Você está na página 1de 5

Experimento de Franck-Hertz

Caique Conde Rodrigues (145580) e Maíra Dombroski Neme (147141)


c145580@dac.unicamp.br e m147141@dac.unicamp.br
Instituto de Física "Gleb Wataghin" - UNICAMP

4 de novembro de 2017
Resumo

Estudamos neste relatório o famoso experimento de Franck-Hertz. Foi possível verificar que os átomos
de mercúrio absorvem energia em múltiplos de aproximadamente 4, 93[eV ] apenas analisando gráficos
de corrente por tensão para temperaturas e tensões de desacelerações específicas.

I. Introdução Conforme os elétrons são acelerados até a grade, eles


colidem com os átomos de mercúrio. Se a energia dos
James Franck and Gustav Hertz apresentaram, em 1914, elétrons for menor que 4.9eV, estes colidem com um
um experimento que demonstrava a natureza quântica átomo de mercúrio elasticamente, praticamente não per-
dos átomos. O experimento consistiu de um tubo eva- dendo nenhuma energia pois me << m Hg , como será
cuado com vapor de mercúrio dentro. Foi observado demonstrado no final do relatório. Caso a energia do
que, em baixas energias, as colisões elétron-átomo de elétron seja de pelo menos 4.9eV, a colisão é inelástica e
mercúrio não tinham transferência de energia (colisões o elétron tem energia para excitar o átomo de mercúrio.
elásticas) porém, em energias mais altas, as colisões Enquanto este potencial não é atingido a corrente é
eram inelásticas e transferiam energia em múltiplos uma função monotonicamente crescente com o poten-
de 4, 9eV, demonstrando que os átomos podem ape- cial aplicado. Porém, após a colisão em V ≈ 4, 9eV, o
nas absorver/emitir quantidades específicas de energia elétron perde velocidade e não consegue atingir a placa
comprovando, assim, o modelo atômico de Bohr. Este coletora, diminuindo a intensidade da corrente. [2]
experimento rendeu o Prêmio Nobel de física de 1925. Caso continuemos aumentando o potencial da grade,
os elétrons agora ganham energia suficiente para não
II. Detalhes Experimentais apenas excitar o átomo de mercúrio como também para
continuar seguindo até o ânodo após a colisão. O fenô-
Um filamento metálico aquece uma placa metálica (cá- meno se repete até que os elétrons consigam energia
todo) que, por emissão termiônica, emite elétrons com suficiente para excitar um novo estado do átomo de
pouca energia cinética. Esses elétrons são acelerados mercúrio, em V ≈ 9, 8eV. Uma ilustração deste fenô-
por uma diferença de potencial através de um vapor de meno periódico está ilustrado na Figura 2
mercúrio, como mostrado na Figura 1.

Figura 1: Experimento de Franck-Hertz. Fonte: Wikipédia [1].

Figura 2: Curva corrente por voltagem. Fonte: Wikipédia [1].

1
Grupo 3 (Verde) • F - 740 B • Prof. R. Urbano

i. Transições entre níveis de energia do mer- ii. Livre caminho médio


cúrio
Outro fator importante para a nossa análise é a pro-
O átomo de mercúrio tem 80 elétrons sendo que, para babilidade de interação de um elétron com um átomo
um átomo no estado fundamental, as camadas K, L, de mercúrio. Como estamos interessados em medir
M e N estão preenchidas, e as camadas O e P tem a a corrente no ânodo queremos saber a condutividade
seguinte configuração eletrônica: elétrica do nosso sistema que, por sua vez, pode depen-
der do livre caminho médio do gás de mercúrio. Tais
O : 5s2 , 5p6 , 5d10 grandezas, de acordo com a teoria cinética dos gases,
P : 6s2 são dadas por:

As transições relevantes para este experimento estão kb T


colocadas na Figura 3. Ela descreve os níveis com duas l = l ( T, P) = √
2πPd20
notações:

• nl, onde n é o número quântico principal e l é o ne2


σel = τ∝l
número quântico de momento angular, s(l = 0) e mel
p ( l = 1);
• 2S+1 L J , onde S, L e J são o número angular de spin, Em que d0 ≈ 3Å é o diâmetro médio do átomo de
momento angular orbital e momento angular total, mercúrio, T a temperatura e P a pressão do sistema
respectivamente. medidos em Kelvin e Pascal, ’n’ é a densidade de elé-
trons no sistema, ’e’ é a carga elementar e τ é o tempo
médio entre colisões. Como a condutividade elétrica é
diretamente proporcional ao livre caminho médio basta,
portanto, saber um deles e saberemos o comportamento
de ambos.
No final de um livre caminho médio o elétron terá
adquirido uma energia cinética K devido ao campo
elétrico E dada por:

K = eEl

Quanto maior o l, maior será K. O número de átomos


de mercúrio por volume n é muito sensível a tempe-
ratura, logo ambos o livre caminho médio e a energia
cinética são sensíveis à temperatura. Baixas densidades
(temperaturas mais baixas) resultam em maiores corren-
tes, porém picos menores; grandes densidades resultam
em correntes mais baixas e picos maiores [2]-[3].

Figura 3: Níveis de energia do mercúrio relevantes para o experi- iii. Equação de Van der Waals
mento. Fonte: [4].
Por estarmos lidando com um gás de mercúrio, a hipó-
Quando excitado, um elétron no estado 6s pode ir ao tese de gás ideal pode não ser uma boa ideia e, portanto,
estado 6p. Por conta do acoplamento spin-órbita, estes usaremos a equação de estado de Van der Waals para
estados se desdobram em 4: 3 P0 , 3 P1 , 3 P2 , 3 P3 e 1 P1 . analisar o experimento.
Os estados 1 P1 e 3 P1 são estados estáveis, com meia-
vida da ordem de 10−8 s antes de decair para o estado an2
1 S . Os estados 3 P e 3 P são estados metaestáveis, e (P + )(V − nb) = nRT
0 2 0 V2
suas meias-vidas são de 10−3 s, ou seja, 105 vezes a
de um estado normal. Portanto, a probabilidade das a Hg = 8.200[ L2 .bar.mol −2 ]
transições 3 P2 ou 3 P0 ao 1 S0 são 105 vezes menores que
as dos estados 1 P1 e 3 P1 ao 1 S0 . b Hg = 0.01696[ L.mol −1 ]

2
Grupo 3 (Verde) • F - 740 B • Prof. R. Urbano

III. Resultados, Análise de Dados e • Para uma tensão de desaceleração fixa (no nosso
Discussões caso, Vd = 1, 408[V ]) o aumento da temperatura
diminui a corrente.
Duas análises foram feitas: primeiro fixamos a tem- • A diminuição da tensão de desaceleração faz com
peratura e variamos o potencial de desaceleração Vd que haja um tipo de "off-set" na corrente, i.e., o
entre a grade e o ânodo para oito valores diferentes, gráfico não cruza mais o valor I = 0[nA];
como podemos ver na Figura 4; e numa segunda análise • O aumento da tensão de aceleração não causa um
fixamos um potencial de desaceleração e variamos a aumento monotônico na corrente.
temperatura, como podemos ver na Figura 5. • A distância entre picos é, aparentemente, cons-
tante.
• Há, aparentemente, algum tipo de transição de
fase relacionado ao movimento dos elétrons no
gás entre Vd = 0, 707[V ] e Vd = 0, 144[V ] visto
que a translação dos picos de corrente muda de
direção. Em outras palavras, de Vd = 3, 000[V ] até
Vd = 1, 249[V ] os picos transladam para a esquerda
e, a partir de Vd = 0, 707[V ], transladam para a
direita;

A Tabela 1 mostra a distância média entre os picos das


Figuras 4 e 5. A distância média total ∆ T é, portanto:

N
1
∆T =
N ∑ ∆j ⇒ ∆ T = 4, 93[V ]
j =1
Figura 4: Curvas de corrente por tensão de aceleração para diversas Como os valores das distâncias médias da Tabela 1
tensões de desaceleração.
são próximas ao valor da média total, isso mostra que
temos um desvio padrão baixo e, portanto, a distân-
cia entre os picos é aproximadamente constante. Isto
nos mostra uma característica quântica da matéria: não
basta apenas darmos energia para aumentarmos a cor-
rente, mas sim múltiplos de aproximadamente 4,93[eV].

Tabela 1: Distância média ∆ entre picos.

T = 180o C ∆[V] Vd = 1, 408V ∆[V]


Preto 5,03 Preto 4,64
Vermelho 4,9 Vermelho 4,9
Verde 4,96 Verde 4,94
Azul 5,03 Azul 5,01
Cian 4,95
Rosa 4,97
Amarelo 5,22
Ouro 4,9
Figura 5: Curvas de corrente por tensão de aceleração para diversas
temperaturas. A diminuição da corrente com o aumento da tensão
de desaceleração para uma temperatura fixa é esperado
Várias observações podem ser feitas logo de imediato (e observado) pois, quanto maior a tensão de desace-
ao analisarmos os gráficos: leração, menos elétrons chegam ao ânodo devido ao
aumento da barreira de potencial que estes devem ven-
• Para uma temperatura fixa (no nosso caso, cer. Já a diminuição da corrente devido ao aumento da
T=180[o C]) o aumento da tensão de desaceleração temperatura para uma tensão de desaceleração fixa (no
causa uma diminuição da corrente; caso, Vd = 1, 408V) é devido a outro fenômeno. Uma

3
Grupo 3 (Verde) • F - 740 B • Prof. R. Urbano

justificativa estatística disto é: estamos aumentando a (que antes eram de aproximadamente 185.91[nm] e
entropia, i.e., quanto maior a temperatura do sistema, 255.14[nm]) para valores mais próximos de 400[nm],
menos ordenado estão os elétrons e, portanto, a corrente i.e., a cor azul. Porém, espalhamento Comptom va-
líquida no ânodo é menor. Poderíamos dizer também ria o comprimento de onda incidente por, no máximo,
que há mais vapor de mercúrio em temperaturas altas, δλ ≈ 5[ pm], sendo impossível alcançar os 400[nm].
i.e., uma densidade maior, aumentando, assim, a sessão
de choque dos elétrons. Uma terceira e última explica-
ção seria a diminuição do livre caminho médio com o
aumento da temperatura:

k T V 2 (V − nb) A
l= √b 2 ∝ (1 − ) −1
2πd0 [nRTV 2 − an2 (V − nb)] T

an2 (V − nb)
A= > 0T
nRV 2
Logo:

dl −A
∝ >0 ∀T
dT ( A − T )2 Figura 6: Franjas dentro da câmara do experimento de Franck-
Hertz.
O "off-set" gerado pela diminuição de Vd é esperado
pois, novamente, mais elétrons chegam ao ânodo. De Uma outra tentativa de explicação, visto que efeito
maneira mais didática temos que para tensões de desa- Compton esta fora de questão, é aceitar que, de fato, as
celeração altas existem dois conjuntos de elétrons: os transições calculadas estejam corretas e que as franjas
que tem energia comparáveis as energias de transição azuis sejam devidas a outras transições. Portanto, as
do átomo de mercúrio e os que não tem. O primeiro franjas azuis aparentemente discretas na Figura 6 são
conjunto é o único que consegue alcançar o ânodo e na verdade contínuas, intercalando entre emissões ultra-
por isso há corrente apenas em torno dos picos. Con- violetas e visíveis. Fótons na cor azul são emitidos em
forme diminuímos a tensão de desaceleração os elétrons transições como 73 S1 ⇒ 63 P0 e 73 S1 ⇒ 63 P1 explicando,
que não tem energia para excitar o átomo de mercúrio assim, tanto as franjas quanto os comprimentos de onda
conseguem ao menos alcançar o ânodo, contribuindo, calculados [5].
assim, para o aumento da corrente.
Ao olharmos para o sistema observamos a presença
de franjas azuis, como podemos ver na Figura 6. Como IV. Conclusões
já mencionado, existem duas transições estáveis entre
Com este experimento foi possível verificar proprieda-
as quatro primeiras no átomo de mercúrio, são elas
des quânticas da matéria devido à transições eletrônicas
∆E = 6, 67eV e ∆E = 4, 86eV. O comprimento de onda
do átomo de mercúrio em múltiplos de aproximada-
do fóton emitido pelos elétrons destas transições são:
mente 4, 93eV, favorecendo o modelo atômico de Bohr.
λ(6.67eV ) ≈ 185.91[nm] λ(4.86eV ) ≈ 255.14[nm] Esses múltiplos parecem não variar de pico pra pico,
pelo menos na região medida.
Ambos os valores estão fora do espectro visível. Ten- Verificamos também que a diminuição da tensão de
tamos explicar tal discordância com o espalhamento desaceleração nos leva a um comportamento mais pró-
Compton: ximo do clássico pois as oscilações na corrente se en-
fraquecem. O mesmo não se pode concluir caso au-
h
λout = λin + (1 − cos(θ )) mentemos a temperatura, pois este apenas causa uma
me c
diminuição na corrente medida.
Os fóton emitidos pelas transições eletrônicas não Durante todo o experimento nota-se franjas azuis
chegam diretamente ao nossos olhos pois existe uma dentro da câmara devido a transições do átomo de
nuvem eletrônica ao redor deles. Esta nuvem faz com mercúrio. Verificamos que estas transições não são as
que os fótons percam energia por espalhamento e, por previstas antecipadamente, i.e., as primeiras transições
consequência, aumentem o seu comprimento de onda permitidas mas sim transições devido a elétrons menos

4
Grupo 3 (Verde) • F - 740 B • Prof. R. Urbano

energéticos pois as transições previstas se encontravam Colisões elásticas e inelásticas


na região do ultravioleta.
Por fim, acreditamos que entre as região de Vd = Utilizando uma abordagem de física clássica, iremos
0, 707V e Vd = 0, 144V exista algum tipo de transição descrever uma colisão elástica entre um átomo de mer-
de fase relacionado ao movimento dos elétrons pois cúrio e um elétron:
os picos se movam para a direita e não mais para a
Qi = Q f
esquerda. Infelizmente não pudemos concluir nada
a respeito por falta de dados, sendo eles: pressão da mvi + MVi = mv f + MVf
câmara e densidade de partículas do sistema. MVf = m(vi − v f )
m
Vf = (v − v f ) (1)
Referências M i
Em que m e v é a massa e a velocidade do elétron, M
[1] Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Experi
e V são a massa e velocidade do átomo de mercúrio,
mento_de_Franck-Hertz;
e suas velocidades iniciais e finais são representadas
[2] Preston, D. W. Dietz, E. R.: The Art of Experimen- pelos índices i e f .
tal Physics. John Willey & Sons, New York, 1991.
5a edição; Ei = E f
mv2i = mv2f + MVf2
[3] Melissinos, A. C. Experiments in Modern Physics.
Academic Press, 2003. 2a edição.; (vi + v f )(vi − v f ) = MVf2 (2)

[4] Gerald Rapior, Klaus Sengstock, and Valery Baev: Substituindo 1 em 2:


"New features of the Franck-Hertz experiment",
m2
DOI: 10.1119/1.2174033; m(vi + v f )(vi − v f ) = M ( v i − v f )2
M2
[5] G. F. Hanne, "What really happens in the M ( vi + v f ) = m ( vi − v f )
Franck-Hertz experiment with Mercury?", v f ( M + m ) = vi ( m − M )
American Journal of Physics 56, 696 (1988);
m−M
https://doi.org/10.1119/1.15503. v f = vi (3)
m+M
Como m << M temos que v f ≈ −vi , i.e., a velo-
cidade do elétron permanece a mesma em módulo e,
portanto, a velocidade adquirida pelo átomo de mercú-
rio é muito baixa.

Você também pode gostar