andlises de contetdo, andlises do discurso, ete. ‘Ao analisar as necessidades psicossociais € necessério defi- nir quais as prioridades e os pontos de urgéncia para entéo po- der planejar a intervencSo. O estabelecimento de prioridades depende de critérios diversos; nao s6 do tipo de problema e de sua urgéncia, mas também dos recursos humanos, econdmicos e téenicos. Além disso, “a planificago tem que contemplar néo 86 a urgéncia imediata como também objetivos de mais largo aleance” (BLEGER, 1984, p. 76). Alguns indices para avaliar as prioridades sdo apontados por esse autor como sugeridos por Molina e Adriasola: “gravidade do dano, possibilidade de evitar o dano, custo versus dano, rendimentos, atitude da comunidade.” (BLEGER, 1984, p. 76). Lévy (1994) aponta também trés pontos importantes para considerar a heterogeneidade da demanda; + situar a aco em uma perspectiva de pesquisa; * defini, desde o inicio da agéo, os objetos de pesquisa comuns aos interventores e solicitantes estabelecendo uma relagao de colaboracao. Aanilise das necessidades prioritérias deve, portanto, ser feita em conjunto com a equipe institucional, pois interventor ¢ instituigdo devem estar de acordo nas decisées que seréo tomadas com relago ao(s) foco(s) da intervengao. S86 entao poderé ser estabelecido um contrato definitivo que permitiré avangar para a etapa seguinte que consiste em planejar a intervengéo, definindo estratégias, téticas e técnicas e elabo- rando assim um projeto com o devido embasamento te6rico e metodol6gico. Esse tema serd objeto do préximo capitulo. Ey CR Katia Maia Costa Nee Referéncias bibliograficas BAREMBLITT, G. Compéndio de andlise institucional e outras correnies: teoria e pratica. 5. ed. 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Porto Alegre: Sulina, 2000. p. 25-44. 0 Caractteaptonsiticenaleeagnéstec das necessitates pseossociais Anexo 1- Roteiro de caracterizagao institucional e diagndstico de necessidades psicossociais T) Dados da instituicéo 1) Nome da instituigéo 2) Enderego completo 3) Telefone/fax/e-maillsite Responsével pela instituigdo: nome e cargo 5) Contato: nome e cargo ID) Hist6rico da instituigéo 1) Tipo de institui¢ao (escola, centro comunitario, ONG, ete.) 2) Quando foi fundada? Por quem? Esta vineulada a algum érgao? 1) Como e por quem é mantida a instituigao? 2) Qual é a missdo da instituigdo? Quais sdo suas fin des e seus objetivos? 3) Quais os prinefpios e valores da instituicdo? 4) Qual a contribuigdo social da instituicao? 5) Como se deu a evolugéo da instituigéo? Houve alguma mudanca importante na instituigéo durante o seu perio- do de funcionamento? Qual? Por qué? 6) Quais s4o as principais normas da instituicéo? TID) Servigos/clientela 1 Qual(is) o(s) servigo(s) oferecido(s) pela instituigao? 2) Como 6 feita a divulgagio dos servigos? 38) Qual a clientela a quem os servicos se destinam? 4) Quantas pessoas se beneficiam atualmente dos servigos? 5) Qual é 0 fluxograma dos servigos oferecidos? Como é 0 funcionamento da instituicéo? 6) Quais os dias e horérios de funcionamento? Eo

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