Você está na página 1de 8
VEM AIO _ ZE DAS MOSCAS vy ontam que um homem, meio amalucado, se queixava de sofrer de zumbidos, muitos zumbidos a volta da cabega, que 0 punham zonzo, aluado ¢ ainda mais maluco do que ele ja era. ~ Sao assim uns zumbidos bzz-bzz.... bzz-bzz, que vém e vo, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz- -bzz... bzz-bzz.... Nao entendo isto — contava ele a quem tinha tempo e paciéncia para ouvi-lo. Havia os que se condoam, havia os que se irri- tavam. Havia os que Ihe fugiam, mal, ao longe, 0 enxergavam, Verdade se diga que 0 homem nao tinha ‘outra conversa. Alguém Ihe deu de consetho que fosse ao médico. ‘As salas de espera dos consultérios esto cheias de casos destes, disseram-lhe. Uns ouyem zumbidos, outros, campainhas. Também hé os que ouvem sinos. E.08 que ouvem sirenes. E os que nao ouvem nada. Os médicos servem para isso mesmo, para escutar as queixas, classificar as doengas, ditar os tratamentos. Ele que se despachasse e fosse & consulta, porque. quase de certeza, 0 médico acharia remédio para 0 seu mal. Ele foi. = Senhor doutor, so assim uns zumbidos bzz~ -bzz... bzz-bzz, que vém ¢ Vaio, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz.... b22-b2z.. O médico mirou-o dos pés a cabega e pergun- tou-lhe: — O senhor costuma lavar a cabega? — Por dentro ou por fora? — Por fora, j4 se vé — impacientou-se 0 médico. ~ Quem diz a cabega, diz o cabelo. Porque 0 que eu vejo € que 0 senhor tem uma quantidade de moscas & volta da cachola. Para 0 seu caso, os meus estudos de nada servem. = Entéio nao tenho cura, senhor doutor? O médico encolheu os ombros. JA tinha atendido imensos doentes, outros tantos o esperavam. Sentia uma perna dormente de estar sentado hé que tempos. Saturado até mais nao! Realmente 0 médico estava pelos cabelos e j4 com tao poucos... A maneira de despedida, despachou assim o homem: — Se as moscas o atormentam, grite-Thes € enxote- -as. Passe bem. CO homem seguiu a risca 0 conselho. Quer de noite quer de dia, desesperava-se a berrar: — Zute, moscas, zute, moscas! Vao fazer bzz-bzz para outro monturo. ee pe Os vizinhos foram fazer queixa dele & policia Nao conseguiam dormir descansados. © comandante mandou chamé-lo e pregou-lhe um discurso, que era uma reprimenda de todo o tamanho. — Mas a culpa toda € das moscas ~ lastimou-se © homem, Se tem querela com as moscas, contrate um advogado e ponha uma acgao contras as supraditas no tribunal — ordenou o comandante, um ferrabrés. — E ponto final no assunto. pobre homem estava por tudo. Bateu a porta de um advogado. Senhor doutor, so assim uns zumbidos bzz- -bzz... bzz-bzz, que vém ¢ vio, passam e voltam. desandam e tornam, Bzz-bzz... bzz-bz: E que tenho eu com isso? — intrigou-se 0 advo- gado, que era novo no oficio, mas ja pesporrento, como as maiores sumidades. O homem contou donde viera, os santos de capela a que ajoelhara. — Que ideia a sua, mais a do policial que © persuadiu. Tantos anos de estudo, tantas noites mal ——" dormidas, agarrado aos cédigos, para suportar pata- coadas deste jaez. Que enfado! © doutor advogado tinha azedumes e falta de clientes. Condescendéncia, nenhuma. = Se o seu mal so moscas e mosquitos, va ao veterindrio. A bem dizer, ele é que percebe de animais. Ora, portanto, as moscas pertencem-Ihe. O homem, cada vez mais azamboado, foi ter com um doutor veterindrio, que, depois de Ihe ouvir as lamérias, 0 atendeu com maus modos: ~ Entao 0 doutorzinho passou-o para mim? Estava com 0s azeites ¢ sacudiu as moscas para cima do parceiro, como se eu também fosse da batota. Pois deixe estar que eu ja o despacho. Va ao juiz. Se tem agravos contra insectos, desagrave-se, diante do juiz. Pobre homem. De Herodes para Pilatos, de tanto aturar doutores com a mosca e maus figados, estava por metade do que fora. E os zumbidos sempre a ator- menti-lo. — Senhor doutor presidente do tribunal, as mos- cas no me deixam em paz. Sao assim uns zumbidos bzz-bzz... bz2-bzz, que vém e vao, passam e voltam, desandam e tornam, Bzz-bzz... bzz-bzz... Nio en- tendo isto. juiz riu-se. Tinha acabado de almogar, por sinal com 0 doutor advogado, © comandante de policia e 0 médico. Rico almoco. O veterindrio escusara-se 20 convivio, porque andava de candeias as avessas com 0 advogado, embora © caso ainda se componha. Mais dia menos dia, vao encontrar-se os cinco a roda da mesma mesa. Mas a nossa histéria € outra. Estamos a desviar- -nos. Onde € que nés famos? No juiz, pois claro. Dizia ele, muito prazentei — Fique 0 meu amigo sabendo que cada mos tem a sua lei. Nao ha eddigo que as venga. $6 posso aconselhii-lo a que, assim que vir uma a jeito, Ihe dé uma paulada das rijas. —E 0 senhor doutor presidente do tribunal no me manda prender por eu andar a matar moscas? — perguntou o homem, muito a medo © juiz largou uma grande risada. Que histéria mais divertida aquela, para contar, depois, no café, ao advogado, ao comandante de policia e ao médico... — Mandar prendé-lo por cagar moscas? Que ideia! = disse 0 juiz, assoando-se e enxugando as ligrimas do riso.— Passo-Ihe ja aqui uma licenga, lavrada em papel sclado, que 0 autoriza a matar todas as moscas do pais, onde quer que as veja... Garanto-Ihe que ninguém mais © incomodard. E 0 juiz redigiu, assinou e entregou 0 documento. Nisio, poisa uma mosca na careca do doutor das leis. O homem, assim que a viu, nfo esteve com meias- -medidas, Pega num pau e zas, que se faz tarde! Parece que quem ficou a ouvir zumbidos a volta da cabeca foi o tal doutor juiz. O nosso homem curou-se. E a hist6ria acaba aqui.

Você também pode gostar