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AVALIAÇÃO DA RESISTÊNCIA À FADIGA DE LIGAÇÕES POR

ATRITO EM AÇO ESTRUTURAL DE ALTA RESISTÊNCIA S690

Bruno F. C. Fontouraa, Rui Matosb, Abílio M.P. de Jesusc, Carlos Rebelod, Luís S. da Silvae,
Milan Veljkovicf
a
Departamento de Engenharias, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Dou-
ro, Vila Real, Portugal
b,d,e
ISISE, Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Coimbra – Pólo II - Rua Luís Reis Santos,
Coimbra, Portugal
c
LAETA/IDMEC, Departamento de Engenharias, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Trás-os-
Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
f
Department of Civil and Environmental Engineering, Luleå University of Technology, Luleå, Sweden

Resumo. Este estudo visa avaliar o comportamento à fadiga de uma ligação aparafusada, com
total transferência de carga por atrito, idealizada para uma nova geração de torres eólicas,
construídas em aço estrutural de alta resistência, S690. Apresenta-se um modelo de previsão
da resistência à fadiga da ligação aparafusada, baseado nos métodos locais da fadiga e recor-
rendo à relação deformação-vida do aço S690, determinada experimentalmente. Foi proposto
um modelo de elementos finitos da ligação que permite contabilizar os efeitos do atrito e pré-
esforço nos parafusos, na distribuição local de tensões e deformações elasto-plásticas. As cur-
vas S-N previstas para a ligação são consistentes com resultados experimentais disponíveis.

1. Introdução
No âmbito do projecto europeu HISTWIN [1], foi proposto um novo tipo de ligação aparafu-
sada, com transferência de esforços por atrito, para ligação dos troços tubulares que compõem
as torres eólicas. Com este novo tipo de ligação pretende-se substituir as tradicionais ligações
com flanges soldadas, que apresentam uma classe de resistência à fadiga que pode variar entre
36 e 71, de acordo com o Eurocódigo 3 (EC3) [2], dependendo da qualidade das soldaduras
realizadas. As ligações através de flanges soldadas representam um custo importante no pro-
cesso de fabrico das torres, pois requerem uma quantidade significativa de mão-de-obra para a
realização das ligações soldadas. O novo processo de ligação consiste em produzir, num dos
troços a ligar, um conjunto de rasgos, dispostos circunferencialmente (ver. Fig. 1). No outro
troço, são realizados furos alinhados com os rasgos. Um dos troços tem diâmetro exterior
inferior ao diâmetro interior do outro troço, de modo a permitir a montagem. Três fiadas de
parafusos pré-esforçados, permitem a ligação dos dois troços com transferência de carga inte-
gralmente por atrito. Para compreender o comportamento à fadiga deste tipo de ligação, foi
proposto o modelo simplificado e à escala reduzida da ligação, como se apresenta na Fig. 2.
2 VIII Congresso de Construção Metálica e Mista, Guimarães, Portugal

a)
b)

Fig. 1: Novo processo de ligação para troços de torres eólicas, através de ligações aparafusadas por
atrito: a) troços desmontados; b) troços montados.

Fig. 2: Modelo geométrico adoptado no estudo da ligação aparafusada proposta para ligação de
troços de torres eólicas (Parafusos e porcas M20).

O material considerado na construção da ligação foi o aço estrutural de alta resistência,


S690. A utilização de aços de construção de alta resistência tem vindo a aumentar, pois estes
aços possibilitam a construção de estruturas mais leves, mais esbeltas e mais simples [3,4].
No entanto, a utilização destes aços em estruturas soldadas pode revelar alguns inconvenien-
tes, pois estes materiais são mais difíceis de soldar que os aços de construção comuns. A
resistência à fadiga de ligações soldadas em aços de alta resistência, não aumenta proporcio-
nalmente à resistência estática do aço, inclusive é frequente observar-se uma redução da resis-
tência à fadiga de ligações soldadas em aços de alta resistência devendo-se, este facto, à resis-
tência à propagação de fendas de fadiga destes aços (processo dominante nas ligações solda-
das), ser inferior à observada nos aços de construção comuns [5]. Relativamente à resistência
à iniciação de fendas de fadiga, os aços de alta resistência apresentam um desempenho supe-
rior, motivado por uma elevada tensão de cedência, limitadora das deformações plásticas [5].
Este estudo apresenta, por um lado, resultados de ensaios de fadiga da ligação aparafusada
proposta e do material base – aço S690. Por outro lado, é apresentado um modelo para previ-
são do comportamento à fadiga da ligação, o qual é suportado por um modelo de elementos
finitos que permite a análise elasto-plástica de tensões e deformações na ligação.

2. Modelo de previsão da vida à fadiga


A abordagem para a fadiga, baseada em curvas S-N é a base dos códigos de projecto de estru-
turas metálicas, tal como se verifica com o EC3 [2]. O EC3 propõe uma família de curvas S-N
que devem ser aplicadas apenas aos conjuntos de detalhes classificados pela norma. Importa
também referir que o procedimento previsto no EC3 não tem em conta as especificidades de
aços de construção, em particular, não distingue os aços de construção de alta resistência dos
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aços de construção comuns. Os procedimentos para ligações soldadas são os mesmos das
ligações não soldadas (aparafusadas).
Propõe-se, neste artigo, a utilização dos métodos locais da fadiga, baseados em proprieda-
des de fadiga, determinadas para o material base, com base em provetes lisos. Uma das rela-
ções mais usadas no domínio das abordagens locais é a relação deformação-vida que resulta
da combinação das relações propostas por Basquin [6], Coffin [7] e Manson [8]:
 ' f
 ( 2 N f )b   ' f ( 2 N f )c (1)
2 E
onde  2 é a amplitude de deformação local, N f é o número de ciclos de rotura,  ' f e b
são o coeficiente e expoente de resistência à fadiga,  ' f e c são o coeficiente e exponente de
ductilidade à fadiga e E é o módulo de Young do material. A Eq. (1) não tem em conta o
efeito da tensão média. Em alternativa, usa-se a relação proposta por Smith, Watson e Topper
[9], que apresenta a forma seguinte:

 max   E   ' f  2 N f    ' f  ' f E ( 2 N f )b c
2 2b
(2)
2
onde  max é a tensão máxima local. A restante nomenclatura é a mesma da Eq. (1). O parâ-
metro do primeiro membro da Eq. (2) define um parâmetro de dano, designado parâmetro
SWT. A aplicação dos modelos de dano definidos pelas equações anteriores na previsão da
vida à fadiga de ligações requer, por um lado, informação experimental do material, em parti-
cular determinada com base em ensaios de fadiga de provetes lisos, em controlo de extensão.
Por outro lado, é necessário a determinação dos parâmetros de dano, nos pontos críticos das
ligações, a partir das histórias de deformações e tensões elasto-plásticas, que podem ser esti-
madas com base em modelos de elementos finitos. A aplicação dos modelos locais, na análise
à fadiga de componentes estruturais, pressupõe que o dano de fadiga seja dominado por um
processo de iniciação de fendas e não por um processo de propagação de fendas de fadiga.

3. Resultados experimentais dos ensaios de fadiga


No âmbito deste trabalho foram realizados ensaios de fadiga de ligações aparafusadas, com as
dimensões da Fig. 2, em aço S690. Foram apenas realizados dois ensaios para os mesmos
níveis de variação de carga (10kN-160kN). Os ensaios foram realizados numa máquina servo-
hidráulica, à frequência de 1Hz. O número de ciclos de rotura obtidos foram 264680 e
211800. Estes valores são relativamente próximos, indiciando uma boa qualidade do trabalho
experimental. A rotura deu-se na proximidade da base do rasgo da peça central, num dos gar-
fos da peça central, como se pode observar na Fig. 3. Um dos aspectos fundamentais relativos
à aplicação dos métodos locais da fadiga consiste na correcta localização dos pontos críticos
dos detalhes estruturais, onde irá ocorrer a iniciação das fendas de fadiga. A história das ten-
sões e deformações terá que ser avaliada com precisão nesses pontos críticos. Assim, com vis-
ta a procurar esclarecer o ponto de iniciação de fendas de fadiga na ligação aparafusada testa-
da apresenta-se, na Fig. 4, uma foto da zona de fractura da ligação. Constata-se que a rotura
ocorre devido a uma fenda que se inicia na superfície lateral da chapa de aço, ligeiramente
afastada da superfície interior do rasgo central. A ligação aparafusada testada, sendo uma
ligação que transmite os esforços por atrito, pode ser classificada no EC3, Parte 9, como um
detalhe da classe 112 [2]. Para este tipo de detalhe, as tensões relevantes devem ser calculadas
com base na secção remota do provete (gross cross-section). Na Fig. 5 comparam-se os resul-
tados experimentais obtidos, com a curva S-N da classe 112. Como espectável, a curva S-N
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proposta pelo EC3 é conservadora. A vida média experimental é cerca de 6 vezes superior à
vida prevista pelo EC3.

Fig. 3: Aspecto dos provetes após rotura por fadiga.

Localização da
iniciação da fenda

Fig. 4: Localização da iniciação da fenda de fadiga na ligação aparafusada.

650

600

550 Dados exp.
500 EC3 (Classe112 )
Gama de tensão [MPa]

450

400

350

300

250
1.0E4 1.0E5 1.0E6 1.0E7
Nº de ciclos de rotura, Nf  
Fig. 5: Comparação entre os resultados experimentais dos ensaios de fadiga da ligação aparafusada
e a curva S-N, da classe 112, proposta no EC3.
 
Para além dos ensaios de fadiga das ligações, também se fez uma caracterização à fadiga
do material base da ligação  o aço S690. Para o efeito foram realizados ensaios de fadiga em
provetes lisos, em controlo de extensão total, de acordo com a norma ASTM E606 [10]. Na
Fig. 6a apresentam-se os resultados dos ensaios de fadiga de caracterização do material. No
total foram ensaiados 11 provetes. No gráfico da Fig. 6a também estão representadas as
relações de Basquin, Coffin e Manson e a sobreposição destas. As constantes do modelo
definido pela Eq. (1) ou (2) estão indicadas no referido gráfico. Mais detalhes sobre os ensaios
experimentais do material podem ser encontrados na referência [5].
Os ensaios de fadiga dos provetes lisos de aço S690, realizados em controlo de extensão,
permitiram também a identificação da curva elasto-plástica cíclica do material. Esta curva
relaciona as amplitudes de deformação elasto-plástica ou plástica com a amplitude de tensão
elasto-plástica, para o comportamento cíclico estabilizado do material. Na Fig. 6b apresenta-
se a curva cíclica do aço S690.
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a) b)
Fig. 6: Resultados dos ensaios de fadiga em provetes lisos de aço S690: a) resultados deformação-
vida; b) curva cíclica do aço.

4. Modelo de elementos finitos da ligação


Com vista à modelação da resistência à fadiga da ligação aparafusada foi proposto um modelo
de elementos finitos da ligação. O modelo foi construído usando o código comercial
ANSYS [11]. Neste modelo, as chapas da ligação e os parafusos foram modeladas com
elementos sólidos quadráticos isoparamétricos de 20 nós (SOLID95). Apenas se modelou ¼
da geometria do provete, tirando-se partido das simetrias existentes. Na Fig. 7 apresenta-se o
aspecto geral de uma malha de elementos finitos usada na análise da ligação. O modelo foi
construído de acordo com as dimensões da Fig. 2. Os nós da base da ligação foram restringi-
dos em todas as direcções, e os nós de topo da ligação foram restringidos em todas as direc-
ções do plano normal ao carregamento e foi aplicada uma pressão na direcção longitudinal da
ligação. O contacto entre os vários elementos da ligação foi modelado recorrendo aos elemen-
tos de contacto CONTA174 e TARGE170, considerando-se pares de contacto do tipo flexí-
vel-flexível. Foi adoptado o algoritmo de contacto Augmented Lagrange [11]. O modelo de
contacto proposto permite a simulação de diversos valores de coeficientes de atrito, tendo sido
adoptado o modelo de atrito de Coulomb. As configurações das variáveis/parâmetros que
regem o funcionamento de modelo de contacto foram definidas adoptando-se os valores suge-
ridos, por defeito, pelo ANSYS® [11]. O modelo de elementos finitos foi construído com
uma folga diametral de 4mm entre o parafuso e o furo (parafuso M20 e furos de diâmetro de
24 mm). Também foram impostos pré-esforços nos parafusos, através da aplicação de uma
variação de temperatura, T, a cada um deles e associando-lhes propriedades de expansão
térmica ortotrópicas, nomeadamente um coeficiente de expansão térmica, αZ, igual a 10-5/C
(na direcção do eixo do parafuso), e uma temperatura final, Tfinal, igual a 25C. O pré-esforço
nos parafusos foi imposto através da variação da temperatura de referência, Tref (TrefTfinal).
As propriedades de expansão térmica, no plano transversal do parafuso, foram consideradas
nulas. Cada parafuso pôde ser sujeito a uma variação de temperatura independente, de modo a
permitir calibrar o valor de pré-esforço de forma independente em cada um deles. Com efeito,
se fossem aplicadas as mesmas variações de temperatura em cada parafuso, resultariam distin-
tos pré-esforços, pois a rigidez local da montagem é distinta.

4.1 Análise elástica da ligação

O modelo de elementos finitos proposto foi inicialmente usado em análises elásticas, de modo
a permitir fazer um estudo de convergência de malha e procurar esclarecer os efeitos na dis-
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tribuição de tensões do atrito, pré-esforço e nível de carga aplicada. Nesta secção considerou-
se que ambas as chapas de aço e parafusos foram modelados como materiais isotrópicos e
linear-elásticos. Foi assumido um módulo de Young, E= 209.4 GPa (medido experimental-
mente) e um coeficiente de Poisson, =0.3. Uma vez que os materiais foram considerados
linear elásticos, os modelos apenas são capazes de simular o comportamento elástico da liga-
ção, sendo apenas usados para avaliar o factor elástico de concentração de tensões, Kt, o qual
foi definido como a razão entre a tensão máxima local, medida na peça central, na direcção da
solicitação, e a tensão nominal medida (inferior à tensão nominal teórica) através do modelo
de elementos finitos. Esta tensão nominal corresponde à tensão média nos garfos da peça cen-
tral da ligação, medida num plano transversal, que contém o eixo do parafuso mais próximo
da zona de rotura.
Apesar de se considerar comportamento elástico dos materiais, o problema global é não
linear, motivado pelo contacto. Deste modo, o carregamento é aplicado de forma incremental.

 
Fig. 7: Malha de elementos finitos da ligação aparafusada investigada.

O modelo proposto foi usado num estudo paramétrico, de modo a permitir compreender a
influência, na distribuição de tensões, do pré-esforço nos parafusos, do coeficiente de atrito,
nível de carga aplicado na ligação e densidade da malha de elementos finitos. Foram conside-
radas 4 malhas com densidades crescentes, desde “malha 1” até “malha4”. As cargas aplica-
das nas simulações foram definidas através de tensões nominais teóricas que correspondem
aos valores das tensões uniformes transferidos pelos elementos resistentes da peça central da
ligação (“garfos”), assumindo que toda a carga suportada pela ligação se transfere por tracção
nestes elementos. Na realidade a carga também se transfere por atrito, pelo que as tensões
nominais efectivamente aplicadas nestes elementos são inferiores. As tensões nominais teóri-
cas foram definidas em função da tensão de cedência mínima do aço S690. Esta tensão foi
convertida numa tensão remota uniforme aplicada no provete, com a mesma resultante. Foram
simulados valores dos pré-esforços a variar entre 50% e 75% da tensão de rotura, Rm, dos
parafusos (500-750 MPa). Consideram-se coeficientes de atrito, µ, iguais a 0.3, 0.5 e 0.7.
Tendo em conta as várias combinações possíveis, foram realizadas 216 simulações. Apenas se
ilustra, neste artigo, alguns dos principais resultados. Na Fig. 8 ilustra-se a influência da den-
sidade de malha no factor de concentração de tensões. Verifica-se que existe uma estabiliza-
ção de resultados a partir da malha 3. Este resultado verifica-se para valores extremos de pré-
esforço e de atrito.
Na Fig. 9 ilustra-se a influência na concentração de tensões, do pré-esforço nos parafusos,
atrito e tensão nominal aplicada. Constata-se que o aumento do pré-esforço e atrito faz
aumentar a concentração de tensões. Também se constata que o nível de tensão nominal apli-
cado tem influência no pré-esforço, sobretudo para valores de atrito mais baixos, sendo esta
dependência, uma consequência da não linearidade introduzida pelo contacto. Alguma oscila-
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ção das curvas relativas da Fig. 9 deve-se ao facto da localização da tensão máxima não ser
constante.
Pré‐esforço = 500 MPa  Pré‐esforço = 750 MPa 
Factor de concentração  de tensões, Kt Tensão nominal teórica = 690  MPa  Tensão nominal teórica = 690  MPa 

Factor de concentração  de tensões, Kt
2.2 2.2

2.0 2.0

1.8 Malha1 1.8 Malha1


Malha2 Malha2
1.6 1.6
Malha3 Malha3
1.4 1.4
Malha4 Malha4
1.2 1.2

1.0 1.0
     

Coeficiente de atrito,  Coeficiente de atrito, 

Fig. 8: Influência da densidade de malha no factor de concentração de tensões.

2.2 =0.3; Tens. 
Nom.=690MPa
2.1 =0.3; Tens. 
Factor de concentração de tensões, Kt

Nom.=0.9x690MPa
2 =0.3; Tens. 
Nom.=0.9x690MPa
1.9 =0.5; Tens. 
Nom.=690MPa
1.8 =0.5; Tens. 
Nom.=0.9x690MPa
1.7 =0.5; Tens. 
Nom.=0.8x690MPa

1.6 =0.7; Tens. 
Nom.=690MPa

1.5 =0.7; Tens. 
Nom.=0.9x690MPa

1.4 =0.7; Tens. 
500 550 600 650 700 750 Nom.=0.8x690MPa

Pré‐esforço, MPa

Fig. 9: Influência do pré-esforço, atrito e tensão nominal da concentração de tensões (malha 4).

4.2 Análise elasto-plástica cíclica da ligação

Uma vez que as análises elásticas revelaram uma dependência da distribuição de tensões com
o nível de carga aplicado, motivada pela não linearidade introduzida pelo contacto, a extrapo-
lação dos resultados das análises elásticas para outras condições de carga não é directa. Os
resultados das análises elásticas teriam posteriormente que ser convertidos em resultados elas-
to-plásticos através de análises elasto-plásticas simplificadas. Optou-se, em alternativa, por
realizar análises elasto-plásticas directamente da ligação testada. Foi adoptado o modelo de
plasticidade cíclica, baseado no critério de cedência de Von Mises, com endurecimento cine-
mático multilinear, disponível no programa ANSYS® [11]. As constantes do modelo de plas-
ticidade foram identificadas usando um modelo de elementos finitos, composto por um único
elemento, que reproduz um estado uniaxial de tensão. Na Fig. 10 compara-se a curva cíclica
ajustada directamente dos resultados experimentais do material, com a resposta do modelo de
elementos finitos, constatando-se um perfeito ajuste.
As simulações elasto-plásticas foram realizadas usando o modelo com malha mais refinada
- malha 4. Foram simulados três valores distintos de atrito (=0.4, =0.5 e =0.6) e três valo-
res de pré-esforço nos parafusos (500, 600 e 750 MPa). Adoptou-se, para todas as simulações,
a seguinte sequência de cargas: i) aplicação inicial do pré-esforço nos parafusos; ii) aplicação
de carga máxima; iii) aplicação da carga mínima; iv) repetição de ii). Estas condições repro-
duzem a solicitação cíclica de fadiga aplicada nos ensaios de fadiga, realizados para a ligação
aparafusada.
8 VIII Congresso de Construção Metálica e Mista, Guimarães, Portugal

1.0E+09

9.0E+08

8.0E+08

7.0E+08

Tensão [MPa]
6.0E+08
Curva Cíclica ‐ Experimental
5.0E+08

4.0E+08 Resposta do modelo de MEF
3.0E+08

2.0E+08

1.0E+08

0.0E+00
0.0E+00 5.0E‐03 1.0E‐02 1.5E‐02 2.0E‐02 2.5E‐02 3.0E‐02 3.5E‐02

Deformação [‐]

Fig. 10: Resposta do modelo de elementos finitos versus curva cíclica experimental do aço S690.

Na Fig. 11 ilustra-se a distribuição de tensões e deformações elasto-plásticas, resultante da


análise elasto-plástica, para as condições de carga máxima de 160kN (carga máxima usada
nos ensaios de fadiga), correspondente à aplicação da sequência de carga iv). Apenas se
representa a porção da chapa central da ligação, na proximidade da raiz do rasgo central, pois
é nesta zona que ocorre a iniciação das fendas de fadiga. Os resultados apresentados corres-
pondem a µ=0.6 e pré-esforço=750 MPa. No entanto a análise de todas as simulações realiza-
das mostraram que a tensão máxima ocorre sempre no limite da área de actuação directa da
cabeça do parafuso, afastada da superfície interior do rasgo da peça central, sendo esta locali-
zação consistente com a zona de iniciação verificada experimentalmente. Relativamente às
deformações elasto-plásticas, na direcção da solicitação, os valores máximos tanto podem
ocorrer na superfície interior do rasgo, como no limite da área de actuação directa da cabeça
do parafuso, dependendo do nível de atrito e pré-esforço. Para um coeficiente de atrito, µ=0.6,
verifica-se sempre o valor máximo da deformação na superfície lateral da chapa, no limite da
zona de actuação da cabeça do parafuso.

a) b)
Fig. 11: Distribuição de tensões e deformações na direcção do carregamento, na peça central junto
à base da ranhura (µ=0.6; pré-esforço=750 MPa): a) tensões em MPa; b) deformações.

5. Previsões da vida à fadiga e discussão de resultados


Recorrendo ao modelo de elementos finitos foram determinados os parâmetros de dano para
aplicação da relação apresentada através da Eq. (2). O parâmetro SWT foi avaliado em todos
os nós do volume de material envolvente da base do rasgo da peça central da ligação. Na Fig.
12a apresentam-se as previsões das curvas S-N para a ligação aparafusada. Constata-se que
estas curvas sobrestimam a vida à fadiga para os níveis de tensão usados nos ensaios experi-
mentais. Algumas curvas apresentam comportamento anómalo para níveis de tensão elevados,
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as quais correspondem a mudanças na localização da rotura da superfície lateral da chapa para


a superfície interior do rasgo. Estas situações não devem ser consideradas, pois não foram
observadas na realidade. Na Fig. 12b foram eliminadas estas curvas. Adicionalmente foi pro-
posta uma correcção às curvas S-N de modo a ter em conta efeitos de dano extra induzido por
condições de fretting que ocorrem no limite da zona de compressão da porca. Como a infor-
mação base do modelo de fadiga foi determinada com base em ensaios de provetes lisos na
ausência de condições de fretting, o modelo proposto conduziu a uma sobrestimativa da vida à
fadiga. A fadiga sob condições de fretting é mais significativa para vidas à fadiga de longa
duração. Assim, de modo a corrigir as previsões, propôs-se uma redução do factor de redução
da resistência à fadiga,  ' f , em apenas 10%. Com esta correcção obtiveram-se curvas que são
consistentes com os resultados experimentais disponíveis.

=0.4; PE=50% Rm
Miu=0.4, 50% Rm
600

=0.4;
=0.4; PE= 50% Rm
PE=60% Rm
PE= 50% Rm
Miu=0.4, 60% Rm

=0.4; PE=75% Rm
Miu=0.4, 75% Rm
500 =0.5; PE=50% Rm
Gama de tensão [MPa]

Miu=0.5, 50% Rm

=0.5; PE=60% Rm
Miu=0.5, 60% Rm

=0.5; PE=75% Rm
Miu=0.5, 75% Rm
400
=0.6; PE=50% Rm
Miu=0.6, 50% Rm

=0.6; PE=60% Rm
Miu=0.6, 60% Rm

=0.6; PE=75% Rm
Miu=0.6, 75% Rm
300
Dados exp.
a)
EC3 (Classe112)
250
1.0E+03 1.0E+04 1.0E+05 1.0E+06 1.0E+07 1.0E+08
Nº de ciclos de rotura, Nf

=0.4; PE=75% Rm
Miu=0.4, PE=75% =0.5; PE=60% Rm
Miu=0.5, PE=60%
600

=0.5; PE=75% Rm
Miu=0.5, PE=75% =0.6; PE=60% Rm
Miu=0.6, PE=60%

500
=0.6; PE=75% Rm
Gama de tensão [MPa]

Miu=0.6, PE=75% EC3 (Classe112 )

Série1 Dados exp.

400

300

b)
250
1.0E+04 1.0E+05 1.0E+06 1.0E+07
Nº de ciclos de rotura, Nf

Fig. 12: Previsão das curvas S-N para a ligação: a) sem qualquer correcção; b) com correcção de
modo a ter em consideração condições de fretting.

A comparação das curvas estimadas com as curvas propostas no EC3, mostram que o EC3 é
conservador sobretudo para domínios de fadiga de longa duração (Nf>104 ciclos). Também se
constata que o aumento do pré-esforço, na gama considerada, faz reduzir a resistência à fadiga
(Kt mais elevados). A variação do atrito nas gamas consideradas tem uma influência reduzida.
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6. Conclusões
As principais conclusões são:
1. O modelo de elementos finitos proposto permitiu a determinação dos parâmetros de
dano de fadiga, recorrendo a análises elasto-plásticas, assim como identificar a localiza-
ção da zona crítica.
2. A aplicação do modelo proposto por Smith, Watson e Topper permitiram estimar curvas
S-N para a ligação, tendo-se observado uma sobrestimativa da vida à fadiga para os
níveis de tensões considerados no programa experimental.
3. Uma correcção das curvas S-N tendo em conta condições de fretting, permitiram obter
previsões mais coerentes com os resultados experimentais.
4. Quer as previsões das curvas S-N, quer os resultados experimentais da ligação aparafu-
sada mostraram que a classe de resistência 112 é conservadora, como seria de esperar.
Existe uma diferença de declives entre as curvas previstas e a curva S-N do EC3. Com
efeito, o EC3 propõe o mesmo declive para todos os tipos de ligações o que pode não
ser o mais adequado para a variedade de ligações.
5. O pré-esforço, atrito e nível de carga aplicada na ligação tem uma influência significati-
va nas distribuições de tensões na ligação, embora a sua influência nas curvas S-N seja
pequena, sobretudo no que concerne o coeficiente de atrito.
6. O modelo proposto carece de validações adicionais recorrendo a mais resultados de
ensaios realizados para outros níveis de carga.

Referências
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