Você está na página 1de 122
los Roberto FE. Nogueira labe ~imaginario Diao é uma das figuras eentrais do imaginsrio eristao ocidental, En- tretanto,o estudo de suas origens & dos papéis histérieos que esta curiosa figu- ra desempenhou ao longo dos séculos nao tem merecido a atengio necessaria. Nesta obra, Carlos Roberto Nogueira aprofunda com a erudigio necessiria esta problematica, pesquisando ¢ apresentando a fusao existente entre a historia do Cris- tianismo e a histéria do proprio Diabo. O papel decisive desempenhado pela pre- senga deste personagem ¢ seus agentes dentro de uma erenga oficial — 0 Cristia- nismo — 6 analisado a partir da necessi- dade desta crenga personificar um ele- mento como 0 representante do Mal. A tentativa, tio earacteristica ao longo e que estes iltimos nnio foram os definidos e esperados segun- do seus objetivos originals, pois acabaram gerando aspectos, considerados: nefandos por seus proponentes, que eulminarann até mesmo num certo “prazer estético” em relagio ao Mal. Apés as revoluges bnrguesas na Europa, hi uma certa reabilitagio do Diabo, possibilitada sobretudo pela sepa- ragio entre Igreja e Estado, Este momento merece uma andilise especial do autor, que comenta ¢ aprofunda abordagens existen- les e mesmo consagradas deste novo perio- do histérico. Eo momento em que o De- ménio passa a ser um dos simbolos da revolta humana, encontrando seu épice em muitos autores do Romantismo. Coordenagio Editorial Irma Jacinta Turolo Garcia Assessoria Administrativa Inmé Teresa Ana Sofiatti Assessoria Comercial Irma Aurea de Almeida Nascimento Coordenagiio da Colegdo Histo Luiz Eugénio Véscio ULI] Tag a EDUSC ‘tno de Unease Coe ua ema Arminds, 1050 ‘701-160 - Bauru - SP. Fone (14) 235-7111 - Fax (14) 235.7219 ‘emai: edusc@usc.be N778d__ Nogueira, Carlos Roberto F (© Diabo no imaginsrio cistdo / Carlos Roberto Nogueira. - 2. ed. -- Bauru, SP : EDUSC, 2002. 126 p. : i; 21 em. -- (Colecdo Histérla) Inclu bibliogratia, ISBN: 85-7460-019-9 1. Demonologia. 2. Deménio. 1. Titulo, 0. Série. pp. 235.4 1 Bios 2000 2 Bgl: 2002 ‘e-mail do autor: erin@excive.com SUMARIO 7 Prefacio 11 __Introdugao 13 Asorigens do anjo rebelde 25 Cristianismo e demonolatria 41 Deus ¢ 0 diabo: a pedagogia do medo 71 O triunfo de Sata 103 Epilogo 117 Vocabulario critico 121 Bibliogratia PREFACIO Nos tempos que corre, ume relexdo sobre a hitria do dato pode aeabar por ser dseurso mulivoeo. dahon imag: inri ro de Caos Roberto Figueiredo Nogueira € um exem- ‘lo muito bem acabado destas possbildades plurals. Resulado de uma trig de secu, elaboradaa partido suistrato herdado do muro jaicn, por sta ver influendado por ‘outa cultura a representagio europea do deri ni € fina mente, alhela & transformagio operada com 0 advent dacs tandale medieval. que 0 soloca em lugar central da rellecio told area existénda do male sabre o problema do pea, ‘Neste sentide, a demonologia crsta acaba por ver no diabo o protagonista de uma Tuta edsmien que remonta a wm tempo anierior& Crago, ecujacontinuagio se projeta ao longo se toda a Hist, ‘No entanto,olhado de pero, este esorgo de conceptual zagio nem sempre se desenvolve de modo linear. Operado em ‘omonincia com a evolugio intelectual propria dos séculos reievos:si0 mulitase variadasas sobrevivéncias io miiltiplos fs discuss qualifcados de sida: io dispares as contextos sociais, a8 influéndias cultutais€ os objetives de tantos textos ‘que se poderiam aust a propio desta mati. E, além diso, nao so pequenas as discrepincas prove caus pela cronologa Paras falar da ade Média, que coerénda existe entre, por umn lado, 0 mundo das primelrascentiias (mundo de con- Irases profunde, de asimilages ndo terminadas, de plastic dade extrema nas formas sodais e cultura), por outo lado, 0 mundo da Crsundade intinonalizada dos séeulos XI © XI {onde ¢ notsvelo esarco de conceptualizagao © classibcagao de todas. as laccas do univers, com inedéncas também na reflexdo sobre a agio demoniaca),e,fnalmente, 9 mundo ter- tinal da Made Média ¢ do advento da Modernidade (tempos ddominados, em diferentes aspect, pela grande rise oidental)? ‘Sendo assim, para além de todas as divergéncias maties, jlgo que a grande eontinuidade se situa a0 nivel da rellexdo teoligca mals exgente Nesta ondem de ideias, parece evidente que, 20 longo da histéria do pensamento ocidental. sempre que o Cristianisma deixa marcas da sua influénda, esté presente a erenca no diabo. No Antigo Testament, € entendido como o que s¢ opi adversirio, & 0 acusador. A partir de determinade momento, a tradigao olha-o como um ser individual (x. 0 Zisro de Job ou Livro de Tobias). No Novo Testament, onde & freqiientemente des- ‘rito 0 encontro pessoal, sucedemse as derrotas de Satanés, sie, de acordo com tradigio erst plasmada na tdade -MéGia, ¢ espitito insinuador, de mil modos mascarado; ruidoso ‘ou silencioso, esté sempre atuante, nunca deseansa; 0 orgulho & 0 6dio dominam a sua ineansivel aividade. f de fato. nome & rosto da revolta contra Deus ~ loucura extrema ¢ suprema ins Aiiidade ~ cujafrieza nunca deixa de desconcerar. Nos tempos medievos, so muitas as formas escolhias| pata 9 mostrar, No entanto, a monstruosidade horrivel domina as descrigdes ¢ a iconografia. {uma forma de representa, Porque, enquanto espitito, © demdnio nio tem aspecto cor- Oreo, sendo 0 homem, submengido na cultura € mentalidade Droprias de cada época, quem «pinta com estas ou aquelas cores. Ou seja, se 0 demonio, em si, esté além da Historia, a sua representago (pelo discurso, pela afetividade, pela tconografia) & sempre produto da Histria... Monstruoso ou atraente, é sem- pre aparente a forma escolhida e momentineo o caréter adota- do. De qualquer modo, de acordo com a mesma tradigio, © ‘dem@nio —anjo auido ~ é criatura maravilhosa na sia inteligen~ ae vontade. Mas, no fundo, embora plistico na muplicidade das suas manifestagies e das represeniagdes que lhe sto atributdas, éembora vestido com atributos varios que as diferentes mentali- dades Ihe concedem, algo atravessa os sGeulos. Para 0 pensa- ‘mento sistematico, & a necessidade de explicar a existéneia do ‘mal de dar sentido aos permanentes dilemas da vida, Para as, sensbilldades menos presas as ortodaxias (isto de sineretismo ‘cultural e de reigiosidade popular insuficicntemente liberia dos varios politefsmos),é 0 deseja de encontrar coeréncla entre a fé ‘hum tinieo Deus © a dispersio dos daimon herdados dle um fundo ancestral. Para muitos, € manifestagio do medo com que 4 vida a todos atormenta, B do medo por excel@acia que & a descrengga em nds prprios. Talvez por isso, 0 Poverelo francis ‘ano tanto recomendava aos seus iemios, como remédio contra a tentagio, a alegria de espirto. ‘Aos ols de uma leitura mais atenta, uma rellexdo sobre existéncia do deménio levanta ainda outra orem de ‘questées: a seu modo, uma tal reflex revela a crenga na ‘apacidade da divindade para ordenar a criagio em relagio aos ‘seus fins. Gam efeito, embora os diabos lutem porfiadamente or desviar o homem da salvacio, no é menos verdade que festa sua atividade esti, em iltima andlise, subordinada 30s planos da Providéncia, O sew poder € sempre poder de criatura, Portanto, controlado. Als, a eliminagio do demdnio tem co seqincias: entre outras coisas implied transferénca do mal ‘ta a constituiglo antokigiea do universo, o que nio deixa de ser desagradavel Por bso, a atuagio demoniaca s6 tem sentido quando se inscreve numa visio em que a lberdade ocupa 0 ceme da hisiria humana, Quer ito dizer que a atvagio diabslia é em ceria medida, co-protagonisia da Hisiria? Talvez... quando a associamos a uma perspectiva mzante da vida... Sio Mateus € © Apouiips, por exemplo, dizem-no daramente: a doutrina das dduascidades de raizagostiniana, expliita-o;e, ao longo da Wade ‘Média, muitos sio os textos onde esta visio esté presente B este eo-proiagonismo que, assumido na Cristntade a pon do século XI, fata 0 desenvolvimento de uma mental dade favoravel ao que js se chamou aa primeira grande explsio stabi Na tradigio sistematizada nestes séculos. 0 demdnio & autor de uma resposta livre (€ 0 Nao servire! de Jeremias, 2.20): «em palavras de Inocéncio I, € anjo caido no por mature, mas Por vero, Sendo agente tentador,forgn & homem a optat ria condigoes que 0 obrigam a decidir. 0 que, em altima andlise, {em um sentido potencialmente postive. Assim, a existéncia do demnio reveste-se, para a humanidade, de dupla face: ele, 0 rival de Deus. translormado em inimigo do mesmo homem. constituise ~ suma contradigo ~ em criador de oportunidades de elevagio moral. ‘Talver porque tenham estado demasiado condicionados pela exise de tibiee tipica da sensibildade religiosa da Baixa dade Méita, os homens dos séculos XIV-XVI também domina- dos por este duplo significado da exiséncia do deménio, acabaram por viver subjugados pela presenga contante do espirito diabélico, Pelo menos, assim o pensavam... De qualquer modo, sem liberdade dificilmente a Histéria| ‘humana terd sentido. Pelo menos, uma Histéria onde o homem seja 0 protagonista.E, para a tradicional heranga cultural cst, ‘uma tal Hist6ra lficmente se pode afhear da presenga de umn sistema de explicagio em que o deménio tem uma posigao ful- ral. ‘iio freqentes, hoje em dia, as situagies em que, talver porque demasiado presos a uma visio dualita, eujas origens remontam as raizes do maniqueisme antigo, ou talver porque demasiado instalados na crenga ingénua no papel liertador do progresso, associamos © poder diabotico a tudo quanto, neste mundo, & desgraga, sofrimento, morte. E tudo reeusamos (demdnios e males humanos), no afd de eliminar todas as limi- lagBes ¢ todas as contrariedades. Mas esquecemo-nios de que. de acordo com a radigao erst, os efeitos diabliens s3o sobretudo ide ordem moral, e que, partanto, a desgraga, © sofrimento e a morte nio serdo forgosamente agradivets ao demdnio. Em cada cdrcunstineia, uido depende da opcio escolhida por cada tm, Principe dese mundo asin ¢ relerido ex mniiplas ones = simboliza, na realidade. a opgio pelo pecado. No dizer de 5. ‘Toms de Aquino, “quando os homens, cometendo 0 pecado, sio conduzidos a esse fim, isto ¢, 4 aversio a Deus, caem sob o regimento e governo do Diabo, ¢ este pade ser camade a sua cabeca’ ‘Neste sentido ~ para retomar as palavras inical, relat -vas a plurisignificagio, dentre as quals se inscreve a rellexao de Carlos Roberto Figueiredo Nogueira ~ 0 demdnio pexde apre sentarse como discurse multiveco ¢ acaba sempre por ser ‘entiquecedar. Porque ~ para além da multiplieidade e da diver: sidade dos dicurss demanoligs, ¢ das suas complexas genealo- ‘gas, para além da crenga (maior ou menor) na real existéndia ddo(s) diabo(s), para além dos demdnios coneretos que cada tempo escolhe para com eles degladiar e se preocupar~si reais ‘0s problemas que ele(s) levanta(m). Porque sio os problemas de fundo que aletam o homem na sua hist6ria, Ontem € hoje. as Adio da Fonseca Porto, agosto de 2000 10 INTRODUCGAO A cristianizagao da cultura européia traz consigo uma viragem decisiva para a historia do imaginério. Mesmo se tendo em conta a presenga de certas comti- nuidades importantes, a mudanga nos sistemas de representagoes mentais ¢ evidente seja na nanreca do mundo sobrenatural, seja nas relagdes do homem com seu corpo. Assistimos a construgdo de um sistema de contetidos simbélicos onde se articulam de maneira eficaz a realidade ¢ 0 imaginado , 0 mundo dos vivos ¢ 6 além-tumba, intermediados por um universo invisi- vel de seres sobrenaturais, que de uma maneita leroz- mente maniqueista, empenham-se num combate sem tréguas que s6 terminara com o Armaggedont a luta da- tada da propria Criagio, entre o Bem € © Mal, Comba: te que transborda da eslera do sagrado para pautar condutas € comportamentos cotidianos, servindo de explicagdo para a realidade © as desventuras vividas, para explicar os impulsos incontroliveis da care, ¢ para ensinar & boa eotetvidade, ao “rebanbo dos fis” ‘onde se encontram Sata € seus agentes, Pairando sobre a coletividade dos laicos, os *guardiaes do sagrado", devotam-se a pia tarefa de manipular e traduzir este imagindrio extremamente rico, na tentativa de uniformizar e aquietar as cons cigncias, mediadores que so entre a realidade € o so: brenatural, Contudo, essa mediagao esté longe de ser eficaz, pois estamos diante de uma coletividade per- meada por diversos contetidos simbilicos,, no qual 0 jstianismo preenche ~ ainda que de modo dor nante ~somente uma parcela das representagoes, L Portanto, no afa de garantir a hegemonia das crengas, a Igreja necessita detectar, divulgar e exorci- zar 0 Mal, garantindo assim, o domfnio da consciéncia coletiva, Aqui, chocam-se duas tendéncias: uma reli- giosidade que € vivida pela coletividade e entremeada ide crengas tradicionais € a tarefa da ortodoxia de ga- nhar o poder sobre as consciéncias, ¢ levar a coletivi- dade a aproximar-se e sujeltar-se ao discurso eclesids- tico, Para a ortodoxia religiosa, a imagem realmente herética, era estabelecida através do “pacto com 0 de- ménio, entendido nao tanto em sentido comtratual, ‘mas sobretudo em sentido feudal, veiculador neste sentido, da idéia de uma relagdo, nao entre duas par- tes iguais, mas de sujeigdo, da. fidetitas que © homem jurava ao Diabo, em cuja ceriménia se Ihe rendia ho- ‘magium, como 0 vassts a seu senhor*, Este mesmo pacto” demonfaco, que na opiniao dos tedlogos de fins do periodo medieval, era assimilado aos pactos entre mercadores, ambos traigoeiros ¢ furtivos, de- vendo serem desprezados pelos bons cristaos. E € pre- cisamente nese contexto de fidelidade a Sati, que va- mos encontrar os meios ¢ a possibilidade da constru- do de uma Demonolatria. © Demonio representa a oposigto fundamental, dialeticamente relacionada com 6 ethos dominante, a0 qual se opde virtualmente, freqtientemente como for- ga de rebeldia. ‘A construgio pela elite dirigente de uma mitolo- sia satdnica ao longo do Cristianismo, implicou em um monumental esforgo de reconhecimento do Ininrigo, de suas formas e possibilidades de atuagdo, em parale- Jo pia tarela de identificagio de seus agentes. ou seja, daqueles que embora inseridos no rebanho dos figs, secretamente tramavam para a sta perdigio. 12 Capitulo 1 AS ORIGENS DO ANJO 1° REBELDE A TRADICAO HEBRAICA Fendémeno de cardter essencialmente hist6ri- co, a compreensao de como se estrutura a figura do Deménio no Ocidente cristo leva-nos necessaria- mente & tradigio religiosa hebraica, responsével pela gestagio do Cristianismo. Este, como religido dominante na coletividade ocidental, reuniu, siste- matizou e determinow a figura, as atitudes € a este~ ra de agdo de nossa personagem: 0 Diabo, Foi a religiosidade hebraica que imprimiu nas consciéncias posteriores 0 arquétipo do Grande Ini- migo, constituido através de sua evolugio historic: € 05 hebreus, cuja nacio se originou das muitas 11 bos existentes na antiga Mesopotamia, foram, por- tanto, herdeiros naturais de crencas religiosas e para- religiosas estreitamente ligadas ao conjunto de mitos € préticas hieréticas existentes naquela regio. ‘A principio, os primitives hebreus nao tinham necessidade de corporificar uma entidade maligna. Para eles, jalveh era um deus tribal , como tal, supe- rior aos deuses das populagdes vizinhas, que se colo- cavam, assim como seus adversarios © como expres- ses naturais da maldade, tornando supéflua qual- quer encarnagio suplementar do Mal: Quem entre os fortes (deuses) & semethante a ti, 6 Senhor? Quem é semelhante a ti, magnifico em san- 1B tidade, terrivel e louvavel, operando prodigios? (Exodo 15:11). ‘Agora conheei que o Senhor € grande sobre todos os deuses (Pxodo 18:11). Posteriormente, essa religido tribal evoluird em diregio a um monotetsmo de carter absoluto, que sublinharé a onipoténcia a onipresenga de Deus, como 0 supremo poder do Universo e criador de todas as coisas, situagdo que conlerird as Forgas do Mal um poder insignifieante Expressando essa situagdo, a literatura do Anti- {40 Testamento pouca releréncia faz a espiritos do Mal, resultado do esforco intenso do judafsmo para manter ‘© seu monotefsmo em meio a um politeismo envol- vente, Esse estorco estava explicito na legislagio mo- saica, que, proibindo as superstigbes, impedia que as tribos de Israel se encaminhassem para a idolatria. Contudo, a nivel popular, coexistem tradigoes antiqiissimas, praticas mégicas, terrores supersticio- sos, sobrevivencias das tradigoes orais que foram en- riquecidas por novos acréscimos oriundos do conta~ to com outros povos. Essa superposigao de crengas encontra-se cla- ramente expressa na opinido que tinham os hebreus dos deuses estrangeiros, Uns, seguindo a orientagio monoteista, nao viam neles sendo {dolos vaos, sendo puras imaginagdes que buscam substituir a nogéo do verdadeiro Deus ~0 Deus de Israel. Outros, ainda pre~ sos a uma idéla tribal, assimilavam esses deuses a0s es- piritos das trevas. Esta ultima opinido, em virtude dos sucessivos conilitos ¢ invasoes da Palestina, acabou por prevalecer, € todos os deuses potencialmente adversd- rios, passaram a fazer parte integrante da corte demo- nijaca; "pois todos os deuses das nagdes sao demdnios, mas 0 Senhor é o criador dos céus* (Salmos 95:5). 14 As repetidas beligeraneias que compoem o pro- cesso de expansionismo dos povos da Antiguidade tém como tradugio, numa eslera religiosa, a assimilagia dos deuses dos inimigos a entidades maligna, pois es- tes pertencem a seus povos € atuam como representan- tes destes. Testemunho dessa situagio peculiar so as mengbes — freqiientes na Antiguidade—as guerras, no centre rels ou povos, ¢ sim entre deuses. O deus vence- dor subjugaré e se apropriaré do territério, submeten- do as divindades nele contidas. © povo vencido reagi- 14, entdo, num processo de retaliagio, colocando a res- ponsabilidade de seus males no deus vencedor. A esse carster maligno latente a posterior expulsdo do invasor agregaré uma condigfo de inferioridade ~a de divinda- de caida =, colocando-se explicitamente o antigo deus invasor como um espfrito do Mal, cuja esfera de atua- Gio retrata as desgragas anteriormente vividas. Essa situagao, entretanto, é posterior A sistema~ tizagdo de uma religido hebraica pois, se nos reportar- mos a tradigao biblica, a idéia do Mal ¢ algo indefini- do; ou seja, ele existe, mas ndo € incorporado em ‘uma determinada personagem. Como afirma A. Le! vre: "No Antigo Testamento nao se dé uma noticia clara sobre a queda do anjo".' Do mesmo modo, no salmo 95, acima citado, © nome hebreu que a versao alexandrina toma por “demonios* (daimonia) € Elo hhim, que se aplicava também ao Deus de Israel, © que prova que a assimilacio dos deuses estrangeiros aos demdnios é uma idéia posterior a redagao do salmo.’ I LEFEVRE, A. (5.J.) Angel o bestia? In: - et ali. Sa- tan; estudios sobre el adversério de Dios. Barcelona: Labot, 1975. p. 25. 2 MAURY, A. Magia e astrologia. $30 Paulo: Artenova, 1972 p. 81 15 Apesar de ndo terem uma demonologia consti tufda, os hebreus possuiam os seus rowach raha ~ espi ritos malignos, enviados por Deus como punigao. Es- ses espiritos,-contudo, nao tinham existéncia propria, traduzindo em sua caracterizagao uma preocupagio de inculear no povo hebreu, de maneira indestrutivel, a idéia de um Deus tinico, todo-poderoso, senhor do Bem € do Mal. por temor que o contato com outros [povos € as tradigGes de sua regido de origem levassem 4 adoragao de outras divindades. Os “deménios* existentes eram seres incorps- eos, destinados 3 execugio da vontade de Deus, anjos = aggelos, como foram traduzidos em grego, isto & *anunciadores*. ‘A contribuigio mais importante que © Antigo ‘Testamento trouxe para a histéria do Deménio encon- tra-se no Livro de J6. Deus esta satisfeito com seu ser- vo JG € 0 louva, mas eis que se adianta © Satan ( “hostilizar, acusar, caluniar"), um dos “filhos de isto €, um anjo, Sata se apresenta levantando suspeitas de J6 perante o Senhor: se J6 é fiel, age por interesse; assim, & necessério pd-lo a prova, pois, en- quanto a fortuna Ihe sorrir, ndo ha nenhuma vanta- gem em ser pio, Entdo, desgraca sobre desgraca cai, uma aps outra, por sobre este piedoso, convertido em alvo de todos 0s males. © Satan é, por conseguinte, a causa de todos os torments que sio enviados ao servo de Deus, mas nao tem ainda personalidade definida, como o demonstra junto ao seu nome a presenca do artigo "0" ~ 0 Satan. Mas, como a descrigao dos tormentos de J6 coloca 0 grande problema do Mal ¢ da diivida, esse poema do sofrimento contribuira para conferir a Sata a sua imor- talidade. Gradualmente, Sata passa de acusador a ten- tador, tornando-se o Diabo por exceléncia, em sua tra- dugio grega Didbolos —isto 6, aquele que leva a jufzo 16 que rapidamente se transformard na entidade do Mal, no adversario de Deus. Assim como no Satands da lite- ratura pos-biblica hebraica se representara todo o Mal, todas as tentagies (a serpente do Eden, 0 condutor dos Judeus a adoragio do bezerro de ouro), no Novo Testa- mento 0 Diabo se tornaré o simbolo de todo 0 Ma Os peusEs-DEMONIOS © momento decisivo para a formagéo de uma hierarquia demonfaca foi 0 Cativeiro de Babilinia, no século Vi a.C. Nesse perfodo, reavivam-se antigas crengas tribais que, perpetuadas 4 margem da cren- a oficial, ganham maior contetido € densidade em Contato com tradigdes mesopotamicas comuns, sis- tematizadas ¢ amplificadas em um sistema magico- religioso coerente, Os caldeus desenvolveram uma riquissima de- monologia — legides de entidades semidivinas dividi- das em cinco classes, cada uma com sete “deménios* € cada classe com seus atributos distintos, apesar de nao consistirem necessariamente em espiritos malig- nos. Suas representagdes, inferidas a partir de amu- letos encontrados, sio em geral intermediarias entre o homem e © animal. Oriundas dese fundo comum mesopotamico so as lendas do deménio do deserto ~ Azazel (azte = “forca® € El = "deus"), a0 qual se ofereciam sactificios ao mes- ‘mo tempo que a Deus (Levitica 16, 8-10) ~e as de Lilith a primeira e insubmissa mulher de Adao ¢, posterior- mente, demonio da luxtiria -, bem como as lendas que povoam de espiritos os espacos em tomno do rei Salo- mo, nas quais o grande rei aparece como seu domina~ dor, mantendo-os sob seu poder gragas a um anel e uma Corrente em que estava escrito o nome secreto de Deus, 17 Do mesmo modo, a figura do Drago, presente no Antigo Testamento sob os diferentes nomes de Ra- hab, Leviathan © Tehom Rabbah. € proveniente do mito habildnico da criagéo, simbolizando o caos primordial, e no a agio do Mal no mundo apés a criagio, com a qual seré assimilado na literatura hebraiea pis-testamentéria, © contato com os caldeus © as suas divindades fomecerd a uma tradigao preexistente e arcaica as per- sonalidades destinadas a chefiar 0 cortejo demoniaco. Entre estas, Luicfer ~ 0 astro da manbi, 0 filho da aus rora, a estrela Venus =, associado ao rei da Caldéia. Sua primeira aparig ncontra em Isafas (14:12), onde © profeta escarnece de suua queda do poder, perguntan- do: "Como caiste do céu, 6 Helle, estrela da manha?* = que a Vulgata traduz por Laver, que mane oriebaris, tor- nando Deus caido chefe das legides rebeldes, Outros contatos com povos inimigos agregario novos integrantes a uma ‘aristocracia demoniaca Belzebu (Beeizebub), o deus filisteu de Ekron Baal-Ze- boub, que sera assimilado pelos judeus da era crista a0 principe dos demdnios (arkidr tin daimonién) (Mateus 12:24, Lucas 11:15); Astaroth (Ashtoreth), a deusa lu- nar cultuada na Mesopotémia como nome de Ishtar; © Asmodleu (aes/ia deva), divindade persa da tempe tade que representa, na lenda de Salomao, o papel de rei dos demdnios e, sem apresentar um carater malig. no, converte-se no deménio da lascivia.” Durante ¢ apés 0 Cativeiro de Babilénia, os ju- deus entraram em contato com 0 masdeismo persa, influéncia determinante para a corporificagao de uma demonologia futura. A doutrina de Zoroastro basea- 3 CARUS, Paul. The history of the Devil ant the idea of Bil. New York: Lands and Press, 1974. p. 142, 18 va-se num permanente conflito dos principios gémeos, do Bem e do Mal, Spemta Mainyu (o Espirito Benfaze- jo), identificado com 0 criador Ahura Mazda, © Angra ‘Mainyw (o Espirito Destruidor): os nem nossas doutrinas, nem ‘nem nossas escolhas, nem nos n nossas consclén Nem nossas pensam nnossas forgas mental sas palavras, nem nossos a ‘das, nem nossas almas estao de acordo (Yana, 45:2) mosirando uma oposigao, mais por epeio que por matureza. Existe, portanto, na religido persa, um combate incessante, intermediado pelos *arcanjos® speita, que representa as virtudes e auxiliam a vit6ria do Bem, © 08 devas, os deuses tradicionais da relighio iraniana que, a0 optarem pelo Mal, passaram a encarnar as for- ‘sas demoniacas (0 masdeismo fornecerd © pano de fundo dualis~ ta que libertard @ Demdnio no pensamento judaico € possibilitard, através da assimilagio da crenga em es- piritos beneficos ¢ maléfces, a composigao de uma hie- rarquia angélica, transformando os anjos, anterior~ mente simbolos da manifestacio divina, em entidades auténomas. $0 Cipriano reconheceré nos anjos he- breus os génios da Pérsia, cujos nomes Ihe eram conhe- cidos através de unt liveo de magia atribuido a Ostanes A EPOCA HELEN{STICA # durante a época helenistica, que traz consigo as possibilidades de um contato mais efetivo de cren- «as € valores religiosos, que assistimos, através da jus- laposigio de nogdes religiosas bastante diversiticadas, 19 sistematizagio coerente do agente do mal, que desem- penharé por séculos um papel fundamental na cons- ‘déncia do homem europeu. ‘0s repetidos contatos da comunidade judaica pro- duzitéo uma nova demonologia vasta € complexa, que constituiré a prova indubitével de uma mudanga de perspectiva teoldgica. Do século I a.C. ao 1 d.C. desen- volverse-a uma rica literatura sobre 0 demoniaco, & margem da tradigio erudita: uma literatura apocaliptica, baseada em revelagies sobrenaturais sobre o futuro, Li- teratura, em tltima instincia, apécrifa, uma vez que seus textos sio atribuidos falsamente a grandes personagens do Antigo Testamento, como Enoch, Esdras ¢ Salomo. Essa literatura, onde a imaginago rompe as barreiras candnicas, esta repleta de citagdes relativas aos espiritos malignos que se assanham em contra- riar as obras € 08 designios do Criador do Universo. Nogio completamente estranha ao Antigo Testamen- to, mas que necessita da sua autoridade para confir- mar a sua veracidade. No Livro dos jubileus (135-105 a.C.), € mencionada a existéncia de espiritos malig- ‘nos, acorrentados no “lugar da condenagdo". Esses *deménios" provocam, em uma perspectiva rigida- mente delimitada por Deus, ruina e destruigio na Terra, mas sao igualmente os corruptores que levam 6s homens a cometer todos os pecados possiveis € imagindveis (Jubileus 10:2-11). 0 fendmeno é mais acentuado no Testamento dos doze patriarcas (109-106 a.C.). onde aparece pela pri- meira vez a mengio clara a personalizagio da figura do Deménio: Belial, chefe dos anjos caidos, coloca-se como adversério € rival de Deus e disputa a soberania 4 LEA. H.C. Materias toward a history of witcheraft New York: Thomas Yoseloff, 1957. p. 22 20 sobre os humanos, seus subordinados, incitando os homens a fornicagao, a inyeja, ao ciime, & célera, a0 assassinato ¢, principalmente, a idolattia, ou seja, & adoragio dos deuses estrangeiros: "Tu escolheris as trevas ou a luz, a lei do Senhor ou as obras de Belial?" (Testamento de Levi 19:1). Em uma perspectiva distinta, mas que converge com as tradigies do hebrafsmo tardio para tragar defi- nitivamente 0 perfil do Diabo cristo, encontramos a reforma efetuada no antigo politeismo grego pela es- cola neoplaténica, De posse de uma nogio mais depu- rada da divindade, libertaram Deus de todo um corte: jo de entes divinos, entre os quais se dispersavam e se personificavam seus diversos aiributos, substituindo 0 haturalismo alegérico por um sistema teogdnico com- pleto, Nao rompendo com a tradigio, onde repousa- vam a forga ¢ a autoridade da religido helénica, incor poraram deuses ¢ herdis, com a ajuda de uma “demo- nologia* que colocava abaixo do Ser Supremo toda ‘uma hierarquia de forgas sobrenaturais, participando em proporgbes diversas das perfeigoes divinas ¢ das fraquezas humanas, Para evitar a confusao entre Deus ¢ essas divindades inferiores, Platao € sua escola Thes reservaram 0 nome de Deménio (daimdn), palavra usa~ da anteriormente para exprimir a ago divina em ge- ral, distribuidora tanto dos bens quanto dos males. © homem, nao podendo chegar a idéia de um deus infinito e universal sendo por uma nogio vaga € incompleta, buseava os demdnios, que Ihe ofere- iam a personalidade divina sob formas humanas. Constituiam os executantes da vontade divina, en~ carregados de velar sobre os mortais ¢ levar a Deus 5 € ped Assim, assentando sobre um fundamento mais s6lido a idéia monoteista, mantiveram vivo todo um politefsmo ao qual se ligavam os cultos pra- 21 ticados € as tradigies mitolégicas. O universo neo- platnico povoa-se de legiGes de deménios, princi pios espirituais presentes em todos os agentes e fe- nomenos da Natureza. A nova escola, num esforgo de reconstruir a or- dem moral do Universo, estabelece uma hierarquia esses demdnios, distinguindo-os em bons e maus de- Onis, segundo os attibutos anteriores das divinda- des agora rebaixadas a condigio de genios secunds- ros, € adapta a essa teologia a liturgia helénica, mis- turada com titos magicos € orientais. Desse modo, as religides da Grécia, do Egito, da Fe Mesopotimia, que tendiam a confluéncia e miscige nagio durante 0 periodo helenistico, tornaram-se simples demonologias, extremamente interligadas, Af encontramas © ponto de confluéncia com a religiosidade judaica. Quando, no século It 4.C., foram traduzidos para o grego os livros sagrados, denomina- ram-se demonfacos (daimonia) os {dolos ¢ divindades pagis e alguns dos animais fantésticos que povoavam as crengas do antigo Oriente. Estabelecida uma mesma denominag3o comum, uma parte das doutrinas demo- nolégicas, incorporadas a tradicao helénica, penetrou entre os hebreus, associando-se af as tradigdes orais, inundando as crengas judias de espiritos malfazejos. £ 0 primetro momento de gléria de Sata: a sua grandiosidade, negada pelo Antigo Testamento, seré devidamente estabelecida pela literatura apécrifa posteriormente reconhecida pelos Evangelhos e pelo Apocalipse de S80 Joao, onde Satands assume lugar de principe das trevas, responsavel pela perdigio do género humano. Desenvolve-se uma distingao mais iitida entre anjos e demdnios, incorporada nos conta~ {os com os povos vizinhos, e constitui-se uma doutri- hha escatolégica, até entao ausente entre os hebreus, uma vez que a preocupagio de sobrevivéncia da na- do suplanta a preocupagio individualista de salvagio da alma no Além, impedindo uma verdadeira figura- cio do outro mundo, Presente nos sistemas religiosos vizinhos, notadamente © caldeu © 0 persa (onde a doutrina dualista acentua © prestigio do Além), qu prevéem destinos diferentes para os pecadores © 0s puros, a nogio de Inferno assume um alto grau de ela- boragio na literatura apéerifa A medida que se avizinha a era cristd, irrom- pem doutrinas de caréter escatolégico nos numerosos Apocalipses (noch, Abraao, Moisés, etc.), populari- zando a {€ na recompensa ¢ no castigo aps a morte € evidenciando uma maior incidéncia mistica, na medi- da em que se intensifica o estado emocional coletivo através das guerras, das calamidades € das privacdes. 0 Inferno € 0 vale de Hinnom ~ 0 Gehenna -, perto de Jerusalém, que se tornara trisiemente famoso pe- los sacrificios humanos ao deus Moloch, no tempo da conquista hebraica da Palestina, ¢ que foi mais tarde 0 cemitério dos justigados. Ecoam na literatura apoca- liptica hebraica as esperangas messianicas, com descr Ges ¢ impresses de viagem aos reinos do Além, vi ses didaticas ¢ edificantes que se tomarao os arqué- tipos de uma série ininterrupta que compie toda uma literatura posterior, aterrorizantemente representada pelo Apocalipse de So Joo, onde a enumeragio das terriveis desragas que se devem esperar culmina com ‘um outro sinal no eéu: um grande dragao vermelho, com sete cabegas € dex chiles, ¢ na cabega sete co: toas, [.] © grande Drago, a primitiva Serpente, cha mado Deménio ¢ Satands, 0 sedutor do mund (Apocalipse 12:3-9), visio terrificante, que vai do trdgico ao grotesco, ¢ que pressupde, em contrapartida, a promessa da recom- pensa e vitria final do Bem ¢ da Justiga. 23 24 Capitulo 2 CRISTIANISMO E DEMONOLATRIA O APVENTO DO CRISTIANISMO. © nascimento do Cristianismo inicia um longo. processo onde as tradigoes chocam.-se, interpenetram- se, amoldam-se, para repeli-lo ou para recebé-lo € re- vesti-lo de toda uma bagagem mistica que convive pa- ralelamente ao corpo doutrinario oficial. Surgem sei- tas gnésticas, as heresias se multiplicam: a magia ao lado da religido, o novo entrelagado ao antigo. O Uni- verso se transforma, 0 interesse pelas coisas supra- sensiveis aumenta, ¢ a vida real toma-se apenas uma débil_ aparéncia de uma realidade invisivel, apenas atingida ap6s o confronto entre o Bem ¢ 0 Mal, neste mundo de coisas supérfluas e passageiras. Foi nesse contexio de crengas febris ¢ atormet das que 0 Cristianismo encontrou as idéias judaicas sobre ‘© Mal, Ble nao tentou reformd-las, nem sequer recondl zir as doutrinas religiosas 2 ortodoxia hebraica, A demo- nnologia que inicia 0 seu aparecimento nos textos apécri- fos € retomada de forma ligeiramente modifica sistematizada ~ no Novo Testamento, Ao contri Yahvé no Antigo Testamento, Deus agora possui form daveis adversérios na pessoa de Sata € sua corte de de ménios. Os Evangelhos, os Atos dos Apéstolos, as Epi tolas de Paulo ¢ 0 livto do Apocalipse trazem abundan- tes alusdes a essa uta formidavel. Daqui por diante, Sata € 0 grande adverséri, endo por missio combater a reli- io que acaba de nascer e que seré no futuro © Cristia- hismo; Satd 6 0 inimigo implacivel de Jesus e seus disci 25 pulos, tramando incessantemente a ruptura da fidelida- de a0 Senhor e pando a perder os seus corpos ¢ almas. Em suma, ele encama todas os obstéculos, nao a sobre- vivéneia do povo escolhido, mas 4 possibilidade da vida eterna no Paraiso. Ultrapassando uma consciéncia nacio- nal, o Deménio, como 0 pai da desobediéncia, coloca 0 problema de modo muito mais universal: a livre op

Você também pode gostar