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Devoção e política

Marcos José Diniz Silva*

Diz-se popularmente que “religião não se discute”. Mas, podemos perguntar:


quem fala assim e a que religião pertence? Pois parece haver certa conivência em
admitir que a maioria sempre tem razão. E, em se tratando da religião praticada pela
maioria dos brasileiros recomenda-se, para não se incorrer em sacrilégio, não questionar
nada que de bom façam a ela. Nesse sentido, merecem reflexão certas práticas políticas
de fundo eleitoreiro-turístico que têm atentado contra os sentimentos e os direitos de
muitos cearenses, no tocante à igualdade religiosa.
Recentemente tivemos a construção da imagem de São Francisco, em Canindé,
com financiamento e propaganda do governo estadual; em Fortaleza, a construção, pela
prefeitura, da imagem de Nossa Senhora da Assunção, em praça pública da Barra do
Ceará; e, nas comemorações último “13 de maio” a prefeita inaugurou, na Pio IX, a
imagem de Nossa Senhora de Fátima, financiada pelo contribuinte.
Meus respeitos aos católicos cearenses por esses eventos de devoção. Porém,
deve-se lembrar que não cabe ao poder público financiar culto religioso qualquer, nem
reservar pedaços exclusivos das praças públicas para entronização de imagens cultuais
de determinada religião.
O avanço exclusivista dos santuários, grutas e imagens das santidades do
catolicismo nas sedes dos órgãos públicos municipais, estaduais e federais, em nosso
estado ilustra, mais que a religiosidade intensa de seu povo, um atentado à igualdade
religiosa. Não são poucas as escolas públicas que têm santuários católicos. Não basta o
ensino religioso? E por que outras confissões religiosas não ousam instalar seus
oratórios e erguer suas imagens nas praças, escolas e repartições públicas? Há algo
errado em nossa igualdade religiosa!
É livre a prática pública da religiosidade, de qualquer vertente. O que deve ser
evitado é o usufruto privilegiado de determinada religião sobre os espaços públicos e
sobre as verbas públicas oriundas de todos os cidadãos. A exploração eleitoreira da
massa de fiéis representa, não apenas um retrocesso em termos ecumênicos, mas um
pecado à democracia.

(*) Professor da UECE e membro do NERPO (Núcleo de Estudos Religião, Cultura e


Política /UFC)

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