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23 22 ge | a a £3 Pay it a3 ais Midiit dau He OPS ereeW ues ‘ ada ; Ree \ Indice Prefiicio por Julia e Francis Weller............6 7 1 Dano: lar da tradigao . 18 2 Uma cangfo do espfrito .......... 28 3 O abraco da comunidade......... $5 4 Ritual: o chamado do espfrito...... 58 5 Nascimento com propésito........ 68 6 Iniciagio: aprendizado....... oo 73 7 Casamento: dois mundos unidos . . . . 79 8 Intimidade: dentro do cfrculo de cinzas . 95 9 A ilusao do romance .........+-+ 106 10 Renovag¢ao continua . . . 118 11 Conflito: dédiva do espfrito ... . . ng 12 Divéreio e perda: cortando a videira 129 13 Homossexualidade: guardiées do portio 139 Prefacio Z F uma honra e prazer oferecer este prefacio a O Espirito da Intimidade. O que Sobontu Somé tem a dizer reflete a sabedoria de muitas geragoes do povo Dagara, da Africa Ocidental. Uma conversa lirica, 0 ivro nos convida, como fazem as boas conversas, a caminhar juntos, a mergulhar profundamente ¢ fazer o circulo de volta. Extrafdo de suas entrevistas e oficinas, no curso de varios anos, permite-nos participar da arte de contar histérias, tomando um caminho circular. O livro reflete a tradigdo oral de Sobonfu. Ele nos permite um vislumbre, um mo- mento precioso de entrada no contexto tribal, que no é nada sem o espfrito ~ que no pode ser nada sem o espirito. Este livro nao tem uma teoria a provar, nada a vender, ninguém para impressionar. Sobonfir nao tenta consertar ‘0 que esté quebrado em nossos relacionamentos ¢ casa~ mentos ¢ fica longe de nossa obsessao unidimensional de mudanga comportamental. Somos convidados a um cosmo vivo e vibrante, onde as relagdes entre homens e mulheres servem ao espfrito, a comunidade e aos ancestrais. Sobonfi nos permite Iembrar que todas as questdes do coragZo sio iniciadas pelo espirito e 6 para esta fonte que nossa atengio precisa se voltar, ao considerarmos a satide bem-estar de nossos relacionamentos. Sobonfu detém, em seu corpo, em sua consciéncia ¢ % O Espirito da Incimidade em suas agbes, aquilo que muitos de nés, no Ocidente, queremos, mas nao sabemos denominar. Criada em uma aldeia tradicional Dagara, a autora foi ensinada pelos ancifios, participou do ritual de iniciagao tribal das m Theres e passou pelos anos de orientagio que se seguem a ssa iniciagio; 6 uma mulher que conhece as profundidades do sofrimento ¢ as alturas da alegria. Sua conexdo intima com a vida é tao completa, tio abundantemente rica, que ler suas palavras @ testemunhar verdades profundas, é acordar partes de nés que hé muito foram anestesiadas, Sua vistio de mundo 6, de muitas formas, vastamente diferente daquela que nos é familiar no Ocidente. Nogdes de intimidade ¢ sexualidade so, com freqiiéncia, com- pletamente inversas ao que admitimos como verdade. Nossa crenga na primazia do individuo, por exemplo, gera relacionamentos “privatizados", de nossa propriedade, cortados da comunidade e do espirito. Na vistio de mundo tribal do povo de Sobonfu, a idéia da existéncia de um relacionamento fora do contexto da aldeia e do sagrado € absurda e extremamente perigosa. Gradualmente, nos dltimos anos, aprendemos com Sobonfir que 0 casamento — a rigor, qualquer relaciona- mento ~ 6 uma didiva do espfrito; requer nossa gratidao € que estejamos abertos a ouvir a razao pela qual fomos unidos. Aprendemos que, no Ocidente, assim como na cultura de Sobonfu, 0 propésito de vida 6 central & exis= téncia, ¢ os rélacionamentos sao avenidas para sua expressto. A intimidade nfio é formulada para a conquista 8 Preficio da felicidade pessoal, mas sim para o cumprimento do propésito da pessoa, para o enriquecimento da aldeia ¢ para a expresstio do espfrito. IE um meio de oferecermos os dons que carregamos. Essas idéias sto quase heresias para nés, com nossa nogo de direitos, “da busea pela felicidade”. No entanto, no que toca a assuntos de relacionamento, de fato ha uma visio mais ampla do que imaginamos. Culturalmente, estamos em nossa adolescéncia, em relacio a intimidade. Nestas paginas, sto oferecidas janelas para uma cultura antiga, cuja sabedoria pode nos ajudar a dar o préximo asso. Uma dificuldade que os ocidentais poderfio encontrar, ao ler os pensamentos ¢ idéias de Sobonfu, & que nem sempre fo lineares ou construidas conceitualmente na diregao da conelusio, O livro 6, mais exatamente, uma conversa, refletindo a intimidade da autora com sua terra, seu povo e seus ancestrais. Nosso vicio em infermagdes nfo ser alimentado aqui. Embora 0 contetido seja novo € provocante, nfo pode ser absorvido como dados a serem inseridos em estatisticas e estratégias. Existe uma palavra em Dagara que é traduzida como “a coisa que o conhe- cimento nfo pode comer”. Grande parte do que Sobonfi compartilha nestas paginas é dificil para nossa mente logica captar ¢, por isso, nfo se torna mais um bem de consumo, As oféfendas devem ser absorvidas por outra faculdade ~ 0 corago, a alma, a intuiglo, ou como vocé quiser chamar ~ ¢ respeitadas, nutridas, incorporadas. 9 O Espirito da Incimidade O mundo tribal, do qual Sobonfu fala com autoridade, -ferece-nos uma perspectiva sobre relacionamentos que ajuda a restaurar ser contexto sagrado. A autora nos convida a uma atitude adulta nos relacionantentos — com nosso parceiro, com nossa comunidade e com o espirito. Ela nos oferece uma visio madura € nos desafia a sermos: Inais n6s mesmos. Que suas palavras saciem e, ao mesino tempo, agucem sua sede. Beba. Julia e Francis Weller Sebastopol, Culifrnia Amigos e terapeutas 40 Agradecimentos F livro nunca teria sido possivel sem a dedicagio e contribuigio inestimavel de seres e pessoas 2 minha volta, Gostaria de agradecer a todos os meus ancestrais ¢ espfritos aliados, por me guiarem e me manterem no ca- minho. Meu respeito ¢ agradecimento vio para o espfrito desta terra, por me receber e me sustentar. Minha gratidao vai para meus anciéos e meu marido, por seu apoio incondicional e colaborago. De meu coragio, agradego Bernadette Smyth, por sua devogio em transcrever os ensinamentos. A todos que me ajudaram no can vocés sabem quem inho — meus agradecimentos especiais. a Niéo tenho essa discussao sobre relacionamentos toda organizada, sistematizada, etc. Vérias imagens vim e vio, como estrelas, pequenas estrelas. Voct terd de unir essas imagens, para poder fazer alewn sentido delas. O que é importante, porém, & ver nossa compreensiio da intimidade primordialmente como uma pritica determinada pelo esptrito ou autorizada pelo espirito ¢ executada por alguém que reconkece que nio pode, por si propria, fazer acontecer aquilo a que foi convidada. I Dano: lar da radian povo Dagara é encontrado principalmente nos pafses de Gana, Costa do Marfim e Togo, na costa oeste africana. No interior desses paises, em sua fronteira norte, est Burkina Fasso, que antes se chamava Volta Superior. Em 1984, 0 governo de Volta Superior decidiu que seu nome colonial era muito complicado e escolheu um novo, que significa “a terra dos ancestrais orgulhosos" Em 1889, quando 0 conselho europeu, na Bélgica, tentou dividir esse grande continente afticano, acabou separando © povo Dagara em trés nagoes diferentes. Algumas centenas de milhares de dagaras esto em Burkina Fasso; outras centenas de milhares, em Gana; ¢ um niimero menor, na Costa do Marfim. Essa separagio ocorreu como resultado da natureza arbitréria dos poderes coloniais, que no aceitavam as comunidades tribais como nagoes. Socialmente ou em comunidade, nio somos tdo diferen- tes das comunidades tribais de outros lugares. Talvez 0 que deva ser mencionado & que nao temos as amenidades que as pessoas aqui no Ocidente tém, como eletricidade € Agua corrente. Nao moramos em casas em que nao entram baratas. Estamos muito préximos da terra e da natureza, e essa 6 2 dadiva que recebemos do lugar. 5 O Espirito da Incimidade Na aldeia, a vida é diretamente inspirada pela terra, pelas drvores, montanhas e rios. Assim, o relacionamento entre © homem e a natureza é traduzido na construgio da comunidade ¢ das relagdes entre as pessoas. @> Quando se pergunta aos dagaras de Burkina Fasso de onde eles vém, geralmente respondem que vieram da aldeia de Dano. Isso porque, apesar de haver muitas aldeias na tribo, Dano é a maior. Nao se parece nem um pouco, porém, com uma cidade de padrdes modernos. & apenas uma aldeia, cercada de outras aldeias. E. dificil saber quantas pessoas moram 14, j4 que, na Africa, nao contamos as pessoas Os habitantes das diferentes aldeias se conhecem, tendo familiares © amigos em muitas dessas outras pequenas ‘comunidades. Isso acontece por meio do casamento, da migragio e por relagbes de vizinhanga. As ruas de Dano nao tém nome. Ha um portao principal, que dé para a estrada que liga & principal rodovia a Ungadugu, capital do pais. A distincie até Uagadugu deve ser de uns trezentos quilémetros. Se vocé estiver de carro, poderd fazer a viagem em trés horas e meia, A estrada que sai da rodovia principal nio é pavimentada e tem muitos buracos, animais e pessoas atravessando. O que quer dizer que a viagem pode ser demorada, 16 Dano: lar da cradigio Os dnibus que servem essa rota param a cada quinze quildmetros, mais ou menos, para o motorista falar com alguém ou deixar alguém saltar. Ocorre que ninguém parece ter pressa, A viagem de Onibus pole levar de seis horas até o dia inteiro para chegar & capital. Isto 6, se nfo houyer algum problema mecdnico. @> A vegetagio & chamada de savana, So morros cobertos de capim, com poucas drvores mais altas que dez metros. A arvore mais alta € 0 baol que cresce muito, até 55 metros. Em alguns lugares ainda temos densas iistas de frvores como a shea, que é conhecida por seu poder de cura, A shea dé um fruto verde, delicioso; comemos a fruta e usamos a semente para fazer manteiga. A manteiga éusada pelos dagaras para cozinhar e para fins medicinais € cosméticos Se vocé jé morou, como eu, em lugares como Michigan ou até mesmo no norte da California, 0 clima em Dano nfio parece tio frio. Mas, quando morava 1é, eu achava muito frio\Depois de ter morado em um local onde a temperatura pode cair abaixo de zero, 20 graus parece bem quente. @ 7 O Espirito da Incimidade Apesar de Burkina Fasso ter trés rios relativamente grandes, na 4rea de Dano h4 apenas cérregos sazonais lagos. Essas sto as nossas fontes de 4gua potdvel. Durante a seca, cavamios posos. A estagao seca comega em novembro. € vai até meados de junho ou julho. Entio, precisamos contar com os pogos para ter agua potavel. ‘Nas estagdes mais secas, encontramos todo nfindo da aldeia reunido em torno de um pogo de 4gua, esperando © pogo encher, algumas vezes a noite toda. A raziio é por- que, nessas épocas do ano, a gua s6 vem em certas horas. Bem cedo pela manha, por exemplo, 0 nfvel da gua esté alto. Ao meio-dia, a Agua esté em seu nivel mais baixo. Temos de ir & noite para estar lé quando a 4gua voltar. Familias com criangas sao servidas primeiro, bem como as mulheres grvidas e idosos. Depois disso, os demais se server. Entdo, mesmo que se tenha esperado noite inteira, se uma familia com crianga chegar, seré servida primeiro. ‘Or Nossa economia pode ser chamada de agraria ou de subsisténcia; produzimos o alimento que precisamos para viver. No exportamos, apesar de, recentemente, o gover- no ter tentado nos estimular a isso. Para nés, esse é um conceito estranho, que ainda temos de aprender, porque plantamos a quantidade exata que precisamos e nada mais. 8 Dano: lar da tradicaéo Nossa principal forma de negociagip € a de troca, embora também usemos conchas cauri como moeda, que, além disso, servem para adivinhigdo e cura. Essas peque- nas conchas brancas foram trazidas de Gana pelo povo Dagara, h4 muito tempo, quando a tribo morava mais perto do mar. As conchas cauri sto usadas como ouro. Os paises de lingua francesa na Africa Ocidental — como Burkina Fasso, Costa do Marfim, Senegal, ete. — também usam um tipo de dinheiro chamado CFA. Para ganhar esse dinheiro, é necessério vender coisas. Se a pessoa nao tiver nada para vender, entao tem de viver sem 0 CFA, ¢ usar 0 antigo método de troca. Os dois sistemas de negociasio existem lado a lado. Plantamos muitas coisas. Por exemplo, existem trés tipos diferentes de paingo. Um deles chamado de sorgo, no Ocidente. Temos sorgo vermelho ¢ branco, ¢ um outro tipo que é chamado zig, em Dagara. Temos feijoes vermelhos, feijac-tradinho, amendoim e grandes cards africans — nao os que encontramos na América do Norte, mas cards de até um metro, que pesam de 10 a 15 quilos. E temos dois tipos diferentes de batata-doce. ‘Também criamos animais — galinha, porco, galinha- angola, cabrito e cordeiro. Criamos os animais nio 86 para comer, mas para trocar. Por exemplo, se eu tiver uma cabra e precisar de sorgo, posso trocar o animal por uma boa quantidade do grio. © 9 O Espirito da Incimidade Cagamos animais selvagens. Atualmente, porém, a caga é feita sobretudo em rituais, como iniciagdes. Nao é mais como antes, quando toda a tribo tirava um ou dois meses para cagar e voltava para casa com carne para sobreviver durante um ano. Essa mudanga vem se verificando nos diltimos dez anos, mais ou menos, por eausa de restrigées polfticas. O motivo principal 6 que o governo est tentando tomar a terra, Até 1980, a terra sempre havia sido do povo. Todavia, as pessoas nfo a consideravam sua. Elas viam a terra como se esta fosse espirito, como algo emprestado. Agora que 0 govemno esti regulamentando a terra, as pessoas tm de pagar impostos sobre ela. Durante os tempos coloniais, muitas coisas mudaram na vida dos dagaras, No entanto, questdes como estrutura fam que saem para cursar escolas nas cidades ficam completamente transformados; eles véern as coisas de forma totalmente diferente. A maior parte das aldeias que conhego, no entanto, ainda tem os mesmos costumes, ir ¢ lideranga continuam quase iguais. Os jovens com uma forma de lideranga quase medieval. ‘Nao hi um chef responsével por tudo, que dé ordens para todos seguirem. Ainda temos um sistema no qual ‘08 mais velhos supervisionam a aldeia, sem a intengao de adquirir riqueza ou poder. Entenda que, na aldeia, 0 poder € visto como algo muito perigoso, se nfio for usado corretamente. Pogtanto, todo mundo toma muito euidado com 0 uso de qualquer tipo de poder sobre os outros. 20 Dano: lar da tradigiéo © povo tribal est sofrendo uma tremenda pressio cultural, por causa do éxodo dos jovens para as cidades € a decorrente exposigdo desses jovens & midia de massa, Lenta, mas certamente, estamos vendo, com tristeza, uma redugdo gradual da populagao da aldeia e a importagio de todas essas novas idéias relativas a0 romance € & privacidade. E 0 que acontece quando os jovens vao para a cidade, @ Na Africa, pelo menos nas aldeias Dagaras, as construgdes servem principalmente para dormir, para rituais e para armazenar alimentos. A vida da aldeia, de fato, dé-se do lado de fora, Nao temos um lugar especial para trocar fraldas, por exemplo. Tudo acontece a0 ar livre. Tomanios banho no rio ¢ nos vestimos ao ar livre, banheiro é 20 ar livre; sfo usadas folhas de uma drvore préxima, Um choque cultural para os que desprezam 0 jeito antigo! © Na vida tribal, a pessoa é forcada a diminuir de ritmo, a vivenciar 0 momento e comungar com a terra e a natureza. Paciéncia é essencial. Ninguém na aldeia parece compreender o sentido da pressa. ar O Espirito da Intimidade © Na aldeia, existem aqueles que chamamos ancifios; sio eles que tomam as decisdes do povoado. Quando ha uma situagdo urgente, os ancidos se retinem e tentam decidir 0 que precisa ser feito. Nao temas polfcia ou algo parecido. Para quest0es de justica, contamos principklmente com 0 espfrito € com os ancidos. Um conselho de dez ancitos gerencia os rituais ¢ outros assuntos da aldeia. E uma espécie de comité, dentro do grupo maior de ancitios. £ preciso dizer que os ancizios nao se sentem atraidos em participar desse conselho, porque envolve muito trabalho. A pessoa trabalha para toda a comunidade, mas nio é como um politico que decide tudo. Qualquer urn pode chegar, a qualquer hora, e pedir sua ajuda, O ancido pode estar dormindo e alguém bater aa sua porta e, entio, tera de ir trabalhar. Nao tem escolha © conselho € selecionado por todos que passaram pela iniciagdo dos ancidos. Eles sto selecionados de acordo ‘com a compreensto dagara das forgas elementares que formam o universo, Temos cinco elementos diferentes: terra, 4gua, mineral, fogo e natureza. Cada um desses elementos é representado, no conselho, por uma mulher € um homem. O conselho, portanto, ¢ formado por cinco mulheres e cinco homens. @> Dano: lar da tradiefo O elemento terra é responsivel por nosso sentido de identidade, nosso pé no chi e nossa habilidade de apoiar ¢ nutrir uns aos outros. Agua & paz, concentragio, sabedoria e reconciliagio. Mineral ajuda-nos a lembrar nosso propésito e nos dé os meios para nos comunicar e compreender 0 que os outros esto dizendo. Fogo relaciona-se com sonhar, manter nossa conexdo ‘com o ser € 0s ancestrais e manter nossa visto viva Natureza nos ajuda a ser 0 nosso verdadeiro ser, a assar por importantes mudangas e situagdes que amea~ gam a vida. Traz magica e riso. @ Quando um membro do conselho de ancidios morre, todos os ancidos iniciados retinem-se para selecionar um substituto. Por exemplo, se fica faltando uma mulher ‘gua, uma nova é selecionada para o conselho. Na verdade, € preciso fazer muito Jobby para encontrar outro ancito, por causa da natureza delicada do trabalho e porque nio € um servigo de nove as cinco, perfodo apés o qual cessam as obrigagbes ¢ se pode ficar tranquilo. @- A familia, na Africa, é sempre ampla. A pessoa nunca se refere ao seu primo como “primo”, porque isso seria a O Espirito da Intimidade tum insulto, Entio, ela chama seus primos de irmfos inmis, Seus sobrinhos, de filhos. Seus tios, de pais. Suas tias, de m&es, O marido da irma é seu marido, ¢ a mulher de seu irmao é sua mulher. As criangas também sto estimuladas chamar outras pessoas de fora da famflia de mAes e pais, irmas e irmAos. @ Na ldeia, as grandes familias vivem juntas, As mulheres dormem em um lado da casa e os homens, do outro. AAs criancas podem dormir onde quiserem. Nao sofrem restrig6es, até atingirem a adolescéncia. Elas podem dormir com as mulheres hoje, passar amanha para 0 setor dos homens, ou dormir com os avés, ete. @ Esse conoeito de grande familia realmente ajuda muito. Lembro-me de quando era crianga: podia escolher um pai diferente todos os dias, dependendo do meu humor. Assim, se eu quisesse que um dos meus tios fosse meu pai naquele dia, concentrava toda minha atengfo naquela pessoa e ignorava as outras, E ninguém tomava isso como uma ofensa pessoal; antes, consideravam isso como uma oportunidade para eu decidir © que queria. Essa prdtica também permite que um grande ntimero de pessoas na aldeia conhega a crianga e veja seu espfrito, 24 2 = Uma cangao do espirito intimidade, em termos gerais, © uma cangio do espfrito, que convida duas pessoas a compartilharem seu espfrito. & uma cangio que ninguém pode resistir. Acordados ou dormindo, em comunidade ou sozinhos, ouvimos a cangao. Nao conseguimos ignoré-la, “> Quer admitamos ou nfo, existe uma dimensto espiritual em todos os relacionamentos, independen- temente de sua origem. Duas pessoas unemse porque 0 espfrito as quer juntas. Assim, ¢ importante ver 0 relacionamento como algo movido pelo espirito, € nfo pelo individuo. © O papel do espfrito é 0 de guia que orienta nossos relacionamentos para 0 bem. Seu propésito é nos ajudar a ser pessoas melhores, a nos unir de forma a manter nossa conexfo no apenas com nés mesmos, mas tambéx com o além. O espfrito nos ajuda a realizar © propésito de nossa propria vida e a manter nossa sanidade. © 25 O Espirito da Incimidade Quando povos tribais falam de espirito, esto, basicamente, referindo-se a forga vital que ha em tudo, Podemos, por exemplo, citar o espirito de um animal, ou seja, a forga vital daquele animal que nos ajuda a realizar © propésito de nossa vida e a manter nossa conexfo com © mundo espiritual. O espirito do ser humano é igual. Em nossa tradiglo, cada um de nés é visto como espirito que tomou forma humana, para desempenhar um propésito. Espirito € a energia que nos ajuda a nos unir, que nos ajuda a ver além de nossos parametros racialmente limitados. ‘Também nos ajuda nos rituais e na conexZo com nossos ancestrais Os ancestrais também sio chamados de espiritos. O espirito de um ancestral tem a capacidade de ver ndo s6 © mundo invisivel do espirito, mas também este mundo, Assim, serve como nossos olhos dos dois lados. £ esse poder dos ancestrais que nos ajuda a direcionar nossa vida e evitar os abismos. Espiritos ancestrais podem ver 0 futuro, 0 passado presente, Eles véem dentro e fora de nés. Sua visio cruza dimensdes. Eles tém a sorte de nao ter corpos fisicos como nés. Sem a limitagdo do corpo, eles tém a fluider de um olho que pode se voltar para varias diregBes ver de muitas formas @ 26 Uma cangio do espirito Existem muitos espfritos diferentes, na Africa, Cada um deles tem um papel especifico, ou uma caracteristica especifica, que pode nos ajudar. O espirito da terra, por exemplo, € responsavel por nossa identidade, nosso conforto, nossa alimentagdo, ¢ assim por diante, Existe ainda o espfrito da natureza, 0 espirito do rio, 0 esptrito da montanha, o espfrito dos animais, da égua ¢ dos ancestrais. Espirito est4 em toda parte. © ‘Tal mundo espiritual envolve e afeta absolutamente a todos no mundo. Sem o espirito, nunca terfamos chegado aqui. Sem espirito, fica realmente dificil saber se vamos acordar vivos amanhd; fica realmente difleil saber que temos vida. @® Quem vive no Ocidente pode comegar a fortalecer seus relacionamentos intimos mantendo sua conexdo com © espfrito. Pode-se fazer isso por meio de preces e pela conexo com a terra, com 0 fogo, minerais e montanhas € pela associagdo com forgas naturais, com caminhadas na natureza, por exemplo, Quando passamos algum tempo na natureza e nos afastamos da rotina mundana, aquela parte de nés que ouve os seres naturais encontra 7 O Espirieo da Intimidade permissio para ouvir, e podemos encontrar nossa conexto com os espfritos. E muito facil nos perdermos na vida mundana e esquecermos da conexio com o espfrito. No entanto, sem essa conexio, somos praticamente mortos-vivos. Também podemos fortalecer nossa conexio com 0 espirito por meio de rituais, Vérios rituais nos ajudam a curar feridas especificas e nos abrem para o chamado do espirito. @ Quando falamos sobre conexdo com os’ esptritos de ancestrais, muitas pessoas entendem que nos referimos a nossos ancestrais diretos. Mas isso seria dificil. Freqilentemente, nem conhecemos nossos avés. Existe um conjunto de ancestrais ~ nao precisa ser uma pessoa ou espirito que conhecemos ou que imaginamos, Pode ser uma drvore li fora. Pode ser uma vaca, nosso clo ou gato, em casa, O tataravd, que morreu hé muitas geragSes, pode ter se unido ao conjunto de espfritos, e o tataraneto nem consegue identificé-lo. E possfvel que seja o riacho correndo ao longe. Portanto, o que importa é compreender que qualquer pessoa que perdeu o corpo fisico € um potencial ancestral. Voc atrairé muitos espfritos se simplesmente expressar seu anseio pelo apoio dos ancestra 28 Uma cangio do espttito Quando voc® comega um ritual no qual precisa do apoio dos ancestrais, pode se dirigir a eles simplesmente como espfritos ou ancestrais. Talvez. possa até dizer: “os que eu conhego e os que eu nfo conheso e os que me conhecem melhor do que eu mesmo”, Assim, estard em contato com o poder ancestral e nfio ter4 dtividas se, no conjunto de ancestrais, existe um espirito ¢ voct possa se identificar. @® As vezes, acreditamos que a confuso que vivenciamos em nosso dia-a-dia acontece isoladamente. Na realidade, tem algo a ver com a falta de conexio com nossos ancestrais. A idéia de cura dos ancestrais pode ser de ajuda, em um contexto como este. Para o pov Dagara, © luto é uma forma de fazer uma ponte entre nés € nossos ancestrais, Um ritual de luto pode ajudar a pessoa a soltar a raiva e a tristeza com a morte de um parente e levar seu espirito & terra dos ancestrais, onde poder ser titipara nés. Alimentando nossos ancestrais regularmente, podemos renovar nossos lagos com eles. @ Em um relacionamento existe uma tendéncia natural, de os espiritos de ambas as pessoas se unirem. Quando dois espiritos conseguem, de fato, comungar 29 O Espirito da Incimidade profindamente, sem interferéncia da mente, as pessoas formam uma ligacio muito forte, sincera e amorosa. Quando nao levamos em conta o espirito, deixamos 0 ego tomar conta dos problemas de relacionamento ou simplesmente escondemos nossos problemas, para nos sentir bem. Como resultado, podemos achar que estamos controlando tanto a nés mesmos quanto os nossos rela~ cionamentos, mas, na verdade, nao estamos —-como descobriremos, quando as coisas comegarem a desmoronar, @ Quauwio win relacionamento intimo é tirado de seu context: espiritual, fica exposto a muitos perigos. Uma desconexio profunda é criada, nfo s6 no plano espiritual, mas também no plano pessoal Pessoas envolvidas em um relacionamento puramente sexual, por exemplo, carregam dentro de si um gigantesco huvaco energético, de magoas da tenra infincia, que as isola completamente de seu verdadeiro ser. Sua esperanca € que a pessoa com quem estio envolvidas possa Thes dar a conextio que anseiam. Freqientemente, clas também no esto conectadas com o ser. Assim, temos duas pessoas desconectadas tanto no nivel espiritual quanto no nfvel pessoal, © relacionamento nao tem qualquer tipo dc forga que Ihe dé findamento ou solidez, © jo Una cangi0 do espirito Na Africa Ocidental, as, criangas que, foram para as cidades jé esto distanciadas da vida didria conectada a0 espfrito, Tal fato ocorre porque vivem distantes da aldeia, Quando vio para a escola, no aprendem a respeito do espirito, nem trabalham sua conexio com cle. Nao aprendem a respeito de suas tradig6es. Vio para as escolas para aprender coisas que néo tém base no espirito e para esquecer a forma tradicional de viver. ©: Os primeiros dagaras que foram estudar nas cidades € sofreram a influéncia dos colonizadores franceses voltaram sentindo vergonha de seus pais ¢ do estilo de vida tradicional. Alguns ficaram nas cidades e passaram vinte anos se por os pés novamente na aldeia. Essas pessoas s6 se voltam para o espfrito quando sua estd em jogo. Se esto tendo problemas com 0 emprego, se alguém as est4 ameacando de morte, se querem ficar no poder, se estdo doentes, ento procuram a ajuda dos ancitios ¢ dos curandeiros. Mas, até Ié, ficam completa mente desconectadas com o espirito. E preciso entender a mente dessas pessoas que foram para escola. Poucas saem de ld ainda conectadas com 0 espfrito. @- an O Espirico da Incimidade Vejo tantos relacionamentos romanticos no Ocidente movidos pelo ego e pelo controle. As pessoas precisam comegar a ver que o espirito est por tras de sua unio, ¢ por 0 ego © 0 controle de lado, para trazer satide a0 relacionamento. @® Se voo# esté lendo este livro, diria que, ao menos, nfo apagou o espfrito completamente de sua existéncia, Significa que ainda h4 um ouvido escutando. O espfrito ainda est trabalhando. As pessoas que ainda tém esse canal aberto com o espfrito interior, tém algo, como uma forca magnética, que as puxa. ‘A primeira coisa a fazer € dizer: “ouvi sua voz, espirito, ‘Talver ainda nfo saiba o que fazer, mas sei que acabo de ouvielo”. Dai para frente, é preciso comegar a entregar 0 controle e o ego presente em seus relacionamentos; trazer © espirito & tona, tiré-lo do canto escure, onde tem sido inti. Se as partes envolvidas conseguirem comegar a se abrir para o espfrito desta forma, o relacionamento come- ‘ard a evoluir para 0 que realmente deveria ser. O relacio- namento fluird a partir do reconhecimento que o espirito, e nfo o ego, 60 principal guia, seja em um relacionamento amoroso, um relacionamento de familia ou de amizade. > aa Uma cangio do espirto Este nao é 0 tipo de livro que diz: com seu marido, lela a pagina 100 ou a pagina 800, € tudo ficaré bem. E muito fiicil as pessoas cafrem, de novo, na armadilha do controle, quando estio sendo alimentadas com “faga isso, faga aquilo”. & muito ficil “se voce bvivou voltarem para aquele estado controlador, em vez de reconhecerem que os relacionamentos sio baseados no espfrito. © que precisamos dizer é: “esta bem, esptrito, finalmente 0 ouvi. Agora, qual € 0 préximo paso?” @ A separacio do espfrito, como vemos aqui no Ocidente, tem como conseqiléncia fazer as pessoas darem uma importincia desmedida ao amor romntico. Essa separagio cria um forte desejo por outra pessoa, faz ansiar por uma forma de conexao. O amor romantico, porém, € apenas uma forma de descobrir essa outra conexdo, que 6a do espfrito, aquela que de fato estamos procurando, @ A unio de dois esptritos dé luz a um novo espirito, Podemos chamé-lo de espirito do relacionamento ou espiri- to da intimidade. Ele é muito importante, porque age como barémetro do relacionamento ¢ deve ser nutrido e mantido vivo. Se esse espfrito morre, o relacionamento more. B O Espirive da Incimidade Na aldeia, sto executados rituais para esse espfrito. ‘Uma vez por ano é feito um ritual para corrigir 0 que quer que tenha sucedido com esse espfrito, para trazé-lo de volta A vida, se tiver havido desconexto. Gosto de chamar esse ritual de unido de duas almas. As pessoas no Ocidente talvez ndo gostem disso, mas tal ritual envolve sacrificio animal. © Precisamos tentar néo educar nossas criangas longe do espirito, para que elas no tenham de despender tanto esforgo para se reconectar, quando crescerem. Quando {4 sabem que tém um espftito, todo o resto € compreen~ dido, Essa compreensio torna a vida mais fécil para elas. £ assim que se tem sucesso como pai e mie: adi que existe um espfrito poderoso presente, que deve ser honrado, em ver de desprezado. Também é assim que se tem sucesso nos relacionamentos. ja 3 O abraco da comunidade A comunidade € 0 espfrito, a luz-guia da tribo; é onde pessoas se retinem para realizar um objetivo especifico, para ajudar os outros a realizarem seu propésito ¢ para cuidar umas das outras. O objetivo da comunidade € assegurar que cada membro seja ouvido € consiga contribuir com os dons que trouxe ao mundo, da forma apropriada, Sem essa doacZo, a comunidade morre. E, sem a comunidade, o individuo fica sem um espago para contri- buir, A comunidade é uma base na qual as pessoas vio compartilhar seus dons e recebem as didivas dos outros. © Quando voce nao tem uma comunidade, néo ¢ ouvido; no tem um lugar em que possa ir e sentir que realmente pertence a ele; nfio tem pessoas para afirmar quem voct & e ajudé-lo a expressar seus dons. Essa caréncia enfraquece a psique, tornando a pessoa vulnerdvel ao consumnismo ¢ a todas as coisas que o acompanham. Além disso, a falta de comunidade deixa muitas pessoas com maravilhosas contribuigdes a fazer sem ter onde desaguar seus dons, sem saber onde pé-los. Quando néio descarregamos nossos dons, vivenciamos um bloqucio interior que nos afeta espiritual, mental e fisicamente, de coe O Espirito da Incimidade uitas formas diferentes, Ficamos sem ter um lugar para ir, quando temos necessidade de ser vistos. ©: Um dos princfpios do conceito dagara de relacionamento & que este nfio ¢ um assunto privado. Quando falamos sobre “nosso relacionamento”, na aldeia, a palavra “nosso” nao é limitada a dois. E por isso que achamos dificil viver um relacionamento em uma cultura moderna, que nfo tem verdadeira comunidade. Na austncia de comunidade, duas pessoas sto forgadas a dizer “este relacionamento é nosso”, quando, na verdade, a comunidade € que deveria estar dizendo isso. © ‘A auséncia de uma verdadeira comunidade deixa o casal totalmente responsivel por sie pelas coisas & sua volta, Assim, a possibilidade de atender suas necessidades fica reduzida, O relacionamento acaba se tornando a comunidade da pessoa. Quando nfo consegue preencher esse papel ~ 0 de constituir-se uma comunidade -, os individuos comegam a se sentir fracassados, Afeta a psique to dramaticamente que eles se sentem sem lugar. Aquilo que pensaram ger seu grupo de apoio, sua parceria, no consegue satisfazer suas necessidades, 36 Oabrago da comumidade @& E muito estranho ver duas pessoas como uma comunidade. Onde esto todos? Na minha primeira visita de volta aldeia, depois de mudar-me para os Estados Unidos, disse 2 minha mae que Malidoma e eu mordvamos sozinhos em uma casa. Ela achou que eu era a pessoa mais louca que conhecera; para ela, viver assim era inconcebfvel. Significa que nfo h4 nenhum tipo de energia externa para sustentar e fortalecer nosso relacionamento e que temos de resolver as coisas sozinhos, © que 6 absolutamente impossivel Sabe, € dificil uma ‘inica pessoa ter uma visto ampla. Com duas, pode-se ver um pouco mais longe. Mas se vocé tem todo um grupo de pessoas em sua volta, que de fato se preocupa com voct e diz: “voct esta fazendo a coisa certal Queremos sua companhia! Mostre-nos seus dons'", isso o ajuda a preencher seu propésito. Mesmo as pessoas mais teimosas superarfio sua teimosia, para trabalhar no propésito de sua vida. Mas pedir isso de uma comunidade constituida de apenas duas pessoas, on mesmo da familia direta, é exigir demeis @ Em meu préprio casamento, envolvo o méximo de pessoas possfvel no relacionamento. Procuramos, também, 7 O Espirito da Intimidade sempre que possfvel, voltar para casa, isto é, viajar para nossa ii sa, Como envolvemos as pessoas? Monitoramos o relacionamento constantemente ¢ por meio de rituais, criamos uma comunidade que nos dé 0 apoio que precisamos. [sso nos alimenta, para que prossigamos com © trabalho que estamos fazendo aqui. Quando ha desentendimentos em meu casamento, chamo essa comunidade. Sem sua ajuda, talvez 0 fogo de nossa relagdo jd estivesse extinto. © Aqui no Ocidente, talvez nunca tenhamos 0 tipo de comunidade que tinhamos na Africa. No entanto, podemos 20 menos ter uma nogio dela, permitindo que os amigos participem de nossa vida. Quinze minutos de comunicagao com os outros podem ajudar de forma profunda a compensar a falta de comunidade. © Amigos ¢ familia provéem um recipiente, um lugar seguro no qual a pessoa possa buscar apoio, caso precise de ajuda com um ritual, de alguém para Ihe dar um abrago, de conversar com alguém ou ter uma perspectiva diferente sobre algum assunto. 38 Oabrago da comunidade Voce pode fazer 0 que quiser com 0 conselho que receber. Mesmo assim, trazer o espirito de outras pessoas para sua vida é bom; dé-Ihe muitos outros olhos para ver ajuda a superar limitagbes. Algumas vezes, voce pode estar espiritualmente cego em relagio a alguma coisa, ¢ um amigo pode estar consciente dessa coisa. Se voc nao se estender aos amigos e familiares, sua realidade poderd ficar bastante limitada. Com a colaborasfo das pessoas, ela se expande. © Por outro lado, amigos e familiares também podem roubar a paz. dos relacionamentos intimos. A béngto da famflia é muito importante no que tange a intimidade. No entanto, se existem questées nfo resolvidas na fantlia, esse fato pode afetar a vida da pessoa e, até mesmo, 0 espaco {ntimo com outros. © Quando os casais nfio so abengoados pela comunidade, na maioria das veres cria-se um vacuo que as pessoas tém de se empenhar muito para compensar ou curar. Muitas pessoas divorciam-se simplesmente por causa da pressfio da comunidade, da familia ou de amigos que nio apoiavam o casamento ou nfo tinham uma compreensio espiritual da relagao. Br O Espirito da Intimidade & dificil que um relacionamento sobreviva sem esse apoio. Algumas pessoas ficam juntas, mas pagam um prego. Por exemplo, a quem uma pesson poderd recorrer, se estiver em uma relagio e precisar de amigos ou familiares para fazer um ritual, ou simplesmente para ouvi-la, € nao tiver acesso a eles? Terapia 6 bom, mas tem seus limites. £ realmente dificil para os terapeutas compensarem por todas essas coisas. Quando voc# nZo tem uma comunidade de amigos e familiares envolvidos em um relacionamento, baseia todas as suas expectativas de intimidade em seu casamento. O que é realmente dificil: é exigir demais de qualquer relacionamento. F claro, seu parceiro é seu amigo e sua farnflia, mas receber tudo dele ¢ absolutamente impossivel, @ Quando as pessoas envolvem seus amigos e familiares em sua vida, elas podem fazer a intimidade funcionar. Mas em geral as pessoas acham que esses assuntos sto muito fntimos e que nfo devem expd-los aos outros. Man- ter tudo privado geralmente mata um relacionamento. @ A maior parte das vezes, nossas crises no sto com- plicadas. Quando as mantemos escondidas, elas vio 40 Oabrago da conumidade crescendo a cada dia, e depois comegam anos estrangular. Entéo, precisamos estar abertos a outras pessoas, para que nossos relacionamentos funcionem. Observo que muitas pessoas que participam de grupos de apoio conseguem pér de lado o medo de falar com os outros sobre seus problemas ¢ acho isso bom. Sempre haver problemas nos relacionamentos. Deixar o medo de compartilha-los ameagar seu futuro é ridiculo. @ Aqueles que moram no Ocidente podem criar uma nogio de comunidade em sua cidade, Podem fazer isso apoiando, constantemente, uns aos outros. Cada um de nés precisa de algo para se segurar. E por isso que existem todas essas pequenas comunidades aqui ¢ acolé ~ grupos de voluntirios em questies sociais, grupos de apoio e todos esses pequenos grupos que perseguem um objetivo ‘comum, Bio tentativas de recriar uma comunidade maior, que existia é foi destruida. A Gnica diferenga € que a maior parte dessas ‘comunidades nao se concentra no espfrito. Elas tendem a deixar o espirito de fora de sua atividade, o que é um erro. E uma forma de dizer que estio no comando”, quando, de fato, a verdadeira comunidade deve ser baseacla no espirito, O espirito deve sempre ser todos em uma comunidade. ider © guia de 4a O Espinito da Intimidade © A pessoa pode argumentar que, no Ocidente, as igrejas em tal comunidade. Talvez fosse 0 caso, se as igrejas dessem poder aos individuos. Entéo estarfamos mais perto do tipo de comunidade que estamos falando, a das aldcias. Mas as pessoas nfo vo a igreja para reafirmar que 0 espirito est dentro delas e que todos io diretamente conectados a0 espirito. Voc? nao endontra uma igreja em que todos dio a eucaristia uns aos outros. @: Talvez seja diffeil, para quem sempre morou no Ocidente, ver tudo aquilo que possui como pertencente a toda a comunidade, mas este é 0 caso na aldeia. Como resultado, cada pessoa na aldeia contribui para © bem- estar dos outros. Quando vocé tem um filho, por exemplo, nfo € s6 seu, é filho da comunidade. Do nascimento em diante, a mae nao 6 a dinica responsavel pela crianga. Qualquer outra pessoa pode alimentar e cuidar da crianga. Se outra mulher tiver um beba, ela pode dar de mamar a qualquer ctianga. Nao hé 0 menor problema. Algumas vezes, quando uma mie quer ver seu filho, ela nao consegue, porque muitas pessoas esto cuidando dele: Lembro-me de que costumava pregar uma pega nas a Oabraco da comunidade minhas irmas. Eu pegava seus filhos ¢ desaparecia com eles por um bom tempo. Minhas irmas ficavam pensando onde estariam seus filhos, mas sabiam que estavam segures. © Quando vocé se casa, nesse tipo de sociedade, nao é 86 voo# que se casa, é toda a tribo. Todas as pessoas daquela tribo, daquela aldeia ¢ da familia vio se casar naquele dia. Vocé é a pessoa que Ihes dé a oportunidade para isso. Assim, na aldeia, as pessoas dizem que vio se casar tal dia, embora seja o casamento de outra pessoa, © Se uma crianga cresce achando que sua mfle ¢ seu pai sfo sua tinica comunidadé, quando tem um problema ¢ 0s pais nao conseguem resolvé-lo, ela nfo tem ninguém a quem recorrer. Os pais sto os tinicos responséveis pelo que aquela crianga se toma, e isso é pedir demais de apenas duas pessoas. Pior ainda: muitas vezes, uma tnica pessoa é deixada com os filhos. Dar @ crianga um sentido maior de comunidade aju- daca a ndo depender de apenas um adulto. Assim, a erianga pode procurar uma pessoa de sua escolha, Se essa pessoa no resolver seu problema, ela pode procurar outra. ag O Espirito da Intimidade @& Como seres humanos, somos limitados quanto ao que podemos fazer ou dar. Assim, ao educar criangas, precisamos, definitivamente, do apoio de outras pessoas. ¥ como dizemos: “é preciso toda uma aldeia para manter os pais sos". Quando os casais tém filhos, sem uma comunidade de apoio, niio tém muito tempo para resolver os problemas que vo surgindo entre eles. Desse modo, as coisas vio se acumulando e, quando os filhos vo embora, de repente, dao-se conta de que existe uma montanha de coisas que nfo foram trabalhadas durante anos. Assim, eles comegam a cayar a montanha de problemas, e quando n&o conseguem resolvé-los, ja sabemos 0 que fazem: vio embora, sem dizer adeus. Muitos caszis divorciam-se depois que os filhos saem de casa. Acho que uma das principais causas disso 6 a auséncia do apoio da comunidade na educaglo das criangas. @ Como podemos progredir em directo de uma estrutura familiar ou de um relacionamento mais stos? O fator principal, a meu ver, é a comunidade ~ construir comuni- dadles em que se possa confiar uns nos outros, em que se 44 O abrago da comuidade possa ajudar uma mie que esti chorando, porque seu filho est4 chorando e ela ndo sabe o que fazer. ‘Na aldeia, quando acordamos pela manhé, a primeira coisa que fazemos é sair de casa. Aqui, certo dia, fiquei sentada dentro de casa 0 dia inteiro, Ocorreu-n que aquela era a primeira vez na minha vida que tinha feito isso, exceto quando estive doente. Levantar pela manha e ndo estar Id fora com as pessoas € absolutamente inconcebivel para alguém da aldeia. Quando vocé passa o dia todo dentro de casa significa que alguma coisa nfo est bem, e as pessoas ficam preocupadas com vocé. Portanto, podemos comegar a expandir nossa comunidade saindo de casa, conversando com os vizinhos nos ajudando mutuamente. ‘So pequenos passos como esses. E como dizemos: se voce tem um bebé, nfo vai se desfazer dele porque é pequeno, Continua cuidando dele, sabendo que, um dia, vai crescer. Esse é o tipo de coisa que podemos fazer ~ nutrir myitos pequenos relacionamentos para que, um dia, a comunidade possa se beneficiar. © Na aldeia, as pessoas n&o conseguem acreditar que Malidoma ¢ eu moramos sozinhos em uma casa, £ inconcebivel. Elas se perguntam por que temos uma casa inteira, especialmente quando digo que é realmente S O Espirito da Incimidade grande, comparada com as casas que temos na aldeia. Disse @ minha mae que minha casa é enorme. Ela, simplesmente, abanou a cabega e perguntou: “mas para que isso?” Expliquei a ela que, no Ocidente, todo mundo tem seu préprio lugar, e que nao ha uma aldeia para se viver. Onde moramos nao temos familiares. Disse a ela: “vood nao gostaria de vir morar comigo?” Ela respondeu: “nao, Nao nessas condigdes”. @ £ uma coisa dificil para o povo tribal conceber uma vida sem uma comunidade, assim como é dificil para a maior parte dos ocidentais imaginarem a vida em comunidade. © Para criar uma comunidade que funcione, é preciso observar cuidadosamente alguns dos seus fandamentos: cespirito, criangas, ancidos, responsabilidade, generosidade, niga, ancestrais e ritual, Esses elementos formam a base de uma comunidade. Nao é preciso comegar com muita gente. Preferiria um circulo de poucos bons amigos a me perder em uma multidao de pessoas, as quais ndo ligam umas para as outras. © 46 O abrazo da comunidade A intimidade, atragdo natural entre dois seres humanos, € algo movido pelo espirito, segundo os ancizos. O espirito tune as pessoas para dar-lhes a oportunidade de crescerem juntas. Esse crescimento é diretamente conectado com as dadivas que as duas pessoas podergo dar a aldeia. E por isso que, quando um casal esté em apuros, toda a aldeia esta em apuros. Os aldedes envolver-se-to e estudarao os problemas do casal, para garantir que sejam resolvidos, pois é de seu préprio interesse. Por conseguinte, 0 apoio da comunidade nao é inteiramente altrufsta. As pessoas nio ‘vém necessariamente ajudar o casal. Esto vindo ajudar asi mesmas. Se um casal est com problemas, é provavel que as pessoas & sua volta sejam afetadas e, conseqden- temente, néo recebam aquilo que precisam. @ Quando comegamos a sentir um problema, pensamos que ele pertence apenas as duas pessoas envolvidas. Esquecemos que o espirito esti ld. Tendemos a esquecer que temos aliados que podem nos dar forga. Esquecemos de pedir ajuda aos amigos ou familiares Na aldeia, é mais facil, porque todas as manhis, quando acordamos, alguém pergunta: “vocé ouviu alguma coisa doce ontem a noite?” Se vocé ficar em silénci responder que no, @ pessoa ficaré preocupada, porque sabe que algo estd errado. Se voc? nfo ouviu nada de w

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