Você está na página 1de 1

Estas são as únicas idéias verdadeiras: as idéias dos náufragos.

“Observai os que vos rodeiam e vereis como avançam


perdidos em sua vida; vão como sonâmbulos, dentro de sua boa ou
má sorte, sem ter a mais leve suspeita do que lhes acontece. Ouvi-
los-eis falar em fórmulas taxativas sobre si mesmos e sobre seu
contorno, o que indicaria que possuem idéias sobre tudo isso. Porém,
se analisais superficialmente essas idéias, notareis que não refletem
muito nem pouco a realidade a que parecem referir-se, e se
aprofundais na análise, achareis que nem sequer pretendem ajustar-
se a tal realidade. Pelo contrário: o indivíduo trata com elas de
interceptar sua própria visão do real, de sua vida mesma. Porque a
vida é inteiramente um caos onde a criatura está perdida. O homem o
suspeita, mas aterra-o encontrar-se cara a cara com essa terrível
realidade, e procura ocultá-la com um véu fantasmagórico onde tudo
está muito claro. Não lhe interessa que suas “idéias” não sejam
verdadeiras; emprega-as como trincheiras para defender-se de sua
vida, como espantalhos para afugentar a realidade.

Homem de mente lúcida é aquele que se liberta dessas “idéias”


fantasmagóricas e olha de frente a vida, e se convence de que tudo
nela é problemático, e se sente perdido. Como isso é a pura verdade
– a saber, que viver é sentir-se perdido –, quem o aceita já começou
a encontrar-se, já começou a descobrir sua autêntica realidade, já
está no firme. Instintivamente, como o náufrago, buscará algo para
se agarrar, e esse olhar trágico, peremptório, absolutamente veraz
porque se trata de salvar-se, lhe facultará pôr ordem no caos de sua
vida. Estas são as únicas idéias verdadeiras: as idéias dos náufragos.
O resto é retórica, postura, íntima farsa. Quem não se sente de
verdade perdido, perde-se inexoravelmente; é dizer, não se encontra
jamais, não topa nunca com a própria realidade."

Ortega y Gasset (A rebelião das massas)

Você também pode gostar