Você está na página 1de 235

Conceição Nogueira

Interseccionalidade
e
Psicologia Feminista
Conceição Nogueira

Interseccionalidade
e
Psicologia Feminista
2017, Conceição Nogueira
Qualquer parte dessa obra pode ser reproduzida,
desde que citada a fonte. Direitos para essa edição
cedidos à Editora Devires.

Editor Capa
Gilmaro Nogueira Taz Mota
Revisão Textual Diagramação
Clarissa Macedo Vivian Hernandez Alamo

Índice para catálogo sistemático:


1. Feminismo: 301.412
2. Identidade de gênero: 306.76
3. Estudos do gênero: 305(81)

Editora Devires
Av. Ruy Barbosa, 239, sala 104, Centro – Simões
Filho – BA
www.editoradevivres.com.br
Sumário

Prefácio ........................................ 7
Introdução ................................. 16
Os feminismos: ondas e
epistemologias ............................ 21
As ondas no movimento feminista 23
Posicionamentos epistemológicos
feministas .................................. 44
Uma Psicologia Feminista? .......... 53
A psicologia (das mulheres) na
primeira onda ............................. 70
O gênero na segunda onda .......... 77
O Gênero na crise da segunda onda
.................................................. 92
Uma Psicologia feminista
(construcionista social) crítica..........96
O feminismo negro ..................... 113
O gênero e a diversidade na terceira
onda ......................................... 118
A teoria da interseccionalidade ... 136
Questões de metodologia. ........... 154
Como "captar" a complexidade da
interseccionalidade? .................. 154
Interseccionalidade e Pesquisa em
Psicologia .................................. 171
Questões críticas à teoria da
interseccionalidade .................... 184
Conclusão ................................. 192
Referências................................ 202
Nota biográfica .......................... 232
Prefácio

João Manuel de Oliveira

Ser radical simplesmente significa en-


tender as coisas na sua raiz
Angela Davis

Tomar o pulso da teoria feminista e


da sua extensão à psicologia não dis-
pensa, no mundo que fala português, a
consulta da obra de Conceição Nogueira.
Foi o seu trabalho pioneiro que deu ori-
gem à perspectiva feminista crítica na
psicologia social em Portugal, ligada ao
construcionismo social e às perspectivas
feministas da terceira onda. O seu traba-
lho também é muito referenciado no Bra-
sil nesse âmbito. A sua proposta assenta
numa crítica às perspectivas individuali-
zantes e apolíticas da psicologia, mas
7
igualmente às visões mais essencialistas
de alguns feminismos e um inevitável
compromisso ético-político que a psico-
logia sempre se recusou fazer. Assim, a
perspectiva de Conceição Nogueira é
toda ela de compromisso inequívoco com
as populações relegadas da democracia e
até da definição de humano. Ora, a sua
voz e a sua reflexão juntam-se ao coro de
descontentes com a continuidade entre o
projeto feminista e projetos neoliberais,
bélicos e de opressão.
Nesta obra, Conceição Nogueira
enumera as múltiplas vertentes dos femi-
nismos, mostrando como a importância
das várias ondas feministas e o modo
como vão impactar a produção dos estu-
dos de gênero e como interferem inclusi-
vamente na psicologia. Esse texto propõe
traçar a história do conceito e da teoria da
interseccionalidade, trazendo para o con-

8
texto lusófono uma visão panorâmica so-
bre esta perspectiva, que é originária do
enegrecimento do feminismo, nas pala-
vras de Sueli Carneiro (2003), uma das fe-
ministas que denunciou a branquitude
do movimento (Marcinik e Mattos, 2017).
Esse trabalho inscreve a perspec-
tiva interseccional nas lutas da 3ª onda
do feminismo, em que se começa a ques-
tionar o sujeito do feminismo e a sua uni-
dade conceitual. É precisamente o femi-
nismo negro que permite marcar tal in-
quietação crítica. bell hooks1 (1981) conta
a história do como Betty Friedan
(2013/1963) esqueceu das mulheres ne-
gras quando denunciava o “problema
sem nome” de síndrome tipo depressiva
das jovens de classe médica com forma-
ção superior que se ocupavam das tarefas

1 bell hooks é o pseudónimo de Gloria Watkins e é sem-

pre grafado em minúsculas.


9
domésticas quando casavam. Mas nunca
olhou para as muitas negras que garan-
tiam os trabalhos domésticos de limpeza
ou de cozinha e muitos outros. Trata-se,
como afirma bell hooks, do problema do
feminismo branco. Cegueira face ao ra-
cismo.
No Brasil, o movimento feminista
negro, como conta Sueli Carneiro (2003),
depara-se com muitos problemas simila-
res, como noutros países. Em Portugal, a
perspectiva feminista negra começa
agora a despontar o que é vital, com ini-
ciativas como 1º Encontro de Feministas
Negras em 2016 e a criação de coletivos
como as Femafro. No Brasil, há muitos
mais grupos e movimentos e uma pers-
pectiva feminista negra que não só flo-
resce, mas que influencia o feminismo
como um todo. Este livro posiciona-se
quase como um manual que ajuda a per-

10
ceber as origens da teoria da interseccio-
nalidade, os seus usos na investigação
engajada com o feminismo negro, as suas
aplicações na crítica às ciências an-
drocêntricas e brancas e o modo como
podemos contar esta história a partir da
localização estadunidense.
Trata-se de um livro localizado, mas
que mostra como mesmo no Norte há
epistemologias do Sul, como é a da inter-
seccionalidade, de um Sul que não é geo-
gráfico, mas que é resistente. Pensar o gê-
nero com ‘raça’, classe, sexualidades, en-
tre outras matrizes é a nossa luta. Não
deixar que o gênero seja universalizado,
mas, ao estudá-lo, pensá-lo a partir da
sua articulação com outras formas de
opressão. Esta proposta implica repensar
o feminismo de forma radical. E radical
implica ir à raiz – a velha questão de
Marx trazida por Angela Davis, uma das
grandes desta luta, e implica entender as
11
viagens que os conceitos e as teorias rea-
lizam. Conceição Nogueira oferece-nos
um mapa dessas viagens de conceitos
que dialogam e que são pensados de uma
determinada maneira com um determi-
nado objetivo. Assim, trata-se de um
texto que visa entender como a intersec-
cionalidade se tornou um eixo vital do
pensamento contemporâneo, para todos
os feminismos que não acreditem na vi-
são única do que é ser mulher, mas que,
antes, entendam que eixos são chamados
para construir a visão que temos do gê-
nero. Como tal, é um texto que se ocupa
a analisar a visão do feminismo anglo-sa-
xônico, até por ser ele que tem marcado a
Psicologia Feminista. Não menciona as
múltiplas apropriações e encarnações
destes feminismos através do globo e dos
movimentos globais e locais que usam a
interseccionalidade como teoria e mé-
todo, precisamente por querer traçar com
12
cuidado essa localização que aqui não é
tomada como universal, mas como um
ponto de produção destes saberes. Saber
de onde veio e como veio.
Um outro livro seria o que se fez com
a interseccionalidade e como ela é recons-
truída nos saberes decoloniais dos movi-
mentos feministas do Sul. Mas para esse
exercício e para essa reflexão precisamos
de primeiros passos como esses, que nos
ajudem a seguir as perspectivas da inter-
seccionalidade e a inscrevê-las nas histó-
rias da libertação e das lutas que temos
pela frente. Igualmente, essa obra pre-
tende uma problematização da intersec-
cionalidade como uma ferramenta cru-
cial de entendimento das profundas in-
terconexões do gênero nas múltiplas ma-
trizes de privilégio e de opressão.
Trata-se de uma obra útil e impor-
tante no panorama lusófono, e que arti-
cula e apresenta este pensamento num
13
diálogo, trazendo este pensamento e prá-
xis para o debate do feminismo contem-
porâneo. Resultado das suas provas de
agregação (livre-docência) em Portugal,
é um trabalho que inscreve a importante
teoria da interseccionalidade, explica as
suas metodologias e localiza-a nos femi-
nismos contemporâneos. É um trabalho
crítico e reflexivo que toma como ponto
de partida a complexidade das questões
feministas na atualidade e oferece às lei-
toras e leitores uma visão das promessas
da interseccionalidade para a pesquisa
em Psicologia Feminista, estudos de gê-
nero e estudos críticos das sexualidades.

Referências
Carneiro, Sueli. (2003). Mulheres em mo-
vimento. Estudos Avançados, 17(49), 117-132.
hooks, bell (1981). Ain't I a Woman?:

14
Black women and feminism. Londres: Pluto Press.
Friedan, Betty (2013). The Feminine Mis-
tique. Nova Iorque: WW Norton (data original de
publicação: 1963)
Marcinik, Georgia G. e Matos, Amana R.
(in press). Branquitude e racialização do femi-
nismo: um debate sobre privilégios. In João M.
Oliveira e Lígia Amâncio (orgs.). Géneros e Se-
xualidades: Interseções e Tangentes. Lisboa:
ISCTE-IUL (ebook) (p. 159-173).

15
Introdução

Neste texto2 pretendo mostrar como


as teorias e as epistemologias feministas
influenciaram os estudos de gênero/fe-
ministas e quais as influências que mar-
caram a psicologia Feminista crítica que
advogo. Uma das influências recentes foi
a já tão popular, e a cada dia que passa
mais disseminada, Teoria da Interseccio-

2 Partes deste texto foram anteriormente publicadas


em Nogueira, Conceição (2013). A teoria da intersecci-
onalidade nos estudos de gênero e sexualidades: con-
dições de produção de "novas possibilidades" no pro-
jeto de uma psicologia feminista crítica in Andrea Vi-
eira Zanella, Ana Lídia Campos Brizola, Marivete Ges-
ser, Práticas sociais, políticas públicas e direitos huma-
nos, Editora ABRAPSO, pp. 227-248, e Nogueira, Con-
ceição (2012). Género e feminismos. Dois caminhos
entrecruzados. Em Francisco Portugal & Ana Maria
Jacó-Vilela (org.) Clio-Psyché – Género, Psicologia, His-
tória. Rio de Janeiro: Nau Editora/Faperj, pp-43-68.
16
nalidade. Pretendo fazer uma breve his-
tória deste conceito – Interseccionali-
dade. Contudo, para que este possa ser
compreendido e claramente usado, é fun-
damental conhecer o contexto para a sua
“produção” e posterior disseminação,
sem nunca esquecer que as referências
usadas ao longo de todo este trabalho se-
rão as do contexto da teoria feminista an-
glo-saxônica com repercussões específi-
cas na Psicologia social.
Assim, este trabalho terá três partes
fundamentais. Numa primeira parte fa-
rei uma breve caracterização das ondas
feministas assim como das epistemolo-
gias, pela sua importância para o posici-
onamento científico adotado por diferen-
tes psicólogas/os nos seus programas de
pesquisa e teorias desenvolvidas. E por-
que estas referências são importantes
para o posicionamento feminista crítico
que adoto, e que apresento na segunda
17
parte, desenvolvo ainda, neste ponto,
uma breve caracterização da Psicologia
feminista conforme ela será referida
neste texto, mas considerando apenas as
suas diversas assunções, independente-
mente dos diferentes posicionamentos
possíveis.
Numa segunda parte, apresento o
impacto das diferentes ondas do femi-
nismo na psicologia feminista (essencial-
mente aquela proveniente da psicologia
social). Nos dois primeiros pontos, apre-
sento as diferentes teorias e posiciona-
mentos epistemológicos que se fizeram
sentir durante a primeira e segunda on-
das do feminismo. No ponto seguinte,
apresento as teorias precursoras da crise
da segunda onda dos feminismos e os de-
safios que foram colocados à teorização
feminista e, por consequência, aos estu-
dos de gênero e/ou feministas na Psico-
logia. Dou especial atenção aos pontos
18
que são fundamentais para a compreen-
são da minha inserção pessoal no domí-
nio. Faço, por isso, uma apresentação
mais detalhada do gênero numa perspec-
tiva construcionista social e crítica. Por
fim, no último ponto desta parte, será
apresentada a terceira onda, mostrando
como ela iniciou os debates que são cen-
trais nesta fase do feminismo contempo-
râneo.
Situando-nos atualmente na terceira
onda do feminismo, faço a apresentação
da terceira parte, central neste texto, da
teoria da interseccionalidade. Esta teo-
ria/perspectiva é apresentada como
exemplo de uma alternativa possível e,
quem sabe, uma "oportunidade" para o
desenvolvimento do domínio e da inves-
tigação da psicologia feminista num
tempo de grandes conflitos e paradoxos,
de desfragmentação e de crise de identi-

19
dade, mas também de chamadas de aten-
ção contínuas para a materialidade das
desigualdades persistentes.

20
Os feminismos3: ondas e
epistemologias

Os feminismos estão integrados de


forma crescente no discurso social e polí-
tico. Agora, como no passado, existem
diferentes abordagens, apesar de, tanto
nos discursos cotidianos, como mesmo
nas salas de aula, surgirem frequente-
mente como sendo uma simples entidade
relacionada com igualdade (Beasley,
1999). De qualquer modo, as diferentes
teorias são difíceis de definir e de demar-
car, mas é necessário usá-las para se cla-
rificar e organizar o conhecimento pro-
duzido. Assim, neste texto, por facilidade
de análise, assumirei algumas dessas
classificações, especialmente a de ondas

3
De frisar que será sempre feita uma entrada essenci-
almente nos feminismos norte-americanos.
21
feministas, assim como as diferentes teo-
rias e epistemologias feministas.

22
As ondas no movimento
feminista

A perspectiva dos feminismos por


ondas não é consensual (Mann &
Huffman, 2005) e existem alguns proble-
mas nesta conceitualização por duas or-
dens de razões. Por um lado, pensar em
ondas pode dar origem a uma tendência
reducionista simplificadora da diversi-
dade de perspectivas e posicionamentos
salientando uma ou duas ideias, de regra
as mais consensuais; e, por outro lado,
pode dar a ideia de que as abordagens,
discussões e teorias de cada uma dessas
ondas foram sucessivamente "ultrapas-
sadas" pelas ondas seguintes. Assim, o
problema de conceitualizar os movimen-
tos feministas em ondas pode servir para
obscurecer certas agendas políticas e cer-
tas histórias. E pode ser reducionista,

23
desde logo porque a primeira onda é
pensada essencialmente como sinônimo
de sufrágio, e desta forma os feminismos
iniciais são reduzidos apenas a um tema
– o direito ao voto.
Contudo, é importante frisar que a
história feminista e o debate acadêmico
em torno da mesma são muito mais com-
plexos que estes posicionamentos redu-
tores.
Sempre existiram conflitos na teori-
zação feminista, mas estes serviram mai-
oritariamente para complexificar as teo-
rias e os debates. Na terceira onda, no en-
tanto, existem conflitos que são de ordem
distinta e que apresentam potencial de
divisão (Dean, 2009; McRobbie, 2009),
como veremos adiante.
Apesar de clarificadas as possíveis
dificuldades com o uso desta divisão,
neste texto falarei de ondas, assumindo

24
que esta classificação possibilita que se
percebam as diferentes e diversas posi-
ções que foram sendo trabalhadas ao
longo do tempo (e que coexistem) e que,
em determinados períodos, por razões de
ordem distinta, se encontraram mais fa-
cilmente e se traduziram em movimentos
de pessoas, teorias e ativismos. Não se
pretende, nem esquecer perspectivas mi-
noritárias que coexistiam nestes mesmos
períodos, nem tampouco que as perspec-
tivas que se apresentam como sendo ca-
racterísticas da segunda onda (por exem-
plo) já não são consideradas "ultrapassa-
das "ou "desatualizadas" em termos cien-
tíficos. A concepção das ondas serve ape-
nas para dar uma ideia de fluxo de mas-
sas, pessoas, grupos e de movimento com
um certo grau de coerência em termos
temporais.
Assim, é possível identificar a exis-

25
tência de três ondas no movimento femi-
nista (Dean, 2009; Dietz, 2003; Mann &
Huffman, 2005): a primeira, que se situa
no meio do século XIX e vai até cerca dos
anos 60; a segunda até cerca dos anos 80;
e a terceira onda, a atual, que al-
guns/mas designam por pós-feminismo
(uma posição que assume esta época
como aquela onde o feminismo já não se-
ria necessário). Esta designação induz à
ideia de fim do feminismo, perspectiva
da qual discordo. Pelo contrário, consi-
dero esta terceira onda uma época que
inaugura um grande "local" de debate e
de conflito, que caracteriza o feminismo
atual, uma época "perturbadora", crítica
e por isso crucial. Alguns dos debates
acerca desta onda serão adiante apresen-
tados aquando da ligação entre as ondas
feministas e a psicologia.
Na primeira onda, as preocupações
centrais da história do feminismo dizem
26
essencialmente respeito à emancipação
das mulheres de um estatuto civil depen-
dente e subordinado, e à reivindicação
pela sua incorporação no estado mo-
derno, industrializado, como cidadãs de
pleno direito tal como os homens (Evans,
1994). As principais reivindicações desta
onda foram essencialmente pelos direitos
civis e políticos, pelo acesso ao estatuto
de ‘sujeito jurídico’, pelo direito ao voto,
pelo qual o movimento sufragista se ca-
racterizou, e pela melhoria das condições
materiais de vida das mulheres, pelos di-
reitos sociais e no trabalho4.
Quando se fala de segunda onda re-
fere-se à época que se situa por volta dos

4 Para um conhecimento mais pormenorizado sobre


esta época e suas/seus protagonistas, ver o livro de Isa-
bel do Carmo e Lígia Amâncio, de 2004, Vozes Insub-
missas: a história das mulheres e dos homens que luta-
ram pela igualdade dos sexos quando era crime fazê-
lo.
27
anos 60 e que se prolonga mais ou menos
até meados dos anos 80 (Kaplan, 1992),
apesar de se assumir que o livro O se-
gundo sexo, de Simone de Beauvoir, da-
tado de 1949, inicia de algum modo esta
onda.
Este período histórico de mais ou
menos duas décadas, representou uma
época de grande atividade e inovação. As
mulheres foram chamadas a participar
no mercado de trabalho5, um convite
substancialmente distinto daquele feito
durante a segunda guerra mundial, já
que naquela altura apenas lhes era pe-
dido um esforço de trabalho circunstan-
cial e provisório de substituição dos ho-
mens.

5 As da classe média ou média superior, já que as mu-


lheres das classes desfavorecidas sempre trabalharam
ou nos campos ou nas fábricas e muito antes desta
época.
28
Central em todas as expressões pare-
cia ser a ideia da opressão feminina em
diversos âmbitos: no trabalho, mas tam-
bém, e essencialmente, no seio da família
nuclear6. Da preocupação típica da pri-
meira onda com os direitos civis (leis, di-
reitos e cidadania), passa-se agora para
aquilo que algumas autoras referem ser a
política do interpessoal, daí a frase célebre
dos movimentos feministas “o pessoal é
político” (Hanish, 1970). O fato das mu-
lheres continuarem em desvantagem não
só na esfera pública como também na es-
fera privada, orientou a maior parte das

6 Como refere Segal (1995), o “estridente” ressurgir do


feminismo como movimento de libertação das mulhe-
res do Ocidente, no fim dos anos 60 tomou a forma de
uma crítica fundamental à família. O que preocupava
as feministas de então, era a percepção das mulheres
como dependentes, subvalorizadas e frequentemente
isoladas, essencialmente aquelas que se dedicavam à
família a tempo inteiro.
29
reivindicações da época.
As políticas da reprodução e da
identidade, a contracepção e o aborto, a
sexualidade (o prazer e o questionar da
heterossexualidade “compulsória”, a vi-
olência sexual e doméstica, os abusos, o
questionar dos efeitos dos estereótipos,
do tratamento do corpo feminino como
objeto na arte, na publicidade e na porno-
grafia são temas centrais neste período
assim como o são para algumas teorias
(movimentos e ações) feministas. Dife-
rentes teorias feministas, no entanto, aca-
baram por dar mais atenção a uns domí-
nios do que outros, daí falar-se adiante
em diferenciação a nível das diferentes
teorias feministas7.

7 O próprio conceito de feminismo tem sido sempre


muito controverso, dando origem a diferentes postu-
ras, que ainda coexistem e que inclusive, por não se-
rem bem difundidas e conhecidas, confundem a popu-
lação acerca do objetivo central (Nogueira, 2001b) e
30
Nesta segunda onda eclodiram e tor-
naram-se bem conhecidas um conjunto
de teorias feministas (Beasley, 1999;
Stainton-Rogers & Stainton-Rogers,
2001) que são atualmente ainda reconhe-
cidas, e referidas. Podemos mencionar de
forma muito sucinta as mais analisadas e
reconhecidas e citar as suas diferenças
fundamentais8.
As várias teorias têm como vetores
de diferenciação o que consideram ser a
causa da opressão das mulheres e as
ações necessárias a levar a cabo para anu-
lar as desigualdades.

reduzem a complexidade feminista a um reduzido le-


que de estereótipos e ideias de senso comum.
8 O posicionamento de diferentes psicólogas feminis-

tas e dos seus programas de pesquisa na Psicologia de-


pendem também da sua adesão a uma ou outra destas
teorizações feministas mais reconhecidas e difundidas
da época.
31
Podemos começar por referir9 o fe-
minismo liberal, que se centra na eman-
cipação e mudança societal, mas conside-
rando a alteração educativa, legal e de
políticas sociais como o cerne das suas
reivindicações. Estas feministas acredi-
tam que mudando as leis, e havendo pro-
gramas de mudanças de atitudes, será
possível alcançar a mudança social e a
emancipação das mulheres.
O Feminismo marxista (muitas ve-
zes referido como sendo feminismo soci-
alista), centra-se no capitalismo como
causa central da opressão das mulheres.
Mantém a ideia de que as mulheres ga-
rantem força de trabalho servindo os ho-

9 Assumidamente de uma forma muito simplista e que


pode até ser considerada redutora dada a existência
de posicionamentos distintos, com nuances, que sem-
pre existiram em cada um destes movimentos e teo-
rias.
32
mens e renovando-a através da reprodu-
ção e dos cuidados maternos. A mudança
possível só poderá ser instituída com a
abolição do capitalismo.
Por seu lado, o feminismo radical
centra a sua atenção essencialmente nas
micropolíticas do poder, nas relações de se-
xualidade e em todas as relações com os
homens e com o patriarcado (termo que
inauguram). A ideia principal de não
"dormir com o inimigo", explica de forma
metafórica o foco da opressão, proveni-
ente das relações com os homens e, espe-
cialmente, a nível das relações íntimas e
sexuais. Focam-se em ações coletivistas
de grupos de mulheres, do tipo conscious-
ness raising, e muitas delas vieram, poste-
riormente, a estar associadas a alguns
movimentos lésbicos "separatistas" por
razões de ordem política.
O Feminismo cultural que muitas
outras autoras designam como sendo o
33
feminismo da diferença, defende a exis-
tência de diferenças entre homens e mu-
lheres, mas assume que as características
femininas são de valor (inclusive valor
societal) superior. O foco central pode
implicar, por exemplo, capacitar as mu-
lheres para o exercício da liderança e do
poder considerando que nessas circuns-
tâncias o poder seria mais humano, de
melhor qualidade, e que o planeta estaria
melhor salvaguardado10.
Ainda durante a segunda onda co-
meça a emergir o Feminismo negro
(Hooks, 1984), do qual falarei adiante,
que vem precisamente questionar os ali-
cerces epistemológicos da teorização fe-
minista, ao assumir que a maioria das

10Esta perspectiva sobre o planeta está agora muito


em voga devido às questões do eco-feminismo ou do
feminismo pacifista, da ética do cuidado, que vêem be-
ber as suas origens neste primeiro feminismo da se-
gunda onda.
34
análises e das reivindicações eram basea-
das nas experiências e necessidades de
mulheres brancas, ocidentais e da classe
média.
Pode-se afirmar que durante a se-
gunda onda do feminismo, e decorrente
destas diferentes teorias, assistiu-se à dis-
cussão de algumas questões fundamen-
tais: a análise do poder, a análise da dife-
rença e, por fim, já em meados dos anos
80, com as novas teorizações, como o
construcionismo social (Gergen, 1982,
1994), o pós-modernismo (Flax,1990; No-
gueira, 2001a; Stainton-Rogers & Stain-
ton-Rogers, 2001) e o feminismo negro
(Hooks, 1984), a questão da diversidade
e do anti-essencialismo.
Durante esta segunda onda, a emer-
gência do feminismo como força política
parece ter anunciado, e talvez realizado,
significativas redefinições dos alinha-

35
mentos políticos e dos acordos instituci-
onais tradicionais.
A terceira onda na teoria feminista
teve origem nos fins dos anos 80, ao
mesmo tempo em que eclodiam as críti-
cas pós-estruturalistas e pós-modernas
às concepções de gênero e de subjetivi-
dade do feminismo hegemônico da
época (Dietz, 2003; Mann & Huffman,
2005), que coincidiram e se sobrepuse-
ram às críticas provenientes do femi-
nismo negro. Estas correntes críticas ti-
nham em comum o compromisso com a
abertura, a diversidade (Araújo, 2007) e a
pluralidade que pareciam faltar ao femi-
nismo da segunda onda (Dean, 2009).
No entanto, a terceira onda não é
consensual nas suas características. É um
significante essencialmente contestável
que pode ser incorporado e utilizado por
acadêmicas e ativistas feministas numa
pluralidade de maneiras diferentes
36
(Dean, 2009; Mann & Huffman, 2005,
Wekker, 2004).
Conforme refere Jonathan Dean
(2009), poucos conceitos e debates dentro
da teoria e da prática feministas têm cau-
sado tanto desconforto quanto a caracte-
rização da história feminista Euro-Ame-
ricana pós-1900 como uma série de três
"ondas" distintas. E esta perturbação tem
sido aumentada pelo conflito que resulta
da definição e clarificação acerca da ter-
ceira onda (Mann & Huffman, 2005).
Esta onda tem sido identificada
como sendo de backlash (Faludi, 2001),
como pós-feminismo (Macedo, 2006), as-
sim como das abordagens feministas
pós-modernas e pós-estruturalistas, mais
ou menos radicais, mas ainda assim femi-
nistas. Frequentemente esta indefinição
está também associada ao que diferentes
autoras denominam como sendo a
"agenda das jovens feministas" (Mann &
37
Huffman, 2005; McRobbie, 2009). Quem
associa a terceira onda a uma época de
backlash11 anti-feminista (Kaplan, 1992;
Macedo, 2006; Wekker, 2004) assume que
as mulheres já não se identificam com as
lutas feministas, e, em alguns casos, po-
dem até pretender retrocessos em termos
de direitos (por exemplo, alguns grupos
argumentam pelas vantagens do retorno
das mulheres a casa). O pós-feminismo
tem sido muito difícil de caracterizar, e
há também diferentes possibilidades de
percepção (Macedo, 2006). De qualquer
modo, parece haver acordo quanto à
ideia que representa assumir e aceitar o
feminismo, mas enquanto projeto que se
cumpriu. Associar a terceira onda femi-
nista a uma geração, a um feminismo

11Que se refere essencialmente à ideia de um retro-


cesso.
38
cuja agenda política é a das mulheres fe-
ministas, jovens nascidas depois dos
anos 70/80, que não se identificam e por
isso se distanciam claramente das femi-
nistas de segunda onda, tem sido talvez
a definição de terceira onda que mais
conflitos tem gerado (Dean, 2009; McRo-
bbie, 2009)12. Este conflito advém do fato
de tendencialmente associarem as ondas
feministas a noções exclusivas de tempo-
ralidade, de situarem o movimento num
espaço essencialmente anglo-americano,
ignorando os diferentes movimentos e
ativismos no mundo (Dean, 2009; McRo-
bbie, 2009) e de considerarem a segunda
onda redundante, necessitando ser subs-

12Esta perspectiva, muito popular essencialmente na


Inglaterra, associa o feminismo contemporâneo a um
lugar de conflito essencialmente intergeracional, com
consequências para a teorização e para o ativismo Fe-
minista.
39
tituída por um modo distinto de femi-
nismo. Segundo Jonathan Dean (2009),
este posicionamento pode fazer esquecer
que há ainda muitos temas/problemas
colocados na segunda onda que estão por
resolver (de forma diferenciada em dis-
tintos locais do mundo), pode fechar o
debate e a discussão e, consequente-
mente, as possibilidades para as políticas
feministas plurais e multiculturais, aca-
bando por perpetuar as distinções entre
grupos de feministas e, no limite, levar à
fragmentação dos movimentos (McRob-
bie, 2009)13.
Assumo neste texto que o feminismo
não deve abandonar o uso da metáfora

13 Como refere Jonathan Dean (2009), a vinculação


com uma subjetividade de terceira onda, nesta última
perspectiva, arrisca-se a minar as dimensões de desa-
fio, de ameaça e de radicalismo do feminismo, assu-
mindo um conflito entre mulheres, o que, de forma
perversa, acaba por valorizar a agenda anti-feminista.
40
das ondas. Pelo contrário, advogo um de-
bate mais aberto acerca do seu potencial
(em oposição a uma visão simplista) que
reflita um grau de abertura, de diversi-
dade e de internacionalismo aos projetos
feministas (Dean, 2009; Dietz, 2003;
Mann & Huffman, 2005; Wekker, 2004).
Esta última perspectiva na qual me situo,
assume a terceira onda como sendo a das
feministas pós-modernas e pós-estrutu-
ralistas que criticamente questionam a
noção de identidade coerente, estável e
resistem à categorização e ao essencia-
lismo (Dietz, 2003). Assim, mais do que
um corte constituído por um grupo gera-
cional, a terceira onda é usada para refe-
rir uma posição teórica específica que en-
fatiza a problematização de concepções
femininas/feministas essencialistas e
monolíticas de subjetividade (Dean,
2009).
Neste contexto, é possível conceber
41
nesta onda, críticas às perspectivas epis-
temológicas tradicionais da segunda
onda (particularmente ao essencialismo)
e apresentar a desconstrução, a diversi-
dade e a fragmentação identitária como
posições (possíveis) na atualidade. Con-
cordo com Gloria Wekker (2004) que o fe-
minismo do "novo milênio" pode e deve
ser transnacional (de forma a ter em
conta as assimetrias do processo de glo-
balização assim como as assimetrias de
cultura e de capital), ser interdisciplinar
(de forma a desestabilizar, criticar e desa-
fiar as práticas metodológicas rígidas dos
limites das disciplinas) e ser interseccio-
nal (onde o gênero não pode ser isolado
de outros eixos de significação).
A terceira onda pode ser uma época
onde é possível ter um posicionamento
feminista crítico que não abdique de uma
materialidade (ainda que instável e flexí-

42
vel) e, por isso, não abdique de possibili-
dades de intervenção quer a nível da in-
vestigação na psicologia, quer a nível dos
movimentos sociais e da política.

43
Posicionamentos
epistemológicos feministas

A crítica feminista da ciência surgiu


em meados dos anos 70 (Nogueira,
2001e; Keller, 1991). Na ciência em geral,
assim como nas ciências sociais e mais
tarde na psicologia, as reivindicações fe-
ministas e as críticas à família, à opressão
feminina e ao estatuto de subalternização
das mulheres tiveram repercussões im-
portantes quer ao nível da pesquisa, quer
ao nível das diferentes teorias. Até essa
altura, as feministas que trabalhavam na
área científica eram poucas.
A segunda onda do feminismo co-
meçou muito lentamente a analisar e a
contestar a ciência, a ver as conexões en-
tre essa entidade moderna denominada
"ciência" e os problemas centrais do mo-

44
vimento feminista. Nessa altura, as preo-
cupações diziam respeito, por um lado,
às reivindicações de algo que era negado
às mulheres e, por outro lado, à necessi-
dade de visibilidade e de uma existência
social e política (Rose, 1986).
As feministas começaram a denun-
ciar essencialmente as lacunas e mesmo
as falsificações e generalizações abusivas
de um saber que identifica a masculini-
dade com o universal (Amâncio, 1994;
Amâncio & Oliveira, 2006; Neves & No-
gueira, 2005; Nogueira, 2001a) e a exclu-
são ou a subordinação das mulheres, seja
como objeto seja como sujeito (Kamuf,
1990, Neves & Nogueira, 2005). Por isso,
as críticas à ciência são unânimes no que
diz respeito ao forte enviesamento an-
drocêntrico, assim como à escolha de de-
senhos e interpretações das próprias ex-
periências que raramente tinham em
conta quer o sexo/gênero feminino, quer
45
a experiência feminina.
No entanto, o acordo relativo ao de-
safio que se devia encetar face ao conhe-
cimento (Keller, 1991) não tem paralelo
no que diz respeito às soluções para o
substituir (Collin, 1991; Harding, 1990;).
Segundo Keller (1991), as críticas femi-
nistas à ciência variam entre posições
mais “brandas” e outras mais “radicais”.
As posições ditas “brandas” ou liberais,
embora admitindo que a maioria dos ci-
entistas são homens, não colocam em
causa a concepção tradicional de ciência
e por isso estão de acordo com os pressu-
postos da ciência moderna. Neste caso, as
feministas estudam dentro da academia,
nos moldes tradicionais de pesquisa,
analisando essencialmente questões que
dizem mais respeito às mulheres. As po-
sições mais radicais (frequentemente
provenientes da teoria crítica), questio-
nam a objetividade e a racionalidade
46
como bases da metodologia científica, e
sugerem que a ciência está imbricada na
política e na ideologia (Ibanez & Íñiguez-
Rueda, 1997).
Para Sandra Harding14 (1986), as crí-
ticas feministas à ciência moderna toma-
ram três formas: o empiricismo femi-
nista, as teorias de standpoint15 feminista
e mais recentemente (depois dos anos 80)
o feminismo pós-modernista. O femi-
nismo empiricista identifica o sexismo e
o androcentrismo como sendo enviesa-
mentos sociais que podem ser corrigidos

14 A filósofa feminista mais reconhecida e citada no


âmbito das epistemologias feministas. A sua classifica-
ção, publicada em 1986, surge continuamente nos tex-
tos feministas, apesar de se considerar que está relati-
vamente simplificada para dar conta das diferentes
possibilidades do debate feminista atual.
15 Adotarei a palavra inglesa, dada a sua tradução

(ponto de vista, ponto de partida ou base) não ser


muito esclarecedora em termos teóricos.
47
pela estrita adesão às normas da pes-
quisa científica. Acreditam que as distor-
ções verificadas são devidas a influências
sociais, passíveis de serem removidas.
Na segunda categoria, cuja epistemolo-
gia é mais relativista, encontram-se as te-
orias de standpoint feminista (Harding,
2004), onde a perspectiva é diferenciada
e específica de gênero: a mulher ou as
mulheres são encaradas como a base pri-
mordial de toda a pesquisa. Pensam que
um conhecimento verdadeiramente fe-
minista, centrado nas experiências únicas
das mulheres, pode produzir melhores
facetas da realidade (Rose, 1986).
As perspectivas empiricista e de
standpoint feminista partilham um conhe-
cimento universal e generalizável, já que
pressupõem que o conhecimento deve
ser universal para o grupo "mulher".
Desta forma, assumem a existência de
identidades essencializadoras (Harding,
48
1986).
O feminismo pós-moderno vai mais
longe no que diz respeito ao desafio diri-
gido aos pressupostos do empiricismo fe-
minista e das teorias de standpoint femi-
nista (Harding, 1986). Recusa a possibili-
dade de qualquer discurso universali-
zante, mas argumenta que nós devemos
focalizar em conhecimentos feministas
confiáveis e localizados (Rose, 1986). Em
vez de se optar pelo caráter do conheci-
mento como um resultado final e uma lei
universal (seguindo os pressupostos po-
sitivistas), sem ser possível descortinar o
processo nem a sua localização no
mundo, os conhecimentos situados são
uma proposta epistemológica de locali-
zação e de consideração da contextuali-
dade do conhecimento, no quadro da sua
própria produção (Haraway, 1988; Oli-
veira & Amâncio, 2006; Oliveira, 2010).

49
Os conflitos que estas diferentes po-
sições feministas críticas acarretam, po-
dem ser considerados como benefícios li-
bertadores para a própria ciência, porque
possibilitam o diálogo, a produção com-
plexa de teorias e a possibilidade de po-
sições teóricas negociáveis (Mann &
Huffman, 2005). Por exemplo, a plurali-
dade preconizada pelo pós-modernismo
aliada a um posicionamento realista crí-
tico poderá ser uma solução a valorizar.
No entanto, mesmo esta classificação (da
epistemologia pós-moderna) é colocada
em questão dentro da teorização da ter-
ceira onda. A própria ideia de classificar
e de criar taxonomias de epistemologias
é desafiada e considerada como uma
perspectiva característica, precisamente,
das ideias da segunda onda (Tuin, 2009).
Considero, no entanto, que apesar
da apresentação dos debates que estão no

50
momento a ser levados a cabo serem ne-
cessários, por razões pedagógicas, é par-
ticularmente importante dar uma ideia
de classificação de forma a organizar o
conhecimento. Esta classificação pode
ajudar a clarificar e a discutir caminhos.
Pode ajudar a construir o futuro...
Um futuro em construção poderá apon-
tar outras alternativas...
Concordo com Elizabeth Cole,
quando no seu artigo de 2009 Intersectio-
nality and Research in Psychology, na re-
vista American Psychologist, refere um dos
caminhos para o futuro: a inserção de
uma perspectiva interdisciplinar na
busca de argumentos e teorias que pos-
sam iluminar de forma mais informada
os estudos que se pretendem realizar. As-
sim penso que deveremos caminhar... in-
terdisciplinarmente ou, no limite, trans-
disciplinarmente.

51
Mas este texto fala do passado e do
presente, inseridos nas discussões atuais
da teoria feminista e nas suas repercus-
sões para uma psicologia feminista crí-
tica.

52
Uma Psicologia Feminista16?

Desde os primórdios, a psicologia


rapidamente estabeleceu o seu território
como o de uma ciência objetiva, quanti-
tativa, empírica e livre de valores. O pes-
quisador17 é tomado como sendo um ob-
servador não enviesado que conduz ex-
perimentos laboratoriais cuidadosa-
mente controlados e que se mantém dis-
tanciado dos sujeitos em estudo. Apesar
de muitos estudos iniciais terem sido
conduzidos com animais, os objetivos da
pesquisa foram geralmente concebidos
no sentido de compreender e prever o
comportamento humano. Os resultados
eram concebidos como verdades univer-
sais ou leis que se poderiam aplicar a um

16 Serão feitas referências específicas aos trabalhos re-


alizados em contexto acadêmico português.
17 Essencialmente do sexo masculino.
53
largo leque de indivíduos em diferentes
situações e tempo.
Face a este panorama, é compreensí-
vel imaginar como a luta por uma psico-
logia feminista, discordante dos pressu-
postos da psicologia tradicional, pode ser
difícil de conceber.
Apesar de toda a “impossibilidade”
imaginada, pode-se assumir que a psico-
logia feminista foi alimentada no solo do
amplo movimento feminista. No entanto,
a influência imediata deste movimento
não se fez sentir logo na ciência nem no
seio da psicologia (Amâncio, 2001)18. As
mulheres tiveram que lutar para se tor-
narem visíveis enquanto profissionais na
ciência; à medida que se tornavam um
grupo maior, foram progressivamente

18A Psicologia tem sido, dentro das Ciências Sociais, a


disciplina mais resistente à teorização feminista (Cole,
2009).
54
lutando por transformações no seio da
própria ciência.

“A ciência que se fazia


na altura, sobretudo experi-
mental e de orientação com-
portamentalista, mantinha-
se alheada das questões sus-
citadas pelos novos movi-
mentos sociais e ignorava as
mulheres enquanto sujeitos e
objetos de pesquisa”. (...) A
necessidade de criar um es-
paço de visibilidade e reco-
nhecimento para o trabalho
desta nova geração de inves-
tigadoras conduziu a emer-
gência da psychology of wo-
men, que se institucionalizou
com a criação da Divisão 35
(Psychology of Women Divi-
sion) no seio da APA, em
55
1974 e se afirmou, no seio da
comunidade científica, com a
fundação das revistas Sex-ro-
les, em 1975 e Psychology of
Women Quarterly, em 1977”
(Amâncio, 2001, pp. 11,12).

Desde essa época, e num breve perí-


odo de tempo, as psicólogas feministas
tornaram a sua presença conhecida atra-
vés de múltiplos esforços de rever e de
reconstruir a disciplina19.

19 Os estudos feministas permearam áreas substanti-


vas da pesquisa psicológica e do conhecimento. O ati-
vismo feminista deu origem e promoveu novas estru-
turas dentro das associações da psicologia, um subs-
tantivo aumento do número de mulheres no poder e
na liderança. Na Associação Americana de Psicologia,
que tem cerca de 160,000 membros, a divisão intitu-
lada “Sociedade para a psicologia das Mulheres” é atu-
almente a quinta maior em termos de membros, num
conjunto de 55 divisões (Worell, 2000). Os grupos de
mulheres dentro da APA fizeram lobby para obtenção
56
No início dos anos 70, as psicólogas
feministas questionaram o enviesamento
androcêntrico do conhecimento psicoló-
gico, o qual acreditavam refletir um mo-
delo masculino da realidade. Apontaram
que muitos pesquisadores, assim como
os sujeitos que estes estudavam, eram es-
sencialmente homens; os tópicos que es-
tudavam, como por exemplo a assertivi-
dade e a agressão, eram preocupações

de recursos de pesquisa, promoveram agendas e polí-


ticas cujo foco era, por exemplo, a saúde das mulheres
ou o bem-estar. No entanto, é importante referir que
muitas das psicólogas feministas que foram referên-
cias fundamentais na sua época acabaram por passar
algum tempo das suas carreiras em departamentos de
estudos sobre as mulheres, onde a interdisciplinari-
dade é fundamental, e isso de certo modo foi impor-
tante para as suas teorias. Falo por exemplo de Sandra
Bem, que depois de lhe ter sido recusada a tenure em
Stanford, foi dirigir o Departamento de Women's Stu-
dies de Cornell por vários anos (de 1978 a 1985) (Ste-
wart & Dottolo, 2006).
57
masculinas, e que os resultados das pes-
quisas baseadas em amostras masculinas
eram assumidos como se se aplicassem
também às mulheres (Crawford & Mare-
cek, 1989)20. Estes estudos iniciais provi-
denciaram o ímpeto para a semente de
um campo de pesquisa sobre as mulheres
e sobre os múltiplos significados do gê-
nero.

20 Quando as mulheres eram objeto de estudo eram


avaliadas de acordo com os standards masculinos de
forma que a personalidade assim como o comporta-
mento das mulheres eram vistos como desviantes ou
deficientes, porque em comparação. Por exemplo, nas
pesquisas iniciais que se focalizavam sobre as diferen-
ças sexuais, assumia-se que em comparação com os
homens as mulheres eram menos motivadas para a re-
alização, menos assertivas e menos competentes em
ciência e em matemática. Estas presumíveis deficiên-
cias eram vistas como estereótipos para todas as mu-
lheres e eram usados para negar às mulheres a en-
trada, assim como a progressão, em contextos e domí-
nios de emprego tradicionalmente masculinos.
58
Nos anos subsequentes, as psicólo-
gas feministas contribuíram com aborda-
gens inovadoras no desenvolvimento de
teoria, de medidas e de abordagens em
diferentes áreas, apesar da sua influência
em termos de pesquisa, no geral, ser di-
minuta. Para além disso, em muitas áreas
houve, e ainda há, resistência à mu-
dança21. As barreiras mantêm-se quando
o termo “feminismo” define a compreen-
são ou o processo de pesquisa22.

21Entre as mais resistentes, Worell (2000) refere a psi-


cologia forense, a psicologia social tradicional, a psico-
logia da personalidade assim como a psicologia do de-
senvolvimento.
22 Apesar de, pela mesma época, certos artigos come-
çarem a ser publicados em revistas científicas não es-
pecíficas do domínio, esta situação não foi regra (ainda
não o é) e continuam a ser as revistas ligadas à temá-
tica, o meio mais influente de passagem de comunica-
ção. Torna-se claro que o conhecimento psicológico se
mantém cauteloso sobre as questões feministas e que
estas continuam nas margens.
59
A psicologia tradicional tende a fun-
cionar dentro da designada “torre de
marfim”, isto é, a pesquisa conduzida é
valorizada pelo seu valor intrínseco
como informação básica acerca do com-
portamento humano e da condição hu-
mana. Pelo contrário, as psicólogas femi-
nistas promoveram o princípio do ati-
vismo social, da implicação com causas
para os grupos sub-representados. Nesta
perspectiva, a pesquisa que é socialmente
relevante para a vida das mulheres e das
famílias é altamente valorizada, em parte
porque é mais provável que se traduza
em políticas que beneficiem as mulheres
(e os homens) e que remedeiem as injus-
tiças sociais.
A pesquisa psicológica socialmente
relevante tem sido eficaz no advogar de
causas como o direito ao aborto (Oliveira,
2009), a luta contra a violência de gênero

60
(Azambuja & Nogueira, 2008a; Azam-
buja, & Nogueira, 2008b; Azambuja &
Nogueira 2007; Neves & Nogueira 2004;
Neves, 2008), aos direitos de pessoas lés-
bicas, gays, bissexuais e transgênero (No-
gueira & Oliveira, 2010; Oliveira, Pena &
Nogueira,2010), às iniciativas para apoio
à saúde das mulheres (Azambuja & No-
gueira, 2010 ; Strey, Nogueira & Azam-
buja, 2010), as questões da sexualidade
feminina (Costa, Nogueira, & Lopez,
2009; Saavedra, Nogueira & Magalhães,
2010), as questões associadas às masculi-
nidades (Ribeiro, Paul & Nogueira, 2007;
Neto, & Nogueira, 2009) e muitas outras
questões que afetam o bem-estar das mu-
lheres e dos homens e que são de impor-
tância fulcral.
Neste papel de defensora de causas,
atuando como ativismo científico (Han-
kivsky et al., 2010), a psicologia feminista

61
tem sido influente no deslocar da psico-
logia tradicional face a uma posição mais
ativista, no sentido da transformação so-
cial.
Apesar da hostilidade ou ambiva-
lência da "disciplina-mãe", a psicologia
feminista teve, e foi influente em algu-
mas esferas. Entre elas podem-se salien-
tar os seguintes aspectos (Worell, 2000):
1) a criação de novas áreas de pesquisa,
novos assuntos e (re)nomear de proble-
mas, sendo o melhor exemplo a questão
da violência contra as mulheres, e a vio-
lência de gênero; 2) o questionar de mé-
todos de pesquisa e de prioridades, por
exemplo, a inclusão de métodos qualita-
tivos e preocupação com investigação as-
sociada às desigualdades e às discrimina-
ções; 3) novas abordagens à prática clí-
nica e terapêutica, onde se pode atual-

62
mente situar o campo das terapias femi-
nistas23; e finalmente, 4) a integração da
problemática da diversidade chamando
a atenção para as diferenças entre as mu-
lheres.
Apesar de existirem um conjunto de
pressupostos que caracterizam a psicolo-
gia feminista, apresentados anterior-
mente, este domínio não está isento de
conflitos ideológicos e desacordos inter-
nos. Dentro da psicologia feminista, pelo
menos três áreas promovem o diá-

23 As terapeutas feministas tipicamente e frequente-


mente, assumem que os sintomas das mulheres como
as suas tentativas de “coping” com situações patológi-
cas, mais do que refletindo patologias dentro das pró-
prias mulheres, resultam de fontes externas associa-
das a um sistema assimétrico de poder. Esta perspec-
tiva posiciona a patologia das mulheres num contexto
social e político.
63
logo/debate contínuo, mas também di-
vergências24. São elas: a) a escolha da de-
signação de psicologia feminista versus
psicologia de mulheres; b) o assumir do
essencialismo versus construcionismo so-
cial; e c) assumir o gênero versus diversi-
dade na opressão das mulheres.
Face a estas posições ou divergên-
cias, neste texto apenas um dos polos das
divergências será assumido. A designa-
ção de psicologia feminista (e não psico-
logia das mulheres) com um posiciona-
mento construcionista social (não essen-
cialista) é claramente a base fundacional
teórica e epistemológica deste trabalho.
A questão da diversidade será alvo de

24 As controvérsias mais fundamentais com as quais a


psicologia feminista tem de se confrontar no presente,
apesar de específicas, não são distintas (do ponto de
vista do seu caráter epistemológico) daquelas que se
equacionam no seio do próprio feminismo de uma
forma geral.
64
discussão porque inicia o debate sobre a
teoria da interseccionalidade, ponto cen-
tral deste texto.
Se se assumir que a Psicologia femi-
nista foi tendo diferentes posicionamen-
tos em diferentes épocas, aliás como ve-
remos no ponto adiante relativos ao
sexo/gênero nas diferentes ondas do fe-
minismo, não deixa de ser importante re-
ferir, como salientam Stewart e Dottolo
(2006), que a maioria dos trabalhos da
nova geração de psicólogas feministas
são em temas como corpo, sexualidade,
estudos transgêneros, intersexo, tópicos
que são familiares aos estudos interdisci-
plinares dos Women's Studies e muito li-
gados aos trabalhos de orientação pós-
moderna. Muitos destes trabalhos, al-
guns deles publicados nas revistas mais
mainstream da psicologia, derivam de te-
orias e de discursos particularmente não

65
familiares aos psicólogos/as e à Psicolo-
gia, como é exemplo o trabalho de Michel
Foucault, agora muito citado (Stewart &
Dottolo, 2006). Em contraste com a gera-
ção anterior, principalmente da segunda
onda, as/os jovens pesquisadoras usam
métodos que são familiares na psicologia
de forma muito flexível, às vezes de
forma muito pouco ortodoxa. Estas/es
pesquisadoras/es parecem estar envolvi-
das em algumas tarefas importantes:
conduzem uma investigação que de al-
gum modo se baseia em trabalho de fe-
ministas que as/os precederam, encon-
tram argumentos para justificar métodos
e pesquisa mistos ou mesmo alternativos,
e apelam à interdisciplinaridade. Esta
nova geração parece criar novas fusões e
integrações que acabam por ser diferen-

66
tes do trabalho gerado na geração ante-
rior25.
Pode-se afirmar que apesar da exis-
tência de conflitos internos, e de debates
contínuos, a psicologia feminista conti-
nua a crescer e a mostrar-se frutífera no
levantar de problemas e soluções alterna-
tivas construtivas assim como aborda-
gens inovadoras. As/os psicólogas/os
feministas aspiram à promoção de uma
disciplina aberta à mudança, que valo-
rize e promova a igualdade e a justiça so-
cial entre grupos e indivíduos e que seja
ativa na insistência para o bem-estar quer

25Serão estas jovens psicólogas/os feministas adeptos


da "agenda feminista geracional" já referida trás? Se-
gundo as informações que as autoras Stewart e Dolloto
(2006) referem, estas cientistas parecem admitir ele-
mentos que as distanciam dessa vertente geracional
mais radical. No entanto, será importante seguir estes
desenvolvimentos e ir questionando as suas conse-
quências teóricas, mas também políticas.
67
de homens quer de mulheres de todos os
grupos.
Concluindo, pode-se dizer que a psi-
cologia, como o feminismo, não é unitá-
ria, mas representa uma variedade de
pontos de vista, métodos e áreas de es-
tudo (Phoenix, 1990). A pesquisa condu-
zida pelas feministas tem muito a dar à
disciplina da psicologia, muito embora
não exista uma metodologia feminista
que todas as feministas subscrevam (Do-
mício & Nogueira, 2009; Neves, & No-
gueira, 2004; Neves, & Nogueira, 2005;
Nogueira, Saavedra, & Neves, 2006).
Esta diversidade de perspectivas in-
fluencia a pesquisa que elas escolhem fa-
zer e os métodos que usam, existindo, no
entanto, grandes temas com os quais
as/os feministas parecem concordar
(Phoenix 1990; Wilkinson 1986) e que
normalmente implicam uma avaliação
crítica do processo de pesquisa em si
68
mesmo.
Penso como Kitzinger (1990), que ser
feminista significa ser responsável face a
outras feministas pela psicologia que se
faz, e como psicóloga, ser responsável
face à psicologia pelo feminismo. Apesar
da etiqueta de psicologia feminista poder
ser considerada uma contradição nos ter-
mos (no sentido de uma ciência positi-
vista, logo neutra e objetiva), assumo
esse posicionamento e essa responsabili-
dade. Adiante, no ponto relativo à rela-
ção do gênero com as posições da crise da
segunda onda, assumirei claramente as
bases teórico-epistemológicas e políticas
desta posição: uma psicologia feminista
crítica.

69
A psicologia (das mulheres) na
primeira onda

A psicologia nasce como ciência ao


mesmo tempo que se inicia a primeira
onda do feminismo. Por isso não se fazia
sentir o efeito nem a presença do femi-
nismo e só em alguns casos muito parti-
culares se assistiu a referências individu-
ais que se poderiam denominar de femi-
nistas (Saavedra & Nogueira, 2006).
No início do século XX, nos Estados
Unidos da América, a nova geração de
mulheres estava pressionada pela inde-
pendência econômica e os direitos políti-
cos e os homens envolvidos numa "nova"
masculinidade, com reflexos óbvios na
psicologia americana (Minton, 2000).
Com homens a dominar a disciplina, a
psicologia científica que estava a nascer e
70
a consolidar-se, projetou os valores desse
"novo" homem. Minton refere os nomes
de psicólogos proeminentes como G.
Stanley Hall, James Cattell e William Ja-
mes como exemplos dessa psicologia an-
drocêntrica. Poucas mulheres desafiaram
o viés androcêntrico, já que para serem
aceites, a maioria escolheu imitar as abor-
dagens da psicologia que foram defendi-
das por seus pares masculinos. Algumas,
no entanto, foram sensíveis à experiência
das mulheres, sendo que as mais notadas
foram Maria Whiton Calkins, Helen Tho-
mpson Woolley e Leta Stetter Hol-
lingworth26.
Por volta dos anos 20, a inconsistên-
cia dos resultados encontrados sobre as

26 Parauma revisão mais pormenorizada dos trabalhos


destas autoras sugere-se a leitura de (Minton, 2000) e
(Saavedra & Nogueira, 2006).
71
diferenças entre os sexos, pesquisa domi-
nante até à altura, fez com que este domí-
nio da psicologia fosse um pouco “posto
de lado". Contudo, alguns persistiram
neste domínio de investigação, sendo os
mais bem-sucedidos Lewis Terman e Ca-
therine Cox Miles (Morawski, 1990). O
trabalho desenvolvido por este autor e
autora, a partir de 1936, tinha como prin-
cipal objetivo identificar e medir atribu-
tos psicológicos de homens e mulheres a
fim de revelar incongruências entre o
sexo biológico e o sexo psicológico. Este
tipo de investigação obteve grande po-
pularidade e veio a dar origem a um con-
junto de estudos em que foram determi-
nadas as características típicas de ho-
mens e mulheres, mudando-se, assim, o
centro da atenção das diferenças intelec-
tuais para as diferenças de personalidade
entre os sexos. Mais tarde, em 1955, Par-
sons e Bales, provenientes da sociologia,
72
mas com grande influência na psicologia
social, baseando-se na orientação de pa-
péis na família, associaram a figura mas-
culina à instrumentalidade e a feminina à
expressividade. O bom desempenho dos
papéis (de expressividade para as mulhe-
res e de instrumentalidade para os ho-
mens) orientaria a personalidade indivi-
dual (Lorenzi-Cioldi, 1994). É através do
processo de socialização dos papéis sexu-
ais (socialização feita essencialmente no
seio da família) que determinados papéis
sociais seriam associados a cada um dos
sexos, definindo-se deste modo as dife-
renças no perfil de personalidade de ho-
mens e mulheres (Amâncio, 1994).
A partir destes trabalhos, ficaram
criadas as condições não só para o apare-
cimento imediato dos temperamentos
masculinos e femininos, como também
para o início de um vasto programa de

73
pesquisa sobre as diferenças sexuais, ba-
seado na simplicidade da dualidade de
papéis, e assistindo-se à redução dos
temperamentos masculinos e femininos à
posse de traços de personalidade (Hare-
Mustin & Marecek, 1994; Lorenzi-Cioldi,
1994). Assumem-se disposições indivi-
duais consistentes e estáveis, os traços,
sendo as personalidades femininas e
masculinas tomadas a priori para justifi-
car, por exemplo, a desigualdade no
acesso a posições de chefia, suposta-
mente requerendo traços instrumentais,
logo masculinos.
A imagem de uma mulher que difere
do homem pela sua emocionalidade mais
rica e variada, que condiciona o seu com-
portamento quotidiano, sendo igual-
mente tímida, dócil, vaidosa e sem espí-
rito de aventura, torna-se uma espécie de
protótipo de temperamento que vem as-
sim a constituir-se como uma norma,
74
para um grupo.
A nível dos programas de pesquisa
na psicologia passou-se, assim, do estudo
das diferenças entre os sexos com expli-
cações biológicas para, depois dos anos
30, se assumir a assunção da diferença de
personalidade entre homens e mulheres.
Diferenças consideradas estáveis e uni-
versais e de cariz intrapsíquico (Saavedra
& Nogueira, 2006). Deste modo, a psico-
logia continuou a reforçar as diferenças,
acentuando a inferioridade das mulhe-
res, remetendo-as ao lar e à família, onde
as suas características seriam bem adap-
tadas.
Apesar de muitas investigadoras te-
rem realizado um trabalho importante
para refutar as teorias biológicas acerca
das diferenças sexuais e os papéis de gê-
nero (Bohan, 1992), este trabalho não foi
institucionalizado como importante para
a psicologia e acabou por desaparecer
75
das memórias da investigação em psico-
logia com o advento da segunda onda do
feminismo (Unger, 2010).

76
O gênero na segunda onda

Teria de se esperar pelo impacto da


segunda onda do feminismo na década
de 60 para que o viés androcêntrico da
psicologia fosse seriamente desafiado
(Minton, 2000) e novos programas de
pesquisa, agora claramente feministas,
ou informados pelas teorias feministas,
pudessem surgir.
No entanto, esta influência não foi
imediata (Amâncio, 2001). As mulheres
tiveram que lutar para se tornarem visí-
veis enquanto profissionais na ciência e
as críticas feministas à ciência psicológica
foram sempre difíceis de aceitar, possi-
velmente devido à ênfase positivista que
dominava a disciplina, e que se funda-
mentava na neutralidade e na objetivi-
dade (Hare-Mustin & Marecek, 1988;

77
1990). A procura do conhecimento cientí-
fico supõe-se ser neutra, objetiva, desa-
paixonada e desinteressada (pelo menos
em termos da perspectiva da ciência mo-
derna), procurando proteger os resulta-
dos da pesquisa dos valores sociais dos
pesquisadores e das suas culturas. Se ser
feminista, implica uma clara defesa dos
interesses de um grupo, assumir o femi-
nismo na ciência psicológica seria assu-
mir como que a sua não-neutralidade
(Harding, 1994; Kitzinger, 1991; No-
gueira, 2001a).
Uma onda de interesse face a uma
nova psicologia do gênero (ou das mu-
lheres) começou a consolidar-se essenci-
almente devido ao estabelecimento de
organizações feministas e de revistas ci-
entíficas do domínio.
Como refere Lígia Amâncio:

78
"Nascido no intenso
debate que o feminismo da
segunda onda gerou, o con-
ceito de gênero difundiu-se
rapidamente nas ciências so-
ciais, se considerarmos a cro-
nologia de alguns textos de
referência, como o de Ann
Oakley (1972) para a sociolo-
gia, o de Rhoda Unger (1979)
para a psicologia social e o de
Joan Scott (1988a) para a his-
tória" (2003, p. 687).

No entanto, apesar da criação do


conceito de gênero que distinguia o sexo
biológico inscrito no corpo, do gênero,
cujos atributos ou características tinham
origem social e cultural, quando surgiu a
necessidade de criar um espaço de visibi-
lidade e reconhecimento para o trabalho
desta nova geração de investigadoras
79
surge a divisão da Psychology of Women27,
e não uma de Psicologia Feminista.
As incongruências observadas e sali-
entadas pelas críticas feministas e pelas
epistemologias empiricistas (e de stand-
point) para além da investigação em prol
da desmistificação do programa de pes-
quisa sobre diferenças sexuais vão estar
na origem de algumas teorias muito re-
conhecidas e difundidas. São elas essen-
cialmente a teoria da androginia formu-
lada inicialmente por Sandra Bem (Bem,
1981; 1974; 1993), a teoria do papel social
de Alice Eagly (1987) e a teoria de desen-
volvimento moral de Carol Gilligan28,

27Que se institucionalizou com a criação da Divisão 35


(Psychology of Women Division) no seio da APA.
28E porque Carol Gilligan se situa no domínio da Psico-
logia do Desenvolvimento, não será aqui referida. Re-
comenda-se a leitura do seu livro In a different voice,
de 1982. Em síntese, a autora contrapõe às conclusões
80
três das grandes contribuições feministas
(americanas) efetuadas no decorrer da
segunda onda do feminismo, apesar de
estas se posicionarem de forma diferente
entre si quanto às teorias feministas sub-
jacentes29.

de Lawrence Kohlberg de que as mulheres não atin-


gem os últimos níveis ou estádios de desenvolvimento
moral, com investigação só com mulheres, onde ela
conclui que as mulheres possuem valores morais dis-
tintos ligados à esfera emocional e do cuidado, logo, a
teoria de Kohlberg estaria desadequada para a avalia-
ção das mulheres. Deste trabalho inicial surge todo um
programa e pesquisa e teorias feministas que ainda
hoje se mantêm associadas ao feminismo da diferença,
ecologista ou pacifista. A postura de Gilligan é essenci-
almente de epistemologia de standpoint feminista,
centrada nas mulheres e também por isso essencia-
lista.
29 Dado o ponto central deste texto incidir particular-
mente sobre o gênero na crise da segunda onda e iní-
cios da terceira, farei apenas uma breve apresentação
de três das figuras mais reconhecidas internacional-
81
A teoria da androginia, que surge no
início dos anos 70, da investigadora San-
dra Bem, pretende desafiar a perspectiva
dualista acerca dos sexos que se manti-
nha na psicologia social desde os traba-
lhos de Terman e Miles e de Parsons e Ba-
les (Morawski, 1990). A androginia su-
gere a combinação de atributos femini-
nos e masculinos, eliminando a suposi-
ção do dualismo de gênero. Não assume
nenhuma ligação entre sexo biológico e
gênero psicológico (Morawski, 1990) e
pretende essencialmente que as mulhe-
res se libertem das orientações comporta-
mentais consideradas adequadas ao seu
sexo (Amâncio, 1994). Como refere Amâ-
ncio (1994), a hipótese central do modelo

mente da segunda onda, americanas, apesar de reco-


nhecer a existência de todo um trabalho de origem an-
glo-saxônica e, também, europeia fundamental nesta
época.
82
de Bem sugeria que os indivíduos andró-
ginos (que alteram comportamentos fe-
mininos e masculinos em função das si-
tuações) possuíam uma autoestima mais
elevada assim como bem-estar superior.
No entanto, esta noção revelou-se, de
forma algo paradoxal, inconveniente e
desapropriada para as perspectivas femi-
nistas (Amâncio, 1994; Morawski, 1990).
A questão principal residia no facto de o
modelo da androginia continuar a reco-
nhecer os conceitos convencionais de fe-
minilidade e masculinidade, retendo o
dualismo clássico e a afirmação de algu-
mas diferenças de gênero “reais”, isto é,
a existência de entidades reais e internas
do ponto de vista psicológico (Morawski,
1990). Definindo certos traços de perso-
nalidade estereotipados para homens e
para mulheres, acaba-se por perpetuar o
mito de que os dois sexos são realmente

83
e “essencialmente” (Nogueira, 2001c) di-
ferentes um do outro.
Alice Eagly (1987) elaborou a sua te-
oria de papel social, sendo a sua tese cen-
tral a ideia de que as diferenças sexuais
são um produto dos papéis sociais que
regulam o comportamento na vida
adulta (em oposição a muitas teorias das
diferenças sexuais baseadas quer em fa-
tores biológicos, quer na socialização in-
fantil precoce). Considerando que as ex-
plicações baseadas nos papéis sociais que
controlam a vida adulta não tinham sido
ainda alvo de qualquer tentativa unifica-
dora, no sentido da organização de uma
teoria distintiva do comportamento se-
xual tipificado, decidiu interpretar as di-
ferenças sexuais no comportamento so-
cial em termos de uma única perspectiva
social-normativa. Os papéis de gênero
são definidos como aquelas expectativas

84
partilhadas acerca das qualidades e com-
portamentos apropriados dos indiví-
duos, em função do seu gênero social-
mente definido. Estes papéis de gênero
induzem quer direta quer indiretamente
as diferenças sexuais estereotipadas. Na
medida em que homens e mulheres não
estão proporcionalmente representados
em papéis sociais específicos, acabam por
adquirir diferentes competências e cren-
ças que, por sua vez, afetam o seu com-
portamento social. Algumas críticas a
esta teoria incidem quer na concepção de
papel de gênero, como uma causa e não
um efeito (Amâncio, 1994) quer sobre al-
gumas questões que deixa por colocar
(Hare-Mustin & Marecek, 1994), tais
como: quais as origens dos papéis de gê-
nero? Como se explica a dominância do
homem e a subordinação da mulher?
Será a dominância masculina o resultado

85
de uma fraca aprendizagem de compe-
tências por parte das mulheres?
Apesar da ênfase na socialização, de-
fendida por Eagly, ter implicado uma
desfocagem do aspecto biológico, a favor
de uma ênfase no condicionamento cul-
tural (Amâncio, 1992), o sistema social
das relações de gênero continuou a não
ser questionado.
Concluindo, se, até os anos 60, du-
rante a primeira onda do feminismo, a
psicologia assumiu como dado adqui-
rido que as mulheres e os homens eram
diferentes, sendo a ausência de diferen-
ças encontradas sistematicamente igno-
radas (Maccoby & Jacklin, 1974; Hare-
Mustin & Marecek, 1990), nos vinte anos
que se seguem o grande debate passa a
ser analisar em que medida as mulheres
são iguais ou diferentes dos homens e o
que suporta essa igualdade ou diferença.
Nesses anos os pressupostos teóricos e as
86
investigações vão dividir-se entre: 1) ar-
gumentação para justificar a igualdade
de características entre os gêneros (exem-
plo: a teoria de Sandra Bem da Androgi-
nia); 2) argumentações para justificar as
diferenças entre os gêneros (exemplo: te-
oria da Alice Eagly dos papéis sexuais);
3) valorização das diferenças entre os gê-
neros (exemplo: teoria do desenvolvi-
mento moral de Carol Gilligan).
Na psicologia, as feministas insisti-
ram no reconhecimento e na afirmação
do sexismo, quer no desenvolvimento de
hipóteses quer nos procedimentos adop-
tados para as validar, na reivindicação de
expansão da área de pesquisa de forma a
incluir um enfoque na experiência das
mulheres, e na necessidade de se estudar
as consequências da dominação mascu-
lina para o desenvolvimento pessoal e
para a interação social.

87
A perspectiva feminista na psicolo-
gia originou o levantamento de novas
questões, a introdução de novos concei-
tos, modelos e problemas, uma ênfase no
significado do gênero em termos do seu
valor como estímulo, como prescrição de
papel e relação de poder. Pode dizer-se
que hoje o seu trabalho (quer teórico quer
empírico) é reconhecido e apreciado.
Como já se referiu, na psicologia
desta época as psicólogas feministas fo-
ram essencialmente de epistemologia
empiricista e o seu programa incidiu so-
bretudo na remoção dos enviesamentos
sexistas e androcêntricos da pesquisa,
mas permitiu ainda assim, que muito fi-
casse por questionar. A psicologia empi-
ricista feminista não desafiou as crenças
acerca dos sujeitos das pesquisas e dos
observadores, os fundamentos do mé-
todo científico, da observação, da análise,
da predição e da generalização. O fato de
88
ter entrado numa lógica empiricista, não
eliminou a marginalidade das mulheres
(afinal um objetivo primordial deste fe-
minismo), e não promoveu o pensa-
mento reflexivo autocrítico necessário
para compreender o sexismo e promover
novas ideias e novos sistemas (Burman,
1990; Wilkinson, 1986). Pelo contrário, a
ciência feminista empiricista continuou a
tomar o homem como a perspectiva ge-
ral, sendo a mulher o “outro” problema-
tizado (Morawski, 1990). Por isso, por
volta dos anos 80 surgem perspectivas
críticas provenientes de epistemologias
pós-modernas (Harding, 1986) e, particu-
larmente na psicologia, a perspectiva do
construcionismo social 30, perspectivas es-

30 Para um estudo detalhado do construcionismo social

na psicologia recomenda-se a leitura de Burr (1995;


1998), Gergen (1973; 1982; 2001), Gergen (2001), Ger-
gen e Davis (1997), Nogueira, (2001a, 2001c, 2001d) e
89
sas que vieram posteriormente a inaugu-
rar o que hoje se situa nas teorias da ter-
ceira onda.
Era necessário um projeto psicoló-
gico feminista que rejeitasse o dualismo e
o essencialismo (Harding, 1986), a
grande armadilha dos debates em volta
da igualdade e da diferença.
Por isso, e ainda durante o período
considerado de segunda onda, surgiram
várias perspectivas críticas que foram
fundamentais para o advento da terceira
onda do feminismo e consequentes im-
plicações para o estudo do gênero na psi-
cologia.
Por ser um período de transição en-
tre ondas feministas é importante fazer
um ponto específico para este período, si-
tuação que não é usual. Frequentemente

Nogueira, Neves e Barbosa (2005).


90
fala-se deste período como sendo a época
da crise da segunda onda (anos 80) ou o iní-
cio da terceira onda.

91
O Gênero na crise da segunda
onda

Pode-se assumir que a epistemologia


pós-moderna, decorrente da propagação
dos ideais do pós-modernismo nas ciên-
cias em geral, a teoria construcionista so-
cial na psicologia e as críticas provenien-
tes do feminismo negro (enfatizando a
diversidade entre as mulheres) foram as
perspectivas precursoras, que tendo-se
iniciado ainda durante a segunda onda,
começaram naquele período, a anunciar
a crise e a futura entrada na terceira onda
do feminismo (Mann & Huffman, 2005).
Talvez a ideia mais importante das
perspectivas pós-modernas seja a nega-
ção da procura da verdade universal e
absoluta (Flax, 1990; Harding, 1990; Ro-
senau, 1992). Esta verdade, característica
do feminismo empiricista, reconhecia a
92
existência de um “indivíduo conhece-
dor” estável e autônomo, a possibilidade
de conhecimento objetivo e desinteres-
sado, a existência de lógica, de racionali-
dade, de razão (independentemente de
qualquer sistema social) e a crença na va-
lidade da linguagem para descrever a re-
alidade (Benhabib, 1990; Freud, 1994; So-
per, 1994).
O feminismo pós-modernista forne-
cia algumas propostas para concepções
alternativas à “verdade” no sentido do
progresso, assim como à produção do co-
nhecimento (Flax, 1990; Fraser & Nichol-
son, 1990). Entre estas possibilidades
para uma nova metateoria, pode-se en-
contrar o reconhecimento da identidade
como fragmentada, plural, em conflito e
o reconhecimento de que os modelos de
conhecimento e verdade dependem das
relações sociais estabelecidas num deter-
minado contexto histórico e dependendo
93
dos interesses individuais (Burr, 1995).
Nos trabalhos das feministas pós-
modernistas, a linguagem e as relações
sociais tornam-se centrais para a produ-
ção do conhecimento, e para a represen-
tação da experiência (Wilkinson &
Kitzinger, 1995). O conhecimento é reco-
nhecido como necessariamente pragmá-
tico e parcial, e o papel do conhecedor/a
como inerentemente social e político
(Flax, 1990).
Pode-se considerar a perspectiva
construcionista social um núcleo do pós-
modernismo que se propagou para a Psi-
cologia (Freud, 1994). O construcionismo
social é uma alternativa que pode permi-
tir dirigir a energia feminista para novas
e mais válidas formas de pesquisa. Re-
quer uma abordagem autorreflexiva, e
uma análise crítica das categorias estabe-
lecidas do discurso psicológico (Hare-
Mustin & Marecek, 1990). Nesta nova
94
perspectiva, a literatura psicológica so-
bre as diferenças entre homens e mulhe-
res não representa um registro cumula-
tivo de conhecimento acerca da “ver-
dade”, de como são “realmente” esses in-
divíduos. As categorias do conhecimento
são descrições ou propostas de experiên-
cia, modeladas de acordo com os padrões
culturais. Para um construcionismo so-
cial feminista a literatura psicológica das
diferenças entre homens e mulheres é,
portanto, um produto cultural e relacio-
nal (Hare-Mustin & Marecek, 1994).

95
Uma Psicologia feminista
(construcionista social) crítica

Segundo Lígia Amâncio (1999),


“apesar da já longa existência do conceito
de gênero, as ciências sociais têm tido di-
ficuldade em construir um modelo de
análise teórico e consistente das relações
entre os sexos que corresponda a uma
verdadeira descentração epistemológica
do dualismo associado ao sexo biológico
“(p. 2).
Na minha perspectiva, só uma psico-
logia feminista (construcionista social)
crítica31 permite essa dissociação de

31Nesta parte cita-se extensamente um trabalho pes-


soal publicado em 2001 na revista Psicologia. Nessa al-
tura, representou a apresentação desta perspectiva
num número especial organizado por Lígia Amâncio
sobre Gênero, aliás, o primeiro número especial orga-
nizado em Portugal numa Revista de Psicologia.
96
forma fundamental.
O construcionismo social (análise do
discurso ou mesmo psicologia crítica em
função de diferentes nuances dentro de
uma postura epistemológica “próxima”)
na psicologia, protagoniza o que Sandra
Harding designa como epistemologia
pós-moderna e que se constitui de forma
distinta das duas outras abordagens epis-
temológicas, a empiricista e a de stand-
point feminista.
Segundo Bohan (1997) e Howard e
Hollander (1997), as duas perspectivas
(empiricista e de standpoint) são princi-
palmente essencialistas, isto é, conceitua-
lizam o gênero como característica per-
manente e estável nos indivíduos. O es-
sencialismo não implica necessariamente
determinismo biológico ou uma ênfase
do biológico para a explicação das espe-
cificidades do gênero (embora historica-
mente o determinismo biológico tenha
97
sido uma forma de essencialismo refe-
rente ao gênero). É o fato de se assumir a
existência de qualidades ou característi-
cas de e nos indivíduos, e não as suas ori-
gens (biológicas ou sociais) que define o
essencialismo (Crawford, 1995). Os mo-
delos essencialistas assumem o gênero
em termos de atributos internos e persis-
tentes, mas separados das experiências
de interação que se vão sucedendo nos
contextos diários, sociopolíticos da vida.
Como refere Hare-Mustin e Marecek
(1990), a reafirmação de qualidades es-
senciais negligencia a complexidade e o
dinamismo do comportamento genderi-
zado que se estabelece durante as rela-
ções sociais, reificando um jogo de dife-
renças que estão sempre em mudança,
em dualismos estáticos exagerados
(idem, 1990).
A distinção entre os termos "sexo" e

98
"gênero", sugerida e desenvolvida du-
rante a segunda onda do feminismo, foi
uma tentativa (significativa) de separar o
sexo biológico do social – o gênero (Amâ-
ncio, 1994) e deste modo possibilitar a crí-
tica social (Crawford, 1995). No entanto,
a força cultural do essencialismo acabou
por manter a distinção, dando lugar à
confusão, inconsistência e problemas de
terminologia. Novas diferenças sexuais,
virtualmente idênticas às publicadas dé-
cadas atrás, começaram e são etiquetadas
como diferenças de gênero.
Estas novas diferenças são iguais às
antigas, mas "vestidas" de outro modo,
isto é, continuam a situar-se dentro dos
indivíduos, descontextualizadas social-
mente e rapidamente biologizadas. Ironi-
camente, uma pretensão feminista que
visava teorizar a construção social da
masculinidade e da feminilidade, é agora
a mesma estratégia que a obscurece.
99
A própria noção de "psicologia da
mulher" é essencialista porque sugere
que as mulheres (como grupo unitário)
partilham uma psicologia (um conjunto
de qualidades, traços e capacidades, ina-
tas ou adquiridas) que, presumivel-
mente, lhes condiciona o comportamento
(Hare-Mustin & Marecek, 1990). Outra
consequência importante é que quando
os traços estão localizados nos indiví-
duos a responsabilidade da mudança fica
colocada nas pessoas e não na sociedade
(Bohan, 1997).
Em contraste com uma perspectiva
essencialista, o construcionismo social
assume o gênero como uma construção
social, um sistema de significados que se
constrói e se organiza nas interações, e
que governa o acesso ao poder e aos re-
cursos (Crawford, 1995; Denzin, 1995).
Não é por isso um atributo individual,

100
mas uma forma de dar sentido às transa-
ções: ele não existe nas pessoas, mas sim
nas relações sociais.
Os processos relacionados com o gê-
nero influenciam o comportamento, os
pensamentos e os sentimentos dos indi-
víduos, afetam as interações sociais e aju-
dam a determinar a estrutura das insti-
tuições sociais (Crawford, 1995). Como o
gênero é uma ideologia dentro da qual as
diferentes narrativas são criadas, as dis-
tinções de gênero ocorrem de forma dis-
seminada na sociedade. O discurso do
gênero envolve a construção da masculi-
nidade e da feminilidade como polos
opostos e a essencialização das diferen-
ças daí resultantes.
O construcionismo social (Gergen,
1982, 1994), assim como a filosofia de ten-
dência pós-modernista (Flax, 1990) reco-
nhecem a contradição como parte funda-

101
mental da realidade social, e isso é con-
sistente com a argumentação de que ca-
tegorias importantes como o sexo e o gê-
nero podem funcionar com definições
distintas e em simultâneo numa situação
particular. Diferentes participantes, ou
mesmo e apenas um só indivíduo, po-
dem, no decorrer de uma interação so-
cial, afirmar diferentes perspectivas de
gênero, dependendo dos aspectos salien-
tes das categorias no momento (Hare-
Mustin & Marecek, 1990).
Nesta perspectiva as pessoas desen-
volvem o seu sentido de self, nos e através
dos discursos disponíveis à sua volta
(Burr, 1995; Shotter & Gergen, 1989),
como acontece com o discurso do gênero.
Sendo o conhecimento aquilo que con-
cordamos ser considerado verdade num
determinado contexto de relações sociais,
é precisamente nesse processo de acordo
que é criada a realidade de determinado
102
fenômeno. O gênero não é um fenômeno
que existe dentro dos indivíduos, pronto
a ser descoberto e medido pelos cientis-
tas sociais. Pelo contrário, o gênero é um
acordo que existe nas interações sociais:
é precisamente aquilo que concordamos
que seja (Hare-Mustin & Marecek, 1990;
Unger, 1990). Em maior ou menor grau,
tanto homens como mulheres, acabam
por aceitar as distinções de gênero visí-
veis a nível estrutural e que se estabele-
cem ao nível interpessoal, tornando-se ti-
pificados do ponto de vista do gênero, ao
assumirem para si próprias os traços de
comportamento e papéis normativos
para as pessoas do seu sexo, na sua cul-
tura (Crawford, 1995). Para além desta
internalização de traços, comportamen-
tos e papéis, as mulheres internalizam
também a sua desvalorização e subordi-
nação.

103
O gênero é, deste modo, uma inven-
ção das sociedades humanas, uma "peça
de imaginação" com facetas múltiplas:
construir adultos (homens e mulheres
desde a infância), construir os "arranjos
sociais" que sustêm as diferenças nas
consciências de homens e mulheres (divi-
são das esferas da vida privada/pública,
por exemplo) e a criação de significado,
em resumo, criar as estruturas linguísti-
cas que modelam e disciplinam a nossa
imaginação (Hare-Mustin & Marecek,
1990; 1994).
Como referem Howard e Hollander:

“Através da interação,
negociamos interpretações
particulares; isto é, criamos
significados. Através da lin-
guagem, através da partici-

104
pação nos rituais da intera-
ção social, através do nosso
envolvimento activo com os
símbolos e as realidades ma-
teriais da vida de todos os
dias, nós literalmente cria-
mos aquilo que reconhece-
mos como real. ” (1997, p. 35).

Conforme as autoras referem o gê-


nero é ‘performativo’, podendo dizer-se:
‘fazer’ o gênero (Nogueira, 2004).
Assumindo esta perspectiva, pode-
se questionar como certas interações são
consideradas femininas ou masculinas.
Segundo Lott (1990) a resposta encontra-
se nos contextos diferenciais das experi-
ências. A exposição seletiva de homens e
mulheres a contextos generificados ori-
gina comportamentos onde o sexo é com-
patível com o gênero, reforçando desse

105
modo a percepção que o gênero é sexual-
mente diferenciado e sexualmente defi-
nido.
Assim, o processo contínuo de fazer
gênero, recria a construção desse mesmo
gênero. As mulheres são diferentes, por
virtude de serem mulheres, mas parado-
xalmente, isso não é porque sejam mu-
lheres. As exigências dos contextos soci-
ais constituem os primeiros determinan-
tes do comportamento de forma genderi-
zada (Nogueira, Neves & Barbosa, 2005),
sendo que este processo torna-se tão fa-
miliar que acaba por ser experienciado
como uma parte da maneira de ser: as
pessoas percebem-se como intrinseca-
mente genderizadas porque o gênero
"inunda" completamente as experiências.
As abordagens construcionistas soci-
ais enfrentaram (e ainda enfrentam) no
momento, o debate acerca da assunção
de posições mais próximas do realismo
106
ou, pelo contrário, relativistas e suas im-
plicações para políticas ativistas feminis-
tas (Nogueira, 2001e). Assumir a inexis-
tência de categorias universais impossi-
bilita a defesa da igualdade entre ‘mulhe-
res’ e ‘homens’? Como defender o femi-
nismo face a uma pluralidade de identi-
dades?
Tentando refletir sobre esta proble-
mática relativamente ao gênero, Gill
(1995) oferece a alternativa da reflexivi-
dade, que nos parece ser, de momento,
bastante útil aos propósitos de uma psi-
cologia que não se quer convencional e
de um feminismo que se pretende eman-
cipatório. Uma posição relativista radical
é extremamente problemática para as fe-
ministas e para todos aqueles/as interes-
sados na transformação social, principal-
mente porque nega os compromissos po-
líticos na pesquisa. No entanto, a solução
não passa por renegar o relativismo e
107
abraçar novamente o realismo, acredi-
tando que é possível obter conhecimento
“correto” acerca do mundo social; deve-
se evitar que as escolhas recaiam numa
polarização entre relativismo e realismo.
É possível levar a cabo uma pesquisa
“não neutra” que represente uma espécie
de princípio fundador das perspectivas
construcionistas e discursivas, uma espé-
cie de relativismo "sem vergonha de ser
político", através do qual as feministas
possam fazer das transformações sociais
as preocupações explícitas do seu traba-
lho (Nogueira, 2001a). Para isso será ne-
cessário reinventar um novo vocabulário
de valores, crítico (DeFrancisco &
Palczewski, 2007; Neves & Nogueira,
2005; Prilleltensky & Nelson, 2006) com o
qual se possam fazer intervenções políti-
cas e sem as quais as/os feministas fica-
rão teórica e politicamente paralisadas
perante as desigualdades, a injustiça e a
108
opressão.
Defendo que para o estabelecimento
de uma posição de princípio que repre-
sente um novo vocabulário de valores, é
necessário por um lado, uma articulação
entre as ideias pós-estruturalistas e pós-
modernistas, especialmente construcio-
nistas sociais na psicologia e um projeto
político emancipatório, que envolva
construir uma posição, negociar uma co-
ligação ou assumir categorias, mesmo
que de forma provisória em situações de
alianças necessárias para lutas específi-
cas.
Em síntese, o que é necessário é uma
espécie de relativismo ou ceticismo epis-
temológico que não evite ou faça desapa-
recer a questão dos valores. Os valores
devem ser explicitados e colocados numa
arena onde possam ser discutidos
(Ibáñez & Íñiguez, 1997; Prilleltensky &

109
Nelson, 2006). As perspectivas construci-
onistas sociais e discursivas devem ado-
tar uma reflexividade que enfatize a ne-
cessidade do(a) analista reconhecer os
seus próprios compromissos e de refletir
criticamente sobre eles. Assim, uma polí-
tica de articulação feminista implica tra-
çar ou delinear as dinâmicas do poder de
diferentes discursos de feminilidade, de
investigar as maneiras como a comuni-
dade das mulheres ou homens tem sido
construída em diferentes contextos, de
questionar abertamente a formulação de
discursos dominantes sobre as mulheres,
e evidenciar as alternativas até aí subor-
dinadas (Wetherell, 1995).
"Assumir uma psicolo-
gia feminista, que reconheça
que a produção do conheci-
mento é um processo discur-
sivo e político, que não pre-
tenda “descobrir” as razões
110
para os fenômenos, antes in-
tervir na sua alteração, im-
plica assumir um posiciona-
mento reflexivo, crítico, e de
comprometimento, isto é, a
necessidade de um novo vo-
cabulário de valores" (No-
gueira, 2001a, p. 247).

Situo a psicologia feminista crítica


nesta articulação entre as posições cons-
trucionistas sociais e os pressupostos da
teoria crítica, porque assumir valores e
compromissos com a justiça social im-
plica necessariamente um posiciona-
mento que se quer político e transforma-
dor, uma posição que seria considerada
de psicologia feminista (social) crítica e
radical seguindo as distinções pospostas
por Lupicinio Íñiguez-Rueda (2003):
"La Psicología social

111
crítica es sobre todo el resul-
tado del continuo cuestiona-
miento de las prácticas de
producción de conocimiento.
Puede ser radical o no, en el
sentido de que puede perma-
necer al margen de cualquier
pretensión de emancipación
social o sentirse plenamente
implicada en ella" (p. 234).

112
O feminismo negro

Ao moverem-se para além das ques-


tões simplistas acerca das diferenças se-
xuais, o domínio começou a interessar-se
e a tentar conhecer e explorar a diversi-
dade de experiências entre as próprias
mulheres (Greene & Sanchez-Hucles
1997; Nogueira, in press). Para muitas das
psicólogas feministas, outros regimes de
poder como a "raça"32, a etnicidade, a ori-
entação sexual, ou a classe social acabam
por interagir, muitas vezes suplantando

32 Neste texto sempre que se utilizar o termo "raça"


estarei a referir-me a uma construção social usada
para identificar e rotular grupos e consecutivamente
pessoas pertencentes a esses grupos. E porque existe
racismo, a "raça" continua a ser uma categoria de aná-
lise importante.

113
ou tomando procedência sobre as desi-
gualdades criadas pelo gênero. Neste
ponto falo da questão de se assumir o gê-
nero como categoria estável e una versus
diversidade na opressão das mulheres;
questionar se a fonte da subordinação e
opressão das mulheres é essencialmente
o gênero ou se outras localizações das
identidades pessoais (outras categorias
de pertença identitária), podem intervir
no sentido da total desfragmentação
identitária, o que, no limite, inviabilizaria
qualquer projeto coletivo de luta.
A psicologia feminista foi original-
mente desenvolvida por psicólogas bran-
cas da classe média. Ao assumir a ética
da "sororidade" universal, as primeiras
feministas ignoraram as diferentes expe-
riências de vida de mulheres de diferen-
tes contextos étnicos, raciais, nacionais e
multiculturais (Comas-Diaz & Greene
1994). Por isso, algumas facções dentro
114
do feminismo, acreditam que ela (psico-
logia feminista) poderá corresponder
apenas à perspectiva da maioria privile-
giada, onde apenas a categoria gênero
funciona como o maior local/sistema de
relações de poder desiguais (Davis, 1981;
Knapp, 2005). A posição feminista das
mulheres negras (feminismo negro) tem
sido particularmente influente ao trazer à
luz a diversidade entre as mulheres. A in-
sistência do feminismo multicultural na
diversidade das experiências das mulhe-
res despoletou novas áreas de estudo e
de investigação relativas à pluralidade
das identidades sociais e pessoais das
mulheres. Esquecer a influência de ou-
tros sistemas de poder (por exemplo o ra-
cismo), implica negar a sua influência na
construção das identidades femininas.
Como algumas autoras feministas
referem (Bordo, 1993; Hooks, 1984), o

115
discurso da emancipação de gênero pro-
movido pela segunda onda do femi-
nismo esteve sempre centrado nas expe-
riências das mulheres brancas de classe
média alta e marginalizou as experiên-
cias de mulheres africanas, hispânicas,
indianas e das mulheres pobres. Por isso,
nesta segunda onda do feminismo, prin-
cipalmente nos EUA (palco de grande
parte das teorizações e movimentações),
as relações de poder opressivas duplas
(gênero, "raça") ou triplas (gê-
nero/"raça"/classe) que enfrentavam
muitas mulheres americanas naquela al-
tura, não foram tomadas em considera-
ção e foram ignoradas (Azzarito & Solo-
mon, 2005). O movimento levado a cabo
pelas mulheres negras reclamava que
não se poderia falar da homogeneidade
da categoria de mulheres como se elas
partilhassem as mesmas experiências de
vida. O feminismo negro criticou assim a
116
agenda política e certas lutas do femi-
nismo da época que excluíam por com-
pleto as experiências das mulheres ne-
gras (Hooks, 1984).

117
O gênero e a diversidade na
terceira onda

O novo discurso da terceira onda do


feminismo abraçou um feminismo mais
diversificado e "polifônico" (Araújo,
2007) que apelou para aquelas/es que se
sentiram marginalizados ou restringidos
pela teorização da segunda onda.
Construído sobre a diferença, este
novo discurso desconstrói e descentra as
ideias da segunda onda, produzindo no-
vas formas de compreender e enquadrar
as relações de gênero. Como refere João
Oliveira, "inclino-me a considerar que a
teoria feminista habita neste espaço de
interstícios (…), uma forma híbrida de
saberes, particularmente útil para com-
preender e ler um mundo onde se perdeu
a ilusão da estabilidade identitária e onde

118
a diversidade precisa de lentes mais afi-
nadas e sofisticadas para ser percebida”
(2010, p. 26).
No entanto, a terceira onda não é
uma perspectiva uniforme, como se viu
no ponto de apresentação (breve) das on-
das no feminismo. Inclui uma série de
abordagens diversificadas e analitica-
mente distintas para o(s) feminismo(s).
Pode-se dizer, no entanto, que existem
pontos comuns: o foco sobre a diferença,
a desconstrução e descentralização
(Mann & Huffman, 2005) que vão dar ori-
gem a diferentes posições dentro desta
onda, algumas de compromisso estraté-
gico possível e outras com potencial mais
duvidoso.
Até o momento, quatro grandes
perspectivas resultaram e têm contribu-
ído mais para esse novo discurso da ter-
ceira onda do feminismo: a teoria da in-

119
terseccionalidade, desenvolvida inicial-
mente por mulheres negras associadas
aos movimentos feministas críticos da
"raça"; abordagens feministas pós-mo-
dernistas e pós-estruturalistas, a teoria
pós-colonial feminista, muitas vezes refe-
rida como o feminismo global e a
"agenda da nova geração de jovens femi-
nistas"(Mann & Huffman, 2005).
Os desafios iniciais à segunda onda
do feminismo compartilham o foco na di-
ferença, mas resultaram em dois campos
políticos opostos: um que abraçou uma
política de identidade como a chave para
a libertação e um segundo que assume a
liberdade na resistência à identidade. O
primeiro é melhor ilustrado pelas femi-
nistas negras dos anos 80, cuja identi-
dade política e teoria da interseccionali-
dade da época criticavam a segunda
onda pelo seu alegado essencialismo,
"solipsismo" branco, e por não tratarem
120
adequadamente as opressões simultâ-
neas e múltiplas. O último campo é
exemplificado pelas feministas pós-mo-
dernas e pós-estruturalistas mais radicais
que criticamente questionam a noção de
identidade coerente e assumem a liber-
dade como a resistência à classificação ou
identidade.
Foram as críticas provenientes das
teóricas feministas críticas da "raça", as
primeiras a inaugurar esta terceira onda.
O cerne desta nova direção no feminismo
partiu da crítica da mulher essencialista
da segunda onda, que ignorava ou mini-
mizava as diferenças entre as mulheres,
assim como da ausência em compreen-
der e teorizar sobre as opressões múlti-
plas e simultâneas experienciadas princi-

121
palmente pelas mulheres negras nos Es-
tados Unidos33. Como consequência des-
tas críticas e dos seus novos posiciona-
mentos, a sua teorização foi inicialmente
muito cunhada com as políticas de iden-
tidade, como uma política enraizada na
identidade do grupo social, da sua locali-
zação na estrutura social e, por isso, na
necessidade de políticas especiais34. No
entanto, uma vez que as identidades
eram exclusivas, encarnavam em si mes-
mas o mesmo potencial essencialista, que

33É importante ter em atenção que a maior parte das


questões e teorizações apresentadas neste ponto do
texto provêm de perspectivas baseadas essencial-
mente na experiência da teorização feminista dos Es-
tados Unidos, em Inglaterra e mais recentemente a ní-
vel da Europa em geral.
34 Esta posição das políticas de identidade que inicial-
mente estava associada às críticas do feminismo ne-
gro, é agora discutida de forma muito menos essenci-
alista (de grupo), incorporando elementos desconstru-
tivos e de análise crítica.
122
é problemático em termos políticos. En-
quanto as designações de feminismo li-
beral ou socialista, marxista, por exem-
plo, uniam as feministas num projeto so-
cietal, o feminismo negro, assumia ape-
nas a pertença a um grupo social como a
base para uma política, esquecendo dife-
rentes possibilidades de posicionamento
ideológico e societal entre essas mesmas
mulheres. E foi precisamente perante
este criticismo que posteriormente, du-
rante a década de 90, e como resultado
principal do trabalho de Patricia Hill Col-
lins a assunção das pertenças múltiplas e
simultâneas passaram a ser pensadas en-
quanto "matriz de dominação" (Collins,
1998; 2000) e se começou a falar da teoria
da interseccionalidade (Collins, 1998)
numa perspectiva construcionista social.
Uma designação que permitia que os
seus pressupostos teóricos e políticos
prevalecessem sobre um ponto de vista
123
exclusivo de identidade essencialista.
As contribuições das feministas pós-
modernas e pós-estruturalistas, ao des-
construírem todas as categorias do grupo
assumindo-as como essencialistas, cen-
tram-se na diferença e tendem a rejeitar
uma visão estrutural da opressão. Podem
revelar-se um terreno escorregadio, já
que de uma política na identidade se
pode passar, agora, para a sua negação
(Mann & Huffman, 2005). Um número de
teóricas feministas adotaram essas ideias
que estão hoje mais próximas dos traba-
lhos de Judith Butler (1992, 1993), de Te-
resa de Lauretis (1987) e da teoria queer35,

35As perspectivas queer recusam "a fixidez identitária,


denunciam a ordem de gênero heterossexual e criti-
cam os processos naives de constituição de sujeitos
que encontramos na psicologia, psicologia social e so-
ciologia, por não tomarem em conta as relações de po-
der e as normas a partir das quais nos tornamos sujei-
tos" (Oliveira & Nogueira, 2009, p. 9).
124
que não serão alvo de discussão neste
texto36.
A teoria da interseccionalidade pers-
pectivada como Patrícia Collins o fez nos
anos 90, tem em comum com o pós-mo-
dernismo e pós-estruturalismo, não só no
uso da diferença para desconstruir o es-
sencialismo e o descentrar de discursos
dominantes. Ambas adotam a visão de
que o conhecimento é socialmente cons-
truído, que todo o conhecimento é par-
cial ou limitado histórica ou politica-
mente. No lugar das meta-narrativas as-
sume-se a uma pluralidade e diversidade
de posições, e narrativas mini-localiza-
das, para dar voz às múltiplas realidades

36 Para um aprofundamento da teoria queer reco-


menda-se a leitura do texto de Oliveira, Pinto, Pena e
Costa de 2009, Feminismos Queer: disjunções, articula-
ções e ressignificações no dossiê temático de Oliveira
e Nogueira (2009) Fazer o género: performatividade e
perspectivas queer. Ex-Aequo, 20.
125
que surgem a partir das experiências vi-
vidas.
Assim, no início da terceira onda
(cerca dos anos 80) a teoria da intersecci-
onalidade e uma posição mais relativista
desconstrutiva foram os elementos cons-
titutivos da teorização feminista. Posteri-
ormente, cerca dos anos 90, surgiram a
teoria pós-colonial e a "agenda das jovens
feministas" (Mann & Huffman, 2005),
esta última mais problemática para o fe-
minismo contemporâneo (Dean, 2009,
Mann & Huffman, 2005; McRobbie,
2009).
O desenvolvimento da perspectiva
pós-colonial não vem colocar problemas
à teoria da interseccionalidade e à sua
possibilidade de relação com uma pers-
pectiva pós-moderna crítica. Esta pers-
pectiva assume as críticas pós-modernas
sem colocar em causa as análises de
opressão. Pelo contrário, ela é bastante
126
explícita ao assumir que toda a coloniza-
ção invariavelmente implica uma relação
de dominação estrutural. São por isso
mantidas as análises da opressão macro-
estruturais assim como o uso de catego-
rias coletivas historicamente situadas,
para destacar a ação política.
Mas, nos últimos quinze anos, pa-
rece ter-se testemunhado uma mudança
gradual de uma perspectiva pós-estrutu-
ralista/pós-colonial acerca da terceira
onda, para uma forte ideia de uma visão
essencialmente de paradigma geracional.
Esta ideia está bem presente no texto Ma-
nifesta: Young Women, Feminism and the
Future

"For anyone born after


the early 1960s, the presence
of feminism in our lives is
taken for granted. For our
generation, feminism is like
127
fluoride. We scarcely notice
that we have it – it’s simply in
the water" (Baumgardner
and Richards 2000, pp. 17-
18).

A "agenda da nova geração de jo-


vens feministas"37 implica um foco muito
maior na micro-política, bem como uma
maior resistência às categorias coleti-
vas38, introduzindo formas de conceitua-

37Tem sido assim referida, mas é importante salientar


que é difícil perceber de quem se fala; penso que é
uma perspectiva muito localizada, essencialmente em
Inglaterra, onde grupos de ativistas e acadêmicas femi-
nistas se "confrontam". É difícil traduzir para Portugal
esta posição.
38A ideia de que se alguém é atraente, divertido e po-
pular, não pode ser feminista, aparece como sendo a
consequência do afastamento de muitas jovens femi-
nistas desta onda que consideram ser a posição típica
128
lizar o feminismo que provocam polê-
mica (Mann e Huffman, 2005), assim
como críticas hostis (McRobbie, 2009).
Angela McRobbie, no seu livro de 2009
The aftermath of feminism: gender culture an
social change, acusa-as de divisão geracio-
nal.
E porque esta nova geração abraça o
foco na diferença e no multiculturalismo,
elas representam (concordância ideoló-
gica), enquanto paradigma geracional
(Dean, 2009), as que melhor levam por
diante o desenvolvimento das ideias pós-
modernas mais radicais (Mann &
Huffman, 2005). A preferência pelas
"narrativas pessoais" que representam
contradições, incertezas e dilemas que

das feministas de segunda onda. Esta perspectiva tor-


nou-se dominante no contexto contemporâneo britâ-
nico, como uma importação acrítica de ideias proveni-
entes dos Estados Unidos, e em menor escala em ou-
tros lugares, Dean (2009).
129
enfrentam no seu quotidiano, usando a
experiência pessoal39 como uma ponte
para explorações políticas e teóricas da
terceira onda (Dicker e Piepmeier, 2003)
parece ser algo que caracteriza este mo-
vimento. Como se o slogan da segunda
onda do "pessoal é político" fosse agora
invertido para o slogan do "político é pes-
soal: uma forma superficial e volunta-
rista de resistência que tende a ignorar as
bases materiais da opressão (Collins,
1998). Segundo as autoras mais críticas,
parece haver entre essas vozes jovens
uma visão simplista da resistência que
pressupõe uma capacidade quase infinita

39As feministas jovens também são mais propensas a


adotar a política pós-moderna da teoria queer, especi-
almente em questões relacionadas com a sexualidade.
Como consequência, elas promovem um feminismo
que é mais abrangente de uma profusão de temas
como lésbicas butch, femmes, transexuais e transgêne-
ros.
130
de transformar a vida, implicando por
isso uma política individualista, centrada
mais na ação individual.
Como foi referido no ponto referente
às ondas feministas, assumo a metáfora
das ondas e concebo a terceira onda inte-
grando elementos do pós-modernismo,
num discurso construcionista crítico,
logo comprometido com a emancipação
humana e com o reconhecimento da
agência humana na história. Por isso, ao
contrário de alguns feminismos pós-mo-
dernistas e pós-estruturalistas, assim
como algumas porta-vozes desta nova
geração de feministas, não perspectivo a
ação e a agência humanas como sinô-
nimo de voluntarismo ou de luta pessoal.
Assume-se que existem constrangimen-
tos estruturais quando se pretende trans-
formar o mundo e que as desigualdades
estruturais permitem a umas pessoas,
mais do que a outras, moldar a realidade
131
social com mais facilidade.
Reconhecer a simultaneidade e a
multiplicidade de opressões não repre-
senta assumir acriticamente que todas as
formas de opressão são igualmente im-
portantes em qualquer momento e lugar
na história. E ser antipositivista, não re-
presenta ser essencialmente antiempírico
e mover-se para o terreno mais idealista
e relativista de múltiplas realidades sub-
jetivas dependentes do discurso e impos-
síveis de conhecer na sua complexidade.
Um posicionamento radical e fundamen-
talista pós-estruturalista acabaria por im-
possibilitar a formulação de uma análise
das opressões estruturais vividas e uma
impossibilidade de ação política (Benha-
bib, 1990). Para Nancy Fraser e Linda Ni-
cholson (1990) o pós-modernismo não
necessita de abandonar toda a teoria para
evitar a totalização e o essencialismo. Es-

132
tas duas autoras pensam que será possí-
vel combinar uma incredibilidade face às
meta-narrativas com o poder social crí-
tico do feminismo, concebendo uma ver-
são de criticismo que seja suficiente-
mente robusta para analisar o sexismo
assim como outros sistemas de opressão.
Referem, por isso, que a teorização deve
ser explicitamente histórica, atenta às es-
pecificidades culturais das diferentes so-
ciedades e períodos, e aos grupos dentro
dessas mesmas sociedades e períodos,
isto é, que localize e situe as categorias
dentro de campos históricos, e evite o pe-
rigo de generalizações falsas. A grande
vantagem deste tipo de teoria reside na
sua utilidade para a prática política femi-
nista contemporânea, já que, nesta pers-
pectiva, esta é cada vez mais uma ques-
tão de alianças, e não uma unidade à
volta da universalidade partilhada de in-

133
teresses ou identidade. Reconhecer a di-
versidade das necessidades e experiên-
cias das mulheres e dos homens significa
não aceitar soluções únicas e universais.
Concluindo, apesar de haver muito
quem pense nesta onda como um para-
digma essencialmente geracional, a no-
ção de terceira onda indicando uma posi-
ção teórica que abre um espaço de relati-
vização do feminismo branco Euro-Ame-
ricano é também atrativa para uma di-
versidade de feministas, que veem nesta
perceptiva uma abertura para um espaço
mais amplo de diálogo transnacional en-
tre movimentos feministas (Wekker,
2004; Dean, 2009). A terceira onda pode
injetar novo vigor e vitalidade crítica
num projeto feminista.
A teoria da interseccionalidade que
será apresentada na terceira parte, é uma
das consequências teóricas desta terceira
onda e será assumida na psicologia com
134
a complexidade e o posicionamento teó-
rico e político que foi assumido. Isto é,
uma visão crítica do gênero (Nogueira,
2001c), que implica sair da obsessão cul-
tural do binarismo das diferenças de sexo
ou das diferenças de gênero (Nogueira,
Neves, & Barbosa, 2005), reafirmar a
complexidade da intersecção múltipla de
pertenças (Nogueira, in press) e afirmar a
necessidade de adoção de um novo voca-
bulário crítico (Nogueira, 2001a; DeFran-
cisco & Palczewsky, 2007). Assume-se,
por isso, um feminismo construcionista,
que sendo crítico, pode comprometer-se
com a política e, consequentemente, com
possibilidades reais de mudança e com
os compromissos (teórico/epistemológi-
cos) que isso possa acarretar (Neves &
Nogueira, 2004; Nogueira, 2001b).

135
A teoria da interseccionalidade

"One could even say that


intersectionality is the most
important theoretical
contribution that women´s
studies, in conjunction with
related fields, has made so
far."
(Leslie McCall, 2005)

O conhecimento popular usa as me-


táforas de guerra dos sexos, o sexo
oposto para enfatizar o binarismo da ca-
tegoria social sexo/gênero. Só há dois se-
xos – homens e mulheres, e eles são opos-
tos. Só há dois gêneros, feminino e mas-
culino, e os homens são masculinos e as
mulheres femininas e quanto mais se é de
um tipo, menos se é de outro. E comple-
tamente associada a este binarismo
136
sexo/gênero encontra-se a heteronorma-
tividade (Nogueira & Oliveira, 2010). To-
dos se presumem serem heterossexuais:
se alguém viola este pressuposto come-
çam as dúvidas sobre o seu gênero, se se
violam regras de gênero começam as dú-
vidas quanto à orientação sexual.
Mas o gênero não é um componente
isolado da identidade pessoal. A identi-
dade é interseccional. Como se faz o gê-
nero (Nogueira, 2004) está completa-
mente associado à "raça", à classe, à ori-
entação sexual, à capacidade física, à na-
cionalidade, ao estatuto migratório, à re-
ligião e a tantos ingredientes identitários
que constroem quem as pessoas são
(Cole, 2009; Diamond & Butterworth,
2008; Dottolo & Stewart, 2008; Gill, 2009;
Ludvig, 2006; Mahalingam & Leu, 2005).
Por isso, pode-se questionar: se em
algumas sociedades e países, parece ha-

137
ver maior igualdade entre sexos em ter-
mos materiais, com a taxa de empregabi-
lidade a aumentar nas mulheres, será que
esta situação se adequa a todas as mulhe-
res? Mesmo sem falar das desigualdades
a nível mundial entre o Norte e o Sul,
dentro de um mesmo país, desenvolvido
ou menos desenvolvido, a matriz de su-
bordinação/privilégio, atua, de forma di-
ferenciada de modo a permitir benefícios
e dificuldades quer a homens quer a mu-
lheres? Que outras diferenças, resultan-
tes de pertenças grupais distintas, se in-
tersectam para resultar num padrão de
desigualdade mais complexo e por isso,
mais ou menos otimista, quanto aos da-
dos que frequentemente são apresenta-
dos nos relatórios de organismos oficiais
nacionais e internacionais? Será que
ainda é possível falar só, e apenas, de gê-
nero? Será que é ainda lícito, quando se
fala de gênero, não referir sempre, outras
138
pertenças identitárias?
A estas questões pode-se responder
com teorização, mas também com ques-
tões de estratégia política. Nem sempre
as respostas a estas duas grandes maté-
rias são coincidentes do ponto de vista
das questões epistemológicas subjacen-
tes e, por isso, poderemos ter de jogar o
jogo da ambiguidade, muitas vezes da
contradição, sendo que na prática, ape-
nas se faz atualização de um pragma-
tismo político. A política de alianças, con-
siderando categorias negociáveis e provi-
sórias, pode ser a resposta política, e a te-
oria da interseccionalidade uma resposta
teórica.
A oposição binária, homem versus
mulher, deixou de ser o único ponto de
interesse a partir dos anos 80 (Stewart &
McDermott, 2004), e a pesquisa volta-se
da dicotomia de gênero para a reconside-
ração das diferenças e das desigualdades
139
entre as próprias mulheres. Esta aborda-
gem designada por abordagem da “di-
versidade” (Ludvig, 2006) ou perspectiva
tradicional de interseccionalidade (Sa-
muels & Ross-Sheriff, 2008) evitava por
isso a essencialização e surgiu depois da
abordagem da igualdade e da aborda-
gem da diferença, já que ambas se focali-
zavam na dualidade de gênero: a igual-
dade exigindo tratamento igual e direitos
iguais enquanto a abordagem da dife-
rença rejeitava a ordem social masculina
dominante e exigia direitos especiais
para as mulheres (Mann & Huffman,
2005) reclamando políticas de identi-
dade40.
A teoria da interseccionalidade tem

40 Vimos no ponto anterior como estas políticas de


identidade foram posteriormente colocadas em ques-
tão e são agora consideradas de uma forma mais crí-
tica e menos essencialista
140
sido a resposta teórica que tem surgido
nos últimos anos dentro dos feminismos
como resposta a estas questões da diver-
sidade dentro do grupo das mulheres (e
também de homens dependendo da
perspectiva mais ou menos abrangente
que se tenha da interseccionalidade).
Leslie McCall (2005) uma das princi-
pais teóricas da interseccionalidade re-
fere que a introdução da teoria da inter-
seccionalidade, foi vital para as ciências
sociais em geral, já que antes do seu de-
senvolvimento havia pouca pesquisa que
colocasse a questão específica das experi-
ências das pessoas que estão sujeitas a
múltiplas formas de subordinação den-
tro da sociedade. Esta contribuição teó-
rica tornou-se na abordagem multidisci-
plinar mais importante da teorização fe-
minista e antirracista no que diz respeito
a questões de identidade e de opressão

141
(Nash, 2008; Shields, 2008). Pretende exa-
minar como as várias categorias (social e
culturalmente construídas) interagem a
múltiplos níveis para se manifestarem
em termos de desigualdade social. Acre-
dita-se que os modelos clássicos de com-
preensão dos fenômenos de opressão
dentro da sociedade, como os mais co-
muns baseados no sexo/gênero, na
"raça"/etnicidade, na classe, na religião,
na nacionalidade, na orientação sexual
ou na deficiência (as designadas catego-
rias master) não agem de forma indepen-
dente uns dos outros; pelo contrário, es-
sas formas de opressão inter-relacionam-
se criando um sistema de opressão que
reflete a interseção de múltiplas formas
de discriminação (Azzarito & Solomon,
2005; Browne & Misra, 2003; DeFrancisco
& Palczewski, 2007; McCall, 2005; Nash,
2008; Staunaes, 2005).
E se na psicologia feminista um novo
142
vocabulário crítico, representa assumir a
questão da interseccionalidade, as hierar-
quias de poder e as estruturas sociais de
opressão/privilégio como centrais,
pode-se perguntar, como estudar o gê-
nero na psicologia nesta terceira onda do
feminismo? Num período por alguns
considerado de backlash, pós-feminista
ou de teorizações conflituantes e des-
construtivas? Poderá a teoria da intersec-
cionalidade ser uma possibilidade ou até
uma oportunidade para a psicologia fe-
minista da terceira onda? Será que esta
teoria permitirá que mais pesquisadores
considerem "urgente" (Cole, 2009) ter es-
tas ideias em mente e se aventurem por
estes domínios?
Contudo, para melhor se compreen-
der a teoria da interseccionalidade e ten-
tar responder a estas questões, implica
começar por traçar uma breve história.
As críticas das mulheres negras ao
143
essencialismo do feminismo convencio-
nal permitiram instalar a crítica e enfati-
zar que as feministas que pretendem fa-
lar por todas as mulheres não tomam em
atenção a classe, a "raça", a orientação se-
xual etc. (Hooks, 1984; Collins, 2000;
Mahalingam, Balan & Haritatos, 2008). O
feminismo negro criticou assim a agenda
do feminismo liberal da época (protago-
nizado por exemplo por Betty Friedman)
por não se sentirem representadas. A
agenda política e certas lutas do femi-
nismo da época excluíam por completo
as experiências das mulheres negras.
Contudo, é importante esclarecer que
muitas feministas desestabilizaram a no-
ção universal de “mulher” sem expressa-
mente mobilizarem o termo intersecciona-
lidade, argumentando que o ser “mulher”
em si mesmo é um terreno contestado e
fraturado e que a experiência resultante
de "ser mulher" é sempre constituída por
144
sujeitos com interesses diferentes (No-
gueira, 2001a). No fundo, a intersecciona-
lidade deu um nome a um compromisso
teórico e político previamente existente
(Nash, 2008), e dá mais ênfase a uma ma-
triz de opressão/privilégio.
A interseccionalidade tem, assim,
uma longa história, mas foi popularizada
pelo trabalho de Crenshaw (1989; 1991) e
é hoje reconhecida como um paradigma
de pesquisa (Hancock, 2007) que tem por
base uma série de importantes premissas
relacionadas com a simultaneidade das
múltiplas categorias de pertença a vários
níveis (Hankivsky et al. 2010).
Kimberlé Crenshaw (1989; 1991),
uma advogada e acadêmica da área do
direito foi a primeira a usar o termo in-
terseccionalidade nos anos 80 (Berger &
Guidroz, 2009; Bowleg, 2008; Brone &
Misra, 2003; Cole, 2009; Purdie-Vaughns
& Eibach, 2008; Samuels & Ross-Sheriff,
145
2008; Stewart & McDermot, 2004; Taylor,
2009; Valentine, 2007, Warner, 2008).
Como ela referia, a experiência intersec-
cional é maior do que a soma do racismo
e sexismo e qualquer análise que não
tome a interseccionalidade em conta não
consegue de forma correta ter em consi-
deração as formas particulares de subor-
dinação de muitas mulheres, particular-
mente as mulheres negras, que eram o
alvo das suas preocupações. Enfatiza por
isso a "multidimensionalidade" das expe-
riências vividas dos sujeitos marginaliza-
dos, referindo que quem acredita que a
identidade existe em camadas removí-
veis e separadas acaba em generalizações
abusivas.
A teoria da interseccionalidade é
também explicada pela acadêmica femi-
nista crítica da "raça" Adrien Wing, como
sendo a noção de que a identidade é mul-
tiplicativa e não aditiva (DeFrancisco &
146
Palczewski, 2007). Em vez de se perceber
a identidade como acúmulo de pertenças
"mulher+branca+heterossexual", é ne-
cessário analisar a identidade como
sendo conceitualizada do tipo "mulher x
branca x heterossexual", por exemplo.
Todas a facetas da identidade são partes
integrais inter-relacionadas de um todo
complexo, sinergético e infundido que
torna tudo completamente diferente
quando as partes são ignoradas, esqueci-
das ou não nomeadas. A metáfora dos in-
gredientes parece ser considerada útil
para explicar a interseccionalidade. O re-
sultado final de uma receita contém to-
dos os ingredientes, mas nenhum é reco-
nhecível nas suas formas separadas. Os
ingredientes ficam de tal forma fundidos
que não podem ser separados outra vez.
Uma abordagem interseccional permite
fugir à generalização abusiva do deter-
minismo biológico, do essencialismo (a
147
pressuposição de que todos os membros
de uma determinada categoria são iguais
porque possuem uma única qualidade
em comum) assim como aos estereótipos
(DeFrancisco & Palczewsky, 2007).
A teoria da interseccionalidade que
agora surge como sendo dos trunfos mais
importantes no feminismo contemporâ-
neo (McCall, 2005) parece poder permitir
expandir o pensamento acerca do gênero
e dos feminismos ao reafirmar a natureza
"multiplicativa interseccional" e o im-
pacto do contexto, chamando a atenção
para o entrecruzar de opressões e privilé-
gios (Bowleg, 2008; Brone & Misra, 2003;
Cole, 2009; Stewart & McDermot, 2004;
Taylor, 2009; Warner, 2008).
Há quem considere que a sua aplica-
bilidade é cada vez maior não só porque
permite a teorização sobre grupos com

148
opressões múltiplas e simultâneas41 ou
mesmo para todas as pessoas (homens e
mulheres, privilegiados ou oprimidos
em diferentes dimensões) na prática, fa-
zendo parte integrante de uma teoria da
identidade (Staunaes, 2005).
Uma análise interseccional resiste à
essencialização de todas as categorias
(tratando todos os membros de um único
grupo social como o mesmo e supondo
que compartilham as mesmas experiên-
cias) e está atenta às especificidades da
data, do local, das histórias e das locali-
zações. Como refere Yuval-Davis (2006),
"as divisões sociais são construídas pela
interligação em condições históricas es-
pecíficas" (p. 200). Não pretende apenas
somar categorias umas às outras
(Bowleg, 2008). Pelo contrário, aspira a

41 Há quem considere ser essa apenas a sua aplicação.


149
compreender o que é criado e experienci-
ado na intersecção de dois ou mais eixos
de opressão, numa lógica de "matriz de
opressão" (Collins, 2000), que reconhece
a natureza multidimensional e relacional
das localizações sociais e dos lugares das
experiências vividas, das forças sociais e
dos sistemas de discriminação e subordi-
nação que se intersectam.
Por estas razões, uma análise inter-
seccional captura diferentes níveis de di-
ferença, revelando, por exemplo, como
formas de discriminação e opressão in-
terseccionais criam oportunidades, bene-
fícios sociais e materiais para aqueles/as
que gozam de estatutos normativos ou
não marginalizados, sendo o exemplo tí-
pico o de homens brancos, heterossexu-
ais ou de classe alta (Steinbugler, Press &
Dias, 2006).
A recusa da essencialização, a inter-
relação entre opressão e privilégio e o
150
contexto são elementos fundamentais
para se compreender a teoria da intersec-
cionalidade. É necessário estar atenta e
teorizar privilégios e opressões, não
como estatutos fixos, mas sim como esta-
tutos fluidos e dinâmicos, permeáveis à
mudança quer nas opressões quer nos
privilégios quer nos contextos. Deve-se
também atender às fraturas que persis-
tem entre as mulheres (Browne & Misra,
2003; Samuels & Ross-Sheriff, 2008), às
noções opressivas de feminilidade e de
essencialização que são internalizadas e
reificadas por aquelas que se identificam
como mulheres. Mulheres oprimem mu-
lheres, alguns grupos de mulheres escra-
vizaram mulheres, algumas mulheres fo-
ram e são empregadas de limpeza de ou-
tros grupos de mulheres e outras mulhe-
res tomaram conta de crianças de outras
mulheres. Reclamar uma experiência co-
letiva à volta do ser mulher, é hoje cada
151
vez mais difícil e pouco aceitável do
ponto de vista teórico (Samuels, 2008).
É geralmente assumido que as teóri-
cas e investigadores que se juntam na
pesquisa interseccional ou políticas inter-
seccionais estão comprometidos com a
justiça social e procuram mudanças sig-
nificativas nas relações de poder (Han-
kivsky et al., 2010). "Os modelos intersec-
cionais assumem uma conexão entre a
opressão e a resistência, entre ganhar co-
nhecimento dos sistemas opressivos e
comprometer-se com o ativismo social
para os desafiar" (Weber e Parra-Medina,
2003, p. 188). Para este ativismo reco-
nhece-se a necessidade de trabalhar com
uma variedade de parceiros (políticos,
ativistas, grupos comunitários incluindo
comunidades oprimidas de forma múlti-
pla) de forma a levar a cabo pesquisa e
políticas e trabalhar para a justiça social
(Hankivsky et al., 2010).
152
Penso que esta teoria da interseccio-
nalidade constituirá o próximo desafio
para quem, na psicologia, pretenda con-
tinuar a estudar as questões de sexo /gê-
nero/ feministas, que nunca poderão a
partir de agora deixar de ser pensadas
em interseccionalidade.
O desafio é imenso, principalmente
em termos de pesquisa, se pensarmos na
multiplicidade de problemas que se colo-
cam quando se pretende ter várias confi-
gurações identitárias em ação.
Por essa razão o ponto seguinte tra-
tará a complexa questão da "complexi-
dade" interseccional.

153
Questões de metodologia.
Como "captar" a complexidade
da interseccionalidade?

Como refere McCall (2005), apesar


da emergência da interseccionalidade
como um dos maiores paradigmas na te-
orização feminista (e antirracista), tem
havido pouca discussão sobre como estu-
dar a interseccionalidade, isto é, sobre
metodologia.
Os primeiros estudos informados
pela teoria da interseccionalidade, apesar
de não ser intencional, acabaram por li-
mitar o leque de abordagens metodológi-
cas para estudá-la. Para se expandir as
análises de modo a incluir múltiplas di-
mensões da vida social e categorias de
análise, implica aumentar a complexi-
dade associada à pesquisa. Por isso, mui-

154
tas pesquisadoras e pesquisadores femi-
nistas acabaram por favorecer metodolo-
gias que valorizam e possibilitam mais
espontaneamente o estudo da complexi-
dade e rejeitar outras por serem conside-
radas muito simplistas ou reducionistas.
Esta opção pode estar a restringir as pos-
sibilidades do conhecimento que pode
ser produzido sobre interseccionalidade,
se se assumir que diferentes metodolo-
gias produzem diferentes tipos de conhe-
cimento (McCall, 2005).
De forma a alargar essas possibilida-
des, Leslie McCall, no seu texto The Com-
plexity of Intersectionality, publicado na
Signs em 2005,42 apresenta uma perspec-
tiva metodológica inclusiva assumindo e

42Este texto é possivelmente o texto mais citado na li-


teratura sobre interseccionalidade, independente-
mente das pesquisadoras concordarem ou não com a
sua perspectiva metodológica inclusiva.
155
propondo a existência de três aborda-
gens, que sendo diferentes (e duas delas
até opostas), em conjunto, podem contri-
buir para uma melhor compreensão da
complexidade da interseccionalidade.
A sua intenção é delinear um leque
de abordagens metodológicas para o es-
tudo das relações sociais múltiplas e
complexas, tentando discutir o compro-
misso entre as diferentes abordagens.
Essas três perspectivas são definidas
primariamente pela maneira como usam
categorias analíticas para explorar a com-
plexidade da vida social. À autora inte-
ressam-lhe também as pressuposições fi-
losóficas e epistemológicas subjacentes à
adoção de cada uma das abordagens,
considerando que é possível produzir co-
nhecimento diferente, mas sempre útil
consoante a abordagem adotada. Do
ponto de vista da perspectiva das meto-
dologias feministas (Neves & Nogueira,
156
2005) é possível que qualquer abordagem
(seja ela quantitativa ou qualitativa) per-
mita aumentar o conhecimento que bene-
ficie grupos oprimidos e, nessa perspec-
tiva, ser emancipadora. Leslie McCall
pensa que é possível produzir conheci-
mento nesta perspectiva e que estas abor-
dagens podendo ser utilizadas com uma
lógica de interdisciplinaridade poderão
responder de forma mais capaz ao desa-
fio da complexidade interseccional.
As três abordagens são apresentadas
num contínuo e podem designar-se como
sendo a abordagem anticategorial, a in-
tracategorial e a intercategorial. A abor-
dagem intracategorial é considerada a
abordagem que inaugurou o estudo da
interseccionalidade (McCall, 2005), pelo
fato das primeiras pesquisadoras du-
rante o período de crise das perspectivas
da segunda onda, estarem preocupadas
com a diversidade intragrupo e ainda
157
não haver uma teorização complexa da
interseccionalidade como ela é hoje apre-
sentada.
A abordagem anticategorial está ba-
seada na total desconstrução e descrença
das divisões categoriais. Nasceu das crí-
ticas pós-modernas e pós-estruturalistas
por um lado, assim como das teorizações
antirracistas críticas dos anos 80. A des-
construção das grandes categorias "mas-
ter" como o são o sexo/gênero, a "raça", a
orientação sexual, a classe, é compreen-
dida como parte integrante da descons-
trução da própria desigualdade. Isto é, já
que a violência simbólica e as desigual-
dades materiais são enraizadas em rela-
ções que são definidas pela pertença a es-
sas categorias, o projeto de desconstru-
ção das assunções normativas categoriais
contribui para a possibilidade de uma
mudança social. A primeira consequên-
cia filosófica é tornar o uso de categorias
158
suspeito por não ter fundamento na rea-
lidade: a linguagem (num sentido discur-
sivo) cria a realidade categorial e não o
contrário. A consequência metodológica
é tornar suspeitos os processos de catego-
rização em si mesmos. Qualquer pes-
quisa que se baseia na categorização leva
à demarcação; esta conduz à exclusão e
por consequência à desigualdade. O po-
tencial para experiências de subordina-
ção e de poder, múltiplas e conflitantes,
implica um terreno mais complexo de
análise, cuja assunção das categorias
torna inconsistente.
Nesta perspectiva, as categorias soci-
ais são uma construção da história e da
linguagem que são arbitrárias e que
pouco contribuem para a compreensão
das formas nas e pelas quais as pessoas
experienciam a sociedade. Além disso,
esta abordagem refere que como as desi-
gualdades estão enraizadas nas relações
159
que são definidas pela "raça", pela classe,
pela sexualidade, pelo gênero a única
maneira de eliminar a opressão na socie-
dade seria eliminar as categorias usadas
para selecionar as pessoas em diferentes
grupos. Esta análise reclama que a socie-
dade é demasiado complexa para ser re-
duzida em categorias finitas e por isso re-
conhece a necessidade para uma aborda-
gem holística na compreensão da inter-
seccionalidade.
Nesta abordagem, os métodos mais
usados são as biografias, histórias de
vida, narrativas de um único sujeito ou
estudo de caso. São estas as abordagens
protótipo, que permitem conhecer as ex-
periências de vida concretas de sujeitos
em contextos. Estas experiências encon-
tram-se profundamente enraizadas no
tecido histórico, social e político mais
vasto que transcende as vidas individu-
ais, mas que também estão moldadas por
160
relações e situações decorrentes de con-
textos concretos. Narrativas que tomam
como sujeito um indivíduo ou uma expe-
riência individual e que permitem extra-
polar para uma localização social mais
ampla onde o indivíduo está imbuído.
Assim, pode-se dizer que a aborda-
gem anticategorial rejeita em absoluto a
categorização e qualquer análise ou me-
todologia que as assuma, critica a defini-
ção de fronteiras categoriais e o signifi-
cado a elas associado e centra-se na des-
construção das divisões categoriais.
A abordagem intracategorial reco-
nhece os limites das categorias sociais
existentes e questiona a maneira como es-
tas definem as suas fronteiras. No en-
tanto, não rejeita por completo a impor-
tância das categorias, como a abordagem
anticategorial; pelo contrário, reconhece
a relevância das categorias sociais para a
compreensão da experiência social. As
161
categorias tradicionais são usadas inicial-
mente para nomear grupos até aí não es-
tudados em vários pontos de intersecção,
mas o/a pesquisador/a está igualmente
interessada/o em revelar – e não pode
evitar – o leque de diversidade dentro do
grupo.
As categorias têm aqui um estatuto
ambivalente. São consideradas constru-
ções sociais com estatuto localizado, ins-
tável e fluido, mas podendo ser assumi-
das (como estáveis) num momento parti-
cular ou num contexto particular para
produzir conhecimento útil numa deter-
minada perspectiva. A importância quer
material quer discursiva das categorias
não é completamente negada; a focaliza-
ção no processo pelo qual elas são cons-
truídas, produzidas, experienciadas, re-
produzidas e resistidas na vida quotidi-
ana é o ponto central. Assim as/os adep-
tos desta abordagem, não rejeitando em
162
absoluto a existência das categorias iden-
titárias e a realidade social que produ-
zem, também não celebram uma política
de identidade que tenha uma aceitação
acrítica das categorias identitárias.
As duas abordagens anteriores for-
mam as duas mais importantes aborda-
gens metodológicas que constituem os
estudos da interseccionalidade. Leslie
McCall, contudo, propõe uma terceira
abordagem que diz ser de complexidade
intercategorial (ou categorial) e que pode
também produzir conhecimento impor-
tante, apesar de ser proveniente das epis-
temologias e metodologias mais clássicas
e tradicionais.
A abordagem intercategorial ou ca-
tegorial toma em consideração as rela-
ções estáveis e duráveis que as categorias
sociais representam num dado momento
(mesmo que mantendo uma posição crí-
tica dessas mesmas categorias). Começa
163
por considerar que a desigualdade existe
na sociedade e usa essa ideia como base
das discussões sobre interseccionalidade.
A preocupação maior é com a natureza
das relações entre os grupos sociais e a
forma importante como elas estão a mu-
dar. Os proponentes desta metodologia
usam as distinções categoriais existentes
para documentar a desigualdade ao
longo de múltiplas dimensões e tentam
medir a mudança ao longo do tempo. A
única questão é se uma abordagem deste
tipo pode acabar por legitimar as pró-
prias categorias, e cair na assunção da ho-
mogeneização e simplismo. Poderá a
abordagem categorial respeitar a exigên-
cia da complexidade?
Esta abordagem focaliza-se na com-
plexidade das relações entre múltiplos
grupos sociais dentro e ao longo de cate-
gorias analíticas e não nas complexida-

164
des dentro de um único grupo, única ca-
tegoria ou ambos. É sempre uma análise
multigrupal e o método é sistemicamente
comparativo. O espaço categorial pode
tornar-se muito complicado com adição
de qualquer categoria analítica à analise
porque requer uma investigação de quais
os múltiplos grupos que constituem a ca-
tegoria. Por exemplo, a incorporação do
gênero como uma categoria analítica
nesta análise assume que dois grupos se-
rão sistemicamente comparados, homens
e mulheres. E fala-se apenas numa única
categoria em análise, o que não será a si-
tuação típica de estudos interseccionais.
Esta abordagem implica estudos
grandiosos que em estatística usam efei-
tos de interação, multinível e hierárqui-
cos que introduzem mais complexidade
na interpretação dos resultados.
Concluindo, segundo McCall (2005),

165
parece ser possível abraçar uma aborda-
gem de complexidade de interseccionali-
dade inclusiva. A teoria da intersecciona-
lidade implica um grau tão elevado de
complexidade que poderia anular qual-
quer possibilidade de pesquisa e com
isso a possibilidade de intervenção so-
cial, se não se adotasse uma postura plu-
ral e inclusiva. Esta abordagem inclusiva,
assumindo diferentes posicionamentos
metodológicos, que têm obviamente,
subjacentes diferentes posicionamentos
epistemológicos, pode viabilizar conhe-
cimentos e pistas de intervenção impor-
tantes, mesmo do ponto de vista político.
No entanto, pode haver ocasiões, temas
ou projetos em que a assunção simples
da categoria gênero possa ser útil e neces-
sária. Sendo claros quais os objetivos so-
ciais ou políticos que motivam esse tipo
de pesquisa, pode-se compreender as de-
cisões metodológicas mais simplistas ou
166
reducionistas (do ponto de vista teórico)
que tais análises poderão apresentar. E a
interpretação dos dados ou resultados
será sempre uma tarefa mais complexa
para quem estiver teoricamente infor-
mada pela teoria da interseccionalidade.
Considera-se que as diferentes pes-
quisas (com diferentes metodologias) fe-
ministas deverão poder permitir a
(des)ocultação e (des)construção das ca-
tegorias opressivas, a demonstração da
forma como elas operam em termos de
matrizes de subordinação e de privilégio,
para no seu conjunto se “construir” co-
nhecimento válido e útil que permita al-
cançar e potenciar experiências de vida
com qualidade e sem vivências de desi-
gualdade.
Contudo, os métodos para desenvol-
ver estudos e pesquisas numa perspec-
tiva interseccional ainda estão nas mar-
gens da pesquisa na saúde (Vinz &
167
Dören, 2007; Vissandjee, et al 2007) e na
política, assim como na Psicologia
(Bowleg, 2008; Hankivsky et al. 2010). O
desenvolvimento de metodologia inter-
seccional traz a promessa de abrir novos
espaços intelectuais para o conhecimento
e para a produção e tem potencial para
conduzir a inovação quer teórica quer
metodológica.
Para isso será necessário o desenvol-
vimento e clareza quanto aos métodos de
pesquisa (Hankivsky & Christoffersen,
2008). Mesmo as pesquisadoras que se
identificam claramente com a teoria in-
terseccional têm dificuldades em opera-
cionalizar categorias interseccionais
quando estão a iniciar e a desenvolver
projetos de pesquisa.
Por um número de razões, traduzir a
teoria interseccional na prática metodo-
lógica não é fácil (Hankivsky et al. 2010).

168
Em primeiro lugar, existe desconexão en-
tre a interseccionalidade e a conceptuali-
zação de questões de pesquisa e de de-
signs (Bowleg, 2008). Em segundo lugar,
existe falta de segurança em como,
quando e onde a perspectiva interseccio-
nal deve ser aplicada (Cole, 2009; War-
ner, 2009). Em terceiro lugar, a dificul-
dade em aplicar a interseccionalidade a
estudos empíricos, especialmente nas
áreas dominadas pela pesquisa quantita-
tiva também é importante ser referido
(Warner, 2009). Em quarto lugar, pouco
trabalho tem sido feito para determinar
se todas as possíveis intersecções podem
ser relevantes a todo o momento ou se, e
quando, algumas são mais salientes
(Yuval-Davis, 2006). Em quinto lugar, a
interseccionalidade requer informação
pertinente que frequentemente não

169
existe (Hankivsky et al. 2010)43.
O que é importante e necessário é
um debate e uma vontade de levar esta
perspectiva por diante e ter atenção ex-
plícita a como a interseccionalidade pode
informar os designs de pesquisa, a produ-
ção e o conhecimento (Verloo, 2006).

43Frequentemente faltam dados relativos a diferentes


grupos em matérias de saúde, que podiam evitar mui-
tas situações de risco e de mortalidade e morbilidade.
170
Interseccionalidade e Pesquisa
em Psicologia

Segundo Warner (2009) há algumas


questões que são fundamentais e centrais
para quem pretende fazer pesquisa em
interseccionalidade em psicologia e para
as quais pode haver algumas possibilida-
des de orientação. Uma delas diz respeito
à decisão relativa a qual o número de
identidades (categorias de pertença iden-
titárias) que podem ser estudadas num
determinado estudo empírico. Uma ou-
tra relaciona-se com a decisão relativa a
estudar categorias "master" ou categorias
"emergentes"44. Tratar da identidade

44Categorias de pertença identitárias que são já resul-


tado de intersecções. Por exemplo as lésbicas, ou mu-
lheres negras podem ser consideradas este tipo de ca-
tegorias que ultrapassam a categoria master de
sexo/gênero.
171
como um processo situado dentro dos
contextos sociais e estruturais e final-
mente ter em atenção o tipo de métodos
a usar (qualitativos ou quantitativos), re-
presentam as outras questões/temas que
devem ser tomados em consideração.
No entanto, antes de se apresentar
estas questões é importante referir que na
psicologia acontece o mesmo que outras
pesquisadoras noutras áreas têm referido
quanto à pesquisa em interseccionali-
dade. Pesquisadoras feministas de dife-
rentes disciplinas tais como geografia
(Valentine 2007), sociologia (Risman
2004), política (Weldon 2005) e educação
(Ringrose, 2007) têm apontado dificulda-
des na condução de pesquisas principal-
mente nos domínios onde a tradição
quantitativa é forte. Pesquisar intersecci-
onalidade em psicologia tem esta dificul-
dade, mas também pode ser considerado
um desafio.
172
No que diz respeito ao número de
identidades possíveis de ser estudadas
num estudo empírico, a primeira questão
apresentada, é necessário ter presente a
dificuldade que representa incorporar
múltiplas dimensões de identidade so-
cial e ainda assim conseguir lidar com a
complexidade analítica. Considerar to-
das as componentes da identidade pode
gerar um infinito regresso ao "uno", uma
situação que dissolve grupos em indiví-
duos únicos e isolados. Por isso pode ser
importante analisar diferentes dimen-
sões de pertença. São necessárias deci-
sões que vão depender do interesse e do
tema em causa assim como dos resulta-
dos que se pretendem atingir ou dos da-
dos que se pretende mostrar. A decisão
pode ser meramente pragmática com in-
tenções de desocultação para fins políti-
cos (Nogueira, 2001e) ou de qualquer ou-

173
tro tipo. Não será expectável que se in-
clua sempre e em todas as circunstâncias
todas as identidades potenciais. Quando
se utilizam estudos de caso pode ser pos-
sível ter essa situação em consideração,
mas se se pretender usar projetos mais
amplos são necessárias escolhas e ter
consciência clara de quais se escolhe e o
porquê de as escolher (Stewart & McDer-
mott, 2004). Algumas categorias podem
ser particularmente importantes em de-
terminados momentos específicos da his-
tória, num contexto particular ou de um
problema em particular, outras podem
ser quase sempre relevantes e significati-
vas para a maioria das pessoas a maior
parte do tempo (Yuval-Davis, 2006).
Outro problema dentro da mesma
questão diz respeito ao fato de ter de se
refletir antes de qualquer tomada de de-
cisão, devido à existência daquilo que a
autora Valerie Purdie-Vaughns e Richard
174
Eibach referem ser o conceito de invisibi-
lidade interseccional (Purdie-Vaughns &
Eibach, 2008). A existência de pessoas
que pelo fato de ocuparem localizações
subordinadas em múltiplas categorias
identitárias e não terem poder na maioria
dos contextos, tornam-se sujeitos "inexis-
tentes". A maior parte da pesquisa é feita
com sujeitos protótipos dentro de deter-
minada categoria45. Quando as pessoas
são "não-prototípicas" em múltiplos gru-
pos sociais podem tornar-se invisíveis e
esta invisibilidade torna-se exclusão,
com consequente não representação e
marginalização. Não havendo conheci-
mento difundido acerca das suas experi-
ências, elas são imperceptíveis e estão

45Por exemplo, os homens negros são mais prototípi-


cos que as mulheres negras e os gays brancos mais que
os gays negros.
175
misturadas frequentemente nas percep-
ções que as pessoas têm sobre os grupos
protótipo. Uma forma de obviar este pro-
blema, tem sido a ênfase da maior parte
dos estudos da interseccionalidade ten-
derem, e serem essencialmente realiza-
dos com grupos marginalizados, uma
forma de ativismo científico que parece
caracterizar as pessoas aderentes desta
perspectiva (Havskinsky et al. 2010). De-
corrente desta ênfase nos grupos margi-
nalizados também pode acontecer um
efeito (negativo) contrário: não se estuda-
rem grupos dominantes. Esta situação
acaba por enfatizar a sua normatividade.
Ser explícito quanto aos processos de
tomada de decisão acerca de quais iden-
tidades estudar parece ser a resolução
mais importante para esta questão (Pho-
enix, 2006). Warner (2009) faz duas su-
gestões para responder a esta questão:
tornar o processo de tomada de decisão
176
explícito quanto ao que se vai estudar e
ter em atenção fontes de literatura e do-
cumentais interdisciplinares para deter-
minar identidades particulares face a
uma questão de pesquisa específica. O
mesmo autor encoraja quem se quer de-
dicar à abordagem interseccional que
tome atenção e seja crítico não apenas das
questões que coloca, mas também das
questões que não se colocam e dos fenô-
menos que não se testam. Quem se torna
visível através da pesquisa ou quem a
pesquisa invisibiliza, são pontos críticos
nestas abordagens (Bowleg 2008; Stewart
e McDermott 2004).
No que diz respeito à segunda ques-
tão relativa à quando se deve focalizar
em algumas categorias "master46", ou pelo

46 Referimo-nos às categorias que são mais comu-


mente usadas e pesquisadas em termos de identidade
social: o sexo/gênero, a orientação sexual, a "raça", a
177
contrário em categorias "emergentes",
podem existir diferentes posições, mas
também diferentes situações que impli-
quem uma ou outra opção. A opinião
maioritária diz que sendo de valorizar as
categorias emergentes (resultado de múl-
tipla interseccionalidade) a categoria
master pode ainda ter significado. Cada
categoria master é originada de localiza-
ções histórica e culturais distintas e man-
tém-se de certa maneira de forma autô-
noma (Yuval-Davis, 2006). Bowleg
(2008), assim como Risman (2004), argu-
menta para a utilização de uma estratégia
conjunta; isto é, o/a pesquisador/a reco-
nhece as distintas categorias master ao
mesmo tempo em que considera os efei-
tos emergentes que ocorrem quando es-
sas categorias se intersectam. A categoria
master pode, em muitas circunstâncias,

classe social.
178
representar uma multitude de experiên-
cias. Por exemplo, pode haver situações
em que mulheres de diferentes meios e
proveniências e com diferentes localiza-
ções sejam estereotipadas ou percebidas
como simplesmente e absolutamente
"mulheres". De qualquer modo, antes
que a pesquisa se oriente para o estudo
de categorias master é necessário que
haja evidência empírica de que esse es-
tudo se justifica ou então que se decida
investigar hipoteticamente dessa existên-
cia. Goff, Thomas e Jackson (2008) mos-
traram como a categoria “Black” reflete
maioritariamente as representações
acerca dos homens negros e não das mu-
lheres negras.
É fundamental tratar a identidade
como um processo situado dentro dos
contextos sociais estruturais. Representa
assumir que ter uma visão construcio-

179
nista social facilita o processo de pes-
quisa nesta perspectiva da intersecciona-
lidade. Mais do que ser uma coleção de
traços de personalidade ou de experiên-
cias individuais, a identidade é infor-
mada/moldada/construída por estrutu-
ras institucionais, políticas e societais.
Por isso é tão importante compreender
como as identidades estudadas se relaci-
onam com os sistemas estruturais que as
mantêm (Collins 1990, 1998; Stewart and
McDermott 2004).
Numa perspectiva construcionista
social, a "raça", o gênero e a classe por
exemplo, não são categorias estáticas ou
estáveis; pelo contrário, são construções
que se vão traçando de diferentes manei-
ras nas interações sociais (Valentine,
2007). Perceber a identidade como um
"alvo em mudança", constantemente mu-
tável e sendo negociada através das ex-

180
periências pessoais (Diamond & Butter-
worth, 2008) implica um cuidado na
forma de orientar a pesquisa em muitas
fases e principalmente quando se pre-
tende fazer análise de resultados ou in-
terpretações de estudos de caso ou narra-
tivas.
Por fim é importante referir as deci-
sões relativas aos tipos de metodologias
a utilizar: essencialmente qualitativas ou
quantitativas. Nem todas as metodolo-
gias se adequam de forma equivalente
aos objetivos que se enunciaram relativa-
mente à teoria da interseccionalidade.
Alguns pesquisadores argumentam que
os métodos qualitativos em geral tendem
a ser melhores para avaliar a interseccio-
nalidade que os métodos quantitativos,
já que permitem aceder às complexida-
des da experiência múltipla (Bowleg
2008; Stewart and McDermott 2004).

181
Os métodos qualitativos são absolu-
tamente necessários por várias razões.
Permitem informar acerca da natureza
emergente, particular ou parcial do signi-
ficado, prestam atenção à experiência
subjetiva e de como esta está dependente
da localização social. Por exemplo, os fo-
cus group são métodos particularmente
eficazes para se perceber como as pessoas
criam, reforçam os significados e elabo-
ram as identidades através da interação
(Hurtado & Sinha, 2008). Por seu lado, os
estudos de caso que Valentine (2007) re-
fere, podem ser particularmente úteis já
que podem perceber o movimento cons-
tante que os indivíduos experienciam en-
tre diferentes posições de sujeito em dife-
rentes contextos. Alguns métodos quali-
tativos são boas opções para examinar as
categorias master versus emergentes. O
fato de se receber informações dos/as
próprios/as entrevistados/as, permite
182
resultados não esperados que são produ-
zidos pelos próprios sujeitos e grupos.
Isto é particularmente importante
quando se pretende estudar um grupo
que sofra por exemplo de invisibilidade
interseccional (Purdie-Vaughns & Ei-
bach, 2008).
As abordagens longitudinais por
exemplo, podem ser fundamentais
(Vespa, 2009). O estudo relativo à identi-
dade sexual utilizando esta metodologia
permitiu perceber como as experiências
de gênero e de identidade sexual de um
grande conjunto de mulheres acabou por
assumir uma fluidez da sexualidade fe-
minina, uma identidade oscilante e de-
pendente dos contextos e das localiza-
ções específicas, assumindo que a identi-
dade sexual é afetada pelos contextos in-
terpessoais mais do que algo estável (Di-
amond & Butterworth, 2008).

183
Questões críticas à teoria da
interseccionalidade

Como já foi atrás referido, muitas in-


vestigadoras feministas têm desestabili-
zado a noção de uma "mulher" universal
sem explicitamente mobilizar o termo
"interseccionalidade", alegando que "mu-
lher" em si mesma é um terreno contes-
tado e fraturado, e que a experiência de
ser "mulher" é sempre constituída por e
vivida por pessoas com diferentes inte-
resses e localizações (Nogueira, 2001d).
Na realidade, a teoria da interseccio-
nalidade deu um nome a um compro-
misso teórico e político preexistente que
se veio a tornar a partir dos anos 90 (prin-
cipalmente) num grande chavão acadê-
mico (Nash, 2008). A mesma autora re-
fere que apesar da dominância teórica da
interseccionalidade como uma forma de
184
conceitualizar a identidade, um número
de paradoxos, inseridos na sua literatura,
mantêm-se por interrogar pelas feminis-
tas e pelas acadêmicas antirracistas. Estes
conflitos por resolver permeiam a teoria
feminista e antirracista, a prática e a polí-
tica, confundindo as concepções de iden-
tidade e de opressão e obscurecendo os
objetivos normativos do seu trabalho.
Mas é precisamente porque a interseccio-
nalidade é um paradigma feminista líder
com um alcance interdisciplinar exten-
sivo, que pode ser o momento ideal para
ver as suas contradições, ausências e
pontos mais obscuros (Zack, 2005) não
para a destruir (a teoria da intersecciona-
lidade), mas pelo contrário, para aumen-
tar o seu potencial, possibilitando a ela-
boração de uma forma mais complexa de
teorizar a identidade e a opressão.
A autora Jennifer Nash no seu artigo
Re-thinking intersectionality, publicado
185
na revista Feminist Review de 2008, critica
as bases nas quais esta teoria se sustenta
enumerando algumas críticas ou proble-
mas que segundo ela necessitam ser cla-
rificados e debatidos. São eles (essencial-
mente) a falta de uma metodologia inter-
seccional, o uso das mulheres negras
como sujeitos "puros" interseccionais e a
ambiguidade na descrição do que é a in-
terseccionalidade (ou do que pode ser!).
A autora não pretende "desmantelar" a
interseccionalidade. Como ela própria
afirma, o seu trabalho sugere questões e
desafios que podem ajudar a expor as
premissas que sustentam a intersecciona-
lidade, de modo que ambas as teoriza-
ções feministas e antirracistas, possam
continuar a trabalhar para desconstruir o
essencialismo, possam construir e criar
teorias mais complexas de identidade e
de opressão, e de lidar com a dificuldade
da subjetividade. Tudo isto permitiria
186
evitar os perigos da fragmentação e dis-
córdia, ou, pelo contrário, da teorização
inclusiva que perde complexidade. Su-
gere manter o interesse da Intersecciona-
lidade pela diferença, mas ao mesmo
tempo mobilizar estrategicamente uma
linguagem de comunalidade (ainda que
provisória) ao serviço da construção de
uma agenda teórica e política emancipa-
dora. Neste contexto, seria possível pen-
sar em coligações temporárias que façam
sentido e sejam necessárias num mo-
mento particular, permitindo a organiza-
ção comunal para além, e através, da as-
sunção da diferença.
No que diz respeito aos problemas
com que a teoria da interseccionalidade
tem de se confrontar, parece que o fato de
haver ainda pouca clareza metodológica
é uma das piores dificuldades. Seriam
necessárias ferramentas metodológicas
que fossem suficientemente flexíveis
187
para atender às inúmeras intersecções
possíveis. A complexidade resultante
desta interseccionalidade tem sido difícil
de analisar, como a autora Leslie McCall
(2005) refere aprofundadamente no seu
trabalho47.
Um segundo problema prende-se
com o fato das experiências das mulheres
negras terem sido usadas como emblema
teórico destinado a demonstrar as defici-
ências das teorizações feministas mais
convencionais da segunda onda. Aliás,
foi no ambiente feminista negro que se
originou a própria teoria da interseccio-
nalidade. No entanto, é perigoso conti-
nuar a utilizar a categoria emergente de
"mulheres negras" como uma entidade
unitária e monolítica. É necessário pensar

47 É precisamente para colmatar esta dificuldade que


ela apresentou a sua abordagem inclusiva das três
abordagens à interseccionalidade.
188
nas múltiplas diferenças que podem exis-
tir entre elas, por exemplo em termos de
classe social ou de sexualidade.
A questão da definição acerca do que
é a interseccionalidade diz respeito à dú-
vida acerca do quê e de quem se pode fa-
lar como sendo sujeito interseccional; isto
é, saber se todas as identidades são inter-
seccionais e assim devem ser estudadas
ou se esta teoria se aplica apenas aos in-
divíduos pertencentes a categorias mar-
ginalizadas e nestes, prioritariamente a
quem sofre de múltiplas pertenças iden-
titárias subordinadas. A pesquisa em in-
terseccionalidade tem investido essenci-
almente nestes grupos de pessoas margi-
nalizadas (subordinação múltipla) já que
tem como prioridade estudar e adquirir
conhecimento de modo a provocar mu-
danças nas vidas das pessoas (Kwan,
1996, citado em Nash, 2008). Contudo, a

189
maioria da teorização considera que a in-
terseccionalidade se refere a todas as pes-
soas. Ao assumir esta última possibili-
dade, então estar-se-á a falar de uma teo-
ria da interseccionalidade que seria uma
teoria generalizada da identidade ao re-
conhecer as maneiras pelas quais as posi-
ções de dominação e subordinação inte-
ragem de modo complexo e cruzado para
constituir as experiências dos sujeitos
"pessoas" situadas em matrizes de subor-
dinação (Collins, 2000), mas também de
privilégios.
Por fim, é importante referir uma
questão que continua sem ser explorada
pelos teóricos da interseccionalidade e
que diz respeito à maneira como o privi-
légio e a opressão podem ser co-constitu-
ídos a nível da subjetividade. Ou seja, en-
quanto a interseccionalidade continuar a
descrever essencialmente algumas mar-

190
ginalizações (o espectro da mulher mar-
ginalizada negra e pobre) por oposição a
alguns privilégios (o homem branco he-
terossexual) deixa de descrever as formas
como se cruzam privilégio e opressão, in-
formando as experiências de cada sujeito.
Ao conceber o privilégio e a opres-
são como complexos, múltiplos e simul-
tâneos, a interseccionalidade poderia ofe-
recer uma concepção mais robusta tanto
da identidade como da opressão.
Concluindo, agora que a interseccio-
nalidade se tornou um projeto intelec-
tual/acadêmico institucionalizado como
ferramenta dominante para se conhecer
as vozes marginalizadas, cabe aos inves-
tigadores e teóricos desta perspectiva in-
terrogar criticamente os seus objetivos
para melhor delinear o futuro teórico, es-
sencialmente o seu poder explicativo as-
sim como o movimento político.

191
Conclusão

“A não ser que tenhamos


consciência de que não se
pode evitar tomar posição, to-
mamos posição sem darmos
conta” 48

No contexto conceitual e de pesquisa


metodológica construcionista crítica in-
terseccional na psicologia, questionam-se
os fatos apresentados pela disciplina
como dados adquiridos e evidentes, as-
sumindo-os como construídos dentro de
narrativas especificamente culturais, re-
gimes de verdade, padrões de poder ou
formas de ideologia (Nogueira, 2001a).

48“Unless one is aware that one cannot avoid taking a


stand, unwitting stands get taken” (Spivak, 1988). Epí-
grafe retirada da conclusão da minha tese de doutora-
mento realizada em 1997.
192
As diferenças não existem num va-
cum político. Pelo contrário, a força da di-
ferença, os tipos de diferença, os valores
atribuídos a diferentes formas e a domi-
nância de determinadas formas, tudo é
modelado pelo contexto (DeFrancisco &
Palczewsky, 2007). No entanto, apesar
das complexidades e da fluidez da iden-
tidade, muitas instituições continuam es-
truturadas à volta de categorias identitá-
rias como se elas fossem fixas, facilmente
identificáveis e facilmente distinguíveis.
E é por esta razão que apesar do gênero
ser complexificado pelos outros ingredi-
entes identitários continua a ser útil
como categoria de análise, quando se
pretende estudar ou analisar as desigual-
dades persistentes. O objetivo é tornar
claro que não se consegue compreender
o gênero a não ser que se compreenda a
complexidade de cada identidade pes-
soal, as influências das instituições sobre
193
o gênero e a forma como as questões de
poder se inter-relacionam (DeFrancisco
& Palczewsky, 2007).
Como refere Sloop (2005), “um pro-
jeto de gênero/sexualidade que evite
questões de classe ou ‘raça’ não só reforça
as formas materiais e económicas nas
quais e pelas quais as fronteiras são refor-
çadas e delimitadas, permitindo apenas
uma crítica das questões de gênero/sexo
que têm pouco poder explicativo” (p.
326). A ênfase numa abordagem das di-
ferenças ignora as questões de poder e li-
mita a compreensão sobre a violência
(DeFrancisco & Palczewsky, 2007). A in-
terseccionalidade pode tentar explicar a
complexidade das identidades e das ex-
periências vividas. E qualquer análise
das desigualdades sociais relacionadas
com o gênero tem de tomar este conceito
em consideração senão será incompleta.

194
Uma abordagem crítica e intersecci-
onal do gênero implica um grau elevado
de complexidade em termos de pesquisa
(McCall, 2005). O sexo e o gênero não são
simples variáveis que se incorporam nas
equações, são fatores complexos que re-
querem uma atenção cuidada.
É importante falar de momentos de
emancipação e de libertação assim como
de momentos de contradição e acomoda-
ção. Apesar das estruturas institucionais
e do poder social criarem desigualdades,
essas desigualdades não persistem sem
mudança eternamente. Mesmo diante da
opressão e da subordinação, algumas
pessoas encontram maneiras criativas de
se poderem expressar. Não obstante as
constantes ameaças de violência, as pes-
soas resistem. Em muitos casos os atos de
resistência usam as mesmas estruturas
de gênero que servem à subordinação.
Para muitas pessoas os atos de resistência
195
são fundamentais, mesmo que muitas ve-
zes tenham consequências. Para muitas
outras a acomodação parece ser o padrão
que escolhem para melhor levarem as
suas vidas por diante (DeFrancisco &
Palczewsky, 2007).
Reconhecer a diversidade de gênero
não implica negar diferenças entre ho-
mens e mulheres, nem que o gênero ha-
bita os indivíduos de forma imutável.
Como diz Preciado (2004), “não há dife-
rença sexual, apenas uma multitude de
diferenças, uma transversalidade das re-
lações de poder, uma diversidade de ex-
periências de vida” (p. 25). E se há dife-
rentes posicionamentos para enfrentar
esta complexidade, por que não usá-los
para em conjunto se produzir um saber
sempre questionado, sempre crítico,
sempre alerta das possibilidades de reifi-
cação, seja de categorias ou assunções
que são temporárias ou provisórias e
196
usadas apenas estrategicamente?
Este período de globalização que
tem afetado de forma muito rápida as re-
lações de poder e tem criado mudanças
e clivagens no poder econômico e cultu-
ral não pode ser comparado a qualquer
outro período histórico (Nogueira,
2001b). Há cada vez mais questões para
colocar e o nosso conhecimento está cada
vez mais incompleto e em rápida mu-
dança. Temos de questionar continua-
mente onde estão as localizações da do-
minação. Temos de perguntar onde es-
tão atos de resistência a ocorrer. É neces-
sário mais do que nunca usar a reflexivi-
dade (Nogueira, 2001a). Ela permite que
se esteja atento a valorizar, a criticar e
analisar subjetivamente. Implica perce-
ber o que se estuda e como se estuda (De-
Francisco & Palczewsky, 2007). O que se
faz ao pesquisar, quem se beneficia e
quem se prejudica (Prilleltenski & Fox,
197
1997; Prilleltensky & Nelson, 2002; Ne-
ves & Nogueira, 2005), o que se reifica, o
que se permite que aconteça.
Escrutinar a interseccionalidade
pode permitir quer às feministas quer às
teóricas antirracistas, melhor avaliarem
as potencialidades e os perigos deste tipo
de teorização “inclusiva”. Ambos os pro-
jetos têm de ter em atenção as questões
da diferença na interseccionalidade ao
mesmo tempo em que estrategicamente
mobilizam uma linguagem de comunali-
dade (mesmo que provisória ou tempo-
rária) ao serviço da construção de uma
agenda política e teórica coerente (Nash,
2008).
Reconsiderar a interseccionalidade
permite às ativistas questionar em que
condições se devem organizar em movi-
mentos políticos unitários mais amplos,
como mulheres ou mulheres negras por
exemplo, em que condição ou contexto
198
faz sentido fazer coligações temporárias
e como se organizar para além das dife-
renças.
Faço minhas as palavras de Ibañez
(1996), que refere ser da nossa responsa-
bilidade enquanto psicólogas(os) eleger o
conhecimento que queremos produzir:
um conhecimento de tipo autoritário, ali-
enante, normalizador que passe a fazer
parte dos múltiplos dispositivos de do-
minação ou pelo contrário um conheci-
mento de tipo libertador, emancipador
que traga para a arena as lutas das pes-
soas contra a dominação. Deve-se pro-
mover uma mudança radical. Mas, para
fazer da psicologia uma prática liberta-
dora, é necessário começar a construí-la
em oposição aos pressupostos que fazem
dela uma arma de dominação (como
mostramos em Oliveira, Neves & No-
gueira, 2009). E porque sou adepta da

199
psicologia enquanto projeto emancipa-
dor posso assumir uma psicologia social
crítica, mas também radical (Íñiguez-Ru-
eda (2003).
"La Psicología social
crítica es sobre todo el resul-
tado del continuo cuestiona-
miento de las prácticas de
producción de conocimiento.
Puede ser radical o no, en el
sentido de que puede perma-
necer al margen de cualquier
pretensión de emancipación
social o sentirse plenamente
implicada en ella" (Lupicinio
Íñiguez-Rueda, p. 234).

Para a psicologia feminista crítica é


urgente considerar a interseccionalidade.
Sendo um desafio de grandes dimensões

200
será também uma oportunidade para au-
mentar o conhecimento sobre as experi-
ências vividas de todas as pessoas, enfa-
tizando as normalmente esquecidas, in-
visíveis ou totalmente complexas na sua
interseccionalidade. Produzir um conhe-
cimento válido, numa época marcada
por profundas assimetrias de formas de
vida e profundas e crescentes desigual-
dades, é um objetivo emancipador que
vale a pena procurar atingir.

201
Referências

Almeida, Luisa (2001). Vozes de sucesso.


Vozes (silenciadas) de Fracasso. Género e classe
social na escola. Instituto de Educação e Psico-
logia da Universidade do Minho, Braga.
Amâncio, Lígia (1992). As assimetrias nas
representações do género. Revista Crítica de
Ciencias Sociais, 34, 9-21.
Amâncio, Lígia (1994). Masculino e Femi-
nino. A construção social da diferença. Porto:
Edições Afrontamento.
Amâncio, Lígia (1999). Sexo e Género: para
uma teoria psicossociológica da relação de domi-
nação entre os sexos. Texto de síntese para efei-
tos de provas de Agregação. Lisboa: Instituo
Superior de Ciência do Trabalho e da Em-
presa. .
Amâncio, Lígia (2001). O género na psico-
logia: uma história de desencontros e ruptu-
ras. Psicologia, vol. XV (1), pp. 9-25
Araújo, Helena (2007). Cidadania na sua

202
polifonia: Debates nos estudos de educação
feministas, Educação, Sociedade & Culturas, nº
25, 83-116
Azzarito, Laura, & Solomon, Melinda A.
(2005). A reconceptualization of physical
education: The intersection of
gender/race/social class. Sport, Education
and Society 10(1, March), 25_-47.
Baumgardner, Jennifer, and Amy
Richards. 2000. ManifestA: Young Women,
Feminism, and the Future. New York: Farrar,
Straus and Giroux.
Beasley, Chris (1999). What is Feminism?
An introduction to feminist theory. London:
London: Sage Publications.
Beauvoir, Simone (1976[1949]). O segundo
sexo. Lisboa: Bertrand
Bem, Sandra (1981). Bem sex-role Inventory:
professional manual. Palo Alto: CA Consulting
Psychologist.
Bem, Sandra L. (1974). The measuremente
of psychological androgyny. Journal of
Counseling and Clinical Psychology, 42, 155-
203
162.
Bem, Sandra L. (1993) The Lenses of Gender.
London: Yale University Press
Benhabib, Sheila (1990). Epistemologies of
Posmodernism: A rejoinder to Jean-François
Lyotard. In L. Nicholson (Ed),
Feminism/Postmodernism. New York:
Routledge
Berger, Michele Trac & Guidroz, Kathleen
(2009). Introduction. In M. T. Berger & K.
Guidroz (Eds.), The intersectional approach.
Transforming the academy through Race, Class &
Gender. (pp. 1-22). Chapel Hill: The
University Of North Carolina Press.
Bohan, Janet (1992). Seldom seen, rarely
heard. Women's place in psychology. Boulder,
Co:Westview
Bohan, Janet (1997). Regarding gender.
Essencialism, constructionism and feminist
psychology. In Mary Gergen & Sara Davis
(edits), Toward a new psychology of gender.
New York: Routledge.
Bordo, Susan (1989). Talking Back to
204
Sociology: Distinctive Contributions of
Feminist Methodology. Annual Review of
Sociology, 22, 29-50.
Bordo, Susan (1990) Feminism,
postmodernism and gender-scepticism. In L.
Nicholson (Ed), Feminism/Postmodernism.
New York: Routledge.
Bordo, Susan (1992). Review Essay:
postmodern subjects, postmodern bodies.
Feminist Studies, 18, 1, 159-175.
Bordo, Susan (1993). Unbearable Weight:
Feminism, Western Culture and the Body.
Berkeley. Los Angeles and London,
University of California Press.
Bowleg, Lisa (2008). When Black +
Lesbian + Woman ≠ Black Lesbian Woman:
The Methodological Challenges of
Qualitative and Quantitative
Intersectionality Research. Sex Roles 59(5-6),
312–325.
Browne, Irene & Misra, Joya (2003). The
intersection of gender and race in the labor
market. Annual Review of Sociology, 29, 487-

205
513. doi: DOI
10.1146/annurev.soc.29.010202.100016
Burman, Erica (1990). Feminists and
psychological practice. London: Sage
Publications, Inc.
Burr, Vivien (1995). An introduction to
Social Constructionism. London: Routledge.
Burr, Vivien (1998). Gender and social
psychology. London: Routledge.
Butler, Judith (1990). Gender Trouble:
feminism and teh Subversion of identity. New
York: Routledge.
Butler, Judith (1993).Bodies That Matter:
On the Discursive Limits of Sex. New York and
London: Routledge.
Carmo, Isabel, e Amâncio, Lígia (2004).
Vozes Insubmissas: a história das mulheres e dos
homens que lutaram pela igualdade dos sexos
quando era crime fazê-lo. Lisboa: Dom Quixote.
Cole, Barbara Ann (2009). Gender,
narratives and intersectionality: can personal
experience approaches to research contribute
to ‘‘undoing gender’’? International Review of
206
Education, 55, 561–578.
Collin, Françoise (1991). Diferença e dife-
rendo. A questão das mulheres na filosofia.
In G. Duby & M. Perrot (Eds.), História das
Mulheres. O século XX. Porto: Edições
Afrontamento.
Collins, Patricia Hill (1990). Black feminist
thought: Knowledge, consciousness, and the
politics of empowerment. New York:
Routledge
Collins, Patricia Hill (1998). The tie that
binds: race, gender, and US violence. Ethnic
and Racial Studies, 21 (5), 917 - 938
Collins, Patricia Hill (2000). Black feminist
thought: Knowledge, consciousness, and the
politics of empowerment (2nd ed. ed.). NY:
Routledge.
Comas-Diáz, Lilian & Greene, Beverly
(1994). Women of color. Integrating ethnic
and gender identities in psychotherapy. new
York: Guliford press
Crawford, Mary (1995). Talking Difference.
On gender and language. London: Sage.
207
Crawford, Mary, & Marecek, Jane (1989).
Feminist Theory, Feminist Psychology - a
Bibliography of Epistemology, Critical
Analysis, and Applications. Psychology of
Women Quarterly, 13(4), 477-491.
Crenshaw, Kimberle ( 1989).
Demarginalizing the Intersection of Race and
Sex: A Black Feminist Critique of
Antidiscrimination Doctrine, Feminist
Theory, and Antiracist Politics..University of
Chicago Legal Forum:139–67.
Crenshaw, Kimberle ( 1991). Mapping the
Margins: Intersectionality, Identity Politics,
and Violence against Women of Color.”
Stanford Law Review 43(6):1241–79.
Davis, Angela Y (1981) Women, Race, and
Class. New York: Random House
de Lauretis, Teresa (1987) Technologies of
Gender: Essays onTheory, Film and Fiction.
Bloomington: Indiana University Press
Dean, Jonathan (2009). Who’s Afraid of
Third Wave Feminism? on the uses of the
‘third wave’ in british feminist politics.

208
International Feminist Journal of Politics, 11(3),
334–352.
DeFrancisco, Victoria, P., & Palczewski,
Catherine, H. (2007). Communicating Gender
Diversity. A critical approach. London: Sage
Publications.
Denzin, Norman K. (1995). Symbolic
Interactionism. In J. A. Smith, R. Harré & L.
Van Langenhove (Eds.), Rethinking
Psychology. London: Sage.
Diamond, Lisa M., & Butterworth, Molly
(2008). Questioning Gender and Sexual
Identity: Dynamic Links Over Time. Sex Roles
59(5-6), 365–376.
Dicker, Rory, and Alison Piepmeier. 2003.
Catching a Wave: Reclaiming Feminism for the
21st Century. Boston, Massachusetts:
Northeastern University Press
Dietz, Mary G. (2003). Current
controversies in feminist theory. Annual
Review of Political Science, 6, 399-431.
Dottolo, Andrea L., & Stewart, Abigail J.
(2008). "Don't Ever Forget Now, You're a
209
Black Man in America": Intersections of race,
class and gender in encounters with the
police. Sex Roles, 59(5-6), 350-364
Eagly, Alice H. (1987). Sex differences in
social behavior: A social-role interpretation.
N.Y.:Erlbaum.
Evans, Mary (1994). The woman question.
London: Sage Publications.
Faludi, Susan (2001). Backlash. O contra-
ataque na guerra não declarada contra as
mulheres. Rocco, Rio de Janeiro,
Flax, Jane (1990). Thinking fragments:
psychoanalysis, feminism and Postmodernism in
the Contemporary West. Berkeley: University
of California Press.
Fraser, Nancy & Nicholson,Linda (1990).
Social criticism without philosophy: an
encounter between feminism and
Postmodernism. In L. Nicholson (Ed.),
Feminism/Postmodernism. New York:
Routledge.
Freud, Sophie (1994). The Social
Construction of Gender. Journal of Adult
210
Development, 1(1), 37-45.
Gergen, Kenneth (1973). Social
Psychology as history. Journal of Personality
and Social Psychology, 26, 309-330.
Gergen, Kenneth (1982). Toward
Transformation in social knowledge. London:
Sage.
Gergen, Kenneth (2001). Psychological
Science in a Postmodern Context. The
American Psychologist. 56, 803-813.
Gergen, Mary & Davis, Sara (1997).
Toward a new psychology of gender. New York:
Routledge.
Gergen, Mary (2001). Feminist
reconstructions in psychology: narrative,
gender and performance. London:Sage
Publications
Gill, Rosalind (1995). Relativism,
Reflexivity and Politics: interrogating
discourse analysis from a feminist
perspective. In S. Wilkinson & C. Kitzinger
(Eds.), Feminism and discourse:
psychological perspectives. London: Sage.
211
Gill, Rosalind (2009). Beyond the
`Sexualization of Culture' Thesis: An
Intersectional Analysis of
`Sixpacks',`Midriffs' and `Hot Lesbians' in
Advertising. Sexualities, 12, 137-161.
Goff, Phillip Atiba., Thomas, Margaret A.,
& Jackson, Matthew Christian. (2008). “Ain’t
I a Woman?”: Towards an Intersectional
Approach to Person Perception and Group-
based Harms
Greene, Beverly, & Sanchez-Hucles, J.
(1997). Diversity: Advancing an inclusive
feminist psychology. In J. Worell & N.
Johnson, Shaping the Future of Feminist
Psychology: Education, Research, and Practice.
Washington, DC: American Psychological
Association
Hancock , Ange-Marie (2007).
Intersectionality as a normative and
emprirical paradigm. Politics and gender, 3,
248-53
Hanisch, Carol (1970). The Personal Is
Political. In Shulamith Firestone & Anne

212
Koedt (Eds.), Notes from the Second Year:
Women’s Liberation. Disponível na internet a 7
de Outubro de 2008 em : http://scholar.ale-
xanderstreet.com/pages/viewpage.ac-
tion?pageId=2259
Hankivsky, Olena & Christoffersen,
Ashlee (2008). Intersectionality and the
determinants of health: a Canadian
perspective. Critical Public Health, 18(3), 271-
283.
Hankivsky, Olena, Reid, Colleen,
Cormier, Renee, Varcoe, Colleen, Clark,
Natalie, Benoit, Cecilia, et al. (2010).
Exploring the promises of intersectionality
for advancing women's health research.
International Journal for Equity in Health, 9.
Haraway, Donna (1988). Situated
knowledges: The science question in
feminism and the privilege of partial
perspective. Feminist Studies, 14(3), 575-
600Harding, S. (1986). The science question in
Feminism. Ithaca and London: Cornell
University Press.

213
Harding, Sandra (1986). The science
question in Feminism. Ithaca and London:
Cornell University Press.
Harding, Sandra (1990). Feminism,
Science and the anti-enlightenment critiques.
In L. Nicholson (Ed.),
Feminism/Postmodernism. New York:
Routledge.
Harding, Sandra (1994). Feminis and
Theories of Scientific Knowledge. In M.
Evans (Ed.), The woman question. London:
Sage Publications
Harding, Sandra (2004). Feminist
Standpoint Theory Reader. London: Routledge
Hare-Mustin, Rachel & Marecek, Jeanne
(1988). The meaning of difference: gender
theory, postmodernism and psychology.
American Psychologist, 43, 455-464.
Hare-Mustin, Rachel & Marecek, Jeanne
(1990). Making Difference. Psychology and the
construction of gender. New Hawen, CT: Yale
University Press.
Hare-Mustin, Rachel & Marecek, Jeanne
214
(1994). Asking the right questions: feminist
psychology and sex differences. Feminism and
Psychology, 4(4), 531-537.
hooks, Bell (1984). Feminist theory: From
margin to center. Boston: South End Press.
Howard, Judith A. & Hollander, Jocelyn
(1997). Gendered situations, gendered selves.
London: Sage Publications
Hurtado, Aída, & Sinha, Mrinal (2008).
More than men: Latino feminist masculinities
and intersectionality. Sex Roles, 59(5-6), 337-
349. doi: DOI 10.1007/s11199-008-9405-7
Ibãnez, Tomas (1996). Construcionismo
social. In Psicologia, discursos e poder. Bar-
celona: Paidós.
Ibáñez,Tomas & Íñiguez-Rueda,L Lupici-
nio (Eds). (1997). Critical Social Psychology.
London: SAGE.
Íñiguez-Rueda, Lupicinio (2003). La Psico-
logía Social como Crítica:Continuismo, Estabili-
dad y Efervescencias .Tres Décadas después de la
“Crisis”. Revista Interamericana de Psicolo-
gia/Interamerican Journal of Psychology
215
Vol. 37, Num. 2 pp. 221-238
Kaplan, Gisela (1992) Contemporary
Western European feminism. London: UCL
Press.
Keller, Evelyn Fox (1991). Feminism and
science. In R. Boyd, P.Gasper & J. D. Trout
(Eds.), The Philosophy of science.
Massachussetts: The MIT Press.
Kitzinger, Celia (1990). The rhetoric of
pseudoscience. In I. Parker & J. Shotter (Eds.),
Deconstructing Social Psychology. London:
Routledge.
Kitzinger, Celia (1991). Feminism,
psychology and the pradox of power.
Feminism and Psychology, 1, 111-129.
Knapp, Gudrun-Axeli (2005). Race, Class,
Gender: Reclaiming Baggage in Fast
Travelling Theories. European Journal of
Women’s Studies 12(3): 249–65.
Lorenzi-Cioldi, Fabio (1994). Les
androgynes. Paris: Presses Universitaires de
France.Lorenzi-Cioldi, F. (1994). Les
androgynes. Paris: Presses Universitaires de
216
France.
Lott, Bernice (1990). Dual natures or
learned behavior. In R. Hare-Mustin & J.
Marecek (Eds.), Making Difference.
Psychology and the construction of gender.
New Hawen, CT: Yale University Press.
Ludvig, Alice (2006). Differences Between
Women? Intersecting Voices in a Female
Narrative. European Journal of Women’s
Studies, Vol. 13(3), 245–258.
Maccoby, Eleanor E. & Jacklin, Carol N.
(1974). The psychology of sex differences. Stan-
ford CA: Stanford University Press.
Macedo, Ana Gabriela (2006). Pós-femi-
nismo. Revista de Estudos Feministas,14(3),
pp- 813-817
Mahalingam, Ramaswami, & Leu, Janxin
(2005). Culture, Essentialism, Immigration
and Representations of Gender. Theory
Psychology 15(6), 839–860.
Mahalingam, Ramaswami, Balan,
Sundari, & Haritatos, Jana (2008).
Engendering immigrant psychology: An
217
intersectionality perspective. Sex Roles, 59(5-
6), 326-336.
Mann, Susan Archer & Huffman, Douglas
J. (2005). The decentering of second wave
feminism and the rise of the third wave.
Science & Society, 69(1), 56-91.
McCall, Leslie (2005). The Complexity of
Intersectionality. Signs: Journal of Women in
Culture and Society, 30(3), 1771-1800.
McRobbie, Angela (Ed.). (2009). The
aftermath of feminism: gender culture an
social change. London: Sage Publications.
Minton, Henry L. (2000). Psychology and
Gender at the Turn of the Century. the
American Psychological Association, Inc., 55(6),
613-615.
Morawski, Jill G. (1990).Toward the
unimagined: feminism and epistemology in
psychology. In R. Hare-Mustin & J. Marecek
(Eds.), Making Difference. Psychology and the
construction of gender. New Hawen, CT: Yale
University Press.
Nash, Jennifer C. (2008). Re-thinking
218
intersectionality. Feminist review, 89, 1-15.
Neto, José Vaz (2007). Masculinidades: um
estudo critico das praticas discursivas de alunos
de ensino médio. Universidade do Minho,
Braga.
Neves, Sofia (2008). Amor, Poder e Vio-
lências na Intimidade: os caminhos entrecru-
zados do pessoal e do politico. Coimbra:
Quarteto.
Neves, Sofia, & Nogueira, Conceição
(2004). Metodologias feministas na Psicologia
Social crítica: a ciência ao serviço da mudança
social. Exaequo, 11, 123-138.
Neves, Sofia, & Nogueira, Conceição
(2004). Terapias feministas, intervenção psi-
cológica e violências na intimidade: uma lei-
tura feminista crítica. Psychologica, 36, 15-32.
Neves, Sofia, & Nogueira, Conceição
(2005). Metodologias feministas: a reflexivi-
dade ao serviço da investigação nas Ciências
Sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(3), 408-
412.

219
Nogueira, Conceição & Oliveira, João Ma-
nuel (2009) Fazer o género: performatividade e
perspectivas queer. Editores da secção temática
da revista Ex-Aequo (número 20)
Nogueira, Conceição & Oliveira, João Ma-
nuel (2009). Um lugar feminista queer e o
prazer da confusão de fronteiras: introdução
ao dossier temático. Ex-Aequo, 20, 9-12
Nogueira, Conceição & Oliveira, João Ma-
nuel (2010). Estudo sobre a discriminação em
função da orientação sexual e da identidade
de género. Lisboa: Comissão para a Cidada-
nia e Igualdade de Gênero.
Nogueira, Conceição & Silva, Isabel
(2001b). Cidadania. Construção de novas práticas
em contexto educativo. Porto: Edições ASA
Nogueira, Conceição (2001a). Um novo
olhar sobre as relações sociais de género. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
Nogueira, Conceição (2001c). Construcio-
nismo social, discurso e género. Psicologia
XV(1), 43-65.

220
Nogueira, Conceição (2001d). Contribui-
ções do construcionismo social a uma nova
psicologia do género. Cadernos de Pesquisa,
112, 137-154.
Nogueira, Conceição (2001e). Feminismo
e discurso do género na Psicologia Social. Psi-
cologia e Sociedade, 13(1), 107-128.
Nogueira, Conceição (2004). Ter ou fazer
o género. O dilema das opções metodológicas
na Psicologia Social. In N. Guareschi (Ed.),
Estratégias de invenção do presente- a Psicologia
Social no contemporâneo (pp. 249-284). Porto
Alegre: EDIPUCRS.
Nogueira, Conceição (in press) intersecci-
onalidade: uma introdução. Em Sofia Neves
(ed). Género e Ciências Sociais. Castêlo da
Maia: Edições ISMAI.
Nogueira, Conceiçao, Neves, Sofia, & Bar-
bosa, C. (2005). Fundamentos construcionis-
tas sociais e críticos para o estudo do género.
Psicologia: teoria investigação e prática, 2, 195-
120.
Oliveira, J. M., Neves, S., Nogueira, C. &

221
Koning, M. (2009). Present but un-named:
feminist liberation psychology in Portugal.
Feminism & Psychology, 19 (3), 494-306.
Oliveira, J. M., Pena, Cristiana &
Nogueira, C. (2010). Lesbian Feminism or
lesbian feminists? – Voicing Portuguese
lesbian claims. Feminism & Psychology,1-5
Oliveira, João Manuel & Amâncio, Lígia
(2006). Men as Individuals, Women as a
Sexed Category: Implications of Symbolic
Asymmetry for Feminist Practice and
Feminist Psychology. Feminism & Psycho-
logy, 16(1), 36-44.
Oliveira, João Manuel & Amâncio, Lígia
(2006). Teorias feministas e representações
sociais: desafios dos conhecimentos situados
para a psicologia social. Revista de Estudos
Feministas, 14 (3): 597-615.
Oliveira, João Manuel & Nogueira, Con-
ceição (2009). Um lugar feminista queer e o
prazer da confusão de fronteiras: introdução
ao dossier temático. Ex-Aequo, 20, 9-12

222
Oliveira, João Manuel (2009). Uma esco-
lha que seja sua: uma abordagem feminista
ao debate sobre a interrupção voluntária da
gravidez em Portugal. Dissertação de Douto-
ramento em Psicologia Social. Lisboa: ISCTE
Oliveira, João Manuel (2010). Os feminis-
mos habitam espaços hifenizados –a localiza-
ção e interseccionalidade dos saberesfeminis-
tas. ex æquo, n.º 22, pp. 25-39
Perucchi, Juliana (2008). “Mater semper
certa est, pater nunquan”: o discurso jurídico
como dispositivo de constituição de paterni-
dades. Universidade Federal de Santa Cata-
rina, Brasil.
Phoenix, Ann & Pattynama, Pamela
(2006). Intersectionality. European Journal of
Women's Studies 2006 13: 187-192
Phoenix, Ann (1990). Social research in the
context of feminist psychology. In E. Burman
(Eds.), Feminists and psychological practice
(pp. 89-103). London: Sage Publications, Inc.
Preciado, Beatriz (2004, May). Multitudes

223
Queer: notas para una política de los “anor-
males”. Multitudes, 12, 2004. Retrieved March
12, 2008, from
http://multitudes.samizdat.net/spip.php?a
rticle1465
Prilleltenski, Isacc & Fox, Dennis (1997).
Introducing critical psychology: values,
assumptions and status quo. In Fox, Dennis
& Prilleltenski, Isacc (Eds.). Critical
psychology: an introduction. (pp. 3-20).
London: Sage.
Prilleltensky, Isaac and Nelson, Geoffrey
(2002).Doing Psychology Critically. Making a
Difference in Diverse Settings.New York:
Palgrave Macmillan.
Purdie-Vaughns, Valerie, & Eibach,
Richard P. (2008). Intersectional Invisibility:
The Distinctive Advantages and
Disadvantages of Multiple Subordinate-
Group Identities. Sex Roles, 59(5-6), 377-391.
Ribeiro, Óscar. (2008). O idoso prestador in-
formal de cuidados: estudo sobre a experiência
masculina do cuidar. Universidade do Porto,

224
Porto.
Ringrose, Jessica (2007) 'Rethinking white
resistance: Exploring the discursive practices
and psychical negotiations of 'whiteness' in
feminist, anti-racist education. Race, Ethnicity
and Education 10(3), 321-342.
Risman, Barbara J. (2004). Gender as a
social structure - Theory wrestling with
activism. Gender & Society, 18(4), 429-450. doi:
Doi 10.1177/0891243204265349
Rose, S. (1986). Gender at work: Sex, Class
and industrial capitalism. History Workshop
Journal, 21, 113-131.
Rosenau, Pauline Marie (1992). Post-
modernism and the social sciences.Insights,
Inroads and Intrusions. New Jersey: Princeton
University Press.
Saavedra, Luisa & Nogueira, Conceição
(2006). Memórias sobre o feminismo na Psi-
cologia: para a construção de memórias futu-
ras. Memorandum, 11, 113-127.
Samuels, Gina Miranda, & Ross-Sheriff,
Fariyal (2008). Identity, oppression, and
225
power - Feminisms and intersectionality
theory. Affilia-Journal of Women and Social
Work, 23(1), 5-9. doi: Doi
10.1177/0886109907310475
Segal, Lynne (1995). A feminists looks at
the family. In J. Muncie, M., Wetherell, R.,
Dallos & A. Cochrane (Eds.), Understanding
the family. London: Sage.
Shields, Stephanie A. (2008). Gender: An
intersectionality perspective. Sex Roles, 59(5-
6), 301-311. doi: DOI 10.1007/s11199-008-
9501-8
Shotter, John (1989). Social Accountability
and the social construction of “you”. In J.
Shotter & K. J. Gergen (Eds.), Texts of
identity. London: Sage.
Sloop, John M. (2005). In a queer time and
place and race: Intersectionality comes of age.
Quarterly Journal of Speech, 91(3), 312-326.
doi: Doi 10.1080/00335630500350368
Soper, Kate (1994). Feminism, Humanism
and Postmodernism. In M. Evans (Ed.), The
woman question. London: Sage Publications.

226
Spivak, Gayatri Chakravorty (1988). In
other worlds. London: Routledge.
Stainton-Rogers, Wendy & Stainton-
Rogers, Roger (2001). The Psychology of Gender
and sexuality. Buckingham Open University
Press.
Staunaes, Dorthe (2005). From culturally
avant-garde to sexually promiscuous:
Troubling subjectivities and intersections in
the social transition from childhood into
youth. Feminism & Psychology, 15(2), 149-167.
doi: Doi 10.1177/0959-353505051719
Steinbugler, Amy C. Press, Julie E.., &
Dias, Janice Johnson (2006). Gender, race, and
affirmative action - Operationalizing
intersectionality in survey research. Gender &
Society, 20(6), 805-825. doi: Doi
10.1177/0891243206293299
Stewart, Abigail & Dottolo, Andrea L.
(2006). Feminist psychology. Signs, 31(2), 493-
509.
Stewart, Abigail & McDermott, Christa
(2004). Gender in psychology. Annual Review

227
of Psychology, 55, 519-544. doi: DOI
10.1146/annurev.psych.55.090902.141537
Taylor, Yvette (2009). Complexities and
Complications: Intersections of Class and
Sexuality. Journal of Lesbian Studies, 13(2), 189
— 203.
Unger, Rhoda K. (1990). Imperfect
reflections of reality: psychology constructs
gender. In R. Hare-Mustin & J. Marecek
(Eds.), Making Difference. Psychology and the
construction of gender. New Hawen, CT: Yale
University Press
Unger, Rhoda K. (2010). Leave No Text
Behind: Teaching the Psychology of Women
During the Emergence of Second Wave
Feminism. Sex Roles 62: 153–158.
Valentine, Gill (2007). Theorizing and
researching intersectionality: A challenge for
feminist geography. Professional Geographer,
59(1), 10-21.
van der Tuin, Iris (2009). Jumping
generations, Australian Feminist Studies, 24:
59, 17 — 31

228
Verloo, Mieke (2006). Multiple
inequalities, intersectionality and the
European Union. European Journal of
Womens Studies, 13(3), 211-228. doi: Doi
10.1177/1350506806065753
Vespa, Jonathan (2009). Gender ideology
construction. A life course and intersectional
approach.Gender & Society 23: 363-387.
Vinz Dagmar & Dören, Martin (2007).
Diversity policies and practices - a new
perspective for health care. J Public Health, 15,
369–376.
Vissandjee, Bilkis, Hyman, Ilene, Spitzer,
Denise, L., Apale, Alisha., & Kamrun, Nahar
(2007). Integration, Clarification,
Substantiation: Sex, Gender, Ethnicity and
Migration as Social Determinants of
Women’s Health. Journal of International
Women‟s Studies, 8, 32-48.
Warner, Leah (2008). "A Best Practices
Guide to Intersectional Approaches in
Psychological Research." Sex Roles, 59(5-6):
454–463.

229
Weber, Lynn, Parra-Medin, Deborah
(2003). Intersectionality and women’s health:
charting a path to eliminating health
disparities In Marcia Texler Segal, Vasilikie
Demos, and J.J. Kronenfeld (ed.) Gender
Perspectives on Health and Medicine (Advances
in Gender Research, Volume 7), Emerald Group
Publishing Limited, pp.181-230
Wekker, G. (2004). Still crazy after all
those years Feminism for the New
Millennium. European Journal of Womens
Studies, 11(4), 487-500
Weldon, S. L. (2005). Rethinking
intersectionality: Some conceptual problems
and solutions for the comparative study of
welfare states. Paper delivered at the annual
meeting of the American Political Science
Association, Washington, DC, USA.
Retrieved November 4, 2007, from
http://www.asu.edu/clas/polisci/cqrm/A
PSA2005/Weldon_Intersectionality.pdf.
Wetherell, Margareth (1995). Romantic
Discourse and feminist analysis:
interrogating investment, power and desire.
230
In S. Wilkinson & C. Kitzinger (Eds.),
Feminism and discourse: psychological
perspectives. London: Sage.
Wilkinson Sue & Kitzinger, Celia (1995).
Feminism and discourse: psychological
perspectives. London: Sage.
Wilkinson Sue (1986). Sighting
possibilities: diversity and commonality in
feminist research. In S. Wilkinson (Ed.),
Feminist Social Psychology: Developing Theory
and Pratice. Milton Keynes: Open University
Press.
Worell, Judith (2000). Feminism in
Psychology: Revolution or Evolution? Annals
of the American Academy of Political and Social
Science, 571, 183-196.
Yuval-Davis, Nira (2006).
Intersectionality and feminist politics.
European Journal of Womens Studies, 13(3), 193-
209.
Zack, N. (2005) Inclusive Feminism: A
Third Wave Theory of Women’s
Commonality, Lanham, MD: Rowman &

231
Littlefield Publishers, Inc.

Nota biográfica

Conceição Nogueira. Professora Associ-


ada com Agregação na Faculdade de Psicolo-
gia e Ciências da Educação da Universidade
do Porto. Doutora em Psicologia Social pela
Universidade do Minho. Autora de diversos
livros em português (Portugal e Brasil) e di-
versas publicações internacionais – revistas,
livros, capítulos de livros e trabalhos em con-
ferências sobre Estudos de Gênero, Feminis-
mos e Sexualidades. Experiência de coorde-
nação de vários projetos de investigação fi-
nanciados e apoiados pela FCT nos seus do-
mínios de especialização.

232
233
234

Você também pode gostar