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A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O DIREITO PENAL BRASILEIRO

João Paulo Orsini Martinelli (Advogado em São Paulo; Pós-


graduado em Direito Penal na Universidade de Salamanca – Espanha; Mestrando em
Direito Penal na Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP; Professor convidado
do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Penal e Processual Penal da Universidade
Metodista de Piracicaba – UNIMEP; Professor de Direito Penal no PROOMNIS).

1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é expor, de maneira modesta, as principais


teorias da causalidade e da imputação objetiva para, em seguida, examinar o artigo 13 do
Código Penal. A premissa maior reside na aceitação de que a teoria do delito necessita da
conjugação de causalidade e imputação objetiva. A premissa menor é a possibilidade de
interpretar a lei no sentido da teoria de imputação. Por fim, a conclusão afirma que o artigo
13, caput, do Código Penal adotou a teoria da causalidade e seu parágrafo primeiro, a teoria
da imputação objetiva do risco.
Durante o desenvolvimento do estudo, serão expostas as teorias da
causalidade nas seguintes variações: teoria da equivalência das condições (conditio sine
qua non), teoria da adequação e teoria da condição conforme a uma lei natural. Em seguida,
as teorias de imputação encontram fundamentação nas doutrinas de Roxin, Jakobs, Frisch e
Puppe.
Em seguida, um breve estudo do artigo 13 do Código Penal brasileiro. Sua
estrutura dogmática será vinculada sempre às teorias anteriormente colocadas, a fim de
relacionar a aceitação da imputação objetiva. Por fim, a conclusão do trabalho, na qual
concluo que a teoria da imputação objetiva é perfeitamente aplicável ao direito brasileiro,
sem necessidades de mudanças no texto legal vigente.

2. TEORIA DA CAUSALIDADE

2.1. O NEXO DE CAUSALIDADE


Conforme a doutrina penal, uma ação ou omissão estão ligados ao resultado
por um vínculo denominado nexo de causalidade. Essa vinculação é fundamental para que
seja caracterizado o delito.
Entre a ação ou omissão e o resultado é necessário avaliar a responsabilidade
penal pela autoria. Para tanto, deve haver um pressuposto mínimo nos delitos de resultado
para exigir a responsabilidade por este.1 Falamos, aqui, na causalidade como o elemento do
tipo e que, na moderna teoria funcionalista, não é o único vínculo entre a ação e o resultado,
acrescentando-se, aí, a imputação objetiva.
Conforme assinala TAVARES2, a causalidade não é apenas uma
preocupação jurídica, mas a filosofia e as demais ciências também se ocuparam dela.
Continua o jurista a separar a noção de causa em dois caminhos: a) como forma de relação
racional, deduzindo a causa sempre de seu efeito; b) como forma de relação empírica, de
onde a causa é deduzida de um juízo de previsibilidade.3
Para o direito penal, as duas vertentes da causalidade são consideradas para
seu estudo. As teorias da equivalência das condições e da relevância e adequação aderem
ao conceito de causalidade como uma forma de relação racional entre a ação e seu efeito,
enquanto a teoria da condição conforme a uma lei natural está relacionada a um juízo de
previsibilidade4 (forte influência da filosofia empirista de Bacon).
Este capítulo está reservado às principais teorias que estudam as condições
da causalidade. Desenvolvem-se, a seguir, as teorias da “conditio sine qua non”, da
adequação e da relevância e da condição conforme a uma lei natural.

2.2. TEORIA DA “CONDITIO SINE QUA NON”

Trata-se da teoria dominante na doutrina brasileira atual e também na


jurisprudência. Foi adotada pelo Código Penal brasileiro de 1940 e reafirmada na reforma

1
BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. p. 70.
2
TAVARES, Teoria do injusto penal, 2000, p. 208.
3
Em sua obra Teoria do injusto penal, JUAREZ TAVARES refere-se à problemática da causalidade
atingindo a filosofia, na obra de PLATÃO e ARISTÓTELES, as ciências naturais, em KEPLER e GALILEU,
e o empirismo de BACON (p. 107 e 108).
4
Cf. PUPPE, Ingeborg. La imputación objetiva. p. 19. (“a relação entre causa e conseqüência define-se como
uma relação condicional ajustada a leis, a qual não será lógica, senão empírica”).
da parte geral em 1984. É conhecida também por teoria da equivalência das condições, ou
seja, a condição sem a qual o resultado não poderia ocorrer.
ROXIN refere-se a JULIUS GLASER como o primeiro defensor da teoria da
equivalência, citando trecho de sua obra Abhandlungen aus dem österreichischen
Strafrecht:
“Há um ponto de apoio seguro para examinar o nexo causal; se se
intenta suprimir mentalmente o suposto originalmente da soma dos
acontecimentos e então se vê que, apesar deste se produz o resultado, que
apesar deste a série sucessiva das causas intermediárias segue sendo a
mesma, está claro que o fato e seu resultado não podem reconduzir-se à
eficácia dessa pessoa. Se, em contrário, se vê que, se se suprime
mentalmente a essa pessoa do cenário do acontecimento, o resultado não
poderia se produzir em absoluto ou que haveria produzido por outra via
totalmente distinta, está justificado, com toda seguridade, considerá-lo como
efeito de sua atividade”.5

De desenvolvimento posterior mais elaborado, a teoria da equivalência foi


utilizada por MAXIMILIAN VON BURI6, quando juiz do Tribunal do Reich
(Reichsgericht) e, em seguida, pelo mesmo tribunal, assim como na doutrina, através de
inúmeras monografias.
Simplificando a explicação, a teoria pode ser reduzida a seus dois conceitos
centrais7: a) todas as condições determinantes de um resultado são necessárias e, por isso,
equivalentes; b) causas são as condições que não podem ser excluídas hipoteticamente sem
excluir o resultado.
O conceito de “causa” nos é dado pelo próprio Código Penal pátrio. Seu
artigo 13, caput, traz a seguinte redação: “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual
o resultado não teria ocorrido”8. Complementando, ainda, que se deve considerar causa

5
ROXIN, Derecho penal..., §11, nm. 7.
6
JESCHECK/WEIGEND, Tratado..., p. 299.
7
CIRINO DOS SANTOS, Moderna teoria..., p. 49.
8
Mais adiante, haverá uma pequena explanação sobre o artigo 13 do CP que, no meu entender, está obsoleto.
toda condição de um resultado que não pode ser suprimida mentalmente sem que
desapareça o resultado concreto.9
Mais ainda: não se realiza qualquer seleção entre as inúmeras condições de
qualquer resultado, senão que, pelo contrário, consideram-se equivalentes todas as
condições, e a esse juízo de equivalência se deve o nome da teoria da equivalência.10
Nota-se que o conceito de equivalência baseia-se em seu significado pré-
jurídico, próprio da filosofia e das ciências naturais. A teoria da equivalência trata cada
causa parcial como causa autônoma; e o faz porque na jurisprudência o que importa não é a
totalidade das condições, senão somente comprovar a conexão ou nexo entre determinado
ato humano com o resultado.11
Retomando a idéia de GLASER, a fórmula para a determinação da causa é a
da eliminação hipotética. Por ela, para saber se determinado fato é causa, devemos eliminá-
lo mentalmente para verificar se o resultado ocorreria da mesma maneira. Por exemplo,
para saber se o soco que A deu em B foi causa de suas lesões, basta eliminar mentalmente o
golpe para perceber se o resultado seria o mesmo.
A fórmula da teoria da equivalência é duramente criticada por ROXIN, para
o qual a mesma é inútil e pode levar a erros12, especialmente em certos casos de
causalidade hipotética e alternativa. Vejamos alguns exemplos:
I) “Se reprovamos a conduta de alguém que havia realizado um fuzilamento
ilícito em uma guerra e o mesmo alega que, se não o fizesse, outro teria fuzilado a vítima
exatamente da mesma maneira, então poderíamos suprimir mentalmente o fato sem que desapareça
o resultado”.
II) “A e B, atuando independentemente um do outro, acrescentam veneno
ao café de C. Se C morrer por isso, mas a dose posta por A ou por B havia provocado por si só a
morte exatamente do mesmo modo, pode-se suprimir mentalmente a conduta de cada um sem que
desapareça o resultado”.13

9
Por todos, ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 5; JESHECK/WEIGEND, Tratado..., p. 301.
10
ROXIN, Derecho penal..., §11, nm. 5.
11
ROXIN, Derecho penal..., §11, nm. 6.
12
ROXIN, Derecho penal..., §11, nm.11.
13
ROXIN, Derecho penal..., §11, nm. 11.
Analisando os exemplos, percebem-se facilmente os defeitos que a teoria
carrega. No número I, houve uma ação dolosa que resultou na morte de uma pessoa. Não
obstante, pela fórmula da eliminação hipotética o autor deveria ser absolvido.
Já no exemplo II, os dois agentes tiveram a intenção de cometer um
homicídio e, utilizando a fórmula da eliminação hipotética, nenhum deles poderia ser
punido. Ou seja, em I e em II não haveria delito algum, mesmo sendo as ações reprováveis.
Crítica contundente também vem de JAKOBS, para o qual a teoria da
equivalência conduz a uma confusão.14 A fórmula da eliminação hipotética é supérflua,
pois não constitui uma definição de causalidade, mas torna-se um ciclo vicioso, porque o
conceito que deve ser definido aparece oculto no material com que se define.15 A própria
teoria nega sua essência: se a teoria é da “equivalência” das condições, aquela que,
suprimida, geraria o resultado, não é mais equivalente às demais.16
Como foi possível constatar, por algumas falhas, a teoria da equivalência
sofreu certa resistência da doutrina alemã no seu modo original: FRANK desenvolveu a
teoria da “proibição do regresso”; KRIES deu início à teoria da “adequação e relevância”;
ENGISCH apresentou a teoria da “condição conforme uma lei natural”; entre outros.

2.3. TEORIA DA ADEQUAÇÃO

A teoria, cujo fundador foi KRIES, foi desenvolvida no final do século XIX
e sustentada por longo tempo na doutrina científica. Segundo sua formulação, para que a
ação possa ser considerada causal, exige-se que o acontecimento do resultado produzido
pelo autor em desenvolvimento de sua ação deve ser considerado como provável.17 A
condição deve ser adequada ao resultado e adequadas são aquelas condições que
tipicamente são idôneas para produzir aquele.18
A teoria da adequação também permite a apropriada eliminação de nexos
causais totalmente incomuns, ou seja, evita o regressus ad infinitum da teoria da

14
JAKOBS, Derecho penal..., p. 227.
15
JAKOBS, Derecho penal..., p. 227.
16
JAKOBS, Derecho penal..., p. 228.
17
Conforme opinião de JAKOBS, a teoria da adequação não substitui a da equivalência, apenas suprime a
equivalência de todas as condições (Derecho penal..., p. 238).
18
JESCHECK/WEIGEND, Tratado..., p. 305.
equivalência19, pois retira fatos passados absurdos para o caso concreto, como, por
exemplo, a relação sexual do casal que gerou o criminoso.
Após passar, ao longo do tempo, por reparos, a teoria da adequação traz a
afirmativa de que uma condição é adequada se a mesma aumentou a possibilidade do
resultado de modo relevante, é dizer, se realmente a conduta realiza um resultado dado.
A teoria em tela é criticada por ROXIN nos seguintes termos: o juiz deve se
colocar posteriormente sob ponto de vista de um observador objetivo que julgue antes o
fato e disponha dos conhecimentos de um homem inteligente e dotado de conhecimento
especial.20
As críticas mais contundentes à teoria estão relacionadas ao momento do
juízo de adequação (anterior ou posterior ao resultado), à posição do observador (ponto de
vista do autor ou de terceiro) e à falta de base científica para a análise causal por este meio.
ROXIN, em seu posicionamento doutrinário, sustenta que a teoria da
adequação é uma teoria da imputação (e não da causalidade), diferentemente do que
afirmam seus defensores. Ela nada mais tenta dar resposta ao questionamento de quais
circunstâncias causais são juridicamente relevantes e que podem ser imputadas a um
agente.21
Para MEZGER, a teoria da adequação é uma teoria de responsabilidade, ou
dito de melhor maneira, uma teoria de relevância jurídica.22 Trata-se de uma teoria
insuficiente inclusive como teoria da imputação, pois seu âmbito de operação fica restrito a
excluir a imputação nos cursos causais anômalos e incomuns.
No entanto, a teoria tem seus pontos positivos. Foi imposto um limite ao
regresso das causas que a teoria da equivalência deixou desapercebido. Antes de uma teoria
que limitasse o regresso, cabia tal função ao livre arbítrio do aplicador da lei.23 Além do
limite do regresso, a teoria da adequação foi ponto de partida para que a doutrina e a
jurisprudência percebessem a necessidade para aplicar critérios normativos de imputação.
Pode-se incluir, como teoria da causalidade, também, a teoria da relevância.
Para esta, em sentido jurídico-penal, somente é causal uma conduta que possua uma

19
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm.31.
20
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 32.
21
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 33.
22
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 35.
23
JESCHECK/WEIGEND, Tratado..., p. 305.
tendência geral a provocar o resultado típico, enquanto que as condições que apenas por
causalidade desencadearam o resultado são juridicamente irrelevantes.24 Aqui encontra-se a
pretensão de limitar a responsabilidade penal no caso concreto de acordo com o juízo de
probabilidade. Da teoria da relevância, também nasceram critérios para o desenvolvimento
da teoria de imputação.25

2.4. TEORIA DA CONDIÇÃO CONFORME A UMA LEI NATURAL

A penalista Ingeborg PUPPE desenvolveu esta teoria que fora exposta,


originalmente, por ENGISCH em sua obra Die Kausalität als Merkmal der strafrechtlichen
Tatbestände e hoje predomina na doutrina alemã26.
Para PUPPE, o modo como buscamos a causa de um resultado é muito vago
e incompleto. É ineficaz a investigação da uma causa se nem mesmo conseguimos um
conceito seguro de resultado.
Então, primeiramente, é fundamental que o conceito de resultado seja
revisto. A doutrina dominante contentou-se, sempre, em dizer: o resultado que interessa
para o Direito é aquele concretamente ocorrido, com todas as circunstâncias de tempo e
lugar, com todas as suas características individualizadoras.27
PUPPE reage a esta posição doutrinária, pois, para ela, não existe qualquer
limite para a individualização do resultado. Em nossa linguagem, sempre será possível
acrescentar-lhe alguma característica, o que torna seu processo de determinação vago para
o exame da causa. Então, para PUPPE, o conceito jurídico de resultado é meramente a
modificação desfavorável de determinado objeto protegido pelas normas jurídicas.28
O que tem que ser explicado pela teoria da causalidade não é a existência de
um fato com todos os seus detalhes, mas unicamente a alteração desfavorável por ele
sofrida.29

24
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 31.
25
JESCHECK/WEIGEND, Tratado..., p. 307.
26
“na doutrina científica, atualmente, reconhece-se o domínio da teoria da equivalência no sentido de que no
delitos comissivos o nexo causal é uma condição necessária, ainda que insuficiente, para a imputação ao tipo
objetivo” in Roxin, Derecho penal..., §11, nm. 10.
27
GRECO, in Roxin, Funcionalismo..., p. 144.
28
PUPPE, Der Erfolg..., p. 881 e 882.
29
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo...., p. 146.
Na fase seguinte, PUPPE parte de que causa de um resultado é toda
condição necessária do mesmo segundo leis naturais. No entanto, consideramos causa de
um resultado um acontecimento mesmo que este não seja uma condição necessária para
sua produção.30
Na verdade, o que denominamos “condição necessária” é uma “condição
suficiente”. Uma condição suficiente permite uma inferência do resultado a partir da
condição, no entanto, não se faz o mesmo com a condição a partir do resultado. Se
exigíssemos como causa uma condição necessária, poderíamos deduzir a causa a partir do
resultado sem precisar conhecer o resultado para saber quem é o responsável pelo mesmo.31
PUPPE conclui que nosso conceito de causa é uma condição suficiente do
resultado conforme as leis naturais. Corrige a afirmativa da seguinte maneira: causa é todo
componente necessário de uma condição suficiente do resultado segundo leis naturais.32
A condição suficiente é o enunciado da lei natural, sempre em termos
genéricos, não podendo conter qualquer particularidade, como nome próprio ou referência a
um conjunto determinado de indivíduos.33
Pode-se comprovar se um fato é componente necessário de uma condição
suficiente se pudermos eliminá-lo mentalmente e comprovar se o resto da condição
continua sendo suficiente para a produção do resultado.
Continua PUPPE a dizer que não se trata de eliminar mentalmente do
mundo determinados fatos e constatar então o que haveria sucedido sem eles. Na verdade,
trata-se simplesmente de eliminar mentalmente de uma explicação causal já estabelecida
um determinado acontecimento para comprovar se sua explicação sem o mesmo segue
como conclusão.34
Portanto, a nova fórmula de determinação da causa passa a ser: se o
resultado continuar sendo derivado dos fatos resultantes após a eliminação mental, aquele
eliminado não é necessário, por conseguinte, não causal. Será causa somente aquele fato
que, uma vez eliminado, não possa derivar o resultado.

30
PUPPE, Kausalität..., p. 145.
31
PUPPE, Kausalität..., p. 148.
32
PUPPE, Kausalität..., p. 151.
33
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 147.
34
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p .151.
Na crítica de ROXIN, esta fórmula não serve como ajuda para comprovar a
causalidade real, pois nada diz a respeito da concorrência do nexo causal conforme às leis.35
Não obstante, tem a vantagem de que não encobre o nexo causal nos casos onde a teoria da
equivalência o faz.

3. IMPUTAÇÃO OBJETIVA E TIPO PENAL

A estrutura finalista do tipo veio a ser modificada pela imputação objetiva.


Não basta estarem presentes os elementos ação, causalidade e resultado para que se possa
considerar determinado fato objetivamente típico. É necessário, ademais, um conjunto de
requisitos. Este conjunto de requisitos que fazem de uma determinada causação uma
causação típica se chama imputação objetiva.36
Resumindo, a estrutura do tipo objetivo passa a ter a seguinte configuração:
TIPO OBJETIVO = ação ou omissão + nexo de causalidade + imputação objetiva +
resultado.
Dado o esquema que expõe a estrutura do tipo acrescida da imputação
objetiva, cabe a pergunta: como se comporta a imputação objetiva na teoria do delito? A
esta pergunta tentaremos dar a resposta no decorrer do trabalho.

3.1 BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DA IMPUTAÇÃO NO DIREITO


PENAL

O tema “Imputação Objetiva”, diferentemente de como muitos pensam no


Brasil, já é um problema discutido há muitas décadas na doutrina estrangeira, em especial
na Alemanha.37 A teoria da imputação objetiva é tão importante para a doutrina alemã e
européia quanto o finalismo nas décadas de 50 e 60 ou o conceito de causalidade na época
do naturalismo jurídico-penal, no início do século XX.38

35
ROXIN, Derecho penal..., §11, nm. 14.
36
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 7.
37
Sobre a evolução da teoria da imputação objetiva, interessante a obra de CHAVES CAMARGO:
Imputação..., pp. 61 e ss.
38
SCHÜNEMMAN, Über..., p. 207.
A idéia de imputação pode ser retirada da própria palavra. PUFENDORF
afirma que a palavra alemã Zurechnung (= imputação, atribuição) é uma tradução da
palavra latina imputatio.39
Em 1927, com sua tese de doutorado intitulada Hegels Zurechnungslehre
und der Begriff der objektiven Zurechnung, LARENZ trouxe o conceito hegeliano de
imputação para as ciências jurídicas. Sua idéia visava resolver o problema da distinção
entre ação e acaso, para dizer realmente se um acontecimento é obra de um sujeito.40 Na
idéia de LARENZ, a possibilidade de previsão para a imputação deve ser analisada do
ponto de vista objetivo, e não subjetivo. Não é o autor concreto, mas a pessoa, o ser
racional, que deve estar em condições de prever um determinado acontecimento41. Sua obra
teve grande importância para que o conceito de imputação fosse apresentado aos juristas.42
Poucos anos depois, em 1930, HONIG apresentou sua obra Kausalität uns
objektive Zurechnung, na qual trouxe o conceito de imputação objetiva especificamente
para o Direito Penal. Já na introdução, afirma HONIG que a teoria da causalidade
encontrava-se em crise e haveria necessidade de reformulação na teoria do tipo.43 Diz que
apenas ações humanas são interessantes ao Direito Penal, devendo estas ser os únicos
elementos de juízo da imputação.44 Para o ordenamento jurídico, o decisivo não é a
constatação de uma mera relação de causalidade, mas de uma relação jurídica especial entre
ação e resultado.45 O grande mérito de HONIG está na clareza das distinções que são feitas
entre o plano ontológico (causa) e o plano axiológico (imputação), sendo sua lição de
extrema utilidade até os dias atuais.46
No ano de 1970, ROXIN expôs a idéia de imputação objetiva no Direito
Penal, em sua pequena mas importante obra Kriminalpolitik und Strafrechtssystem47. O
mestre da Universidade de Munique, simplificadamente, partiu dos seguintes pressupostos

39
SCHÜNEMMAN, Über..., p. 208.
40
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 16 e 17.
41
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 19.
42
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 19.
43
HONIG, Kausalität..., p. 174.
44
HONIG, Kausalität..., p. 182.
45
PRADO, Comentários..., p. 81.
46
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 22.
47
A obra foi traduzida para o português por Luis Greco (Política criminal e sistema jurídico-penal, Rio de
Janeiro: Renovar, 2000).
da imputação: a criação do risco proibido, a concretização do risco no resultado concreto e
a abrangência do tipo. Porém, estes pontos serão desenvolvidos mais adiante.
Além de ROXIN, temos outras formulações de imputação na moderna
doutrina penal. Incluem-se as obras de JAKOBS, PUPPE e FRISCH. Resta lembrar que é a
teoria de ROXIN a de maior aceitação na doutrina estrangeiro e nacional.48

3.2. A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA DE CLAUS ROXIN

Nas palavras do próprio ROXIN, um resultado causado por um agente pode


ser imputado ao tipo objetivo se a conduta do autor criou um perigo para um bem jurídico
não coberto pelo risco permitido e esse perigo também foi realizado no resultado
concreto.49 Ou seja, se o resultado se apresenta como realização de um perigo criado pelo
autor, via de regra é imputável, se for cumprido o tipo objetivo.50
Percebe-se que o tipo penal não é completo se apenas considerarmos o nexo
de causalidade como elo entre a ação e o resultado. Há necessidade, também, de um elo
normativo, que possa servir de limitação ao poder punitivo do Estado. No funcionalismo de
ROXIN, a delimitação que o tipo objetivo exerce na configuração de delito deve atender à
necessidade de prevenção da pena.51
O nexo de causalidade é a mera ligação fática entre ação e resultado. É o fato
tão-só naturalístico.52 Por exemplo, na observação de NEWTON, a causa de uma maçã ter
caído ao solo foi o fato de ter-se rompido do galho. Tal constatação empírica reverteu-se na
formulação da teoria segundo a qual, a grosso modo, todos os corpos que apresentam massa
estão sob influência da força gravitacional e, conseqüentemente, são atraídos para o solo
(mais especificamente para o centro gravitacional da Terra).

48
Cf. GALVÃO, Fernando. Imputação objetiva. Mandamentos: 2000. Belo Horizonte; GRECO, Luis.
Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Jurídica, ano 48. Porto Alegre. 2000; e em
www.geraldoprado.com.br; na jurisprudência, AC n.° 307.366-7, do Tribunal de Alçada de Minas Gerais
(Juiz relator Alexandre Victor Carvalho).
49
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 39.
50
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 40.
51
Para melhor explanação sobre a doutrina finalista de ROXIN: GRECO, Luis.. Apenas para situar a leitura,
para ROXIN, a teoria do delito deve ser construída com base em elementos que atendam aos princípios de
prevenção da pena. Uma conduta não pode ser incriminada se houver desnecessidade de pena ao agente.
ROXIN considera que a culpabilidade por si só é insuficiente para configurar um delito, a pena deve ser
necessária tanto do ponto de vista da prevenção geral, como da prevenção especial.
52
VILANOVA, Causalidade..., p. 61.
Levando ao campo do Direito Penal, consideremos, a título ilustrativo, o
crime de homicídio. A atirou em B, com a intenção de matá-lo, acertando-o no peito. B
faleceu no hospital e foi detectado que a causa de sua morte foram as hemorragias internas
decorrentes da lesão.
Ora, do ponto de vista naturalístico, A responderá pelo crime de homicídio
doloso, sem mais análises. No entanto, da perspectiva da imputação objetiva, só o fará se
preenchidos todos os requisitos legais, no caso, a presença de todos os elementos objetivos
e subjetivos do tipo
Retomando a idéia exposta anteriormente, o elemento imputação objetiva
será o limite do alcance da norma penal, atendendo ao princípio constitucional da
legalidade.53 Não se pode imputar o resultado ao agente na mera conclusão da causalidade,
independentemente da teoria causal adotada.
No direito penal pátrio, a teoria causal adotada é a da equivalência das
condições. Partindo desta afirmação, retomamos o exemplo do crime de homicídio, mas
com algumas modificações:
A atira em B, com a intenção de matá-lo, acertando-o no peito. Ao ser
socorrido, a ambulância que o conduzia bate em um poste e, em virtude da colisão, B vem
a falecer.
Pois bem, houve uma alteração no curso causal da morte de B em relação ao
primeiro exemplo. Agora, a morte foi decorrente da colisão em circunstância superveniente.
Portanto, a análise deve ser mais cautelosa para saber se o fato é imputável ou não ao
agente.
O tipo penal matar alguém tem a vida como bem jurídico a ser tutelado. O
alcance desta norma é prevenir as mortes conseqüentes de ações diretas do agente. Seria, no
caso, a função da norma evitar a morte causada pelo tiro dado pelo agente.
Não é objetivo do tipo penal do artigo 121 do Código Penal prevenir as
mortes causadas por acidentes de veículos que não estejam sob o domínio direto ou indireto
do autor de um disparo. Então, provado que a morte da vítima não tenha ocorrido
diretamente pela ação do agente, não poderá este ser condenado pelo homicídio
consumado.

53
Constituição Federal de 1988, artigo 5.°, inciso XXXIX.
O alcance da norma permite, no entanto, que o autor do disparo seja
condenado pela tentativa de homicídio. Pois trata-se de uma ação dolosa, cuja intenção era
a morte da vítima, mas sua consumação foi evitada por fato superveniente, contra a vontade
do agente. Apesar deste conceito de tentativa estar superado pela doutrina moderna, ainda é
o adotado pelo nosso Código Penal.
Vejamos o exemplo de maneira mais detalhada. Há três elementos do tipo
objetivo do artigo 121: são eles a ação de disparar, o nexo causal pela equivalência das
condições e o resultado morte. Não obstante, faltou o último elemento objetivo do tipo: a
imputação objetiva. Portanto, não há de se falar em homicídio consumado.
O exemplo utilizado apenas tentou esclarecer parte das grandes questões
suscitadas pela teoria da imputação objetiva. Há alguns pontos que merecem explicação
mais detalhada e, a seguir, serão analisados, tais como a criação do risco não permitido, a
realização do risco não permitido e o alcance do tipo.
ROXIN elabora uma teoria geral da imputação completamente desligada do
54
dogma causal . Parte o mestre alemão da seguinte afirmação: a possibilidade objetiva de
originar um processo causal danoso depende de a conduta do agente concreto criar, ou não,
um risco juridicamente relevante de lesão típica de um bem jurídico.55 ROXIN direciona
sua teoria do risco para a valoração dos bens jurídicos protegidos.56
GRECO discorre sobre a metodologia de ROXIN no tratamento da teoria do
risco, levantando os estudos dos grupos de casos57, que são quatro concretizações do
referido princípio.58 São tais topoi: a) a diminuição do risco; b) os riscos juridicamente
irrelevantes; c) o aumento do risco e d) o fim de proteção da norma59.

a) Diminuição do risco

54
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 58.
55
GRECO, in Funcionalismo..., p. 58.
56
A valoração dos bens jurídicos protegidos é fundamental para ROXIN. Um dos principais reflexos desta
valoração é o princípio da insignificância, de sua criação, segundo a qual o direito penal não pode se
preocupar com bens jurídicos de valor irrelevante, sendo, portanto, as condutas que afetam tais bens, atípicas.
57
Cf.. também TAVARES, Teoria..., p. 224.
58
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 58.
59
Para mais detalhes, ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 43 a 58.
Não há possibilidade de imputação se o autor modifica um curso
causal de modo que o perigo já existente para a vítima seja diminuído,
melhorando a situação do objeto da ação.60
Exemplificando: A percebe que B será atingido por um automóvel e
o empurra, atirando-o ao solo, causando lesões leves. Se B fosse atropelado,
com certeza as lesões seriam muito maiores, portanto, a conduta de A
diminuiu o risco de um resultado mais danoso. Por isso, conclui ROXIN,
seria absurdo proibir ações que melhoram o estado do bem jurídico
protegido61.
Na hipótese de diminuição do risco, a conduta do agente poderia ser
justificada pelo estado de necessidade, não obstante, consideramos que a
imputação objetiva é elemento objetivo do tipo. Então, tal conduta não será
crime, mas não pela exclusão da antijuricidade, e sim pela atipicidade.
Não havendo a imputação ao tipo objetivo, não estão presentes todos
os elementos do tipo. Do ponto de vista da política criminal, a conduta será
desclassificada como delito porque a lesão ao bem jurídico não é resultado
de uma conduta juridicamente proibida.
Pois – como assinala AMELUNG – a antijuricidade trata da solução
de conflitos sociais, que resultam da colisão de interesses dos indivíduos e
de toda a sociedade.62 E, na diminuição do risco, não há conflitos, pelo
contrário, há a melhoria da condição do bem jurídico.

b) Ausência de criação de riscos (ou riscos juridicamente


irrelevantes)
Não há imputação ao tipo objetivo se a conduta do autor não
aumentou e nem diminuiu o risco ao bem jurídico. Ocorre o mesmo se o
perigo já existente não sofre incremento mensurável.63

60
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 43.
61
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 43.
62
AMELUNG, Contribución a la crítica del sistema jurídico-penal de orientación político-criminal de Roxin,
in El sistema..., p. 95.
63
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 45.
Como ausência de criação de perigo incluímos as condutas normais
do cotidiano, como andar pelas ruas ou tomar banho. Em todas as nossas
atividades existem riscos, por menores que sejam. Por exemplo, ao caminhar
pelas ruas, assumimos o risco de tropeçar e cair sobre outra pessoa,
causando-lhe lesões, desde que não haja descuido.
O direito não se importa com os mínimos riscos socialmente
adequados. Entretanto, é necessário fazer uma observação: não se pode
confundir as condutas que não incluem criação de perigo com a teoria social
da ação. Apesar de alguns pontos comuns, apresentam conceitos distintos.64

c) Aumento do risco
Este critério tem em vista a resolução dos casos em que o autor foi
além do risco permitido, causou o resultado, mas não se sabe se a ação
correta tê-lo-ia evitado.65 ROXIN afirma que a imputação é excluída se a
conduta alternativa conforme ao direito tivesse levado COM CERTEZA ao
mesmo resultado.66 É o estudo dos cursos causais hipotéticos.
Diferentemente, JESCHECK defende a exclusão da imputação ao
tipo objetivo não apenas nas hipóteses de certeza, mas também naquelas em
que há probabilidade ou possibilidade de que o resultado aconteça nas
situações permitidas.67
O famoso caso elaborado por SAMSON ilustra a situação: A conduz
uma locomotiva em um trilho que, mais adiante, está bloqueado por causa de
um desmoronamento de uma montanha. Sem ter tempo para frear, B percebe
a situação e desvia o trem do trilho da esquerda para o da direita, que
também está bloqueado pelo mesmo motivo. O trem colide e A vem a
falecer.

64
A teoria social da ação é o comportamento humano socialmente relevante, o atuar final do comportamento
doloso e o comportamento objetivamente dirigível de natureza imprudente (BITENCOURT, Manual de
direito penal, parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1999.
65
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 58.
66
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 72.
67
CIRINO DOS SANTOS, A moderna..., p. 118.
Comprovado, no exemplo acima, que o resultado teria ocorrido de
qualquer maneira, a conduta que causou a morte do maquinista não será
objetivamente imputada ao autor da manobra que desviou a vítima em seu
caminho e, conseqüentemente, o fato será atípico.

Um dos aspectos mais importante na análise da imputação, após verificar se


houve a realização do risco juridicamente proibido, é observar se o resultado está abrangido
pelo tipo penal em questão. Vale dizer: o resultado concreto causado por uma ação ou
omissão deve fazer parte da norma incriminadora, ressaltando, mais uma vez, o princípio da
reserva legal.
Portanto, se o resultado concreto não estiver no alcance do tipo, não há de se
falar em imputação e, portanto, o fato será atípico. Explica TAVARES que a
fundamentação desta afirmação não se deve fixar em que o tipo legal de crime vise a uma
determinada e específica norma de proteção, mas sim na subordinação da conduta
incriminada às específicas modalidades de atuação com vistas a lesar o bem jurídico.68
Os casos de exclusão de imputação pelo alcance da norma podem ser os
seguintes: ajuda para a autocolocação em perigo dolosa, a colocação em perigo de terceiro
que aceita a condição e a imputação na esfera da responsabilidade alheia.
a) Ajuda para autocolocação em perigo dolosa: o resultado de ação intencional
autoperigosa da vítima não pode ser atribuído ao colaborador da ação, se a vítima conhece
o risco existente na ação.69 Como exemplo, não se pode imputar o resultado morte a B se
este ofereceu cocaína a A e este veio a falecer após aplicar a droga em si mesmo, sabendo
de todos os riscos prováveis de tal conduta..
b) Colocação em perigo de terceiro que aceita a condição: a exposição consentida a
perigo criado por outrem pode situar-se fora da área de proteção do tipo se corresponder à
auto-exposição a perigo, observando o seguinte: o dano deve ser conseqüência do risco
consentido e a vítima deve ter a mesma compreensão do e pelo perigo que o autor.70 Por
exemplo: o motorista de táxi dirige em alta velocidade por pedido do cliente e este vem a
falecer.

68
TAVARES, Teoria..., p. 230.
69
CIRINO DOS SANTOS, A moderna..., p.114.
70
CIRINOS DOS SANTOS, A moderna..., p. 115.
c) Imputação à esfera da responsabilidade alheia: o fundamento da exclusão da
imputação nestes casos está na competência do exercício de determinadas profissões que
envolvem a exposição ao perigo.71 Exemplos dados por ROXIN : o proprietário que, por
imprudência, coloca fogo em seu imóvel, não poderá ser responsabilizado pela morte do
bombeiro que participou da operação para controlar o incêndio. No entanto, este tópico é
dos mais controversos, pois surge a dúvida: poderia ser punido o criminoso pela morte de
um policial que o persegue e colide a viatura? Não há uma resposta pacífica, mas a maioria
da doutrina contraria a posição de ROXIN, para o qual não se poderia imputar o resultado
ao criminoso.

3.3. A IMPUTAÇÃO OBJETIVA PARA GÜNTHER JAKOBS

Primeiramente, há de se explicar, em breves palavras, o funcionalismo penal


de JAKOBS. Para ele, a função do direito penal é afirmar sua própria vigência. É o direito
penal construído para o direito penal. Infringir uma norma é provocar a instabilidade do
ordenamento jurídico.
Sua obra está sustentada em conceitos sociológicos72. Assim, o direito penal
tem como função manter a estabilidade social e preservar as expectativas guardadas nos
papéis sociais de cada um. Esses papéis referem-se à função que o indivíduo desempenha
em um específico contato social, quer dizer, ao sistema de posições definidas de modo
normativo, ocupado por pessoas intercambiáveis.73
JAKOBS parte do pressuposto da liberdade de comportamento do indivíduo
e sua responsabilidade pelas conseqüências. O fundamento liberal de uma “obrigação
originária” tem como conteúdo negativo que o outro não deva ser perturbado em sua
existência e a jurisdição não se poderia resumir apenas a normas de proibição, mas estas
devem atuar junto com as normas de mandato.
Faz JAKOBS uma distinção entre normas de proibição e normas de
mandato. As normas de proibição devem impedir a formação de um motivo que conduza

71
ROXIN, Derecho penal..., § 11, nm. 104.
72
Para uma boa compreensão da teoria de JAKOBS, v. LESCH, Intervención..., p. 39 e ss.
73
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 124.
a uma determinada atividade, enquanto as de mandato devem motivar precisamente a
uma determinada atividade.74
Na teoria da imputação objetiva, afirma o mestre de Bonn que sua função em
um tal sistema consiste em determinar os pressupostos que fazem de uma causação
qualquer, de um dado naturalista, um complexo significativo, cujo sentido comunicativo é o
questionamento da norma, um “esboço de um mundo” no qual a norma não vige.75 A
causalidade é somente uma condição mínima da imputação objetiva do resultado, a ela deve
acrescentar-se a relevância dos cursos causais entre a ação e o resultado.76
Sustentando-se no conceito de ação típica como sendo aquela em que, de um
ponto de vista objetivo, viole um papel, através da figura de garantidor, ao autor somente
serão imputados aqueles riscos cuja evitação cumpra a ele garantir, aqueles riscos em face
dos quais ele desempenhe uma posição de garantidor.77 Portanto, ao violar seu dever de
garantidor, o autor cria um risco juridicamente proibido.
Como a finalidade própria do direito penal é garantir a segurança das
expectativas, o comportamento socialmente adequado (dentro dos papéis sociais de cada
um) não se pode imputar como injusto, nem sequer quando tenha efeitos danosos por um
desencadeamento de circunstâncias. Para haver a consumação de um crime, portanto, há de
se realizar um risco causado por um agente de modo não permitido (socialmente
inadequado).78
Em sua teoria, são irrelevantes todos os conhecimentos que ultrapassem os
limites daquilo a que o agente, segundo seu papel social, está obrigado a saber.79 Há o
famoso exemplo do estudante de Biologia que trabalha como garçom nas horas vagas. Este
mesmo rapaz, servindo ao cliente do restaurante, sabe que um cogumelo servido no prato é
venenoso. Porém, só é possível este conhecimento em decorrência de suas habilidades
como biólogo. Por isso, se o cliente morrer por ingerir o cogumelo, sua morte não poderá
ser imputada ao rapaz que, no momento do fato, exercia seu papel de garçom, não se
podendo exigir os usos de seus conhecimentos especiais de biólogo.

74
JAKOBS, La imputación..., p. 849.
75
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 122.
76
JAKOBS, Derecho penal..., p. 237.
77
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 125; JAKOBS, Bemerkungen..., p. 50; JAKOBS,
Risikokonkurrenz..., p. 63 e ss.
78
JAKOBS, Derecho penal..., p. 225; JAKOBS, Risikokonkurrenz..., p. 67 e ss.
79
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 127; JAKOBS, Risikokonkurrenz..., p. 73 e 74.
Duas diferenças são ressaltadas entre as teorias de ROXIN e JAKOBS: a)
JAKOBS não leva em consideração os cursos causais hipotéticos na determinação da
realização do risco; b) também JAKOBS não adotou o fim de proteção da norma, por
considerar este topos impreciso.80
Finalmente, na teoria da imputação objetiva de JAKOBS, a mesma será
excluída nos seguintes casos81: a) criação do risco permitido: realizado o risco permitido, o
tipo será excluído82, pois todo contato social envolve determinados riscos83; b) princípio da
confiança: ninguém é obrigado a fazer de tudo pela vida social estável porque existe a
confiança em que cada um cumprirá sua função social84; c) proibição de regresso: não há
delito no comportamento socialmente neutro do autor se este for utilizado por terceiro com
intuito criminoso85; e d) competência da vítima: hipóteses em que o risco se encontra no
âmbito da vítima, e não do autor86

3.4. A DOUTRINA DE FRISCH

Na opinião de FRISCH , a doutrina dominante teria priorizado a imputação


de resultados, esquecendo-se de que seu pressuposto seria o comportamento proibido
praticado pelo autor. No entanto, o autor afirma que tal comportamento sequer se pode
dizer proibido87.
Há de se distinguir comportamento típico e imputação do resultado, já que
são conceitos construídos com base em normas diferentes, respectivamente, as normas de
comportamento e as normas de sanção.88 Seguem tais normas perspectivas ex ante e ex
post ao resultado89.

80
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 130.
81
Todos as hipóteses de exclusão da imputação estão fundamentadas em JAKOBS, Derecho penal..., pp. 241
e ss.
82
JAKOBS, A Imputação..., p. 52.
83
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 126; JAKOBS, A Imputação..., p. 34 e ss.
84
JAKOBS, Sociedad..., p. 22 e ss., GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 126.
85
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 126..
86
JAKOBS, Risikokonkurrenz..., p. 75.; GRECO, in ROXIN, Funcionalismo..., p. 127.
87
FRISCH, Tipo penal..., pp. 16 e ss.; GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 132.
88
FRISCH, Tipo penal..., pp. 92 e ss.; GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 133.
89
Posicionamento semelhante possui WOLTER (Imputación objetiva y personal a título de injusto. A la vez,
uma contribuición al estúdio de la “aberratio ictus”, in El sistema..., p. 109 e ss.
Em primeiro momento, FRISCH constrói sua teoria do comportamento
típico, dividida em dois planos: no plano constitucional, em que são estudadas as
necessidades de intervenção estatal no direito de liberdade, e no plano jurídico-penal, onde,
da perspectiva do princípio da proporcionalidade (idoneidade, necessidade e adequação),
será cogitada a reprovação social merecedora de sanção penal.90
Posteriormente, parte para a concretização do resultado, estudando três
grupos de casos: a) comportamentos imediatamente perigosos para o bem jurídico; b)
comportamentos que possibilitam ou facilitam autolesões ou autocolocações em perigo da
vítima e c) comportamentos que possibilitam, facilitam ou motivam comportamento lesivo
de terceiro.91
Duas observações são pertinentes a respeito da teoria de FRISCH92: a) o
autor alemão confere importância às normas que regulam o comportamento, reduzindo a
aparente indeterminação do critério proposto para o plano de concretização (os três grupos
de casos acima citados); b) inúmeros problemas que a doutrina tradicionalmente resolve no
plano de realização do risco são tratados por FRISCH no âmbito do comportamento típico.
Continua FRISCH na sua construção dogmática partindo para a teoria da
imputação do resultado. Para ele, o desvalor do resultado deve ser fundamentado pela ratio
dúplice da insegurança jurídica e da vigência da norma. Faltando essa ratio, o resultado não
poderá ser imputado ao autor.
No plano de realização do risco, basta apenas uma mudança de perspectiva,
da ex ante para a ex post. Ou seja, basta perguntar se, ex post, o que realmente ocorreu foi
aquele risco ex ante criado, se o curso causal ocorrido era daqueles que a norma tinha por
finalidade evitar.93

3.5. A IMPUTAÇÃO PARA PUPPE

90
Para a elaboração da teoria do comportamento típico: FRISCH, Tipo penal..., pp. 95 e ss.
91
FRISCH, Tipo penal..., p. 98 e ss., pp. 120 e ss. e pp. 134 e ss., respectiamente; GRECO, in ROXIN,
Funcionalismo…, p. 136.
92
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 136 a 139.
93
FRISCH, Tipo penal..., pp. 107 e ss.; GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 141.
Trataremos, por último, da teoria da imputação de PUPPE, após explanada
sua teoria da causalidade94.
As duas principais novidades em sua teoria estão na realização do risco e no
fim de proteção da norma. PUPPE pouco difere da doutrina dominante no que diz respeito
da criação de riscos juridicamente desaprovados95
Para saber se um risco realizou-se no resultado, tem-se de analisar se o risco
criado pelo autor é condição necessária para explicá-lo de modo suficiente, ou seja, se
aquelas características do comportamento, que fazem dele algo proibido, sejam partes
necessárias da explicação causal96.
Sua principal inovação é trabalhar a teoria da imputação com base em leis
meramente probabilísticas, e não deterministas. Visa esse método corrigir os erros da
causalidade onde não se pode afirmar, com certeza, por meio de leis deterministas, a
ocorrência de um resultado.
Para PUPPE, na atualidade, não é um fato seguro que as ciências naturais
disponham de verdades absolutas e eternas. Por isso, os juristas perguntam-se sobre que
grau de prova deve exigir-se para que o juiz possa decidir sobre a validade de uma lei
causal.97 É necessário exigir o grau mais alto de certeza que as ciências naturais podem
oferecer.
A validez de uma teoria causal a ser utilizada é uma questão de fato, e não se
converte em uma questão jurídica. Muitos acontecimentos naturalísticos não serão
verificáveis em provas forenses, por isso PUPPE acredita que as leis probabilísticas são
instrumento fundamental para o julgador chegar o mais próximo da causa real de um
resultado.
Exemplo: se A aplica veneno na sopa de B, a quantidade aplicada será a
condição necessária do enunciado de que toda vez que alguém ingerir uma quantidade X de
veneno, morrerá em conseqüência deste (lei probabilística). Pouco provável que o juiz, em
sua área de atuação, conseguirá ter a certeza necessária sobre o resultado apenas por um
raciocínio determinista.

94
V. item 2.4.
95
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 150.
96
PUPPE, La imputación..., p. 39 e ss. GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 150.
97
PUPPE, La imputación..., p. 25.
Outro exemplo utilizado por GRECO98: numa operação arriscada, o médico
comete um erro, vindo a matar seu paciente. Não há qualquer lei determinista que impere
que sempre que um médico cometer o erro X, seu paciente morrerá. Há inúmeros outros
fatores que podem contribuir para o resultado morte. PUPPE analisa especificamente os
casos de intervenções médicas, dizendo que muitos processos patológicos e também
processos de cura não são vistos na ciência médica moderna como plenamente
determinados por leis causais.99
Trabalhando apenas com leis deterministas, de que não se pode afirmar que
esse erro sempre causará a morte, o médico sempre sairia impune. Portanto, a necessidade
das leis probabilísticas se dá no momento de detectar o aumento do risco derivado de uma
lei probabilística, para se chegar a uma conclusão sobre o resultado.
Em relação ao fim de proteção da norma, PUPPE vai contra a teoria
dominante e o redefine como a idoneidade genérica para impedir determinada classe de
cursos causais100. Quer dizer que não se pode ficar preso à simples interpretação individual
do tipo, mas trabalhar com conceitos genéricos. PUPPE não concorda com a solução de
conflitos jurídicos através da particularidade de conceitos, mas sempre com a generalidade
destes.
Compreendem-se nas normas penais todos aqueles cursos causais que o
respeito à norma geralmente consegue impedir. Se o respeito à norma tiver idoneidade para
impedir o resultado não no plano macro, mas no caso específico apenas, o resultado se
encontrará fora do âmbito de proteção da norma101.

4. O ARTIGO 13 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Ao tratar da teoria da causalidade em nosso Código Penal, não há dúvidas


sobre a equivalência das condições. O texto do caput do artigo 13 é claro: considera-se
causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. O legislador

98
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 151 e 152.
99
PUPPE, La imputación..., p. 27.
100
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 153.
101
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 153.
explicitamente adotou a regra da eliminação hipotética para descobrir qual a causa de um
resultado.
Até aqui o artigo 13 não traz nenhuma dúvida. Porém, de que trata seu
parágrafo primeiro? Diz o texto: “A superveniência de causa relativamente independente
exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto,
imputam-se a quem os praticou.”
Trata-se de um instrumento que o legislador utilizou para evitar os abusos
da teoria da conditio sine qua non, imperante no caput do artigo 13, como o regresso das
causas que fujam do bom senso jurídico, e outras imperfeições que possam levar a erros
grotescos.
A própria redação do código traz o verbo imputar na explicação das causas
supervenientes independentes. Quer dizer, não há impedimentos para a adoção de uma
teoria da imputação objetiva em nosso ordenamento.
A doutrina tradicional ocupou-se em estudar a teoria da imputação como a
teoria das concausas, segundo a qual a causa preexistente, concomitante ou superveniente,
que, por si só, produz o resultado, não permite que o resultado seja imputado ao autor.102
Um pouco diferente da opinião dominante é a de REALE JR., segundo o
qual o ordenamento brasileiro adotou a teoria da relevância. Descreve a verificação da ação
como conditio sine qua non do resultado e a redução do âmbito de relevância causal, pelo
exame do aspecto psicológico, que atua como fator limitativo da imputação estritamente
causal.103 Nota-se que o mesmo autor não faz, ainda, alusão à teoria da imputação objetiva.
Recentemente, CIRINO DOS SANTOS faz a distinção entre causação e
imputação104 do resultado sustentando-se no artigo 13, § 1.° do Código Penal, afirmando
que a lei brasileira considera a independência relativa do novo curso causal como
excludente da imputação do resultado – não como excludente da relação de causalidade105.
A posição aqui adotada segue a defendida pelo professor CIRINO DOS
SANTOS, segundo a qual o tipo penal é construído pelos elementos objetivos e subjetivos,
sendo aqueles a tipicidade, a causalidade, a imputação objetiva e o resultado.

102
Como exemplo, JESUS, Direito penal..., p. 223 e ss.
103
REALE JR., Teoria..., p. 178 e 179.
104
CIRINO DOS SANTOS prefere o termo atribuição ao termo imputação. Este último é a preferência da
doutrina majoritária.
105
CIRINO DOS SANTOS, A moderna..., p. 53.
Mas o problema não fica restrito à terminologia ou a aspectos teóricos.
Chama a atenção GRECO para a maior extensão da teoria da imputação objetiva e pelos
erros a que a combinatória de causas (supervenientes, antecedentes e concomitantes) pode
levar, com conseqüências drásticas de uma responsabilidade objetiva, sem culpa, com base
no mero nexo causal.106
Uma destas conseqüências é a actio libera in causa. O autor, ao ingerir alta
dosagem alcoólica com o fim de criar coragem para a prática de um crime, tem por
encerrada a sua capacidade de compreensão dos fatos. Responderá o autor por todas as
condutas praticadas em estado de embriaguez a título de responsabilidade objetiva. A
fórmula da actio libera in causa está baseada em simples equivalência das condições, ou
seja, a ingestão de bebida alcoólica foi condição para o autor tornar-se temporariamente
inconsciente, e essa inconsciência temporária foi condição para a prática do crime.
Entendo que o artigo 13 do CP não pode ser repartido em dois métodos
distintos de leitura do tipo penal, um para os casos em que a causalidade por si só encontra
a causa, e outro para delimitar o regresso ad infinitum. O artigo 13 tem que ser analisado
como um instrumento único de causalidade e imputação. A eliminação das causas
independentes é método de confirmação de que estas não fazem parte do risco criado,
muito menos do alcance do tipo.
Enfim, o artigo 13, na minha opinião, adotou em seu todo a teoria de
imputação objetiva dos riscos proibidos. A equivalência das condições é apenas uma etapa
de análise da imputação. Se não fosse assim, mesmo que o agente tenha criado um risco
proibido, poderia responder pelo crime mesmo que sua conduta não fosse causa do
resultado. Causa e imputação são elementos que se complementam, um não exclui o outro.
Enquanto o artigo 13, em seu caput, oferece a ferramenta de constatação do
fenômeno naturalístico que deu origem a um resultado, o seu parágrafo primeiro é o
instrumento de análise da imputação. Por eliminar as causas independentes do nexo de
causalidade, a norma implicitamente retira da responsabilidade do autor todos os fatos que
não sejam riscos criados por ele. Por isso, somente são relevantes para a responsabilização
do agente os riscos criados e, posteriormente, realizados no resultado concreto. Nota-se a
correlação com a teoria de Claus Roxin.

106
GRECO, in ROXIN, Funcionalismo…, p. 172.
Se o Código Penal despreza as causas independentes (as absolutas e quase
todas as relativas), fica evidente a preocupação com o alcance da norma. Por exemplo, no
crime de homicídio, o mais grave de todos, não está no alcance da norma do artigo 121 as
mortes causadas por raios, por ataques cardíacos imprevisíveis, por comportamento
exclusivo da vítima etc. Por isso tudo, entendo que o artigo 13 absorve os riscos proibidos e
o alcance da norma.
No entanto, a doutrina brasileira (e a jurisprudência também) ainda está
presa ao positivismo, sem discuti-lo diante da real eficácia da norma como única fonte de
estudo do direito. Estamos atrasados em vários aspectos dogmáticos, especialmente no
direito penal, onde ainda dá-se muita importância ao embate entre causalismo e
finalismo.107 Talvez seja por isso que a imputação objetiva ainda tenha pouca relevância
entre nós. Para um estudo mais fecundo da imputação objetiva, devemos focar as atenções
às teorias pós-finalistas, as quais adotaram esta como determinante da responsabilidade
concreta pela realização do resultado típico.108
A teoria da imputação objetiva é um grande reforço para o princípio da
legalidade. Pois, para que um crime seja imputável a um agente, não basta haver a relação
causal entre a conduta e o resultado. A causalidade é um fenômeno puramente naturalístico,
decorrente de leis naturais. Há necessidade deste nexo encontrar uma delimitação
normativa, ou seja, dentro do próprio ordenamento. A ausência de imputação objetiva cria
uma dependência do direito penal em relação às ciências naturais para definir a
responsabilidade do agente.
A leitura do Código não pode ser estritamente positivista, calcada na
“inadiável superação do positivismo jurídico neokantiano”109. É possível adequar a lei
existente ao espírito de um direito penal democrático, desde que o intérprete faça uso de
uma concepção funcional da dogmática.

107
Para mais detalhes sobre a ineficácia deste conflito entre causalismo e finalismo, interessante o trabalho de
LUIS GRECO: Introdução à dogmática funcionalista do delito. in Revista Jurídica, ano 48. Porto Alegre.
2000; e em www.geraldoprado.com.br.
108
CHAVES CAMARGO, Imputação objetiva..., p. 188.
109
CHAVES CAMARGO, Imputação objetiva..., p. 19.
5. CONCLUSÃO

Perante a exposição acima, eis as conclusões do trabalho:


1) A teoria do delito só permite incriminar condutas quando houver o nexo
de causalidade entre estas e o resultado. Além disso, o resultado tem que ser objetivamente
imputável à conduta tipificada, sempre dentro do risco criado, do risco realizado e do
alcance do tipo.
2) O artigo 13 do Código Penal brasileiro, em seu caput, adotou a teoria da
equivalência das condições na definição do nexo de causalidade. Complementarmente, seu
parágrafo primeiro adotou a teoria da imputação objetiva, como delimitação normativa da
causalidade. A leitura do artigo 13 precisa ser unitária, sempre verificando a causalidade
dentro dos parâmetros de proteção da norma.
3) Para que o direito penal brasileiro entre na esfera da moderna teoria do
delito, é mister a libertação dos argumentos de autoridade e do positivismo como única
fonte da domática.

6. BIBLIOGRAFIA:

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dos Tribunais. 1999.

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Paulo: Cultural Paulista. 2001.

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Bastos. 2000.

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Porto Alegre. 2000; e em www.geraldoprado.com.br.

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