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Mas apesar de ser um campo não unificado, a denominação genérica dada a esse
campo continua sendo a que foi criada nos anos 1940-50 nos Estados Unidos para
designar uma disciplina específica destinada à aplicação, ou verificação, de teorias
linguísticas em contextos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Desde então,
a disciplina Linguística Aplicada ao ensino de língua estrangeira e, posteriormente, ao
ensino de línguas, com a inclusão da língua materna, tem dado nome a esse campo no
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Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP.
signor@iel.unicamp.br
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círculo mais restrito dos estudos linguísticos (no sentido de estudos inscritos no campo
da ciência Linguística).
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E, tanto no caso dos estudos do português como lingua nacional quanto como
língua transnacional, com a globalização tecnocientífica e a virtualização dos espaços-
tempos e também dos interactantes descorporificados da comunicação digitalizada, o
que se tem verificado é que os fluxos interacionais não são desvinculáveis do caráter
dinâmico, móvel e descontínuo dos modos de acesso e de contextualização,
descontextualização e recontextualização dos recursos linguisticos e semióticos, da
redefinição do aqui / agora em escalas mais heterogêneas e complexas que as
contempladas por modelos linguísticos de produção/compreensão ancorados na matriz
monolígue e grafocêntrica.
If you do not invent a new pair of shoes, you remain kicking around in the
old ones, the same ill-fitting system, begging for recognition and celebrating
"multiculturalism" while never reaching the crucial moment of
"multiculturalidad" (which is inter-epistemology … ). (Mignolo, 2005: 138)
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(Blommaert, 2010; Blommaert e Rampton, 2011), por exemplo. Mas tem também
explorado transversalmente discussões em curso fora do quadro disciplinar da
Linguística, sobretudo em subáreas e disciplinas híbridas, que exploram elementos
novos através de práticas inter/transdisciplinares de produção de conhecimento, como é
o caso dos estudos socioantropológicos sobre práticas socioculturais letradas e não
letradas (Lave, 1988; Street, 1995; Wenger, 1998; Gee, 2004; Lave e Chaiklin, 2006);
dos estudos sobre contexto e contextualização em Antropologia Linguística desde os
anos 1990 (Duranti, 1997; Hanks, 2000; Jacquemet, 2005; Bauman, 2011), e, mais
recentemente, dos estudos pós-feministas sobre linguagem e produção de subjetividades
(Butler, 2004), dos estudos pós-humanistas sobre semiosis e “modos de existência”
(Latour, 2012) e dos estudos em Etnografia e realidade virtual (Hine, 2008, Pink,
2012), por exemplo.
A primeira delas é que não se tem mais um objeto propriamente linguístico, isto
é, genérico, abstrato e sistêmico como o das construções produzidas pelo núcleo
disciplinar da Linguística (em suas diferentes vertentes). Da mesma forma que não se
tem mais uma disciplina delimitada em termos convencionais e complementar a esse
núcleo, como ocorre no caso da disciplina Linguística Aplicada ao ensino de línguas
que integra o quadro disciplinar convencional dos estudos linguísticos.
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São importantes a esse respeito volumes de autoria coletiva, como os citados acima e os números
temáticos de revistas que, mais recentemente, trataram de temas relacionados, como por exemplo o no. 31
da revista D.E.L.T.A., de agosto de 2015 (Epistemologias da pesquisa no campo aplicado dos estudos da
língua(gem)) e o no. 40 da Revista da Anpoll, de junho de 2016 (Selected Papers on Language and
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Nesse sentido, o que se tem verificado nesse campo de estudos no Brasil e que
tentei descrever em linhas gerais até aqui é o que apontava no início dos anos 2000 a
filósofa portuguesa Olga Pombo, em seu estudo sobre inter/transdisciplinaridade e os
processos de reorganização dos quadros disciplinares na ciência de modo geral. Ela
dizia o seguinte:
Dito isso, volto à questão colocada para a mesa: o que se tem compreendido por
pesquisa de ponta no campo aplicado assim compreendido? Eu apontaria dois
movimentos interrelacionados como propulsores das discussões de natureza
Society: Mobility, Multilingalism and Globalization). Tais publicações coletivas são relevantes porque
atestam a participação de diferentes gerações de pesquisadores filiados ao campo e que dão continuidade
às discussões aqui tematizadas.
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propriamente epistêmica no campo aplicado, as quais, como disse no início, têm
produzido reconfigurações significativas quanto aos modos de apreensão da
língua(gem) nas práticas sociais.
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É
preciso
lembrar
que
historicamente
a
Linguística
Aplicada
não
tem
a
mesma
vinculação
com
o
projeto
de
um
Estado
Nacional
monolíngue
e
homongeneizado
por
uma
variedade
padrão
como
a
que
se
pode
verificar
no
caso
da
Linguística
(Signorini,
2002;
2006a;
2006b).
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quisermos entender tanto a realidade corrente como as realidades futuras.
(Calhoun, C. 2014)
E considerando as dificuldades crescentes com as políticas públicas de fomento
e controle das atividades de pesquisa e ensino enfrentadas hoje no Brasil, acredito que
esse apelo poderia ser mobilizador para toda a comunidade das Ciências Humanas, não
apenas para nós do campo aplicado dos estudos da língua(gem). Parafraseando Calhoun,
quais seriam os futuros possíveis que nos fariam sair da minorização crescente e do
engessamento burocrático em que nos afundamos?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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context. New York: Cambridge University Press, 2006.
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