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Redes sociais: Ofensa ou liberdade de expressão?

Cruzar a linha pode gerar obrigação de

indenizar

Nos últimos meses fomos assolados pela exposição da vida íntima de vários cantores,

artistas, digitais influencers e figuras atuantes no cenário da comunicação digital - ações

chamadas de exposeds pelos internautas da nova geração.

Há quem se divirta com tudo isso. Afinal estamos em um momento de isolamento social,

com lazer limitado a atividades de pouca ou nenhuma interação social física, cumprindo as

normas de segurança do distanciamento. As redes sociais e os diversos canais de comunicação

digital permitem espiar e fofocar sobre a vida dos famosos, o que tem sido um refúgio de

distração para muita gente. Mas não são só as celebridades: pessoas comuns, sem vida pública ou

artística, também sentem na pele os efeitos da maldade que pode circular no cyberespaço.

Felizmente a Justiça despertou para o fato de que precisa ser um anteparo protetor à

honra, à vida privada, à intimidade e à imagem das pessoas – afinal, estes são direitos

inalienáveis de personalidade, elencados e assegurados pela Constituição Federal em seu artigo

quinto inciso décimo, e que passaram a ser ameaçados como nunca depois da popularização das

redes sociais.

Se a exposição da imagem e vida pessoal do indivíduo, seja ele “pessoa pública” ou

“anônima”, assume cunho difamatório, pode conferir graves prejuízos - causando-lhe um abalo

moral que é indenizável. Tenho experiência pessoal com o tópico – felizmente, com sucesso para

o pleito de quem representei judicialmente: dois clientes a quem estavam sendo imputados, em

postagens virtuais, crimes que não cometeram.


Além de não haver meios de exigir de seus detratores o direito de resposta, nem de lhes

ser garantido o benefício da dúvida, eles ainda tiveraram fotos, nomes e sobrenomes divulgados

nas redes pelos autores das ofensas, que inclusive forneceram links diretos paras suas redes

sociais. Em poucas horas, havia começado o linchamento digital.

Imediatamente começamos a agir – e, em meio ao caos e ao constrangimento, eis que

obtivemos rapidamente uma boa notícia: o deferimento da liminar que determinou que a rede

social removesse os conteúdos relacionados à imagem das vítimas no prazo de quarenta e oito

horas.

Duas sanções foram fixadas para o caso de haver descumprimento: multa no valor de R$

3.000,00 e sujeição dos responsáveis pela postagem às consequências criminais, vez que a

desobediência à ordem judicial se enquadra no preceito do art. 330 do Código Penal, cuja pena

estabelecida para o infrator é de quinze dias a seis meses de detenção mais multa.

Eis nossa primeira vitória, acreditar em uma posterior condenação indenizatória justa

seguindo o atual entendimento do STF sobre esses casos: que a indenização por danos morais é

uma medida que se impõe uma vez que a empresa provedora de aplicações de Internet possui os

deveres de fiscalizar o conteúdo publicado nos seus domínios eletrônicos, de retirar do ar

informações reputadas como ofensivas mediante simples notificação extrajudicial e de se

responsabilizar legalmente pela veiculação do aludido conteúdo antes da análise pelo Poder

Judiciário.

Posteriormente, a sentença confirmou o melhor entendimento da jurisprudência e honrou

a Carta Magna. Apesar de os posts terem partido de perfis falsos – e, por isso, os proponentes da

ação não puderam nominar seus autores -, a rede social, que demorou de suprimir as postagens
mesmo depois de as vítimas as terem denunciado por sucessivas vezes, foi condenada a indenizar

cada um dos reclamantes em R$ 3.000,00.

É certo que a Constituição assegura a garantia da liberdade de expressão, comunicação e

manifestação de pensamento. Todavia, tais direitos devem ser severamente restritos quando tal

liberdade afetar o caráter inviolável da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das

pessoas. Se isso ocorre, é assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação.

Sobre isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que a ampla

liberdade de informação, opinião e crítica jornalística reconhecida constitucionalmente à

imprensa não é um direito absoluto – ela encontra limitações, como a preservação dos direitos da

personalidade, incluídos os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade, sendo

vedada a veiculação de críticas com a intenção de difamar, injuriar ou caluniar.

Assim, é possível afastar a imputação de crimes contra a honra sob o argumento de que

são admitidos o exercício de críticas e a emissão de opiniões desfavoráveis; por outro lado, é

preciso ressaltar que há limites de resto aplicáveis a toda sorte de direitos e garantias individuais.

Não há, evidentemente, uma fórmula fechada determinando que tipos de opiniões ou

críticas são atípicas ou são típicas. É sempre o caso concreto que deve indicar se o autor da

opinião manifestada agiu com prudência e proporcionalidade diante do que pretendeu criticar.

Assim, se as publicações não têm intuito de “informar” ou “manifestar opniões críticas”,

mas tão-somente “expor”, “ridicularizar” ou “ofender” um indivíduo, a Justiça poderá

perfeitamente considerar que existe aí um crime contra honra, e ainda gerar o dever de indenizar

a vítima prejudicada.
Vídeo: Para assistir a uma reportagem televisiva sobre a violação do direito à intimidade e à

privacidade, clique aqui.

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