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Bianca Queda Costa

Giovanna Benedetto Flores

SOMOS TODOS
AMARILDO
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Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo – SP)

C837s Costa, Bianca Queda; Flores, Giovanna Benedetto.

Somos todos Amarildo / Bianca Queda Costa e Giovanna Benedetto Flores.–


1. ed.– Campinas, SP : Pontes Editores, 2021.
89 p.; fotografias.
E-Book: 4,31 Mb; PDF.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-271-6.

1. Análise do Discurso. 2. Jornalismo. 3. Movimentos Sociais.


I. Título. II. Assunto. III. Autoras.

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:


1. Jornalismo. 070.4
2. Moradia urbana, rural e litorânea / Reforma agrária. 331.31
3. Análise do discurso. 401.41
Bianca Queda Costa
Giovanna Benedetto Flores

SOMOS TODOS
AMARILDO
Copyright © 2021 – Bianca Queda Costa e Giovanna Benedetto Flores
Coordenação Editorial: Pontes Editores
Diagramação e capa: Vinnie Graciano
Revisão: das autoras
Foto da capa: Marino Mondek

PARECER E REVISÃO POR PARES


Os capítulos que compõem esta obra foram submetidos para avaliação e revisados por pares.

CONSELHO EDITORIAL:

Angela B. Kleiman
(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
(UFPR – Curitiba)
Edleise Mendes
(UFBA – Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi
(Unicamp – Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
(Université de Genève – Suisse)
José Carlos Paes de Almeida Filho
(UNB – Brasília)
Maria Luisa Ortiz Alvarez
(UNB – Brasília)
Rogério Tilio
(UFRJ – Rio de Janeiro)
Suzete Silva
(UEL – Londrina)
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
(UFMG – Belo Horizonte)

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Dedico este trabalho a todos os gigantes que
participaram de minha vida ao longo desses anos
e me deram apoio em seus ombros para que eu
pudesse chegar até aqui. Principalmente, ao meu
companheiro de alma Adilson Francisco Costa
Junior que me deu de presente o tema da Ocupação
Amarildo para essa pesquisa.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO  8
SOBRE A OCUPAÇÃO  8
A OCUPAÇÃO COMO NOTÍCIA  9
UMA PESQUISA NO ENTREMEIO DO JORNALISMO COM A ANÁLISE DE
DISCURSO 11

Origens e abordagem teórica 15


1.1 – JORNALISMO: DISCURSO DA REALIDADE SOCIAL 21

SOMOS TODOS AMARILDO 26


2.1 – AS MÁSCARAS  26
2.2 – DA HISTÓRIA A HISTORICIDADE  29

SOBRE OS JORNAIS 32
3.1 – ENVOLVIMENTO COM O CORPUS 32
3.2 – O DIÁRIO CATARINENSE 33
3.3 – A GAZETA DA OCUPAÇÃO AMARILDO 37

ANÁLISES DOS PROCESSOS DISCURSIVOS 39


4.1 – OS VINTE E TRÊS DIAS DE SILENCIAMENTO 39
4.2 – O EFEITO DE DEBOCHE NA COLUNA POLÍTICA 42
4.3 – A FUGA DO DISCURSO SOBRE  46
4.4. – A MEMÓRIA NA GAZETA 49

A OCUPAÇÃO COMO GESTO POLÍTICO 52


5.1 – A FIGURA DO PORTA-VOZ 57
5.1.1 – A fala do porta-voz  60

CONSIDERAÇÕES FINAIS 62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 64
Sites pesquisados 70
ANEXOS 72
ANEXO A – Grupo invade área no norte da ilha 72
ANEXO B – Tensão 73
ANEXO C – Famílias querem reforma agrária no norte da Ilha74
ANEXO D – Amarildo é chique 75
ANEXO E – Coração de mãe 76
ANEXO F – Gazeta do Amarildo 77
ANEXO G – Pronto para a batalha 78
ANEXO H – Juiz marca audiência sobre invasão 79
ANEXO I – Quatro dias para a desocupação 80
ANEXO J – Sem terra deram mais um passo na educação 81
ANEXO K – As terras são públicas! 82
ANEXO L – “Quem sabe faz a hora!” O resultado da audiência 83
ANEXO M – Entrevista professor Jaci Rocha 84
ANEXO N – Entrevista Rui Fernando Neto 86

Sobre as autoras  88
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INTRODUÇÃO

SOBRE A OCUPAÇÃO

Na madrugada do dia 16 de dezembro de 2013 um grupo de mani-


festantes, com cerca de 50 pessoas entre adultos e crianças, acamparam
em um terreno, no bairro Vargem Pequena, às margens da SC-401, em
Florianópolis1. O objetivo do movimento era denunciar o descumpri-
mento do direito constitucional à moradia, conforme entrevista de Rui
Fernando da Silva, porta-voz da Ocupação, ao Diário Catarinense2.
O acampamento, formado inicialmente por aproximadamente 40
famílias, teve sua identidade estabelecida como Ocupação Amarildo de
Souza. O nome foi dado em homenagem ao Amarildo Dias de Souza, aju-
dante de pedreiro, conhecido nacionalmente por seu desaparecimento.
No dia 14 de julho de 2013, Amarildo foi detido por policiais militares e
conduzido da porta de casa, na Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, até a
sede da Unidade de Polícia Pacificadora e após essa data ninguém mais o
viu. No dia 04 de outubro de 2013 a Justiça decretou a prisão preventiva
dos dez policiais envolvidos no desparecimento de Amarildo O caso se
tornou símbolo para protestos contra abuso de autoridade e violência
policial. Na capital catarinense, Amarildo de Souza é o nome que impul-
siona o movimento com o lema “Somos todos Amarildo”.
Após três meses de acampamento, em Florianópolis, no dia 16 de
março 2014, conforme um cadastro feito no local pelo INCRA -Instituo

1 Diário Catarinense. Grupo invade área no Norte da Ilha. Diário Catarinense, Florianópolis, 17
dez. 2013. Geral, p. 28.
2 DA SILVA, Rui Fernando. Grupo invade área no Norte da Ilha. Diário Catarinense, Florianópolis,
17 dez. 2013. Geral, p. 28

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SOMOS TODOS AMARILDO

Nacional de Colonização e de Reforma Agrária, descobriu-se que o mo-


vimento contava com presença de 725 famílias que reivindicam não so-
mente moradia, mas o uso coletivo do solo. A disputa seria então por
“terra, trabalho e teto”3. Segundo o professor de história da UFSC, Paulo
Pinheiro Machado, em entrevista ao Diário Catarinense, o problema
que se agrava na Ocupação “refere-se à moradia, a alta dos preços dos
imóveis. A ocupação Amarildo é formada por uma população vinda do
campo, que atualmente vive com empregos urbanos, sobretudo na cons-
trução civil, e que demanda moradia, mas também combina elementos
agrários.” 4
No dia 7 de fevereiro de 2014 aconteceu a audiência conciliatória
no Fórum Desembargador Eduardo Luz, no Centro da Capital. Na reu-
nião participaram: o juiz agrário Jefferson Zanini, o líder do movimento,
Rui Fernando, o advogado do proprietário do terreno, Camilo Simões
Filho e o ouvidor agrário, Fernando de Souza; nela foi decidido que a
Ocupação Amarildo deveria deixar o local até dia 15 de abril, decisão
final sobre o assunto. 5

A OCUPAÇÃO COMO NOTÍCIA

A ocupação Amarildo foi considerada a primeira invasão rural-ur-


bana de Santa Catarina. Nunca houve registros de reivindicações de re-
forma agrária dentro de uma área urbana no Estado. Esse fato faz com
que Ocupação tenha um caráter inusitado e comece a ser retrata pelos
jornais impressos como notícia.
Traquina (2008), fundamentado nos estudos do teórico Mauro
Wolf, realiza uma análise acadêmica sobre os valores-notícia. Assim
como Wolf, Traquina faz a distinção entre valores-notícia de seleção e

3 Passa Palavra. 18 FEVEREIROS 2014 (BR-SC) Ocupação Amarildo, Florianópolis. Acessado dia
16 de abril de 2014 http://passapalavra.info/2014/02/91997
4 Machado, Paulo Pinheiro. Êxodo acentua problema de moradia. Diário Catarinense,
Florianópolis, 16 mar. 2014. Política p. 13
5 Diário Catarinense. Ocupação Amarildo deve deixar terreno até o dia 15 de abril. Acessado dia
02 de abril de 2014. http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2014/02/ocupa-
cao-amarildo-deve-deixar-terreno-ate-o-dia-15-de-abril-4413037.html

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valores-notícia de construção. Valores-notícia de seleção consistem “na


decisão de escolher um acontecimento como candidato a sua transfor-
mação em notícia e esquecer outro acontecimento” (TRAQUINA, 2008,
p.78). Já os valores-notícia de construção “funcionam como linhas-guia
para a apresentação do material, sugerindo o que deve ser realçado, o
que deve ser omitido, o que deve ser prioritário.” (TRAQUINA, 2008,
p.78).
Para Traquina (2008, p.78) há dois subgrupos nos quais os valo-
res-notícias de seleção estão divididos: critérios substantivos e critérios
contextuais. Os critérios substantivos são as características que um fato
deve apresentar para ser ou não notícia. São elas conforme Traquina
(2008, p.80-85) a morte, a notoriedade “nome e posição da pessoa in-
fluenciam para ser notícia”; a proximidade “sobre tudo em termos geo-
gráficos, mas também culturais” a relevância “acontecimentos que tem
impacto na vida das pessoas” (TRAQUINA, 2008, p.80), a novidade; o
tempo; a notabilidade “cobertura acontecimentos e não problemáticas”
o inesperado “subverte a rotina e provoca um caos na sala de redação” o
conflito/controvérsia “ruptura fundamental na ordem social” e a infra-
ção “violação, transgressão de regras”.
Não somente pela novidade, que Traquina (2008) considera um
conceito fundamental para o jornalismo, pois “o mundo jornalístico
interessa-se muito pela primeira vez” (TRAQUINA, 2008, p.81), mas a
Ocupação tem outras características pertencentes aos valores-notícia:
a proximidade – localização geográfica na capital de Santa Catarina faz
com que os jornais locais de Florianópolis noticiem; a relevância – um
acampamento localizado no norte da ilha de Florianópolis, uma das re-
giões mais valorizadas pela especulação imobiliária do Estado causa im-
pacto na vida das pessoas e o conflito- pois a reivindicação da melhor
distribuição de terras é uma ruptura na ordem social. Assim, os critérios
substantivos apresentados por Traquina (2008) evidenciam o fato da
Ocupação Amarildo de Souza começar a ser veiculada como notícia nos
jornais da capital.

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SOMOS TODOS AMARILDO

UMA PESQUISA NO ENTREMEIO DO JORNALISMO COM A


ANÁLISE DE DISCURSO

Sendo a notícia considerada o principal produto do jornalismo,


conforme conceitua Sousa (2011, p.231) “os gêneros jornalísticos cor-
respondem a determinados modelos de interpretação e apropriação da
realidade através de linguagens” e, nesta perspectiva, “os gêneros jor-
nalísticos são uma construção e uma criação”. É por meio dos gêneros
jornalísticos que o discurso do jornalismo impresso materializa-se.
A presente pesquisa tem como proposta compreender os sen-
tidos que o discurso jornalístico produz nas notícias do jornal Diário
Catarinense, fundado em 1986, sendo o veículo impresso de maior tira-
gem e mais ampla circulação no Estado. Para o trabalho será mobilizada
a teoria da Análise do Discurso de filiação francesa. A análise do discurso
teve Michel Pêcheux (1969) como seu precursor na França e teve suas
pesquisas desdobradas por Eni Orlandi no Brasil (1984). Por ser uma
disciplina de entremeio (ORLANDI, 1999), a AD é sempre pertinente ao
estudo dos sentidos produzidos pela mídia.
Outra questão a ser trabalhada na pesquisa será a ocupação como
acontecimento discursivo destacado por Pêcheux (1990); o que é o en-
contro de uma memória com uma atualidade.

[...] Pensar o discurso como acontecimento supõe conceber


como este pode interromper um processo, romper uma repe-
tição, uma retomada. Deste ponto de vista, o acontecimento
é fundamentalmente uma interrupção e uma emergência, ou
seja, é aquilo que irrompe, pela e na fala, no espaço da repeti-
ção discursiva. (p. 272) A fala aparece, então, como a instância
do Outro no discurso, no interior do campo mesmo da lingua-
gem, como o que fura a ordem do discurso, estabelecendo uma
ruptura com a “estabilidade” anterior; ao mesmo tempo, inau-
gura uma nova “estabilidade” discursiva, mas não logicamente
organizada, pois a mesma tem a ver com a ordem do discurso
que joga com a materialidade lingüística e histórica. (PÊCHEUX
apud, CAZARIN, 2005, p.271)

Segundo Indursky (2003, p.107) “[...] um acontecimento discur-


sivo rompe com a ordem do repetível, instaurando um novo sentido”.

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SOMOS TODOS AMARILDO

Portanto, propomos pesquisar a ocupação Amarildo como gesto políti-


co a partir da ruptura dos sentidos já estabilizados pelo acontecimento
histórico. Para tanto, nosso corpus investigativo também será analisado
pelo jornal Gazeta da Ocupação Amarildo, produzido pelos moradores
da ocupação.
Também pretendemos analisar os sentidos do enunciado “Todos
somos Amarildo” retratado pelos próprios ocupantes. Para Courtine e
Haroche (1988, p.39) “O homem como sujeito social é, efetivamente, um
homem duplo, ao mesmo tempo ser e aparência, pois esta é a condição de
todo ser exposto ao olhar:”.

O ser aí se decompõe, de uma maneira sensacional, entre seu


ser e sua aparência, entre ele mesmo e o tigre de papel que
exibe (...) Ele dá a si, ou recebe do outro, alguma coisa que é
máscara, duplo, invólucro, pele desprendida. (LANCAN apud
COURTINE; HAROCHE, 1988, p.39)

Assim, os ocupantes se identificam com as máscaras que postam.


Courtine e Haroche (1988, p.42) explicam essa origem no século XIX,
quando aparecem as massas “sociedades anônimas, massas trabalha-
doras, multidões das grandes cidades.”. Nesta perspectiva “persona-
gens saídas da massa, tomadas na massa, ou lutando para dela sair; à
mundaneidade sucede o anonimato do número, aberto e flutuante.”
(COURTINE; HAROCHE, 1988, p.24).
No presente trabalho, os conceitos da Análise do Discurso se-
rão tomados para refletir sobre o modo como a Ocupação Amarildo de
Souza tem sido representada pela mídia, como foco no jornal Diário
Catarinense, mas também como tem se representado a si mesma, na
Gazeta da Ocupação Amarildo.
A inserção da AD no método de pesquisa se faz porque “[...] é uma
disciplina não positiva que se faz na contradição da relação entre as
outras disciplinas” (SILVA, 2005, p. 287). Mazière (2007, p. 10) comple-
menta a afirmação acima ao dizer que a singularidade da AD é garan-
tida por “[...] uma série de exigências e de proposições, datadas, cons-
truídas, experimentadas, provindas de uma história”. Por isso, a Análise
de Discurso integra uma área da ciência em que não há procedimentos

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SOMOS TODOS AMARILDO

isolados previamente definidos – ao contrário dos métodos clássicos


quantitativos ou qualitativos de análise.
Conforme define Orlandi (2003, p. 10), “[...] é porque o analista
tem um objeto a ser analisado que a teoria vai-se impondo”. E a teoria
impõe-se a partir do objeto porque o analista busca marcas discursivas
que emitem pistas de acordo com o gesto de leitura, ao contrário das
metodologias experimentais.
A Ocupação Amarildo de Souza é um fato que tem como pano de
fundo o Movimento da Reforma Agrária. Segundo Indursky (1999, p. 173)
nos anos 50 e 60, a Reforma Agrária era concebida como “um processo
social inserido em um movimento global de transformação da sociedade
que visava à redistribuição da riqueza.”.
Porém essa concepção foi modificada com instauração da ditadu-
ra, conforme Indursky:

Houve um reducionismo na concepção da Reforma Agrária,


que foi redefinida como instrumento de política agrária pelo
Estatuto de Terra de 1964. Esse estatuto previa a tributação
progressiva sobre o latifúndio improdutivo, produzindo recur-
sos para a colonização de novas terras (...) Contudo, o Instituo
Nacional de Colonização e de Reforma Agrária ( INCRA) basica-
mente ignorou o Estatuto da Terra, pois nem a tributação nem
a colonização foram adequadamente ativadas. (INDURSKY,
1999, p. 173).

Assim, segundo Indursky (1999) nos anos pós-ditadura o


Movimento dos trabalhadores Rurais sem Terra (MST), começaram a
“ocupar um lugar importante, e até então, inexistente no cenário po-
lítico do discurso brasileiro.” (INDURSKY, 1999, p.173). Entende-se que
o mesmo processo ocorre com a Ocupação Amarildo de Souza. Sendo a
primeira ocupação rural-urbana do Estado, o acampamento começa a
ocupar um lugar importante no discurso jornalístico, que até então não
se retratava. O fato de uma população vinda do campo reivindicar terras
na capital é uma novidade, retomando Traquina (2008) sobre os valo-
res-notícia “o mundo jornalístico interessa-se muito pela primeira vez”
(TRAQUINA, 2008, p.81).

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SOMOS TODOS AMARILDO

A pesquisa se justifica então pela busca das marcas discursivas que


a Ocupação Amarildo de Souza produz dentro das notícias do DC e pela
Gazeta da Ocupação Amarildo. Compreender como essas notícias, em
ambos os jornais, constrói a ideia da Ocupação Amarildo de Souza.
A pesquisa tem como objetivo mostrar como a produção de sen-
tidos sobre a Ocupação Amarildo de Souza é construída pelas notícias
veiculadas ao jornal Diário Catarinense e Gazeta da Ocupação Amarildo.
Como a Ocupação é constituída na/pela linguagem do discurso jorna-
lístico, marcados historicamente e ideologicamente, tal como o DC e a
Gazeta do Amarildo construíram a imagem de todos os Amarildos dentro
da ocupação, serão trabalhados nesta pesquisa. Além disso, buscamos
compreender os sentidos de Reforma Agrária construídos pelos jornais
através das notícias.
Sendo assim as perguntas que permeiam a pesquisa são: Como
a imagem da Ocupação Amarildo de Souza foi construída pelo Jornal
Diário Catarinense e pela Gazeta do Amarildo? Como esses Amarildos
são retratados nos jornais?
No primeiro capítulo da monografia, Origens e Abordagem
Discursiva, os conceitos básicos da análise do discurso serão traba-
lhados, como o próprio discurso posição-sujeito, formação discursiva,
pré-construído, memória, interpretação, ideologia e sua relação com a
memória discursiva. Também trazemos para a discussão a questão do
discurso jornalístico com as teorias do jornalismo sobre notícia.
No segundo capítulo trabalharemos a questão de “Todos somos
Amarildo” pelo viés da AD tendo como base os autores Courtine e
Haroche (1988).
E o terceiro capítulo Sobre os jornais trabalha a história do Diário
Catarinense e da Gazeta da Ocupação de como surgiram e quais as con-
dições de produção de ambos.
No quarto capítulo temos a análise do corpus finalmente procu-
raremos mostrar como se constituiu o discurso jornalístico a partir das
notícias produzidas sobre a Ocupação Amarildo de Souza, que iniciou
dia 16 de dezembro de 2013.
E por último as considerações finais.

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SOMOS TODOS AMARILDO

1
Origens e abordagem
teórica

A presente pesquisa mobilizará o dispositivo teórico da Análise


do Discurso de filiação francesa, fundada por Michel Pêcheux, que tem
como seu o tripé fundador: linguística, psicanálise e materialismo histó-
rico. No curso da pesquisa é primordial levantar as noções/conceitos de
discurso, posição-sujeito, formação discursiva, pré-construído, memó-
ria, interpretação, ideologia e acontecimento discursivo, noções chaves
para entender o discurso. Segundo Orlandi (2004, p.25) o discurso “co-
loca como a base a noção de materialidade, seja linguística, seja histó-
rica, fazendo aparecer outra noção de ideologia (...) a noção de discurso
não separa linguagem e sociedade na história.” Assim a convergência da
linguagem, com o sujeito e com o acontecimento histórico estabelece
um objeto de análise para a AD, que é o discurso (FLORES, 2011, p.28).
Orlandi (2004, p.37-38, apud, Pêcheux,1969) define o discurso como não
sendo um objeto empírico, mas sim efeito de sentidos entre locutores,
“compreender o que é efeito de sentidos, é compreender a presença da
ideologia na constituição dos sentidos e dos sujeitos” (ORLANDI, 2002,
p.21).
Os estudos pecheuxtianos sobre ideologia e discurso surgiram nos
anos 60 do século passado. Michel Pêcheux inspirou-se nos conceitos de
formação ideológica das obras: Os Aparelhos Ideológicos e Estado, de
Louis Althusser e Arqueologia do Saber, de Michel Foucault, que servi-
ram como norteadores para o começo do estudo da Análise do Discurso
(BRANDÃO, 2002).

15
SOMOS TODOS AMARILDO

Segundo Mussoi (2005, p.19) Pêcheux e Dubos foram os fundado-


res da AD na França, os dois estavam envolvidos com contestações em
torno do Marxismo, da psicanálise, da linguística, assim “é sob esse ho-
rizonte que se dá o projeto da Análise do Discurso, inscrita num objetivo
político e tendo na linguística um meio para abordar a política e a ideo-
logia”. (Mussoi, 2005, p.19). Pêcheux explica esse tripé com imbricação
dos três teóricos que desembocaram a AD.

Em nome de Marx, de Freud, e de Saussure, uma base teóri-


ca nova, politicamente muito heterogênea, tomava forma e
desembocava em uma construção crítica que abalava as evi-
dências literárias da autenticidade do ‘vivido’, assim como as
certezas ‘científicas’ do funcionalismo positivista. (PÊCHEUX,
2006, p.44).

A agregação do marxismo, da psicanálise e da linguística serviu


como pilar para a Análise do Discurso que tem como base a interdiscipli-
naridade. Para Orlandi (2005), a AD é mais do que interdisciplinar, é uma
disciplina de entremeio. Segundo Orlandi a AD “interroga a Linguística
pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo per-
guntado pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo como a
historicidade, trabalha a ideologia, como materialmente relacionada ao
inconsciente sem ser absorvida por ele.” (ORLANDI, 1999, p.20).
Desse modo, a junção da linguagem, com o acontecimento histó-
rico e com o sujeito estabelece um objeto de análise, que é o discurso.

[...] O discurso não corresponde à noção de fala, pois não se tra-


ta de opô-lo à língua como sendo esta um sistema, onde tudo
se mantém, com sua natureza social e suas constantes, sendo
o discurso, como a fala, apenas uma sua ocorrência casual, in-
dividual, realização do sistema, fato histórico, a-sistemático,
com suas variáveis etc. O discurso tem sua regularidade, tem
seu funcionamento que é possível apreender se não opomos
o social e o histórico, o sistema e a realização, o subjetivo ao
objetivo, o processo ao produto. (ORLANDI, 1999, p.22)

Ainda na perspectiva da autora, a AD toma o discurso como seu


próprio objeto (ORLANDI, 1999, p.17). O discurso “[...] para a Análise
de Discurso, não se trata apenas de transmissão de informação, nem há

16
SOMOS TODOS AMARILDO

essa linearidade na disposição dos elementos da comunicação, como se


a mensagem resultasse de um processo assim serializado alguém fala,
refere alguma coisa, baseando-se em um código” (ORLANDI, 1999, p.21).
Para a AD “as relações de linguagem são relações de sujeitos e de
sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de dis-
curso: o discurso é efeito de sentidos entre locutores.” (ORLANDI, 1999,
p.21). O processo do funcionamento da linguagem não é somente co-
municação e/ou informação, a AD percebe a relação dos sujeitos e dos
sentidos afetados pela língua e pela história.
Ao contrário da linguística estrutural, que sugere os esquemas da
comunicação linguística: remetente -mensagem – destinatário, difundi-
da através de Roman Jakobson (1963), (PINTO, 1978, p.1), na Análise do
Discurso esse esquema da comunicação linguística não funciona, pois
como explica Pêcheux (2006, p.44) “[...] todo fato já é uma interpretação
(referência antipositivista a Nietzsche), as abordagens estruturalistas
tomavam o partido de descrever os arranjos textuais discursivos na sua
imbricação o material e, paradoxalmente, colocavam assim em suspenso
a produção de sentidos”. Para a AD a produção de sentidos, que dentro
das abordagens estruturalistas não sendo consideradas, é fundamental.
O sujeito está sempre constituído na/pela linguagem, marcados histo-
ricamente e ideologicamente. Não sendo um mero receptor ou emissor.

[...] Como diz Michel Pêcheux (1975), não podemos pensar o


sujeito como origem de si. [...] O indivíduo é interpelado em su-
jeito pela ideologia, pelo simbólico. (p. 19) Dessa interpelação
do sujeito em indivíduo resulta uma forma-sujeito histórica.
Esta por sua vez sobre um processo de individualização pelo
Estado e aí reencontramos o indivíduo agora não mais bio e
psico, mas social, resultado de processos institucionais de indi-
vidualização. (ORLANDI, 2006, p.18-19).

Outro conceito importante para a Análise do Discurso é a posição-


-sujeito. A posição sujeito é resultado da relação entre sujeito do discur-
so e a forma sujeito de uma dada formação discursiva.

[...] Uma posição sujeito não é uma realidade física, mas um


objeto imaginário representando no processo discursivo os

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SOMOS TODOS AMARILDO

lugares ocupados pelos sujeitos na estrutura de uma formação


social. Deste modo, não há sujeito único mas diversas posições
sujeito, as quais estão relacionadas com determinadas forma-
ções discursivas e ideológicas. (SANTOS, 2012, p.5)

As posições sujeitos assim mudam conforme as posições ocupadas


pelo sujeito. Como por exemplo, um trabalhador rural. Ao estar dentro
de sua casa ele assume a posição-sujeito pai, a posição sujeito esposo,
fora de casa ele pode assumir a posição-sujeito consumidor, posição-su-
jeito trabalhador que são diferentes quando relacionadas às formações
discursivas e ideológicas.
A formação discursiva então vem por sua vez como o lugar do re-
conhecimento dos sujeitos, sendo assim “[...] é o lugar da constituição
do sentido e da identificação do sujeito. É nela que todo sujeito se reco-
nhece (em sua relação consigo mesmo e com outros sujeitos) e aí está a
condição do famoso consenso intersubjetivo (a evidência de que eu e tu
somos sujeito)” (ORLANDI, 2006b, p.58).
As palavras sozinhas não produzem sentidos por elas mesmas, são
derivadas das formações discursivas em que se inscrevem, só assim pro-
duzem efeito. “O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo
que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra
para ter um sentido e não outro. (...) As formações discursivas, por sua
vez, representam no discurso as formações ideológicas” (ORLANDI,
1999, p.43). Portanto para a AD os sentidos sempre são determinados
ideologicamente
Eni Orlandi explica que “a ideologia é a condição para a consti-
tuição do sujeito e dos sentidos”. (ORLANDI, 1999, p.47). O indivíduo é
interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer. Assim,
não há ideologia sem sujeito, ou sujeito sem ideologia. A formação dis-
cursiva está diretamente ligada à paráfrase e ao pré-construído. As pala-
vras só têm sentido quando já foram ditas anteriormente. “[...] Para que
uma palavra tenha sentido é preciso que ela já faça sentido (efeito do
já-dito, do interdiscurso, do Outro).” (ORLANDI, 2006a, p.18). Segundo
Orlandi (2006b, p. 86) a paráfrase seria a permanência do mesmo sentido
sob formas diferentes. “[...] Os processos parafrásticos são aqueles pelos
quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a

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SOMOS TODOS AMARILDO

memória. A paráfrase representa ainda o retorno aos mesmos espaços


do dizer.” (ORLANDI, 1999, p.36).
Já a formação ideológica está relacionando com um conjunto de
atitudes e representações ou imagens que o sujeito tem sobre si mesmo
“[...] Essas atitudes, representações, imagens estão relacionadas com a
posição social de onde falam ou escrevem, tem a ver com as relações de
poder que se estabelecem entre eles e que são expressas quando intera-
gem entre si.” (BRANDÃO, 2007, p.9) Nesta perspectiva são representa-
das uma formação ideológica capitalista, neoliberal, socialista.
Deste modo, um discurso não pode ser analisado com um sentido
único, pois ele está submerso a um conjunto de outros discursos, de-
pendendo das condições em que foi produzido. “[...] As palavras falam
com outras palavras. Toda palavra é sempre parte de um discurso. E todo
discurso se delineia na relação com outros: dizeres presentes e dizeres
que se alojam na memória.” (ORLANDI, 1999, p.43-44). Portanto, segun-
do Flores (2011,p30), a formação discursiva juntamente com a formação
ideológica e as condições de produção constituem a base da teoria da
análise do discurso.
Orlandi (1999 apud MUSSOI, 2005, p.25) explica que existem dois
tipos de condições de produção para a Análise do Discurso, são elas:
condições de produção em sentido estrito e condições de produção em
sentido amplo. O primeiro caso é levado em conta o contexto imediato.
Sendo uma análise de texto como exemplo, o que seria pertinente nas
condições de produção, seria o local onde o texto foi vinculado em revis-
ta, periódico, folhetim e também “o momento em que o texto foi escrito,
os sujeitos que o assinam; enfim fatores situacionais são considerados”
(MUSSOI, 2005, p.25-26). O segundo caso é levado em conta o contexto
amplo das condições de produção. Esse contexto seria ainda segundo
Orlandi (1999 apud MUSSOI, 2005, p.26) o contexto histórico, isto é, os
elementos de ordem sócio histórica e ideológica impulsionados pelas
instituições que são enunciados na forma de discurso. Orlandi (1999,
p.30) “O que são, pois as condições de produção? Elas compreendem fun-
damentalmente os sujeitos e a situação. Também a memória faz parte da
produção do discurso. A maneira como a memória “aciona”, faz valer, as

19
SOMOS TODOS AMARILDO

condições de produção é fundamental” assim, vinculada às condições de


produção está a memória, que aparece sob forma de interdiscurso
Já o interdiscurso é a noção que trabalha a questão do real e da ex-
terioridade, a exterioridade não está fora da linguagem (ORLANDI, 2004,
p.38).Segundo Orlandi (2004, p.39) “É no discurso que o homem produz
a realidade na qual ele está inserido”, o interdiscurso então explica que
algo sempre é dito, em outro lugar “sob a dominação do complexo das
formações ideológicas” (ORLANDI, 2004, p.39), ele, o interdiscurso, cria
a “realidade” para cada sujeito, como sistema de evidências e de signifi-
cações percebidas, aceitas e experimentadas.

[...] O interdiscurso, o dizível, se constitui da estratificação de


enunciados, mas ele não é, por exemplo, o sentido de “escola”
para “x” ou para “y”. ele é “o” sentido de escola. Daí seu efeito
referencial, sua objetividade. No entanto, não se trata de ver aí
uma impossibilidade do sujeito. Ao contrário, o que despossui o
sujeito é o que ao mesmo tempo torna seu dizer possível; é ins-
crevendo-se no já-dito que o sujeito re-significa e se significa.
(ORLANDI, 2003, p.12).

Neste processo então que se explicita o estabelecimento do discur-


so: a memória, o domínio do saber, os outros dizeres já ditos ou possíveis.
A memória discursiva então é trabalhada pela noção de interdiscurso.
Orlandi (1999, p. 31) observa que a memória discursiva é o que torna
possível todo o dizer e que retorna sob a forma de pré-construído, “o já
dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”.

A memória discursiva ou interdiscurso (PÊCHEUX, 1975;


COURTINE, 1982), é a que se constitui pelo esquecimento,
na qual “fala uma voz sem nome” (COURTINE, op.cit). Aquela
em que “algo fala antes, em outro lugar, independentemente”
(PÊCHEUX, op.cit.), produzindo o efeito do já-dito. (ORLANDI,
2010, p.8)

Assim quando algo é dito, outros dizeres são mobilizados, Orlandi


(2006b, p.18) explica isso como “chamamos de efeito pré-construído, a
impressão do sentido lá que deriva do já-dito, do interdiscurso e que faz
com que ao dizer já haja um efeito de já dito sustentando todo o dizer.”

20
SOMOS TODOS AMARILDO

(ORLANDI, 2006, p.18). Segundo Courtine (1994) a linguagem é o tecido


da memória. “A memória e a linguagem seriam inseparáveis, por isso
os processos discursivos são responsáveis por fazer surgir em memória
coletiva” (COURTINE, 2006, p.8). Uma bandeira vermelha e branca só re-
mete ao socialismo, que mobiliza uma memória e só faz sentido porque
um dia teve o socialismo. (GALLO, 2014).1
Assim as condições de produções e a memória discursiva, em con-
formidade com o pré-construído indicam que um discurso não pode ser
analisado com um sentido único, pois ele é atravessado por um conjunto
de outros discursos.

1.1 – JORNALISMO: DISCURSO DA REALIDADE SOCIAL

Analisar o discurso jornalístico é considerá-lo do ponto de vis-


ta do funcionamento imaginário de uma época: o discurso jor-
nalístico tanto se comporta como uma prática social produtora
de sentidos como também, direta ou indiretamente, veicula
as várias vozes constitutivas daquele imaginário. Em suma, o
discurso jornalístico (assim como qualquer outra prática dis-
cursiva) integra uma sociedade, sua história. Mas ele também
é história, ou melhor, ele está entranhado de historicidade.
(MARIANI, 2003, p33).

A história, para a Análise do Discurso, é historicidade, o que con-


trapõe ao sentido de história que temos como produtora de dados e de
conteúdos, numa dimensão temporal expressa como cronologia e evo-
lução (FLORES, 2011, p.41). Ainda na perspectiva da autora “a relação
da historicidade é com o texto, com sua determinação histórica, com
a materialidade do sentido e do sujeito, buscando compreender como
a matéria textual faz sentido.” (FLORES, 2011, p.41-42). Henry (2010,
apud FLORES, 2011, p.41) explica que a historicidade é ligada à questão
da linguagem e à do sujeito.

Há uma relação (discurso/texto; autor/sujeito) que se faz da dis-


persão para a unidade, produzindo uma relação representada

1 GALLO, Solange Leda; Tópicos avançados: Discurso, cultura e mídia. Disciplina do


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem. Anotações em sala de aula. Palhoça:
UNISUL, fev./mai. 2014.

21
SOMOS TODOS AMARILDO

entre linguagem e história. Há diferentes processos de signi-


ficação que acontecem no texto, processos que são função da
historicidade, ou seja, da historia do(s)sujeito(s) e do(s) senti-
do(s) do texto enquanto discurso. (ORLANDI, 2001, p.88).

A historicidade então está sujeita a diferentes formas de interpre-


tação e, portanto, não corresponde a um espaço de “comprovação”, onde
se suporia apenas uma única interpretação. A produção de sentidos e os
gestos de intepretação já citados anteriormente constituem a histori-
cidade, a qual se difere da historiografia das ciências sociais. (FLORES,
2011, p.41).
O discurso jornalístico então é uma historicidade como referen-
ciou Mariani (2003 p33), pois está sujeito a várias interpretações e está
diretamente ligada a questão da linguagem e do sujeito. Partindo deste
ponto podemos contrapor o dizer da imprensa “o dizer da imprensa deve
dizer a “verdade”, correspondendo ao desejo de conhecimento do sujeito
leitor: a imprensa se situa a partir de uma imagem de credibilidade pe-
rante a sociedade, perante seu público.” (SILVA, 1998, p.172).
Orlandi (1999, p.86) explica que o caracteriza um discurso, antes
de tudo, não é tipo, mas sim o modo de funcionamento. “[...] O que inte-
ressa primordialmente ao analista são as propriedades internas ao pro-
cesso discursivo: condições, remissão a formações discursivas, modo de
funcionamento” (ORLANDI, 1999, p.86). A autora os distingue em três
modos de funcionamento do discurso, tomando como base as condições
de produção, a relação com o modo de produção de sentidos e efeitos.
São eles:

a. discurso autoritário: aquele em que a polissemia é contida, o


referente está apagado pela relação de linguagem que se esta-
belece e o locutor se coloca como agente exclusivo, apagando
também sua relação com o interlocutor;
b. discurso polêmico: aquele em que polissemia é controlada, o
referente é disputador pelos interlocutores, e estes se mantêm
em presença, numa relação tensa de disputa pelos sentidos;
c. discurso lúdico: aquele em que a polissemia está aberta, o re-
ferente está presente como tal, sendo que os interlocutores se
expõem aos efeitos dessa presença inteiramente não regulando

22
SOMOS TODOS AMARILDO

sua relação com os sentidos.” (ORLANDI, 1989 apud ORLANDI


1999, p.86).”

Desde modo, segundo Flores (2011,p.44), o discurso jornalístico


se assemelharia ao discurso autoritário. A analogia feita pela autora à
relação com o discurso pedagógico autoritário se baseia no fato de que
“o professor detém o saber, disponibilizando esse saber para os alunos
por meio de estratégias que fazem parecer que o que ele diz é uma ver-
dade incontestável, tirando do aluno a chance de questionamentos.”
(FLORES, 2011, p.44), o discurso jornalístico estabeleceria essa mesma
relação, pois o que é produzido dentro do discurso jornalístico seria uma
verdade incontestável.
A Teoria do Espelho, teoria mais antiga dentro do jornalismo, ins-
pirada no Positivismo do filósofo francês Auguste, dá a ideia de que “a
notícia como espelho da realidade corresponde à concepção tradicio-
nal de notícia” (DALMASO, 2002, p.2). Ainda na perspectiva da autora,
na teoria do espelho as notícias são como são porque a realidade as-
sim as determina. Logo, Esse efeito espelho então cria essa “verdade”
incontestável.
Mariani (1999) explica essa ilusão do jornalismo-verdade como
“[...] Em nome do desejo de liberdade para a escrita, a atividade jornalís-
tica foi, ao longo dos séculos, formando uma jurisprudência própria, na
qual o poder de poder dizer algo – entendido como comunicar, informar,
mas não opinar.” (MARIANI,1999,p.54).
O período no qual a imprensa se legitima, estabelecida a partir da
formulação do discurso jurídico, como instituição, é o mesmo momento
em que se está formalizando uma imagem do sujeito jurídico ocidental,
esse sujeito que “conquistou seus direitos, sendo dotado de vontades
e responsabilidades” (MARIANI, 1999, p.53) e a linguagem verbal é o
principal instrumento de comunicação.
Na perspectiva de Mariani (1999) a constituição do discur-
so jornalístico está vinculada ao discurso jurídico e sua força política
“Observando a “comunicação referencial” por este ângulo, comunicar/
informar/noticiar (na imprensa) são atos resultantes de um controle ex-
terior, vindo do Estado e do sistema jurídico [...]”.

23
SOMOS TODOS AMARILDO

A produção jornalística, assim, incorpora e produz uma imagem


de si mesma, de isenção, como fruto da ética “Com isso ela acredita
estar informando, embora o fato de agir dentro da lei nada mais seja
do que manter-se ajustada ao modelo de sujeito então predominante.”
(MARIANI, 1999, p.59). O discurso jurídico, ao impor regras e punições,
tornou-se garantia para a imparcialidade na prática jornalística.

Em outras palavras, a instituição jornalística “esquece”


que foi obrigada a fundar-se com uma interpretação do
mundo juridicamente assegura. Ou melhor, que assegu-
ra, juridicamente, a fronteira entre o que pode e deve
ser dito. O resultado deste processo é a ilusão do jorna-
lismo-verdade, ou seja, a ilusão de que os jornais são
apenas testemunhas, meios de comunicação ou veículos
informativos. (MARIANI, 1999, p.59-60).

Segundo Neto (2008, p.35) o discurso jornalístico esteve atrelado


ao discurso institucional, desde os primórdios da imprensa no Brasil,
época da Imprensa Régia. “Um trabalho de análise que tome como obje-
to os discursos institucionais precisa considerar a historicidade do pro-
cesso de constituição da própria instituição, ou seja, o modo como a ins-
tituição, ao se constituir como tal, descursivizou-se” (MARIANI, 1999,
p. 47). O resultado desse trabalho do discurso jornalístico é a própria
definição do que é notícia para a imprensa.
Pierre Bourdieu (1997), em seu escrito Sobre a televisão; A influên-
cia do jornalismo; Os jogos olímpicos utiliza a metáfora dos ‘óculos’ para
explicar a lógica da profissão, que os jornalistas entendem o que é ou
não notícia. “Os jornalistas têm ‘óculos’ especiais a partir dos quais
veem certas coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que
veem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado.”
(BORDIEU, 1997, p.33).
Cremilda Medina (1988) mostra como funcionamento da profissão
jornalística, ao angular2 as notícias, influencia nesta visão do jornalista.
“Aos poucos a dita angulação da empresa entra até pelos poros do repór-
ter como necessidade de ascensão. Naturalmente isso vai influenciar o
processo de captação dos dados numa reportagem”. (MEDINA: 1988 p.

2 Maneira de determinar uma abordagem sobre uma matéria jornalística.

24
SOMOS TODOS AMARILDO

74).Porém para Medina, essa angulação estaria ligada diretamente ao


meio de consumo “Esse componente de angulação está difuso em todas
as mensagens de jornalismo (...). Nota-se especialmente na formulação
dos textos (...) a preocupação em corresponder a “um gosto médio” ou,
em outros termos, em embalar a informação com ingredientes certos de
consumo.” (MEDINA: 1988 p. 75).
Assim podemos perceber que o as matérias jornalísticas são mar-
cadas por decisões de inclusão, exclusão e hierarquização dos acon-
tecimentos. Além disso, as notícias são vinculadas de acordo com as
ideologias do veículo de comunicação e influenciadas de acordo com as
experiências do próprio jornalista. (NETO, 2008, p.35)

[...] Resulta desse processo que as notícias jornalísticas pro-


duzem, sob a ideologia da ideia da comunicação, a ilusão da
evidência. Considerar a imprensa para a análise, sem apagar
seu caráter institucional e sem reduzi-la modelos esquemá-
ticos, é compreender que discurso jornalístico, poder, efeitos
de evidência e produção de sentidos estão de fato interligados.
(MARIANI, 1999, p.59)

Mariani (2003, p. 43) conclui que “[...] também pudemos perceber


que o discurso jornalístico não é uma totalidade absolutamente encer-
rada em si mesma. Ele apresenta fissuras, espaços de resistência onde
outros sentidos podem emergir”. E são esses outros sentidos que podem
emergir do discurso jornalístico, que vamos analisar no terceiro capítu-
lo nas notícias que saíram a respeito da Ocupação Amarildo de Souza,
vinculadas ao Jornal Diário Catarinense e Gazeta da Ocupação Amarildo.

25
SOMOS TODOS AMARILDO

2
SOMOS TODOS AMARILDO

(DIÁRIO CATARINENSE, 21 de janeiro de 2014, p.28)

O TNT vermelho preso a cerca do acampamento traz o lema da


ocupação em letras pretas “Somos todos Amarildo”. O lema é uma ho-
menagem ao ajudante de pedreiro, Amarildo de Souza que virou símbo-
lo contra o abuso de autoridade policial, como já mencionado. “Somos
todos Amarildo” é a representação de muitas pessoas utilizando uma
mesma imagem para convencer sobre uma ideia. Todos ocupantes ves-
tiriam a máscara do Amarildo de Souza para manifestar a perseguição e
censura vivida pelos grupos minoritários. A origem dessas máscaras na
vida social é estuda por Haroche e Courtine (1988). E é justamente sobre
elas que vamos falar no próximo subcapítulo.

2.1 – AS MÁSCARAS

Haroche e Courtine (1988) baseados nos estudos de Mauss1 co-


meçam a retraçar a noção de pessoa. O termo-latino persona, tem seu
1 Sociólogo e antropólogo francês, considerado como o “pai” da etnologia francesa.

26
SOMOS TODOS AMARILDO

significado original como “máscara de teatro”. A filosofia da palavra en-


tão significaria que

(...) ao indivíduo em sua natureza nua toda máscara arrancada e,


ao mesmo tempo, mantinha o sentido do artifício: o sentido do
que é intimidade daquela pessoa e o sentido do que é personagem
( Mauss, 1954,p.354 apud HAROCHE;COURTINE,1988,p.37)

A partir do século II a,c, Mauss (1954 apud HAROCHE;COURTINE,


1988) observa que o termo persona, começa a tomar um sentido jurídico
e se acentua no início do cristianismo primitivo, V d.c. Assim a oposição
entre a máscara e a natureza do indivíduo transforma a noção de pes-
soa, devido aos múltiplos debates religiosos a dualidade do indivíduo se
transforma de maneira decisiva. A pessoa migra então para indivíduo
e sujeito: eu e o outro. “Há uma esfera de vida psíquica que, por pouco
desenvolvido que seja o tipo coletivo, varia de um homem para o outro”
(MAUSS, 1954 apud HAROCHE; COURTINE, 1988, p.37).
Essa dualidade do termo pessoa testemunharia uma “ dis-
tância entre as exigências societais e as aspirações individuais”
(HAROCHE;COURTINE,1988,p.38). Assim, a questão de individualidade
ou coletividade decorre para Haroche e Courtine (1988) do político.
Um sujeito torna-se efetivamente outro. A procura da identidade
faz erguer-se a máscara, “a interioridade da pessoa privada se exterio-
riza na personagem pública” (HAROCHE; COURTINE, 1988, p.38). Ao
contrário do que propõe Mauss (1950), para Courtine e Haroche (1988)
não seria possível restringir ao simples distanciamento entre uma in-
dividualidade (de sentimentos ou aspirações) das exigências de uma
condição social. Para os autores o homem como sujeito social, é efeti-
vamente duplo. “É sob uma forma destacada dele próprio que o sujeito
entra na vida social, sob a preexistência de um olhar que domina sua
existência individual, de uma exterioridade, indissociável do sentimento
de sua interioridade.” (HAROCHE; COURTINE, 1988, p.39). A vida social
então emprega o sujeito a uma forma separada dele, em uma máscara.
O sujeito se identifica com a máscara que posta.2 E esta modificação de

2 NECKEL, Nádia; Tópicos avançados: Discurso, cultura e mídia. Disciplina do Mestrado em


Ciências da Linguagem. Anotações em sala de aula. Palhoça: UNISUL, fev./mai. 2014.

27
SOMOS TODOS AMARILDO

si para uma máscara, seja de resistência, submissão, impassibilidade ou


emoção, tem seu desdobramento e seus efeitos na própria representa-
ção do político. A política se assemelha ao teatro, pois ambos tiram da
própria natureza e trazem à tona a estrutura do olhar, o princípio que os
coloca em cena.

A relação do olhar com o que se quer ver é uma relação de im-


postura ( enganar com falsas aparências). O sujeito se apresen-
ta como diferente do que é e o que se lhe dá para ver não é o que
ele quer ver. (LACAN, apud COURTINE; HAROCHE, 1988, p.39).

A construção das aparências é assim um jogo crucial do político,


“nenhum poder saberia, efetivamente, se impor sem uma estratégia de
aparência, nenhuma resistência saberia aí se opor sem uma astúcia da
aparência.” (COURTINE; HAROCHE, 1988, p.39).
A Ocupação Amarildo de Souza teve sua identidade firmada em
homenagem ao ajudante de pedreiro Amarildo Souza, desaparecido
no dia 14 de fevereiro de 2013. Após 10 meses e três dias do sumiço
de Amarildo, os ocupantes no terreno da Vargem Pequena, SC 401. No
TNT vermelho “Somos todos Amarildo”, é o gesto que identifica todos
os moradores como o ajudante de pedreiro Amarildo, todos os rostos
ali presente se identificam e usam a mesma máscara, se reconhecendo
como um rosto só.
Courtine e Haroche (1988, p.42) explicam essa origem no século
XIX, com o aparecimento das massas, sendo:

(...) sociedades anônimas, massas trabalhadoras, multidões das


grandes cidades, oferecem um novo universo de referências.
Personagens saídas da massa, tomadas na massa, ou lutando
para sair da massa, à mundaneidade sucede o anonimato do
número aberto e flutuante, A certeza quanto às identidades
se apaga, aparece à necessidade da identificação. (COURTINE;
HAROCHE, 1988, p.42).

A massa então perde a certeza da sua identidade individual, co-


meça a surgir o reconhecimento coletivo como uma necessidade. A luta
das massas nesta perspectiva permite a identificação instaurando a

28
SOMOS TODOS AMARILDO

heterogeneidade nas massas. A identidade de cada indivíduo tende a se


ausentar “nas agitações políticas e sociais ligadas ao advento das socie-
dades de massa”, assim um gesto heterogêneo estabelece uma “taxiono-
mia dos rostos” (COURTINE; HAROCHE, 1988, p.43).
Para Marx (apud Henry, 1984, p.40) “não são os homens, mas as
massas que fazem a história.”. Essas massas foram colocadas, segundo
Henry (1984), em posição como “sujeitos da história”. Marx introduziu
assim uma noção teórica, não-subjetiva da história, colocando que a his-
tória é a história da luta de classes. E é justamente sobre a questão da
história que iremos tratar no segundo subcapítulo.

2.2 – DA HISTÓRIA A HISTORICIDADE

Paul Henry (1984) em seu escrito “A historia não existe?”, põe em


xeque o que pode ser para nós, a história. Para Henry (1984) as ciências
humanas e sociais teriam:

(...) uma tendência de negar a existência de toda dimensão pró-


pria da história, e a considerar que ela é apenas o resultado da
combinação da articulação de processos ou de mecanismo de
natureza econômica, sociológica ou psicológica que a análise
científica traria de cada uma dessas disciplinas e de sua meto-
dologia. (HENRY, 1984, p.42).

Nesta perspectiva a história não teria conteúdos específicos,


apenas representaria a “totalidade” e complementaria os estudos
dessas diversas ciências humanas, “ela representaria o contexto
no qual operariam os mecanismos ou processos particulares que
estuda”. (HENRY, 1984, p.30). O autor então faz a distinção entre
a história, a historiografia nas ciências sociais e a historicidade.
Para Henry a questão da historicidade, da forma como é proposta
pela análise do discurso, estaria relacionada com a linguagem e
o sujeito. “Pela linguagem, a consciência individual participa de
algo que não é individual, algo que não é um simples “contexto”,
mas é constitutivo da própria consciência: sem linguagem não há
consciência.” (HENRY, 1984, p.33).

29
SOMOS TODOS AMARILDO

A noção de historicidade desloca a noção de história como con-


teúdo e como fonte unívoca de interpretação. O sufixo -idade
nos parece funcionar aí como um indício desse modo de conce-
ber a história na análise de discurso, juntamente com as noções
de processo de constituição do sentido e de gesto de interpre-
tação. (NUNES, 2005, p.2)

A história conforme o autor, não faria sentido, pois “não se pode


conceber e analisar a história de outro modo senão como combinação
de mecanismos e processos por si mesmos a-históricos. Nesse sentido
a história não existe mais para nós senão de modo descritivo e estrita-
mente empírico.” (HENRY, 1984, p.42). A história seria então uma ciência
que “implica falseabilidade e produtividade”. A história então teria que
produzir sentido, o que Henry chamou de historicidade, ligada ao sujeito
e a linguagem. Segundo Orlandi a “historicidade administra (rege) a re-
lação dos sujeitos com os textos e com o fato de que há uma história de
leituras que afeta o texto.” (ORLANDI, 2005, p. 62).

Não há fato ou evento histórico que não faça sentido, que não
peça interpretação, que não reclame que lhe achemos causas e
consequências. É nisso que consiste para nós a história, nesse
fazer sentido, mesmo que possamos divergir sobre esse sentido
em cada caso. (HENRY, 1984, p.51).

A historicidade integrada também à linguagem produz práticas


discursivas, que delimitam enunciativos específicos por sua inscrição
ideológica. Pêcheux (1990) explica isso com a questão da ideologia.

É a ideologia que fornece as evidências pelas quais ‘todo mundo


sabe’ o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábri-
ca, uma greve, etc., evidências que jazem com que uma pala-
vra ou enunciado queiram dizer o que realmente dizem’ e que
mascaram. Assim, sob a ‘ transparência da linguagem’, aquilo
que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e
dos enunciados. (PÊCHEUX, 1990, p. 160 apud MARIANI, 1998,
p.26 ).

Nesta perspectiva Sargentini (2000, p.1) pontua que “inscrição da


historicidade na linguagem dá-se por meio de processos discursivos que

30
SOMOS TODOS AMARILDO

perpetuam e cristalizam a memória de uma época.”. Esses processos es-


tão na base das relações interdiscursivas que constituem os discursos.
Para os analistas do discurso a história não seria apenas um pano de
fundo ou um exterior independente, mas sim “uma constitutiva da pro-
dução de sentidos “(NUNES, 2005, p.2)”. Mariani (1998, p.26) completa
essa ideia retratando que a “historicidade comparece sempre quando se
trata de pensar discursivamente a lingua(gem)”. Segundo Flores (2011,
p.41) essa relação da historicidade é “com o texto, com sua determina-
ção histórica, com a materialidade do sentido e do sujeito”, sendo uma
busca para compreender como a matéria textual produz sentido.

31
SOMOS TODOS AMARILDO

3
SOBRE OS JORNAIS

3.1 – ENVOLVIMENTO COM O CORPUS

Qualquer construção de um corpus de análise é um recorte.


Segundo Orlandi (1999) a ideia de recorte é atrelada à de polissemia;
mesmo o sentido literal é um efeito de sentido. Para a autora “O recor-
te é unidade discursiva. Por unidade discursiva entendemos fragmentos
correlacionados de linguagem-e-situação. Assim, um recorte é um frag-
mento da situação discursiva”. (ORLANDI, 1984, p. 14). O recorte remete
à polissemia em virtude da / na situação de interlocução que compreen-
de como pano de fundo a ideologia.
(...) a polissemia é a fonte da linguagem uma vez que ela é a
própria condição de existência dos discursos pois se os sen-
tidos – e os sujeitos – não fossem múltiplos, não pudessem
ser outros, não haveria necessidade de dizer. A polissemia
é justamente a simultaneidade de movimentos distintos de
sentido no mesmo objeto simbólico. (ORLANDI,1999,p.38)

O conceito da polissemia é recuperado através do recorte. No mo-


mento em que marcamos nossa posição discursiva na investigação do
corpus estamos fazendo um recorte. Para a AD não há um sentido literal,
pois “por definição, todos os sentidos são sentidos possíveis. Em certas
condições de produção, há a dominância de um sentido possível sem
por isso se perder o eco dos outros sentidos possíveis.” (ORLANDI, 1984,
p.20).

a ideia de recorte remeta à de polissemia e não à de informação.


Os recortes são feitos na (e pela) situação de interlocução, aí
compreendido um contexto (de interlocução) menos imediato:
o da ideologia. (...) Feitas essas reflexões podemos dizer que o

32
SOMOS TODOS AMARILDO

texto é o todo em que se organizam os recortes. Esse todo tem


compromisso com as tais condições de produção, com a situa-
ção discursiva.

Dessa forma, através dos recortes, as relações textuais são repre-


sentadas com as condições e situações discursivas. E é justamente sobre
as condições de produção que vamos falar neste capítulo. Mostraremos
quais são as condições de produção dos corpus dessas analises tanto o
jornal Diário Catarinense, quanto a Gazeta da Ocupação Amarildo.

3.2 – O DIÁRIO CATARINENSE

No dia 5 de maio de 1986, o primeiro exemplar do jornal Diário


Catarinense chegava às bancas de Santa Catarina. Inaugurado pelo
Grupo RBS, foi o último projeto idealizado pelo fundador do Grupo,
Maurício Sirotsky Sobrinho. O jornal impresso foi implantando exata-
mente sete anos depois da RBS ter instalado o primeiro canal de TV no
estado catarinense. (PAULINO; OLIVEIRA, 2013,p.5)
O jornalista Armando Burd foi o primeiro editor-chefe do jornal,
e a equipe inicial contava com 132 profissionais contratados, sendo que
mais da metade deles era profissionais de outros estados. A outra me-
tade, cerda de 70 profissionais, nunca havia trabalhado em um jornal
antes1.
A tentativa era repetir o sucesso alcançado pelo jornal Zero Hora
no Rio Grande do Sul. Com formato tabloide já no primeiro ano, apare-
cia como o quinto maior jornal do país, com uma tiragem diária de 150
mil exemplares. (PAULINO; OLIVEIRA, 2013, p.8). Assim o DC teve sua
a redação montada toda informatizada, sendo a primeira do gênero no

1 BURD, Armando. Entrevista concedida para alunos da UFRGS Porto Alegre, março, 2000.
Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=reda%C3%A7%C3%B5es+de+jor-
nais+informatizadas&aq=f&oq=reda%C3%A7%C3%B5es+de+jornais+informatizadas&aqs=-
chrome.0.57.8374j0&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acessado em 02 set 2014.

33
SOMOS TODOS AMARILDO

país, o que levou o jornal a receber, no ano de 1987, o prêmio ESSO de


jornalismo na categoria de melhor contribuição à imprensa.2
No momento em que a Rede Brasil Sul inaugurou o DC, o Grupo
já estava homogeneizado no Estado com a RBS TV nas principais cida-
des: Florianópolis, Blumenau, Joinville e Chapecó. A Rádio Atlântida em
Florianópolis, Blumenau e Chapecó, a Itapema FM e a Rádio Diário da
Manhã em Florianópolis. O DC então nasceu dentro de um grupo que
detinha a maioria dos meios de comunicação de Santa Catarina, A estra-
tégia era promover a integração do Estado pelos veículos de comunica-
ção do grupo.
Ao longo dos anos a RBS teve uma expansão ainda mais significa.
Em 2002 o dominava a comunicação em dois estados do sul configurando
uma, uma forte propriedade cruzada, De Lima (2004, p.101), explica essa
propriedade cruzada como “trata-se da propriedade, pelo mesmo grupo,
de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações. Por exemplo: TV
aberta, TV por assinatura, rádio, jornais, revistas (...)”. A RBS reunia 6
jornais, 24 emissores de rádio AM e FM, 21 canais de TV, um portal de
Internet, uma empresa de marketing, além de ser sócio da operadora de
TV a cabo NET (Zero Hora, 2002, apud GUARESCHI;BIZ,2009,p.53). A
última atualização feita no site institucional da RBS, dia 05 de dezembro
2012, informa que a empresa possui 18 emissoras de TV aberta (12 no
Rio Grande do Sul e 6 em Santa Catarina), com uma cobertura que atinge
790 municípios e mais de 17 milhões de telespectadores nos dois esta-
dos, além de 2 emissoras de “TV comunitária” e uma emissora segmen-
tada focada no agronegócio. A RBS apresenta-se como “a maior rede re-
gional de TV do país com 18 emissoras distribuídas no RS e em SC, com
85% da programação da Rede Globo e 15% voltada ao público local” (RBS
TV,2012)3. Além disso, possui ainda: 24 emissoras de rádio, 8 jornais diá-
rios, 4 portais na internet, uma editora (RBS Publicações), uma grá-
fica (Mídia Gráfica), uma gravadora (Orbeat Music), uma empresa

2 Diário Catarinense. Diário Catarinense completa 25 anos e inicia agenda de comemora-


ções.. Diário Catarinense, Florianópolis. Disponível em: http://gruporbs.clicrbs.com.br/
blog/2011/05/03/diario-catarinense-completa-25-anos-e-inicia-agenda-de-comemoracoes/.
Acessado em 02 set 2014.
3 RBS TV. História da RBS TV. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/rs/rbstvrs/noti-
cia/2011/12/historia.html. Acesso em: dia 03 set 2014.

34
SOMOS TODOS AMARILDO

de marketing e relacionamento com o público jovem (Kzuka) e uma


Fundação de Responsabilidade Social (Fundação Maurício Sirotsky
Sobrinho).
GUARESCHI e BIZ (2009, p.71) explicam que no Brasil existe um
“loteamento” da mídia, rádio e televisão, entre algumas famílias privi-
legiadas. Esse loteamento estaria fazendo analogia ao começo da his-
tória do Brasil, em que o território foi loteado em capitanias e doado a
determinadas famílias. Os meios de comunicação são todos apoderados
por um pequeno grupo, como no caso da RBS, e eles determinam o que
se pode ter acesso ou não. Segundo os autores (2009, p.57) a presença
dessas corporações facilita a transmissão de uma ”mesma imagem, um
mesmo e único som e, principalmente, impossibilita a pluralidade de in-
formações”. Assim todo o conteúdo jornalístico é produzido sob a ótica
de um só olhar.
Podemos analisar esse pelas teorias do jornalismo com um “con-
senso fabricado”, Noam Chomky e Edward Herman (1994) fazendo uma
crítica aos meios de comunicação de massa dos EUA por estarem esta-
belecidos ao que se assemelha um modelo de propaganda, a mídia pro-
duziria um “consenso fabricado”, em que os meios de comunicação em
geral estariam a serviço de interesses especiais que “dominam” o estado
e a atividade privada, e, portanto suas escolhas, ênfases e omissões, nas
produções jornalísticas, podem ser mais bem entendidas se analisadas
como modelo de propaganda.
Nesta perspectiva Ignacio Ramonet (1999) caracteriza o jornalis-
mo como sendo imediatista no modo de fazer (pouco aprofundado), que
busca o impacto (títulos bombásticos, frases de efeito) e a espetacula-
rização (transformar acontecimentos em espetáculos) – exatamente da
mesma maneira que a publicidade trabalha. Segundo Ramonet a notícia
e o comportamento da mídia transforam-se em publicidade, basicamen-
te em função da informatização e dos conglomerados.4

(...) pode facilmente, há uma década, seguir um acontecimen-


to − tanto um fato comum do dia−a−dia como uma crise in-
ternacional − em toda a sua duração. Também pode, como faz

4 WANDELLI, Raquel. Jornalismo de Autor. Disciplina da Graduação em Comunicação Social –


Jornalismo. Anotações em sala de aula. Palhoça: UNISUL, fev./jun. 2014.

35
SOMOS TODOS AMARILDO

regularmente a rede americana CNN, graças à transmissão via


satélite e às conexões múltiplas, transformar um acontecimen-
to − crise do Iraque, processo de O.J.Simpson, funeral de Lady
Diana, caso Clinton−Lewinsky − em caso central do planeta,
provocando a reação dos principais dirigentes do mundo, das
personalidades mais em evidência, obrigando os outros meios
a seguir e amplificar a importância do fato, a confirmar sua
gravidade e a tomar de uma urgência absoluta a resolução do
problema. Quem pode escapar deste espalhafato publicitário
de âmbito planetário? (RAMONET, 1999, p.26)

Na análise do discurso segundo Pêcheux (1990) o discurso jorna-


lístico se encontra uma “parte de formigamento de escritores, citando
falas e outros escritos” que dão formato a materialidade discursiva que
se constituiu a “redes polarizadas de repetição frustrando a identidade,
rupturas que tomam alhures gêneses continuadas, pontos de antagonis-
mo que se abraçam e se abrandam mais adiante (...)” (PÊCHEUX, 1990,
p.15, apud MARIANI, 2007, p.200).Assim, temos o que o autor chama
das coisas-a-saber, no discurso jornalístico seriam situações, ações, per-
sonagens que devem ser seguidos ou evitados. Mariani (1998) explica a
Instituição Imprensa como um fenômeno que “leitores e jornalistas en-
contram-se, dessa maneira, enquadrados nos domínios de pensamento
de sua época, ficando imersos em uma agenda (organizada pelos ‘donos’
do jornal)” (MARIANI, 1998, p.28).
Desta forma as atividades jornalísticas produzidas pelos veícu-
los de comunicação da RBS servem a favor de interesses de apenas um
“dono do jornal”. Esse monopólio faz com que pessoas assistam, ouçam,
leiam jornais sob o viés da mesma ótica. O mesmo “modelo propaganda”
jornalístico, conceituado por Chomky (1994) e Ramonet (1999), está dis-
seminado por diversos meios como a internet, a televisão, rádio, jornais,
sob mando de um único Grupo.
Portanto, não podemos pensar no Diário Catarinense, como um
veículo de comunicação isolado. O DC é apenas um dos meios que está
por trás da maior rede regional de TV do País, ao comando de interes-
ses políticos e econômicos. E é exatamente sobre a questão: Quais são
os sentidos produzidos no discurso jornalístico do Diário Catarinense

36
SOMOS TODOS AMARILDO

sobre a Ocupação Amarildo de Souza, que trabalharemos no próximo


capítulo.

3.3 – A GAZETA DA OCUPAÇÃO AMARILDO

No dia 1 de fevereiro de 2014, a primeira edição da Gazeta da


Ocupação Amarildo começou a circular no Terminal de Integração
Centro- Ticen em Florianópolis. Foram cinco mil exemplares distribuí-
dos naquela primeira semana do mês de fevereiro. O jornal veio a pe-
dido dos coordenadores da Ocupação, representado na época por seis
homens e seis mulheres.5
Dois dias após o início da ocupação os militantes organizaram uma
assembleia. Ali ficou decidido, por meio de um documento que os ocu-
pantes chamaram de Manifesto do Povo Organizado, que era de extrema
importância a confecção de um material impresso sobre a Ocupação. O
objetivo era mostrar a versão dos fatos de dentro do movimento para a
sociedade.6
O responsável pela elaboração desse jornal foi então, Rui Fernando
da Silva Neto, filho de Rui Fernando da Silva, o porta-voz da ocupação.
Rui Neto formado em jornalismo pela faculdade Estácio de Sá, graduou-
-se na área com o intuito de defender a classe trabalhadora. O jornalis-
ta então foi responsável por escrever, editar, redigir e diagramar todo o
conteúdo jornalístico da primeira gazeta. Apenas a elaboração e edição
de imagens ficou ao cargo de Pepe Pereira dos Santos, também militante
e assessor de imprensa do SindSaúde SC com Rui Fernando Neto.
As dificuldades para produzir o tabloide foram inúmeras, tendo os
voluntários que conciliar a vida pessoal e profissional com a militância.
Por isso, apenas uma semana antes de circular nas ruas o jornal foi con-
feccionado. O mais difícil, no entanto, foi à arrecadação de verbas para
a impressão da gazeta. O comitê da solidariedade foi o responsável para

5 A coordenação da Ocupação Amarildo é estabelecida através do sistema de núcleo. A cada 10


famílias presentes no acampamento forma-se um núcleo representado por um homem e uma
mulher.
6 NETO. Rui Fernando da Silva. Entrevista realizada para a aluna Bianca Queda da Unisul.
Florianópolis, 23 de setembro de 2014.

37
SOMOS TODOS AMARILDO

esse trabalho. Instaurado desde a primeira assembleia da Ocupação,


conseguiu juntar o valor necessário três dias antes de o projeto ir à grá-
fica do Diário Catarinense.
A gazeta superou as expectativas dos coordenadores, que 23 dias
depois, lançaram a segunda edição. Com tiragem dobrada, de 10 mil
exemplares, a gazeta foi confeccionada para a Jornada Nacional de Lutas
pela Reforma Agrária, realizada todo o mês de abril. Neste ano os ocu-
pantes fizeram em Florianópolis uma marcha intitulada “Rolezão dos
Amarildos”7, na Avenida Beira-Mar Norte, com a participação de aproxi-
madamente 300 pessoas.
A produção da segunda gazeta funcionou quase no mesmo esque-
ma da primeira, Rui Fernando Neto esteve no comando e Pepe Pereira
auxiliando, a diferença foi que nesta eles contaram com a ajuda de tam-
bém duas estudantes de jornalismo militantes da causa. A terceira edi-
ção da Gazeta da Ocupação Amarildo está programada para sair em ou-
tubro de 2014.

7 Os eventos conhecidos como “rolezinhos” aconteceram no final de 2013 quando jovens mar-
caram encontros em shoppings pelas redes sociais, principalmente na capital paulista.

38
SOMOS TODOS AMARILDO

4
ANÁLISES DOS PROCESSOS
DISCURSIVOS

4.1 – OS VINTE E TRÊS DIAS DE SILENCIAMENTO

Um grupo de manifestantes ocupou um terreno na Vargem


Pequena, às margens da SC-401, em Florianópolis, na madru-
gada de ontem. De manhã cerca de 50 pessoas entre adultos
e crianças estavam acampadas no local. (Diário Catarinense,
2013, p.28)

O trecho acima é o lead da primeira matéria que saiu no jornal


Diário Catarinense sobre a Ocupação Amarildo, no dia 17 de dezembro
de 2013, um dia após a ocupação. Medina (1988, p.118) conceitua o lead
como um apelo para chamar a atenção dos leitores “o primeiro paragrafo
da notícia, cabeça ou lançamento da matéria”,. A notícia saiu na edito-
ria Geral. Segundo Medina (1988, p.25) “a informação é classificada em
setores expressos pela divisão tradicional do próprio jornal.”. Na pers-
pectiva da autora a mensuração das notícias que determina a importân-
cia das informações e o aprofundamento de conhecimentos, a cobertura
diária normal “em que os telegramas, refletem a rotina, a informação de
consumo é o fato de imediato de significação, primariamente emocio-
nal”. (MEDINA, 1988, p.72)
A origem desse processo de produção da notícia jornalística “parte
de uma pauta que pode ser intencional, procurada ou ocasional (acon-
tecimento totalmente imprevisto)” (MEDINA, 1988, p.73). O caso da
Ocupação Amarildo foi algo ocasional, já que um grupo de manifestan-
tes ocupou um terreno na Vargem Pequena. Segundo Medina (1988) a
primeira força desse processo é a “angulação”. Quando um caso acontece

39
SOMOS TODOS AMARILDO

ele é “angulado” para de pauta “se transformar num processo de capta-


ção, a componente grupal se identifica com a caracterização da empresa
jornalística onde essa pauta vai ser tramitada. A empresa que, por sua
vez, está ligada a um grupo econômico e politico”. (MEDINA, 1988, p.73).
No caso desta notícia “a angulação” se dá por traz de um aconte-
cimento ligado ao Movimento Sem Terra que foi noticiado pelo jornal
catarinense, do Grupo RBS. A Ocupação foi retratada em uma matéria
com cinco parágrafos apenas, informando o acontecimento imprevisto,
que para Medina (1988) é a pauta ocasional.
Na Análise do Discurso, Mariani (1998) conceitua esse discurso
jornalístico como sendo um discurso sobre (MARIANI, 1998,), resulta-
do do papel dos interlocutores no processo discursivo, na leitura e na
interpretação.

Os discursos sobre são discursos que atuam na


institucionalização dos sentidos, portanto, no feito de
linearidade e homogeneidade da memória. Os discursos sobre
são discursos intermediários, pois ao falarem sobre um discur-
so de (“discurso de origem”), situam-se entre este o interlocu-
tor, qualquer que seja.( MARIANI,1998,p.60-61).

Do ponto de vista da autora, o discurso jornalístico então em sua


forma de reportagem, funcionaria como um discurso sobre, pois coloca o
mundo como objetivo. Ainda na perspectiva de Mariani (1998) a impren-
sa tenta retratar o “mundo” para os leitores. “(...) o discurso jornalísti-
co tem como característica atuar na institucionalização social de sen-
tidos. (...) contribui na constituição do imaginário social, cristalização
da memória do passo, bem como na construção da memória do futuro (
MARIANI,1998,p. 61). No caso específico dessa primeira matéria sobre a
ocupação, o discurso jornalístico apagou a voz dos ocupantes. Com uma
matéria relatando apenas os fatos, sem aprofundamento, os sentidos do
jornal foram os que ficaram dominantes, ou seja os sentidos de ilegali-
dade da ocupação.
A ocupação Amarildo volta a ser pauta apenas no dia 9 de janeiro
de 2014. Quando o colunista Rafael Martini na coluna Visor escreveu
uma nota com o título “Tensão” que relatava:

40
SOMOS TODOS AMARILDO

O clima é de tenso no acampamento de famílias que ocupam


há mais de 20 dias uma área às margens da SC-401, na Vargem
Pequena, em Florianópolis. Os integrantes dizem que sofreram
dois ataques. O último teria sido na manhã de ontem, quan-
do uma bomba caseira foi lançada perto de uma barraca, não
atingindo ninguém. O outro aconteceu nesta segunda-feira,
quando tiros foram disparados numa placa de trânsito próxima.
(MARTINI, 09 de janeiro 2014, p.4)

Houve um silenciamento sobre a ocupação por parte do jornal


nesses 23 dias. Medina (1988, p.71) explica esse quadro pelo viés de que
“as notícias predominam no dia-a-dia, carregadas da dupla função de
informar /distrair.” Outras notícias foram publicadas nesse período de
final de ano para distrair os leitores e esse caso ficou esquecido. Afinal,
o período natalino e a virada no ano são datas festivas em que não inte-
ressa falar de ocupação, segundo a autora algumas notícias “procuram
atingir um nível de massa dos leitores, daí a ênfase em informações so-
nho /realidade – matérias ditas amenas.”.
Discursivamente podemos pensar a falta de reportagem sobre a
ocupação como silenciamento. Orlandi (2007) explica que o silêncio
pode ser de várias formas.

a) o silêncio fundador, aquele que existe nas palavras, que sig-


nifica o não-dito e que dá espaço de recuo significante, produ-
zindo as condições para significar; e b) a política do silêncio,
que se subdivide em: b 1) silêncio constitutivo, o que nos indica
que para dizer é preciso não-dizer (uma palavra apaga neces-
sariamente as “outras” palavras); e b 2) o silêncio local, que se
refere à censura propriamente (àquilo que é proibido dizer em
uma certa conjuntura). (ORLANDI, 2007, p.24)

O silêncio do Diário Catarinense sobre a Ocupação Amarildo pode


ser entendido como o silêncio local conceituado por Orlandi (2007), aos
jornalistas coube não dizer sobre a ocupação, pois naquela determinada
conjuntura não permitia. Após esses 23 dias a nota na coluna de opinião
traz as informações apenas com o recorte que interessa.
O espaço destinado às colunas dentro do jornal possibilita esse
recorte. Sendo as colunas informações curtas, não necessariamente no-
ticiosas, publicadas regularmente, elas trazem apenas as observações do

41
SOMOS TODOS AMARILDO

próprio colunista e representam a opinião do jornal. O espaço predeter-


minado da coluna Visor, é nas primeiras páginas do jornal, logo após o
editorial. Segundo o site Clic RBS a coluna do Rafael Martins pautada
pela política “é um mosaico de informações com foco em Santa Catarina,
mas sempre atento ao que acontece no país e no mundo. Com um olhar
bem humorado, a coluna é publicada diariamente nas páginas 2 e 3 do
Diário Catarinense.”. Caracterizando assim que a opinião ou ponto de
vista do colunista é o mesmo do jornal.
Portanto, a coluna não trabalha as informações, apenas como o
que “pode interessar” para o jornal. Isso produz um efeito de verdade,
recortando a notícia somente na parte que interessa.

4.2 – O EFEITO DE DEBOCHE NA COLUNA POLÍTICA

Amarildo é chique
Através da placa de um dos vários veículos estacionados
no acampamento armado da SC-401, batizada de ocupação
Amarildo, a polícia já sabe que o dono do automóvel mora em...
Jurerê. (MARTINI, 2014, p.3)

Com o título, “Amarildo é chique”, o colunista Rafael Martini


buscou demonstrar através da sátira uma crítica a ocupação. No caso
desta nota ao dizer que Amarildo, nome que impulsiona o movimento,
é chique o colunista está remetendo a questão da burguesia. Há um
atravessamento discursivo quando a formação discursiva de sem-teto e
operários é atravessada pela formação discursiva do que está na moda,
ligando diretamente o chique a classe alta
Ou seja, para o colunista, quem mora no acampamento pertence as
FDs dos sem tetos, e é impossível ter no acampamento ocupantes cujo
o proprietário do veículo resida em um dos bairros mais luxos e capital
catarinense. Portanto, usando da ironia/sátira o colunista marca a con-
tradição no discurso dos Amarildos.
Segundo Flores (2011) a sátira teria sua origem na satura, gênero
poético latino, desaparecido no século II a.C, deste modo com o pas-
sar do tempo a “sátira tornou-se uma composição de diversos temas,

42
SOMOS TODOS AMARILDO

na forma de prosa e verso. Na poesia, faz crítica sarcástica e mordaz aos


costumes sociais, possuindo como objetivo provocar ou evitar uma mu-
dança política, social ou moral.” (FLORES,2011,p.111).
E a sátira continua ao longo das notas que vão saindo na coluna
de Rafael Martini. A quarta nota divulgada pelo colunista no dia 26 de
janeiro de 2014 mantém a mesma sátira quanto à questão da Ocupação.

Coração de mãe
Os coordenadores da ocupação Amarildo de Souza,
às margens da SC-401, garantem que não entra mais
ninguém, além das 725 famílias ali instaladas. A
foto de sexta-feira à tarde fala por si só. Aliás, pela
bandeira no acampamento, a turma parece estar le-
vando a sério esta história de integração dos povos
latinos americanos. (MARTINI, 2014, p.3)

A foto vinculada à nota é de um casal de jovens adentrando


o acampamento carregando malas e mochilas, tendo a bandeira do
Uruguai como pano de fundo. No dito popular coração de mãe é aquele
que sempre cabe mais um, desenvolve outro lugar ainda de mobilização
se dá por meio da retomada de integração dos povos latinos. Uma ques-
tão de políticas públicas fortemente trabalha no governo da presidente
Dilma Roussef. A memória produzida é ligada ao governo da presidente
que adotou essa política pública, desde o primeiro ano de mandato, de
fortalecer a integração latino-americana e contribuir nos esforços para
alterar a favor desses povos.
Trata-se então de um discurso que apresenta, através da sátira,
trata a integração dos povos-latinos como sendo algo negativo. O efeito
deboche deixa dito que “a turma parece estar levando a sério esta histó-
ria de integração dos povos latinos americanos”, porém o não dito é que
a presença desses estrangeiros estaria de algum modo incomodando.
Discursivamente Orlandi (1999) explica o dito e não dito como:

[...] Na análise de discurso, há noções que encampam o não-


-dizer: a noção de interdiscurso, a de ideologia, a de formação
discursiva. Consideramos que há sempre no dizer um não-dizer
necessário. Quando se diz “x”, o não-dito “y” permanece como

43
SOMOS TODOS AMARILDO

uma relação de sentido que informa o dizer de “x”. Isto é, uma


formação discursiva pressupõe outra: “terra” significa pela sua
diferença com “Terra”, “com coragem” significa pela sua rela-
ção com “sem medo” etc. (ORLANDI, 1999, p.82)

Quando se diz “a turma parece estar levando a sério esta história


de integração dos povos latinos americanos”, o não-dito “ temos anti-
patia em relação aos estrangeiros latinos” permanece como uma rela-
ção de sentido ao que se foi dito. A circulação dos sentidos de impedi-
mento à imigração de estrangeiros aciona a memória de nacionalidade
“Discursivamente, entendemos nação como sentido de nacionalidade,
de pertencimento a uma sociedade, a um determinado grupo.” (FLORES,
2011, p.96) produzindo um sentido de fechamento das fronteiras. O sen-
tido de negação aos povos latinos se dá pela memória discursiva pela tra-
jetória desses países. São nações que não se submetem ao imperialismo
americano, ao contrário da postura do Brasil. Esses estrangeiros então
não seriam bem-vindos devido à ideologia já significante esse discurso
então “aproveita fragmentos do ritual já instalado-da ideologia já signi-
ficante, apoiando-se em ‘retalhos’ dele para instalar o novo” (ORLANDI,
1993, p.13 apud MARIANI, 1998, p.149). Ou seja, esses ‘retalhos’ do já-
-dito criam um sentido negativo para essa integração dos povos-latinos.
A sátira das políticas para os povos da América Latina demarcam
a posição política contaria do colunista a essa política pública. Com a
aceitação de estrangeiros no acampamento, pode gerar mais ocupações,
o que seria considerado mais imigrações para certa parcela da população
brasileira.

Gazeta do Amarildo
A coisa está cada dia mais profissional na ocupação da SC-401.
Agora eles resolveram lançar o próprio veículo de comunica-
ção: a Gazeta do Amarildo. A primeira edição foi distribuída
no terminal central de Florianópolis, o Ticen, gratuitamente.
(MARTINI, 2014, p.3)

A ideia de que os ocupantes são tão especialistas nessa questão


de ocupação que até se profissionalizaram para disseminar suas doutri-
nas. Quando o colunista enuncia “A coisa” – a ocupação /o movimento

44
SOMOS TODOS AMARILDO

é re-significado como coisa, redução do movimento para algo sem sen-


tido, algo qualquer. O efeito de deboche dentro de uma coluna políti-
ca se dá novamente através da sátira. Com isso o verdadeiro foco so-
bre a Ocupação que são as reivindicações como: terra, trabalho e teto, a
Reforma Agrária é desviado. Mariani (1998,p.97) explica que “o discurso
jornalístico, em uma discursivização do cotidiano que se apaga para o
leitor para o próprio sujeito que enuncia da posição ‘jornalística’- que
os mecanismos de poder vão tanto distribuindo os espaços dos dizeres
possíveis como silenciando, localmente, o que não pode e não deve ser
dito.” (MARIANI, 1998, p.96-97).
O discurso sobre retorna novamente neste ponto com uma “natu-
reza institucional” como conceitua a autora. Assim, o recorte feito den-
tro das notas de Rafael Martini, é interessado somente a instituição. O
discurso está colado diretamente no discurso do jornal, que é o discurso
capitalista. Havendo uma seleção do que pode e não deve ser dito.

SD
O que constitui uma propriedade do discurso jornalístico en-
tão? É a submissão ao jogo de relações de poder vigentes, é sua
adequação ao imaginário do ocidental de liberdade e bons cos-
tumes. É, também, o efeito de literalidade decorrente da ilusão
da informatividade. Estas propriedades, no nosso entender es-
tão no cerne da produção jornalística: são aspectos invariantes
de qualquer jornal de referência. (MARIANI, 1998, p64)

O Diário Catarinense como qualquer jornal de referência traz essa


submissão aos jogos de poder vigentes através dessa ilusão da “infor-
matividade”. Ainda que a produção dos textos não tenha a função de
serem necessariamente noticiosos, mantém o caráter jornalístico de in-
formações ou observações do cotidiano em notas, produzindo apenas o
discurso sobre.
Ou seja, é por meio dos colunistas, que representam as posições
dos veículos, dos donos da empresa jornalística, que o jornal DC vai mo-
bilizando os sentidos sobre a Ocupação Amarildo. É por meio de sátira,
da ironia que o jornal trabalha esses sentidos.

45
SOMOS TODOS AMARILDO

4.3 – A FUGA DO DISCURSO SOBRE

(...) os grupos sociais minoritários criam seus próprios jornais


como forma de escapar desses gestos interpretativos já marca-
dos por um interdiscurso. (MARIANI, 1998, p.64-65).

Para fugir dessa retratação da grande mídia, a Ocupação Amarildo,


aqui como um grupo social minoritário, criou seu próprio jornal como
“forma de escapar desses gestos interpretativos” (MARIANI, 1998, p.64)
trazidos pelos jornais de referências. A Gazeta Amarildo então traz as
questões da Reforma Agrária sobre a ótica de como eles estão vivendo
dentro do Acampamento.

SD 1
Depois que rompemos as cercas pouco a pouco dezenas de fa-
mílias foram chegando à Ocupação Amarildo em busca de uma
vida melhor, merecida e justa. Famílias brasileiras do povo
Kaigang1, que estão trabalhando na cidade também se junta-
ram a nós. Hoje somos 725 famílias, o caldo engrossou! (Gazeta
da Ocupação, 01 de fevereiro 2014, p.3).
SD 2
Na segunda-feira às 07:00, os companheiros e companheiras
que possuem carros organizarem-se para levar as crianças
alimentadas2 e com os documentos necessários para a escola
nova. Este mutirão para garantir o transporte vai continuar até
que todas as crianças recebem os passes escolares da prefeitu-
ra. (Gazeta da Ocupação, 26 de fevereiro 2014, p.4).
SD 3
Com nossas ações fazemos deste um espaço melhor para mi-
lhares e milhares de vidas. Preservamos a natureza com a
agricultura sem venenos, produzimos para comer, dar e
vender (...) Lutar pelo direito à terra, trabalho e moradia é
uma decisão que tomas todos os dias3 (Gazeta da Ocupação,
26 de fevereiro 2014, p.3).

1 GRIFO NOSSO
2 Grifo nosso
3 Grifo nosso

46
SOMOS TODOS AMARILDO

As informações da Gazeta servem para retratar o cotidiano dentro


do acampamento, de uma maneira nada factual, ao contrário das notí-
cias produzidas pelos grandes jornais que “predomina como notícia os
“fatos da sociedade”, alguns escândalos políticos, e de vez, quando um
ou outro crime.” (MEDINA, 1988, p.52), como observamos nas manche-
tes do DC: Militantes de Esquerda Apoiam Invasão, 120 dos acampados
recebem benefícios do governo, e Crimes na ocupação. Retratam justa-
mente os fatos, escândalos políticos e crimes. Mariani (1998) relata que
na imprensa:

(...) o modo de denominar, descrever e narrar os eventos re-


ferentes aos partidos comunistas é regulado historicamente,
resultado de uma memória institucional vinculada ao dizer
jornalístico que ultrapassa a polêmica entre opinião /informa-
ção e a construção dos acontecimentos e não acontecimentos
(MARIANI, 1998, p.66).

As matérias divulgadas pelo DC traziam, na maioria das vezes,


uma nova questão sobre os Amarildos, mas sem sair do discurso sobre,
devido ao fato de que “a notícia empurra a opinião de grande parte do
jornal; a necessidade de cada dia conseguir levantar um novo mar de
novidades, (...) vai montar a manifestação-núcleo do jornal-notícia.”.
(MEDINA, 1988, p.53).
O recorte feito pelas matérias do DC constroem os acontecimentos
pelo viés das teorias do jornalismo, ou seja, não noticiam outros aconte-
cimentos, recortando – de modo objetivo –as atividades humanas pelo
seu interesse econômico, Discursivamente podemos pensar que “já se
tem uma memória da própria instituição da imprensa, agindo na produ-
ção de notícias, e consequente, no modo como o mundo é significado.”
(MARIANI, 1998, p.67). A autora entende que as instituições imprensas
servem como um controle social “para modelas as práticas sociais exis-
tentes, embora, esta imposição nunca se processe de forma absoluta”.
(MARIANI, 1998, p.67). Desta maneira a instituição imprensa modela
as práticas sociais e devido a elas se estabelecerem visíveis através das
praticas sociais e circulação de seus produtos, que no caso do DC o jornal
impresso, elas são legitimadas.

47
SOMOS TODOS AMARILDO

[...] Observando a “comunicação referencial” por este ângulo,


comunicar/informar/noticiar (na imprensa) são atos resultan-
tes de um controle exterior, vindo do Estado e do sistema jurí-
dico por um lado e, por outro, de um controle internalizado na
própria atividade jornalística. (MARIANI, 1999, p.53).

A atividade jornalística, exercida então na construção da Gazeta


da Ocupação, se constitui no jornal da ocupação trazendo matérias com
caráter não noticioso, como já aqui conceituado a questão de notícia,
para marcar de outra forma a escapar desses gestos interpretativos já
marcados pela formação discursivas dos jornais de referências, ou seja, a
Gazeta da Ocupação funciona nos moldes do jornalismo alternativo, que
surgiu nos anos 1960 no Brasil como “forma de resistência à tentativa de
controle cultural empreendida pelos governos ditatoriais” (KLEIN, 2007,
p.1). O jornalismo alternativo seria as “práticas e experiências jornalís-
ticas não alinhadas à chamada grande mídia (composta pelos setores
tradicionais e predominantes da comunicação de massa) e desvincula-
das de tendências, ideias ou grupos dominantes.” (SANTOS, 2013, p.2).
A Gazeta da Ocupação então assume esse caráter de alternativo quando
“(...) se falar do poder é notícia, então a informação é de poucos. Sobra
ao excluído o jornalismo alternativo.” (OLIVEIRA, 2010, p.12).
Na primeira sequência discursiva podemos analisar o índio no
Brasil como sendo parte de grupos minoritários que não têm voz no país.
Quando “(...) famílias brasileiras do povo kaigang, que estão trabalhan-
do na cidade também se juntaram a nós.”, marcam o reconhecimento
do índio como brasileiro, evidenciando que essa família também é bra-
sileira. Pois, na história do Brasil o índio é sempre estrangeiro, não há o
reconhecimento do índio como brasileiro.
A segunda e a terceira sequência discursiva representam a marca
do MST, quando demarcam o cuidado e a luta pela terra. Esses enun-
ciados estabelecem então relações interdiscursivas com o discurso do
movimento MST. O discurso de Reforma Agrária teria muito importân-
cia para o MST, pois é a razão da existência do movimento. Segundo
Indursky (1999) o sentido de Reforma Agrária é possível aos estudos so-
bre o MST, pois o atribuiu-se outro sentido de terra, a terra como função
social. “Lutar pelo direito a terra, trabalho e moradia (...)” (Gazeta da

48
SOMOS TODOS AMARILDO

Ocupação, 26 de fevereiro 2014, p.3) é a base do discurso de Reforma


Agrária. A terra como um meio de luta seria então o que marca os
agricultores sem terra como um movimento. Querer terra para trabalhar
é uma questão de luta histórica, surgida no início do século XX pelos
camponeses, o direito à terra seria então uma causa daqueles que lidam
diretamente com a terra, essa luta marcaria o lugar de enunciação dos
sujeitos e o momento histórico-social que estão inseridos.

4.4. – A MEMÓRIA NA GAZETA

“‘Quem sabe faz a hora’: a marcha e o resultado da audiência”. O


título é uma das matérias publicadas na segunda Gazeta da Ocupação.
“Quem sabe faz a hora” é o refrão da música “Pra Não Dizer Que Não
Falei Das Flores” de Geraldo Vandré. A canção tocada no Festival de
Música Popular Brasileira de 1968 ficou conhecida como uma resistência
ao regime militar. (NASIF, 2010, p.2)
A Gazeta da ocupação ao trazer esse trecho da canção estabelece
relações entre os acontecimentos presentes e uma determinada memó-
ria. Na Análise do Discurso entende-se que:

A memória discursiva ou interdiscurso (PÊCHEUX, 1975;


COURTINE, 1982), é a que se constitui pelo esquecimento, na
qual “fala uma voz sem nome” (COURTINE, op.cit). Aquela
em que “algo fala antes, em outro lugar, independentemente”
(PÊCHEUX, op.cit.), produzindo o efeito do já-dito. (ORLANDI,
2010, p.4)

Eni Orlandi (2007, p. 31) observa que a memória discursiva é o que


“torna possível todo o dizer e que retorna sob a forma de pré-construí-
do, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da
palavra.”. “Quem sabe faz a hora” então evoca a memória a partir que
já foi dito na época da ditadura, produzindo um sentido de oposição no
contexto atual da ocupação.
Os ocupantes retomam esse momento político do Brasil caracte-
rizado “punição sobre os opositores políticos, estrutura de poder hiper-
trofiada pelo cimento do autoritarismo, tortura como um fato cotidiano

49
SOMOS TODOS AMARILDO

na vida nacional.” (BRASIL NUNCA MAIS, 1985, p.53). Um período mar-


cado pelo endurecimento e exclusão do direito do cidadão de participar,
onde um sistema de repressão e controle vigorava por todo o país, se
inserindo no mesmo discurso para significar a luta deles contra a opres-
são da minoria. Já que o contexto social da luta travada contra a ditadu-
ra militar também passa pela questão da terra, conforme Welch (2006,
p.62) “a ditadura não perdeu tempo em sua repressão ao movimento
sindical dos trabalhadores rurais. Quase 80% dos sindicatos recém-for-
mados tiveram seus registros cancelados.”. Segundo Medeiros (1989) as
Ligas Camponesas, organização de camponeses formada pelo Partido
Comunista do Brasil (PCB) em 1945, foram totalmente reprimidas du-
rante a ditadura militar, além de terem seus principais líderes presos.
Welch (1995) conceitua que as Ligas Camponesas foi um dos movimen-
tos mais importantes em prol da melhoria das condições de vida no cam-
po no Brasil. Questões diretamente ligadas a Reforma Agrária.
Desta forma a memória é acionada para ressignificar um sentido já
significado. A oposição contra a opressão é retomada pela memória da
ditadura militar.
Retomando o trecho de Geraldo Vandré “Quem sabe faz a hora não
espera acontecer”, podemos pensar na seguinte questão. O que é fazer a
hora para a Ocupação Amarildo?

Quando ocupamos a terra improdutiva, dia 16 de dezembro de


2013, sabíamos a denúncia que estávamos fazendo, de que as
terras foram griladas da União, ou seja, do povo. Cabe agora
aos órgãos públicos federais provarem que esta terra é nossa
e pedirem reintegração de posse, para que sejamos assentados
definitivamente em nossas terras. (Gazeta da Ocupação, 26 de
fevereiro 2014, p.4)

Aquela era a hora para os ocupantes. A denúncia veio às vésperas


do fim do ano, quando a maioria dos órgãos públicos, em clima de fes-
tividade, postergam suas atividades para o próximo ano, 2014 era o ano
de eleições onde seriam escolhidos o Presidente da República e em cada
Estado o Governador, um Senador, Deputados Federais e Deputados
Estaduais. O momento propício para reivindicações. Todos os olhares
estavam voltados para processo eleitoral. As campanhas políticas criam

50
SOMOS TODOS AMARILDO

um clima de tensão e qualquer reação partidária resultaria nas urnas.


Ainda que a ocupação fosse um grupo minoritário, o cenário estava fa-
vorável para que políticas públicas de moradias fossem colocadas em
pauta. A hora era aquela. O discurso de uma ocupação urbana reivindi-
cando “terra, trabalho e teto” produziria então um gesto político. E sobre
isso que vamos analisar no próximo subcapítulo.

51
SOMOS TODOS AMARILDO

5
A OCUPAÇÃO COMO GESTO
POLÍTICO

Na entrada da ocupação, às margens da SC-401, na Vargem


Pequena, em Florianópolis, uma bandeira do Brasil diferente
recepciona os visitantes. Ao invés de Ordem e Progresso está
escrito “terra, trabalho e teto”. Esta é a reivindicação dos in-
vasores do terreno no norte da Ilha- a coordenação do grupo
informa que são mil, já a polícia Militar diz que são cerca de
250 pessoas- as que pretendem conquistar a posse da terra. Nas
palavras de um dos coordenadores, o estudante de Agronomia,
Fábio Coimbra, “é fazer reforma agraria no meio da cidade”.
(Diário Catarinense, 21 de janeiro de 2014, p.28).

O lead da matéria publicada no DC traz a questão apontada por


um dos coordenadores da ocupação, Fábio Coimbra, que “é fazer refor-
ma agraria no meio da cidade”. Os elementos da reforma agrária é viver
da terra e aprender sobre a terra Segundo Novaes (1995) a bandeira in-
corporada pelo Partido Comunista da Reforma Agrária, era “uma carta
coringa no jogo político, compôs o discurso e informou as práticas e pro-
jetos desenvolvimentistas de diferentes instituições, partidos políticos,
movimentos e personagens nos anos 50 e 60.” (NOVAES1995,p.124).
A reforma agrária no Brasil era vista como antes do Golpe Militar
de 64 pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), como
uma ação imprescindível para modernizar e desenvolver os países lati-
nos americanos “nos quais o latifúndio improdutivo aparecia como obs-
táculo para o desenvolvimento econômico” (NOVAES, 1995, p.124).

52
SOMOS TODOS AMARILDO

A implantação da reforma agrária seria o resultado na quebra do


poder do latifúndio. As Ligas Camponesas, como já retratadas, estariam
em um contexto social do campesino como um ator político, já que foi
criada dentro do PCB (NOVAES, 1995, p.125). Assim a identidade do
“camponês”, só pode ser compreendida quando confrontada com o lati-
fúndio, devido sua historicidade dentro do Brasil.

Assim, nos anos 50 e início dos anos 60, a Reforma Agrária foi
vista como remédio para os grandes males da nação e/ou como
atestado de avanço “vermelho” no país. E não, por acaso, no
imaginário político nacional aparece o “’estopim” detonador
do golpe militar de 1964: teria sido ela (a Reforma Agrária), e
não o conjunto de Reformas de Bases naquela época, proposta,
que derrubaria o presidente Goulart. (NOAVES, 1995, p.125).

O camponês então que “em oposição ao conjunto de relações so-


ciais enfeixadas pelo latifúndio.” (NOAVES, 1995, p.125) se torna uma
identidade política. O avanço “vermelho” no país, referindo-se a cor do
PCB, remeteria a práticas políticas e lutas ideológicas do partido ligadas
a reforma agrária, acionando aqui uma memória discursiva da simbo-
logia comunista como a bandeira da União Soviética que traz a estrela
vermelha, a foice e martelo em amarelo-ouro, como símbolos à frente de
um pano vermelho torna-se símbolo para representar os trabalhadores
camponeses.
Souza e Caravias (1988, p.24) explicam que “o problema da terra
não é grave apenas no campo. Milhões de camponeses que se veem obri-
gados a deixar o campo, ao chegar à cidade defrontam-se de novo com
um sério problema de terra: não tem onde construir uma casa digna”. A
Ocupação Amarildo quando retrata “O povo em luta pela reforma agrá-
ria popular” na capa da Gazeta, não trata somente a propriedade agrí-
cola como característica. Segundo Rui Fernando Neto (2014)1, a reforma
agrária é antes de tudo um conjunto de normas, atitudes e comporta-
mentos como: cuidar da terra, viver da terra, preservar a terra. Todos
elementos atrelados a reforma agrária.
Os problemas que Souza e Caravias (1988) explicitam são vivi-
dos pela Ocupação. Trabalhadores urbanos que não conseguem pagar o
1 Jornalista responsável pela produção da Gazeta da Ocupação Amarildo

53
SOMOS TODOS AMARILDO

aluguel denunciam a supervalorizam dos imóveis, salários baixos e po-


lítica de desemprego em meio à luta pela reforma agrária. A figura polí-
tica do camponês estaria reivindicando terras em meios a áreas urbanas
como um gesto político para resolver questões sociais, agora diferente
dos anos 50 e 60, não apenas voltadas para o campo.
Holz e Monteiro (2008) explicam que esse problema pela falta de
moradia começou no início do século XX, com a rápida industrializa-
ção, os grandes centros atraíram grande parte da população rural para o
campo, porém nesse período não havia políticas públicas habitacionais
que impedisse à formação de áreas urbanas ilegais e irregulares devidas
a falta de moradia.

O mercado imobiliário capitalista, os baixos salários e a desi-


gualdade social presente desde o início da formação da socieda-
de brasileira, impossibilitaram o acesso à moradia para grande
parte da população, que principalmente nas últimas décadas,
vêm sendo produto e produtor dos processos de periferização,
segregação, degradação ambiental, má qualidade de vida e vio-
lência nas cidades. (HOLZ; MONTEIRO, 2008, p.3)

As autoras explicam que o boom das áreas ilegais aconteceu na


década de 1970 e 1980, quando houve a explosão dos aglomerados sub-
normais2, que coincidiu com a extinção do Banco Nacional de Habitação
(BNH)3, em 1986.

Esse contínuo inchaço do espaço urbano pela população rural e


migratória na procura de melhor qualidade de vida e emprego
levou o país a ter dados de urbanização superior aos índices
mundiais, superando os 80%, e problemas de ordem social e
econômica entre os mais graves, sendo na época o terceiro pior
país do mundo em distribuição de renda. (HOLZ; MONTEIRO,
2008, p.5)

2 Conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas...) carentes,


em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período re-
cente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de
forma desordenada e densa. (IBGE, 2011)
3 Empresa pública brasileira, apesar de ter o nome de Banco, voltada para o financiamento e a
produção de empreendimentos imobiliários.

54
SOMOS TODOS AMARILDO

Diversas políticas públicas foram adotadas, durante os dois gover-


nos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), com objetivo
de reduzir a pobreza no Brasil. Relacionado às questões de moradia o
Minha Casa Minha Vida (lançado em 2009), que facilita aos brasileiros
que ganham até sete salários mínimos a compra da imóvel próprio com
descontos, subsídios e redução do valor de seguros habitacionais.
Segundos o censo de 2010 do Instituo Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) quase 32 milhões de brasileiros ainda vivem de alu-
guel, sendo 30 milhões estão na área urbana e cerca de 760 mil estão na
área rural.
Ainda que,segundo a Folha de São Paulo a casa própria represen-
te 75% dos lares, as políticas públicas de moradia não são o suficiente.
Os ocupantes vem por meio do acampamento a re-significar o sentido
de reforma agrária. Em meio urbano os ocupantes reivindicam políticas
sociais de moradia, possibilitando outros sentidos.
Esse processo pode ser analisado como uma ruptura na memória.
O ato de ocupar aquele terreno na Vargem Pequeno torna-se um gesto
político, porque a ocupação da terra não é mais apenas para viver da
terra, mas sim para denunciar problemas sociais. A ocupação deixa de
ser para plantio e torna-se um gesto político, ou seja, há uma ruptu-
ra na memória e isto pode ser pensado como sendo um acontecimento
discursivo. Pensar o discurso como acontecimento supõe compreender
“como este pode interromper um processo, romper uma repetição, uma
retomada. Deste ponto de vista, o acontecimento é fundamentalmente
uma interrupção e uma emergência, ou seja, é aquilo que irrompe, pela
e na fala, no espaço da repetição discursiva.” (CAZARIN, 2005, p.271).

A fala aparece, então, como a instância do Outro no discurso,


no interior do campo mesmo da linguagem, como o que fura
a ordem do discurso, estabelecendo uma ruptura com a “esta-
bilidade” anterior; ao mesmo tempo, inaugura uma nova “es-
tabilidade” discursiva, mas não logicamente organizada, pois
a mesma tem a ver com a ordem do discurso que joga com a
materialidade lingüística e histórica. (CAZARIN, 2005, p.271)

55
SOMOS TODOS AMARILDO

O gesto político da Ocupação Amarildo também poder ser enten-


dimento pela presença dos índios no acampamento.

O juiz agrário estadual, Jeferson Zanini, também suspendeu a


liminar que permitia retirada dos ocupantes e reafirmou que
será quem julgará o caso. Rejeitou o pedido do Ministério
Público Federal para que o caso fosse para a Justiça Federal, por
conta da presença dos índios no acampamento.4 (DIÁRIO
CATARINESE, 23 de janeiro de 2014, p.41).
São 180 famílias na área. Há até guarita na entrada, Um gru-
po pequeno de índios caingangues5 também está presente.
Contam com água e energia elétrico no local. Dizem que a terra
é improdutiva e a revendiam como moradia. O grupo intitu-
lou o ato de Ocupação Amarildo, em alusão ao pedreiro do Rio
de Janeiro que sumiu após ser detido por policiais militares.
(MARTINI, 2014, p.4).

A presença dos índios na ocupação precisa ser entendida primei-


ramente pela memória discursiva que temos do índio no Brasil e sua
reivindicação de terras. “(...) a questão da luta pela demarcação de terras
indígenas é um dos maiores problemas do Brasil, devido a que este país
foi um dos poucos da América Latina que não passou por um processo de
reforma agraria”. (CANTERO, 2014, p.7-8). Somente no final da década
dos anos 70, que a autonomia indígena passou a ser discutida no Brasil
tomando “grandes proporções no âmbito da sociedade civil, especial-
mente porque a situação ocasionada pelos intensos conflitos pela pos-
sessão das terras.” (CANTERO, 2014, p.8).
O índio faz parte de grupo minoritário da sociedade, assim como
os trabalhadores rurais, negros e homossexuais. Os direitos constitucio-
nais dos índios estão expressos na Constituição Brasileira (título VIII,
“Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”)6 que assegura também o
direito a terra. A presença do grupo de caingangues na ocupação repre-
senta a pluralidade das classes minoritárias reivindicando terras. Quer
dizer, além dos trabalhadores rurais há também participação dos índios

4 Grifo nosso
5 Grifo nosso
6 Constituição Brasileira. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
Constituicao.htm. Acessado dia: 07 de out de 2014.

56
SOMOS TODOS AMARILDO

que assegura o movimento pelos direitos constados na constituição


brasileira.
Os índios dentro da ocupação fizeram com que o caso fosse levado
a nível federal, pois “o pedido do Ministério Público Federal se sustenta
pelo fato de que é ele quem tem o direito constitucional de proteção, de
tutela dos povos indígenas” 7. (ROCHA, 2014).
A ocupação, com a presença dos índios, poderia ter sido julgada a
nível federal, porém “o juiz agrário estadual, no entanto, (não justifica)
mas se apoia no fato do terreno ser de área rural e ligado a sua autorida-
de judiciária.” (ROCHA, 2014). A negativa fundamentou, pois, tratava-se
de caso isolado de apenas uma família indígena que estava na ocupação.
A presença dos caingangues pode ser entendida como gesto po-
lítico a maneira que a ocupação ganharia olhos nacionais, como o
Ministério Público Federal para julgar o caso, pela presença dos índios
no movimento, que asseguraria pelo poder constitucional a proteção dos
povos indígenas.

5.1 – A FIGURA DO PORTA-VOZ

Pronto para a batalha


Funcionário público aposentado, ex-integrante do PT e sindi-
calista da CUT e atual militante no PCB, Rui Fernando, é o lí-
der da Ocupação Amarildo. Usa boné com a bandeira de Cuba
e a estrela do Che Guevara, veste uma jaqueta estilo militar,
tem 1,67 m de altura, 68 quilos e cultiva um cavanhaque bem
amparado imitando Fidel Castro. Além de líder da invasão ur-
bana, é criador da até agora conhecida Brigada Marighella. Rui
Fernando está pronto para a batalha, que pode acontecer hoje
(...) ( MENEZES,15 de abril de 2014,p.42)

A nota divulgada pelo colunista Cacau Menezes8 permite que


uma imagem seja criada a partir das descrições feitas de Rui Fernando.
Durante os quatros meses de Ocupação Rui Fernando era quem falava
pelo movimento, ele é a figura reconhecida, dentro da Ocupação e fora,
7 ROCHA. JACI. Entrevista realizada para a aluna Bianca Queda da Unisul. Florianópolis, 20 de
outubro de 2014.
8

57
SOMOS TODOS AMARILDO

pelos seus dizer. Nas concepções de Conein (1981, apud da Costa, 2009)
podemos entender essa figura como sendo o porta-voz.

(...) a figura do porta-voz definida como um funcionamento


enunciativo de medição da linguagem, como forma nova de
enunciar a palavra política, através da qual um sujeito per-
tencente a um grupo, e reconhecido pelos outros integrantes
como igual, destaca-se do resto como centro visível de um nós
em formação, que o coloca em posição de negociador potencial
com o poder constituído (da COSTA, 2009, p.6)

Portanto, ao assumir a posição de líder da Ocupação Amarildo,


portanto, se configura como porta-voz. Segundo Pêcheux (1982):

ao mesmo tempo ator visível e testemunha ocular do aconte-


cimento: o efeito que ele exerce falando “em nome de...” é an-
tes de tudo um efeito visual, que determina esta conversão do
olhar pela qual o invisível do acontecimento se deixa enfim ser
visto: o porta-voz se expõe ao olhar do poder que ele afronta,
falando em nome daqueles que ele representa, e sob seu olhar.
(DA COSTA, 2009, p.5)

No caso da Ocupação Amarildo há uma voz, que corresponde ao


imaginário, essa voz é afetada discursivamente pela sua imagem. A
memória discursiva de um porta-voz que “usa um boné com a bandei-
ra de Cuba e a estrela do Che Guevara, veste uma jaqueta estilo mili-
tar (...) e cultiva um cavanhaque bem amparado imitando Fidel Castro”
(MENEZES, 2014, p.42) aciona uma memória discursiva do comunismo
que permite a inscrição de outros sentidos, tanto pelas suas característi-
cas, quanto pelo seu discurso. Courtine (2006, p.88) explica que discur-
so político “é um “lugar de memória”. E o discurso comunista pode ser
ainda mais do que qualquer outro.”, porque além da memória do partido
“o discurso se pretende ainda depositário daquela de toda classe ope-
rária, ele é seu patrimônio verbal a “herança das lutas” conduzida em
seu nome, a recolha de um saber dos combates travados da experiên-
cia adquirida” (COURTINE, 2006, p.89). A questão história e política que
originou o comunismo em função das reflexões de Karl Marx e Friedrich
Engels revestem a memória comunista, tanta para a identidade coletiva
como para a individual o comunismo “reuniu um grupo social em torno

58
SOMOS TODOS AMARILDO

de valores comuns, constitui força política e influência culturais consi-


deráveis que ultrapassou seu lugar de origem, consolidou identificações
e promoveu sentimento de pertencimento.” (COURTINE, 2006, p.89).
A memória do porta-voz então seria “uma condição de existên-
cia do partido, ele precisa se inscrever numa genealogia, relembrar
uma filiação que lhe confirma legitimidade.” (COURTINE, 2006, p.88), a
bandeira de Cuba, a estrela do Che Guevara, a jaqueta estilo militar e o
cavanhaque a la Fidel, assegurariam sua legitimidade pela luta quando
a memória funcionando de Cuba, único país nas Américas de doutrina
comunista que como analisamos no capítulo anterior a Reforma Agrária
teria nascido do comunismo. Assim “na política a memória é um po-
der, ela funda uma possibilidade de se exprimir, ela abre um direito à
fala, ela possui até mesmo um valor performativo de proposição eficaz”
(COURTINE, 2006, p.88), pela memória discursiva a figura do porta-voz
reafirmaria o discurso político, “(...) o discurso do homem político não
poderia mais separar de sua imagem.” O modelo do porta-voz político
mudou profundamente os modos de subjetivação “(...) a mensagem po-
lítica não é mais unicamente linguística, mas uma colagem de imagens
e uma performatividade do discurso, que deixou de ser prioritariamente
verbal.”. (COURTINE, 2006, p.84)
Logo, o primeiro funcionamento da figura do porta-voz se susten-
ta visualmente, pois o uso do boné com a bandeira de Cuba e a estrela do
Che Guevara, a jaqueta estilo militar e o cavanhaque bem amparado imi-
tando Fidel Castro constituem a identificação ao grupo, esses elementos
os representam acionando a memória da luta das classes, toda identida-
de visual aciona uma memória que evidencia a dominação ideológica,
que seria legitimada pelo porta-voz existe aí “a interpelação do sujeito
falante pelo sujeito ideológico” (COURTINE, 2006, p.82) e esse sujeito”
assume imperativamente um lugar, preenche uma posição com auto-
ridade para representar ao se dizer integrante” (DA COSTA,2009,p.6).
Pode-se reconhecer o porta-voz da Ocupação através desses acessórios,
e essa figura só se torna possível, pois existe um grupo social ligado a
essa ideologia.

59
SOMOS TODOS AMARILDO

5.1.1 – A fala do porta-voz

SD 4
Vamos resistir até o último momento. A resistência existe de
várias formas. Não vamos para o enfretamento com a polícia,
não vamos submeter ou expor as famílias à possibilidade de
violência policial. A forma de resistência que a gente se re-
fere é política e jurídica. Ingressemos como uma ação anula-
tória contra o processo. (FERNANDO, 11 de abril de 2014, p.4)
SD 5
A gente confia no juiz Rafael Sandi. Precisamos de uma instân-
cia como a Justiça Agrária para mediar os conflitos que agora
não mais só no campo. Também na cidade tem a mesma natu-
reza, ou seja, a disputa de terras. Por este motivo cumpriremos
o acordo, não só pela coerência que mantemos na relação
com juiz, mas principalmente por entender que Justiça Agrária
é uma instância do Judiciário catarinense que deve ser manti-
da, como mediadora desse tipo de conflito. ( FERNANDO,11 de
abril de 2014,p.4)
SD 6
Todos os domingos a gente faz assembleia, justamente para
o planejamento das ações da semana seguinte e avaliação da
semana que passou. Esse domingo será do mesmo modo, mas
garanto que não será a última assembleia dos amarildos. (
FERNANDO, 11 de abril de 2014,p.4)

Vamos resistir, Precisamos, comprimiremos, não vamos submeter. As


textualidades marcadas pela primeira pessoa plural identificam que o
porta-voz fala em nome de todos da ocupação, a primeira pessoa do sin-
gular é substituída por elementos que marcam que todos estão falando.
Segundo da Costa (2009) o porta-voz não precisa ter voz, mas sim ser a
voz do movimento e essa voz estaria então inserida em uma “FD de jus-
tiça como se exclamasse que todos têm direito” ( DA COSTA,2009,p.7) A
questão da resistência de uma ação anulatória contra o processo corres-
ponde ao discurso do Direito. Assim essas textualidades funcionariam
na FD de defesa, ao abrir o processo pode-se entender como o discurso
jurídico, e a FD de justiça ao criar resistência para assegurar a luta. O
porta-voz estaria então representando os oprimidos portando-se em de-
fesa da ocupação.

60
SOMOS TODOS AMARILDO

O discurso também é atravessado pelo juridismo “(...) Por este


motivo cumpriremos o acordo, não só pela coerência que mantemos na
relação com juiz, mas principalmente por entender que Justiça Agrária
é uma instância do Judiciário catarinense”. (FERNANDO, 15 de abril de
2014, p.4) Eles estariam então obedecendo à lei. Os sem-terra seriam os
foras da lei, nesse enunciado o não-dito marca que “nós estamos na lei.”
Na quinta sequência discursiva o discurso então é transferido para o ju-
diciário como eles estavam dentro da lei e assegurado por ela eles teriam
o direito de ocupar as terras.
No enunciado “(...) vamos para o enfretamento com a polícia, não
vamos submeter ou expor as famílias à possibilidade de violência po-
licial” (FERNANDO, 15 de abril de 2014, p.4) aciona a memória da tur-
bulência policial. A polícia como sendo agressor, a resistência do movi-
mento como sendo pacífico, ressaltando que a agressão então veria da
força policial.
Nos dois enunciados o jogo estaria sendo invertido “a forma de
resistência que a gente se refere é política e jurídica. Ingressemos como
uma ação anulatória contra o processo.” (FERNANDO, 15 de abril de
2014, p.4) o que não está dito no enunciado seria nós estamos ganhando,
nós estamos na lei”. Os ocupantes então queriam um pedaço de terra,
teriam ocupado o terreno na vargem pequena para chamar a atenção, e
conseguir legalmente terras, como um gesto político.

61
SOMOS TODOS AMARILDO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como sujeito pesquisador sabemos que o sentido sempre pode ser


outros, assim Flores (2011, p. 25) enunciando que “o ficho sempre pode
ser outro”, assim essas considerações finais seriam apenas provisórias,
pois seria impossível fechar o sentido dessas análises.
Neste trabalho analisamos como a produção de sentidos sobre a
Ocupação Amarildo de Souza foi construída pelas notícias veiculadas ao
jornal Diário Catarinense e Gazeta da Ocupação Amarildo. Esses dois
veículos de comunicação marcados ideologicamente pelas condições de
produção tão diferentes com finalidades opostas de informar.
O Diário Catarinense mostrou-se marcado pelo posicionamento
do Grupo RBS, como as notícias produzidas sobre a Ocupação Amarildo
servem a favor de interesses de apenas um “dono do jornal”. O DC en-
tão seria apenas um dos meios que está por trás da maior rede regional
de TV do País, ao comando apenas de interesses políticos e econômi-
cos. O jornal do grupo RBS determina a importância das informações
e o aprofundamento de conhecimentos de modo objetivo, ou seja, as
atividades humanas são noticiadas pelo seu interesse econômico. Sem
sair do discurso sobre, as notícias empurram a opinião jornal e dos seus
patrocinadores.
A Gazeta da Ocupação Amarildo traz as notícias para retratar o co-
tidiano dentro do acampamento, de uma maneira nada factual. O jornal
funciona nos moldes do jornalismo alternativo desvinculada de tendên-
cias, ideias de grupos dominantes. Como um grupo minoritário a Gazeta
traz nas notícias a memória da luta pela terra e sobre a ótica de como
eles estão vivendo dentro do Acampamento.

62
SOMOS TODOS AMARILDO

Os sentidos da Reforma Agrária foram trazidos pela contextuali-


zação da luta pela terra no Brasil. A ressignificação do sentido de refor-
ma deu-se então pela ruptura na memória. Percebemos este processo de
como em meio urbano os ocupantes reivindicam através da questão da
terra políticas sociais de moradia. Ou seja, a ocupação torna-se um gesto
político.
Neste sentido, foi importante a compreensão, de como todo o pro-
cesso da reformaria agrária deu-se no Brasil, pelo MST e a ligação com o
PCB. Também foi importante compreender o processo de significação do
político dentro dos enunciados que nos permitiram acompanhar esses
sentidos que configuraram no gesto político.

63
SOMOS TODOS AMARILDO

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71
SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXOS

ANEXO A – Grupo invade área no norte da ilha

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SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXO B – Tensão

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SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXO C – Famílias querem reforma agrária no norte


da Ilha

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ANEXO D – Amarildo é chique

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ANEXO E – Coração de mãe

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ANEXO F – Gazeta do Amarildo

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ANEXO G – Pronto para a batalha

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ANEXO H – Juiz marca audiência sobre invasão

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ANEXO I – Quatro dias para a desocupação

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SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXO J – Sem terra deram mais um passo na educação

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SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXO K – As terras são públicas!

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SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXO L – “Quem sabe faz a hora!” O resultado da


audiência

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SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXO M – Entrevista professor Jaci Rocha

Em Seg 20/10/14 12:54, Bianca Queda biancaqueda@gmail.com escreveu:

Bom dia, Jaci

Estou com uma dúvida em um ponto da minha monografia e ninguém está con-
seguindo me responder essa questão, pensei que o professor poderia saber.

Não sei se você acompanhou o caso da Ocupação Amarildo lá no norte da ilha,


no início deste ano. Então eu estava lendo uma matéria no Diário Catarinense
que dizia:

O juiz agrário estadual, Jeferson Zanini, suspendeu a liminar


que permitia retirada dos ocupantes e reafirmou que será ele
quem julgará o caso. Rejeitou o pedido do Ministério Público
Federal para que o caso fosse para a Justiça Federal, por con-
ta da presença dos índios no acampamento.[1] (DIÁRIO
CATARINESE, 23 de janeiro de 2014, p.41).

Minha dúvida é essa: Por que a presença dos índios no acampamento fez com
que o caso fosse julgado a nível estadual e não federal?
Estou batendo a cabeça nessa pergunta e não consigo entender.
A matéria está em anexo..

Em Ter 21/10/14 01:00, Jaci Rocha jacirg@terra.com.br escreveu:

Oi, querida, boa noite!


O pedido do Ministério Público Federal se sustenta pelo fato de que é ele quem
tem o direito constitucional de proteção, de tutela, etc dos povos indígenas. O
juiz agrário estadual, no entanto, (não justifica) mas se apóia no fato do ter-
reno ser de área rural e ligado a sua autoridade judiciária. Pelo que se percebe

84
SOMOS TODOS AMARILDO

(precisaria confirmar na lista) mas a negativa parece ter fundamento já que tra-
ta-se de caso minoritário ou isolado de alguma família indígena.

Informo ainda que acompanhei o momento da saída dos ST da Ocupação quan-


do transferidos para o Maciambu bem como quando cederam o espaço agora
já garantido definitivamente aos guarani. Caso precises da análise ou esclare-
cimento da autoridade indígena posso mediar. Sugiro ainda um contato com o
próprio Ministério Público Federal. Eles são bem acessíveis.

A seu dispor, grande abraço de Jacizão.

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SOMOS TODOS AMARILDO

ANEXO N – Entrevista Rui Fernando Neto

23 de setembro de 2014

Bianca Queda: Quando você fez jornalismo?


Rui Fernando Neto: A mídia sempre tem lado. Isso vocês já sabem antes de en-
trar na faculdade. Eu cursei jornalismo em 2004. E minha monografia foi uma
análise crítica das notícias do Estado de São Paulo retratou a Reforma Agrária.
Eu escolhi a profissão jornalismo para poder defender o lado da classe trabalha-
dora, fora da mídia hegemônica, da burguesia. E não é o primeiro terreno que a
gente ocupa, a gente fez uma em Timbó Grande, junto com o MST.

Bianca Queda: Quando foi para montar a gazeta?


Rui Fernando Neto: Montar um veículo de comunicação é muito difícil dá muito
trabalho. Contraditoriamente o jornal rodou na gráfica do diário porque era a
mais barata. Nos rodamos em uma madruga que não iria ter nenhum editor lá.
Rodamos 5 mil na primeira gazeta e 10 mil na segunda e estamos preparando a
terceira. A gente se superou, porque foi um movimento que começou pequeno
e nossa luta inicial é a reforma agrária popular. O capitalismo está acabando. Se
não trocarmos o agronegócio pela agropreservação, o planeta não vai continuar
sobrevivendo. Toda essa questão está implícita na luta pela reforma agrária po-
pular, que passa pela moradia e educação. A gente fez o primeiro jornal e foi
direto contraria a RBS botar no nosso na rua, o primeiro e botamos o segundo.
E mesmo assim sendo caluniados e difamados.

Bianca Queda: Como foi a ideia e onde foi a distribuição da gazeta?


Rui Fernando Neto: Distribuímos no terminal, na marcha da beira-mar em 7
de feveiro, distribuímos na entrada do Maciço em toda entrada de barbearia,
padaria e não tem assim uma ideia que gera o jornal. Eu já era jornalista. O povo
continua na ignorância sobre a ocupação por causa da mídia hegemônica.

86
SOMOS TODOS AMARILDO

Bianca Queda: Vocês estavam em quantos para fazer o jornal?


Rui Fernando Neto: Eu editei e diagramei, redigi os textos. Na segunda edição
tivemos a contribuição de duas militantes jornalistas. O Pepe trabalhou comigo
na edição de imagens fizemos basicamente juntos, mas a questão textual ficou
no meu critério. Os textos que não assinados, não são editoriais a gente fez pela
coordenação da ocupação. Basicamente foi só.

Bianca Queda: Quantas pessoas estão nesta coordenação?


Rui Fernando Neto: A coordenação é formada por assim oh 10 família em uma
ocupação formam um núcleo. E cada núcleo tem um coordenador homem e uma
coordenadora mulher e aí quanto mais núcleos mais coordenadores vai ter. Isso
de coordenação geral. Tem para cada setor da vida. Já que o estado só nos nega
direito, a gente organizada da seguinte forma: setor de educação, infraestrutu-
ra, saúde higiene, alimentação, como se fossem ministérios internos.

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SOMOS TODOS AMARILDO

Sobre as autoras

Bianca Queda Costa


Doutoranda em Ciências da Linguagem, na linha Texto e Discurso, no
Programa de Pós-Graduação da Unisul, com bolsa CAPES. Mestra em Ciências
da Linguagem pelo Programa em Pós-Graduação em Ciência da Linguagem
PPGCL, da Unisul, com pesquisa sobre materialidades digitais e discursivida-
des online, sob a ótica da Análise do Discurso Pêcheuxtiana, bolsista CAPES.
Graduada em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade do Sul de
Santa Catarina, com pesquisa sobre as ocupações sem-terra. Licenciatura em
Letras Espanhol pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Participa
do grupo de estudos Divulgação e Produção do Conhecimento, em que pesquisa
sobre arquivos digitais, autoria e banco de dados. Possui experiência com do-
cência em Língua Portuguesa e Espanhola e como revisora de livros didáticos
de disciplinas à distância.

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SOMOS TODOS AMARILDO

Giovanna Gertrudes Benedetto Flores


Doutorado em Linguística (Análise de Discurso) pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp – 2011); Pós-doutorado (Estudos do Jornalismo/História
da Imprensa) na Universidade Fernando Pessoa – Porto, Portugal, 2019, sob a
supervisão do Prof. Dr. Jorge Pedro Sousa; Mestrado em Ciências da Linguagem
pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul – 2005); Graduação em
Jornalismo e Publicidade e Propaganda (Unisinos 984-1985). A partir de 2000,
é professora do curso de Graduação em Jornalismo da Universidade do Sul
de Santa Catarina. Desde 2011 é docente do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Linguagem (PPGCL – Unisul) , na linha de Texto e Discurso. É líder
do Grupo de Pesquisa Discurso, Cultura e Mídia (Unisul) e membro do Grupo de
Pesquisa Produção e Divulgação de Conhecimento Científico (Unisul).

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