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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Departamento de Ciências Aeroespaciais


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Dinâmica e Controlo do Voo

Capítulo 1

Sistemas de Coordenadas & Representação de Atitude

Prof. K. Bousson

Outubro de 2021
1.1. Sistemas de Coordenadas (Referenciais)

A modelação e a análise da dinâmica do voo e da navegação de uma


aeronave requerem raciocinar relativamente a referenciais (ou sistemas de
referência) em que será descrito o movimento desta mesma. Nesta seção,
apresentam-se os referenciais usuais que são: o referencial terrestre, o
referencial da aeronave (i.e. ligado à estrutura da aeronave), o referencial
aerodinâmico, o referencial da estabilidade e o referencial do vento.

1.1.1. Referencial terrestre

Referencial 0 (O, x0 , y0 , z0 )

A origem O pode ser um ponto qualquer da superfície terrestre. O


eixo x0 está orientado para norte, z0 para o centro da terra, e y0 está
orientado para leste de modo que ( x0 , y0 , z0 ) seja um triedro direto. Devido
à orientação dos eixos, este referencial chama-se referencial NED (North-
East-Down) em navegação na vizinhança do planeta (a terra, neste caso). O
referencial NED permite utilizar qualquer ponto da superfície terrestre
como origem para a localização dos voos. Do mesmo modo, define-se o
referencial ENU (East-North-Up).

Chama-se referencial geodético um referencial NED em que o ponto


de origem O coincide com o ponto de interseção entre o meridiano de
Greenwich e o equador.
1.1.2. Referencial da aeronave

Referencial b (CG , xb , yb , zb )

A origem deste referencial é o centro de gravidade (CG) da aeronave.


O eixo xb está orientado para a frente da aeronave, yb está orientado na
direção da asa direita da aeronave, zb é perpendicular ao plano horizontal
da aeronave (i.e. o plano (CG , xb , yb ) ) de modo que ( xb , yb , zb ) seja um
triedro direto.
Num referencial NED, o ângulo entre o eixo x0 (do referencial
terrestre) e o eixo xb do referencial da aeronave) chama-se o rumo da
aeronave.

1.1.3. Referencial aerodinâmico

Seja Va o vetor da velocidade aerodinâmica da aeronave. O


referencial aerodinâmico a (CG, xa , ya , za ) da aeronave tem o seu eixo

longitudinal (CG , xa ) orientado paralelamente ao vetor Va . Embora o centro


aerodinâmico seja o ponto de referência do vetor Va , o referencial a tem a
sua origem no CG da aeronave. Utiliza-se aqui o CG em vez do centro
aerodinâmico (onde se aplica Va ) porque se pretende ter uma origem única
para todas as referências relativas à própria aeronave.
Num referencial NED, o ângulo entre o eixo x0 (do referencial
terrestre) e o eixo xa do referencial aerodinâmico da aeronave chama-se a
rota da aeronave.
1.1.4. Referencial da estabilidade

Referencial s (CG , xs , ys , zs )

Sejam Va o vetor da velocidade aerodinâmica da aeronave e Vav,b a

projeção do vetor Va no plano vertical da aeronave (i.e. plano (CG , xb , zb ) ).


Define-se então o ângulo de ataque da aeronave como o ângulo entre o
eixo xb e o vetor Vav,b .
O referencial da estabilidade s obtém-se rodando o referencial b

do ângulo em torno do eixo yb , isto é: o eixo xs está alinhado com o

vetor Vav,b , o eixo ys fica igual a yb , e o eixo zs forma um ângulo igual a


com o eixo zb da aeronave.

1.1.5. Referencial do vento (wind frame)

Este referencial obtem-se rodando o eixo xs (do referencial de estabilidade)


de acordo com o ângulo de derrapagem ( ) em torno do eixo zb da
aeronave.

1.2. Ângulos Descritivos da Dinâmica do Voo

1.2.1. Convenção de sinal dos ângulos

O sentido (positivo ou negativo) de rotação em torno de eixos está descrito


nas figuras que se seguem:
a. rotação no sentido positivo b. rotação no sentido negativo

Figura 1.1. Sentidos convencionais dos ângulos (em Dinâmica e Controlo do Voo)

Um ângulo é positivo se o movimento de rotação correspondente for


efetuado no sentido horário (em torno do eixo em relação ao qual está
definido o ângulo), o ângulo sendo negativo se o movimento for anti-
horário. Consequentemente, o momento associado ao sentido horário de
um movimento de rotação é também positivo.

1.2.2. Ângulos entre referenciais

ângulo de ataque ( )
ângulo de derrapagem ( )
ângulo de trajetória ( )
ângulo de arfagem ( )
ângulo de pranchamento ( )
ângulo de guinada ( )

Exercício 1.1. Ilustrar cada um dos ângulos mencionados acima com um


desenho.

Arfagem: A arfagem é o movimento da aeronave em torno do seu eixo


lateral (CG , ya ) . Por isso, o ângulo de arfagem é o ângulo entre o eixo
(CG , xb ) e o horizonte.
Rolamento: É o movimento da aeronave em torno do seu eixo longitudinal
(CG , xb ) . O ângulo resultante do rolamento chama-se pranchamento, isto é,

o ângulo de pranchamento é o ângulo entre os eixos (CG , y0 ) e (CG , yb ) .

Guinada: É o movimento da aeronave em torno do seu eixo vertical


(O, z0 ) . Este é medido no plano horizontal. Na maioria das aeronaves,

rolamento e guinada atuam acoplados (dando lugar no caso ideal à viragem


coordenada).

1.3. Velocidades

Figura 1.3. Representação dos ângulos de ataque ( ) e de derrapagem ( ) . Os eixos


designados com índice 'w' nesta figura são idênticos aos eixos do referencial aerodinâmico.

Seja V Va o vetor da velocidade aerodinâmica da aeronave. Designemos por

V V Va a norma (a magnitude) do vetor de velocidade. Têm-se:


u V cos cos
v V sin (1)
w V cos sin

w v v
Portanto: arctan , arcsin , tan (2)
u V u2 w2

Nota-se que V u2 v2 w2

Com a velocidade, define-se a pressão dinâmica Q :


Q V2 2 (3)
com sendo a densidade do ar no ponto considerado. De facto, depende
da altitude h do ponto considerado segundo a atmosfera padrão e é
calculada por:

0 (1 2.2558 10 5 h)4.256060537 se h 11000 m


( h)
0.29707 0 exp 1.576939464 10 4 (11000 h) se 11000 h 20000 m

com 0 1.225 kg / m3 (densidade do ar ao nível do mar).

1.4. Representação de Atitude

A atitude da aeronave é definida, de modo convencional, pelos três ângulos


de Euler , , , sendo:

: o ângulo de arfagem;
: o ângulo de pranchamento (obtido pelo movimento de rolamento);

: o ângulo de guinada.

De facto, os ângulos de ataque ( ) e de derrapagem ( ) não fazem parte


dos ângulos que definem a atitude de uma aeronave.
1.4.0. Matrizes de transformação entre referenciais

A partir da definição dos ângulos nas secções anteriores, deduzem-se


facilmente as seguintes matrizes de transformação entre as três referências
mencionadas acima:
T
A matriz correspondente à passagem a b é definida por:
cos .cos cos .sen sen
T sen cos 0
sen .cos sen .sen cos

R
Para passar de b 0 , a matriz correspondente é:
cos .cos sen .cos sen
R sen .cos cos .sen .sen cos .cos sen .sen .sen cos .sen
sen .sen cos .cos .sen cos .sen sen .cos .sen cos .cos

As matrizes T e R são invertíveis.

1.4.1. Modelo da dinâmica dos ângulos de Euler

As taxas de atitude são as derivadas dos ângulos de atitude no referêncial


b (ligado à aeronave). Estas são:

p: taxa de rolamento
q: taxa de arfagem
r: taxa de guinada

Seja o vetor da velocidade angular da aeronave com respeito à referência


terrestre. Pela definição dos ângulos que definem a atitude da aeronave,
tem-se:
z0 ya xb (4)

Do outro lado, na referência b , tem-se:

p xb q yb r zb (5)

Portanto, para ter a expressão das taxas de manobra p, q e r, é necessário


exprimir z0 e ya na equação (4) em função de xb , yb e zb . Com a matriz de

passagem R , tem-se:

z0 sen xb cos .sen yb cos .cos zb (6)

1
Com a matriz T (inversa da matriz T ), vem:

ya cos yb sen zb (7)

Substituindo na equação (4) as expressões de z0 e ya obtidas pelas


equações (6) e (7), e tomando em conta a equação (5), chega-se as
expressões das taxas de manobra p, q e r:

p sen
q cos cos .sen (8)
r cos .cos sen

Deduz-se de (8) que:

p (qsen r cos ).tan


q cos rsen (9)
qsen r cos
cos
1.4.2. Quaterniões

A integração das equações (9) pode permitir saber a atitude da aeronave


(neste caso, os ângulos de Euler) ao longo do tempo. No entanto devido ao
facto de que os erros crescem ao longo do tempo a integração do sistema
diferencial acima dá bons resultados só para relativamente pequenos
valores de . Do outro lado para um ângulo de arfagem !90º , tan e
1 cos têm valores infinitos, portanto a integração do sistema de equações
(9) torna-se impossível para este valor do ângulo de arfagem. Por isso, um
outro sistema de equações é portanto necessário para contornar o problema
de restrições no que respeita ao ângulo de arfagem. Isto é realizado graças
aos quatro parâmetros simétricos de Euler para definir a atitude da
aeronave. Estes são os quaterniões elaborados não por Euler mas por
Hamilton.

Pode mostrar-se que um conjunto de eixos (por exemplo a referência b

ligada à aeronave) pode ser movido para qualquer configuração desejada


por apenas uma rotação em torno de um eixo convenientemente
posicionado. Se " 1 , " 2 e " 3 forem os ângulos definidos por este eixo com
respeito aos eixos inerciais (O, x0 ) , (O, y0 ) e (O, z 0 ) , respetivamente e se
designarmos por # o ângulo de rotação única que faça mexer este
conjunto de eixos (por exemplo o referêncial b ligado à aeronave) para
uma qualquer outra configuração, então definem-se os quaterniões
associados a esta rotação pelos seguintes quatro parâmetros:

$0 cos( # 2)
$1 " 1 sin(# 2)
(10)
$2 " 2 sin(# 2)
$3 " 3 sin( # 2)
Portanto a atitude da aeronave pode ser descrita com respeito à referência
inercial 0 ( x0 , y0 , z0 ) com os elementos do vetor de quaterniões:

$ ($0 $1 $ 2 $3 )T (11)

1.4.3. Transformações entre ângulos de Euler e quaterniões

1.4.3.1. Transformação dos ângulos de Euler para os quaterniões:

A transformação dos ângulos de Euler para os quaterniões efetua-se pelas


seguintes expressões:

$0 cos( ) cos( ) cos( ) sin( )sin( )sin( ) (12)


2 2 2 2 2 2

$1 sin( ) cos( ) cos( ) cos( )sin( )sin( ) (13)


2 2 2 2 2 2

$2 cos( )sin( ) cos( ) sin( ) cos( )sin( ) (14)


2 2 2 2 2 2

$3 cos( ) cos( )sin( ) sin( )sin( ) cos( ) (15)


2 2 2 2 2 2

1.4.3.2. Transformação dos quaterniões para os ângulos de Euler:

A transformação dos quaterniões para os ângulos de Euler usa as seguintes


expressões:
arctan2 2($0$1 $ 2$3 ),1 2($12 $22 ) (16)

arcsin 2($0$ 2 $3$1 ) (17)

arctan2 2($0$3 $1$2 ),1 2($ 22 $32 ) (18)

A função “arctan2” sendo uma extensão da função “arctan”.

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