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Dedes ntemaclonas de Cate (Ciara Basic do ive, rei — na 3 haga Thue peda nami rue Noguin Ramee "3 od Seo: Cone 36 Marise Nogueira Ramos APEDAGOGIA DAS COMPETENCIAS: autonomia ou adaptagao? Bt edigao Sxee ‘APEDAGOA OAS COMPTENGAS m Vv ANOGAO DE COMPETENCIA COMO ORDENADORA DAS RELAGOES EDUCATIVAS “cada um de nds cria suas préprias imagens, onde cada um representa, a seu modo, 0 que acontoceu: somos todos facciosos, s6 acredita- ‘mos no que nos convém. Nossa visio do pass do é sempre comandada pelos critérios com que avaliamos a sociedade em que vivemos, as con- dig6es do presente” (Bartolomen, de Leandro Konder, 1995, p. 110). ‘A idéia que se difunde quanto & apropriacao da nocao de competéncia pela escola é que ela seria capaz. de promover 0 encontro entre formacao e emprego. No plano pedagégico tes- temunha-se a organizacdo e a legitimacao da passagem de um ensino centrado em saberes disciplinares a um ensino defini- do pela produgao de competéncias verificaveis em situacdes ¢ tarefas especificas. Essas competéncias devem ser definidas com referéncia as situacdes que os alunos deverio ser capa- zes de compreender e dominar. Em sintese, em vez de se par- tir de um corpo de contetidos disciplinares existentes, com base no qual se efetuam escolhas para cobrir os conhecimen- tos considerados mais importantes, parte-se das situagées concretas, recorrendo-se as disciplinas na medida das neces- sidades requeridas por essas situages. m | RORGOGA Das coWeTONS Como explica Tanguy (1997), esse movimento de defi nigo de um modelo pedagégico encontra sua expressio ini- cial no ensino técnico e profissionalizante — que nao sofre a forga de uma tradicéo centrada na transmisséo de um patriménio cultural — mas tende a organizar também a edu- cago geral. A escola 6 forcada a abrir-se ao mundo econémi- co como meio de se redefinirem os contetidos de ensino e atribuir sentido prético aos saberes escolares. Como os pro- cessos automatizados apropriam-se dos princ{pios cientificos, fancionando com certa autonomia em relagéo aos operado- res, a formagéo responsabilizar-se-ia muito mais por ordenar as atitudes e praticas profissionais em coeréncia com a orga- nizagao e o funcionamento dos processos de produgao. ‘A pedagogia da competéncia passa a exigir, tanto no en- sino geral, quanto no ensino profissionalizante, que as no- des associadas (saber, saber-fazer, objetivos) sejam acompa- nhadas de uma explicitagdo das atividades (ou tarefas) em que clas podem se materializar e se fazer compreender. Essa explicitagéo revela a impossibilidade de dar uma definigao a tais nog6es separadamente das tarefas nas quais elas se mate Hializam. A afirmacao desse modelo no ensino técnico e profissio- nalizante é resultado de um conjunto de fatores que expres- sam seu comprometimento direto com os processos de pro- dugio, impondo-Ihe a necessidade de justificar a validade de suas agées de sous resultados. Além disso, espera-se que seus agentes ndo mantenham a mesma relagéo com o saber que os professores de disciplinas academicamente constitut- das tém, de modo que a validade dos conhecimentos transmi tidos seja aprovada por sua aplicabilidade ao exercicio de ati- vidades na produgao de bens materiais ou de servicos. A medida que essa nogao extrapola 0 campo teérico para adquirir materialidade pela organizagéo dos curriculos pro- gramas escolares, configura-se 0 que se tem chamado de pe- dagogia da competéncia. Conclufmos, entéo, pela importin- cia de discuti-la tanto sob a ética das teorias psicol6gicas da aprendizagem — demarcando 0 que chamamos de dimen: psicolégica da pedagogia das competéncias —, quanto sob a 6tica das relacdes sociais de produgao demarcando, neste caso, A FEA OS COWPTENAS Ey sua dimensio sécio-econdmica. Este desafio procuraremos enfrentar a seguir. 1. A Pedagogia das Competincias em sua Dimensio Psicolégica Anogio de competéncia é freqiientemente associada aos objetivos de ensino em pedagogia. A partir disso duas ten- déncias analiticas podem ser observadas: uma delas nega essa associacéo, identificando a nocao de competéncia como algo efetivamente novo e apropriado as transformagées sociais e ‘econémicas de nossa época; a outra aceita a associagéo, num primeiro momento, mas identifica 0 ponto em que a compe- téncia se distingue de objetivo. A primeira tendéncia relaciona o surgimento da nogéo de competéncia, principalmente a de ordem profissional, com as transformacées produtivas que ocorrem a partir da década de 80, constituindo a base das politicas de formagao e capacitagdo de trabalhadores, principalmente naqueles pa‘- ses industrializados com maiores problemas para vincular 0 sistema educativo com o produtivo, o que se explica pela én- fase que este conceito coloca nos resultados e nas agoes. No Ambito da segunda tendéncia, Hyland’ (1994, apud Cariola y Quiroz, 1996), por exemplo, localiza as origens da nogao de competéncia nos anos 60, assinalando que 0 mode- Jo de educacdo e treinamento baseado na competéncia surgi- do nos anos 80 estava dominado por uma tendéncia industri- al mais do que educacional. O autor fala da Inglaterra e afir- ma que as origens da educagao e do treinamento baseados na competéncia — Competence Based Education and Training (CBET) — estéo no movimento americano dos anos 60, da pedagogia baseada no desempenho — performance-based teacher education — ou pedagogia de dominio, como tam- bém foi chamada. Nesse pats, tal tendéncia teria seus funda- mentos nos atrativos populistas da teoria de eficiéncia social. Assim, tanto o CBET quanto o movimento dos anos 60 apre- 1. HYLAND, Terry. Competence, Education and NVQs Dissenting Perspectives. London: Cassel, Redwood Books, Trowbridge, Wiltshire, 194. m A RDAGOG DAS cOMPETNCRS sentam os seguintes elementos em comum: a ideologia con- servadora, uma base na psicologia condutivista, além do pro- pésito em servir as necessidades especificas da industria. Em meados de 1966, nos Estados Unidos e depois no Ca- nad4, sob o impulso de B. S. Bloom, a pedagogia de dominio desénvolveu-se e sucedeu as primeiras tentativas de pedagogi- as compensatérias em larga escala. Enquanto David ‘McClelland, argumentava que os tradicionais exames acadé- micos nao garantiam nem o desempenho tio trabalho nem o éxito na vida, postulando a busca de outras varidveis para pre- dizer certo grau de éxito, Bloom em seu artigo Aprendizagem ‘para 0 Dominio? , declarava que 90 a 95% dos alunos tém pos- sibilidade de aprender tudo o que Ihes for ensinado, desde que se hes oferegam condigées para isso. Verificase, assim, surgimento do ensino baseado em competéncia, que concreti- zou a aprendizagem para o dominio, de Bloom, orientada pe- los trés objetivos comportamentais: pensar, sentir ¢ agir, englo- bados em trés dreas: cognitiva, afetiva e psicomotora. No plano cognitivo estavam os conhecimentos — marcados pelo pro- cesso de memorizacio e evocacao de informagées, fatos, es- truturas, princfpios, leis ¢ teorias — bem como as habilidades e desirezas intelectuais, configuradas como modos de opera- go e técnicas generalizadas para cuidar de problemas. Perrenoud (2000) explica que, na Europa, a pedagogia de dominio difundiu-se como Pedagogia por Objetivos (PPO), tendo recebido importantes criticas das quais Hameline sin- tetizou as mais pertinentes*. No ensaio coletivo de reconci- lingo da pedagogia de dom{nio e das abordagens construti- vistas dirigido por Huberman’, este aulor aponta para o fato 2, Professor da Universidade de Harvard e apontado por Mertens (1996) ‘como um dos pioneiros do movimento moderno da competéncia, '3. BLOOM, B. S. Apprendre pour Maftrise. Lausanne, Payot, 1972. Obra citada por Perrenoud (2000). 4. HAMELINE, D. Les Objectifs Pédagogiques on Formation Initiale et en Formation Continue. Paris, BSP éditeur, 1979. Perrenoud (ibid.), explica que hhouve, também, uma espécie de antibehaviorismo variante do antigmericanismo caracteristico da época, '5. HUBERMAN, M, Maiiriser les Processus d'Aprentissage. Fondements et Perspectives de la Pedagogie de Mattrise, Pars, Delachaux et Niestlé, 1988, cita- ddo por Perrenoud (2000), . A EDRGOGA DAS COMPETENCES ns de ser a pedagogia do dominio uma pedagogia diferenciada. ‘Atualmente a pedagogia diferenciada ¢ uma das formas como Se manifesta a pedagogia das compeléncias. Explica, ainda que, em alguns paises, como a Bélgica, onde as ciéncias da educagao abriram-se de saida aos trabalhos norte-americanos, essa afiliagdo sempre foi clara, de tal modo que os trabalhos sobre a pedagogia compartilharam do construtivismo piagetiano, préximo das correntes de escola ativa, apoiando- se em dispositivos orientados por objetivos e por uma avalia- Gao formativa. Na Franga, Meirieu® conferiu @ pedagogia diferenciada uma audiéncia mais ampla e introduziu uma ruptura com o modelo de diferenciacio fundado sobre uma classificacéo prévia dos alunos ou, ainda, com as representacées sociais que associam @ palavra individualizagdo & imagem de uma aco pedagégica para o individuo, préxima ao tutorado. Cor forme veremos adiante, a idéia de pedagogia diferenciada, hoje, associa-se, na verdade, nao a individualizagao do ensino, mas a diferenciacdo dos percursos de formagao. Um dos autores que tenta analisar a problematica asso- ciagéo entre competéncias e objetivos é Malglaive (1994, 1995). Este autor faz sua andlise preocupado, nao com a educagio em geral, mas com a formagio do adulto, destacando que, diferentemente daqueles que estao na formagéo inicial, os adultos recorrem a novos periodos de formagao em funcao das exigéncias explicitas de sua ago social e profissional. Neste caso, a formacéo seria orientada para as finalidades ¢ esse proceso aparece, entéo, “como um proceso de produ- do das capacidades necessirias ao exercicio das atividades sociais e profissionais que os formandos exercerdo no final de sua formagao” (Malglaive, 1994, p. 106). Essas atividades mobilizam capacidades que a formagao pode e deve visar © que se tornam, portanto, seus proprios objetivos. A Pedagogia por Objetivos, que tem como referéncia o behaviorismo de Skinner e seus seguidores, teria dado a materialidade inicial a este principio. 6, Professor da Université Lumitre 2 6 presidente do Comité de Organiza- ‘gio da Consulta Nacional “Quo saberes ensinar aos estudantes”

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