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ec creeme ce le ee eel) a feo PRODUTOR E 14 VEZES VENCEDOR DO PREMIO GRAMMY BAST TD ORE S De Mw Ul SMIPCoA COM CHARLES L. GRANATA a4 cue eeriNan >> FAIXA1 O produtor Nao sou uma pessoa estourada. J4vi produtores berrarem, azucrinarem, serem agressivos e terem ataques histéricos para conseguir bons resultados, mas nao é assim que funciono. Recentemente, uma artista com quem eu estava trabalhando pela primeira vez me fez rir quando disse que ficou surpresa com o ambien- te calmo da nossa sessio inicial. “Eu estava esperando que voce fosse gesticular muito, correr de um lado para o outro, zangar-se”, disse ela. “No entanto, voce conduz o proceso com muita tranqiiilidade.” Enquanto ela falava, fiquei imaginando o que a teria levado a ter essa imagem de um produtor musical. “O que importa nao ¢ ter ataques histéricos”, expliquei. “O importante é que vocé ¢ cu nos comunique- mos, € que cu transmita, com toda a calma, informagées € orientagdes As pessoas com as quais estamos trabalhando.” Ao ditigir para casa, eu me dei conta de que se uma artista expe- riente nao tinha muita nogao do papel do produtor, o ptiblico em geral provavelmente também nao tinha. E penseis “Por que ser que tio pou- cas pessoas entendem quem é ¢ o que faz um produtor de discos?” Para explicar melhor como um produtor influencia o que ouvimos, vou responder a algumas das perguntas. Com freqiiéncia as pessoas me perguntam sobre produtores de discos e seu papel no processo de gravacio. No mundo da misica, 0 produtor de discos equivale a um dire- tor de cinema. Mas, ao contrario do diretor de cinema (que é visivel e tende a ser também uma celebridade), 0 produtor de discos trabalha no anonimato. Exercemos nosso oficio pela madrugada adentro, por tras de portas fechadas. E, com poucas excegées, 0 fruto de nosso trabalho raramente é langado com o alarde de uma estréia em Hollywood. 16 Gravando! Os bastidores da musica - Phil Ramone Do mesmo modo que um diretor de cinema bem-sucedido ajuda um ator a se inspirar ¢ a fazer uma interpreta primorosa, 0 produtor funciona como um filtro objetivo e ajuda o artista a dar vida a seus discos. Como produtor, minhas metas principais so criar um ambiente estimulante, ajudar o artista a desenvolver suas idéias e garantir que a interpretagao do cantor seja gravada e mixada da maneira devida. A produgio de um disco compreende trés partes basicas, ¢ 0 produtor tem envolvimento direto com cada uma delas: 1. Gravagéo - a “sessio” em que a mtisica é tocada e gravada. 2. Mixagem ~ quando todas as secées individuais gravadas du- rante a sesso (ou sessées) sto mixadas. 3. Masterizagéo ~ quando o som final ¢ aprimorado e polido. Produzir um disco, porém, envolve muito mais do que apenas a gravacdo, a mixagem ea masterizago. Hé4 dezenas de coisas a serem feitas nos bastidores, antes que qualquer nota seja tocada ou cantada. O artista tem que escrever ou selecionar as cangées, e as orquestragées tém que ser escritas. Tem-se que programar 0 tempo de gravagio no estiidio, selecionar o engenheiro de som e fazer 0 orgamento. O produtor cuida de todas essas questGes. Mas as suas responsabilidades nao param af. O que acontece quando um artista, na tiltima hora, pede que se arranje uma banda? Ou quando, no meio de uma sessao de gravacao, hé uma falha no sistema elétrico ¢ 0 esttidio fica as escuras? Ou quando o artista tem um bloqueio criativo que afeta 0 prazo de um disco sobre o qual a gravadora vem te azucrinando? Alguém tem que pensar rdpido e fazer com que as coisas andem, e essas sao tarefas que cabem ao produtor. Como 0 produtor estd envolvi- do em quase todos os aspectos da produgao, ele tem que desempenhar, ao mesmo tempo, as fungées de amigo, chefe da torcida, psicdlogo, O produtor 7 chefe do servigo, bobo da corte, quebra-galho, secretdrio, guarda de sransito, juiz e jurado. Ao longo dos anos, o papel do produtor e sua relacdo com os artistas mudou dramaticamente. Hé quarenta anos atrés, eram poucos os cantores € mtisicos que se envolviam intimamente com a criacdo de seus discos (como Frank Sinatra e Brian Wilson). A maioria dos artistas iam a uma sessdo de gravacdo € cantavam o que o produtor de suas gravadoras colocava na frente deles. Os executivos do departamento artistico das gravadoras se incumbiam de todas as facetas do trabalho de um artista, desde o seu aspecto visual até 0 som que ele produzia. Hoje, os artistas s4o extremamente independentes ~ ¢ se envol- wem mais do que nunca na producio de suas miisicas, Muitos tém formacio musical e, além de escreverem e orquestrarem suas préprias cancOes, tomam parte ativamente no processo de gravacao. Na maioria dos casos, os cantores ¢ muisicos tém um pequeno esttidio em casa, computadorizado ou néo, que usam para ensaiarem, fazerem demos (gra- wacdes de demonstracao) e, por vezes, produzirem seus préprios discos, Assim sendo, por que razao até mesmo os melhores artistas contra- sm um produtor, quando podem fazer tudo sozinhos? Pela experiéncia = objetividade que um produtor de discos traz ao projeto. Pode ser assustador para um artista - especialmente para um can- sor-compositor ~ editar seu préprio trabalho, e é nisso que os servigos de um produtor podem ser de grande utilidade. Como explicou Elton John recentemente: Um produtor sabe quando uma cangao deve ser alterada ou quando um vocal nao est4 bom, porque ele tem um distanciamento que falta ao artista. O conhecimento ¢ a experiéncia que um produtor leva paraa sala técnica, quando um miisico esté tocando ¢ cantando do outro lado do vidro, sio muito tranqiiilizadores. Embora o vinculo entre o artista ¢ 0 produtor seja profissional, ke € também pessoal e complexo. 18 Gravando! Os bastidores da miisica ~ Phil Ramone Durante as semanas ou meses em que passam juntos produzindo um disco, 0 produtor pode vir a ficar mais intimo do artista do que qualquer outra pessoa em sua vida. A intimidade entre eles é essencial- mente tacita; ela fere suscetibilidades, e, se o produtor é especialmente bom naquilo que faz, ele ajuda o artista a por para fora a ansiedade e 0 medo que habitam todo artista. As ansiedades e medos de um artista sio, alids, muito reais. E nor- mais também, Embora os melhores artistas consigam dar a impressio de que o que fazem nao requer esforco nenhum, ficar diante de uma platéia, de uma camera de TV ou de cinema, ou de um microfone em um esttidio de gravacéo requer imensa autoconfianga. As insegurancas normais, que a maioria de nés sente de vez em quando, s4o aumentadas cem vezes quando um artista estd fazendo um disco ou ensaiando um shows jé pas- sei intimeras horas tranqiiilizando artistas em conversas telefonicas pela madrugada adentro ~ para a afligao de minha mulher, sem ditvida. ‘Mas 0 investimento de um tempo tao intenso e franco geralmente tem um desfecho muito bom em termos criativos. Houve vezes em que telefonei para um artista as duas da manha e disse “Desculpe eu te acordar, mas estou no carro dirigindo ¢ pensando sobre as dificuldades que estamos tendo. Acho que talvez fosse bom se vocé viesse me encontrar agora. Fiz algumas anotagoes...” Quando vocé passa muito tempo no esttidio, preza os momentos em que as coisas funcionam bem. Se tivemos um dia de calmaria e, no dia seguinte, as coisas se arrastam, viro para o artista ¢ digo: “Lembra de ontem 4 noite? Foi tio legal. Por que nao é assim todos os dias?” O relacionamento entre artista ¢ produtor que dé mais certo é aquele que tem como base a honestidade ea confianga, ¢ minha priori- dade maxima sempre foi respeitar a confianga que os artistas com quem trabalho depositam em mim. De todos os artistas que conheso, poucos reconhecem a honesti- dade e a confianca de um produtor como Barbra Streisand. Conheci Barbra num evento politico em Washington, D.C., em 1963. Na época, ela tinha 22 anos e ja era uma estrela. Como todos, O produror 19 fiquei impressionado com o timbre e alcance de sua voz € com sua estupenda interpretacao. Em meados de 1963, Barbra jé havia se apresentado nos pro- gramas “The Tonight Show” (com Jack Paar e Johnny Carson), “The Ed Sullivan Show” e “The Judy Garland Show”. Havia gravado dois albuns para a Columbia Records: The Barbra Streisand Album, que the deu um Grammy, e The Second Barbra Streisand Album; ambos lhe renderam discos de ouro. Porém o evento decisivo foi sua sensacional interpretacao da personagem Miss Marmelstein na pega “I Can Get Ir for You Wholesale”, na Broadway. Isso foi apenas 0 comego. No inicio de 1964, Barbra voltou 4 Broadway, desta vez sendo aclamada por sua interpretagao de Fanny Brice na pega “Funny Girl”, Do show resultaram dois classicos de Streisand: “Don't Rain on My Parade” e “People”. A primeira vez em que Barbra e eu trabalhamos juntos foi em 1967, quando projetei o sistema de som para seu inovador concerto no Central Park. Sabendo de meu pendor por projetos complicados, ela veio me ver novamente em 1975 para pedir que eu supervisionasse 2 gravacao do filme “Nasce uma Estrela”, em Hollywood. Nossa co- laboracao nesse filme ilustra o valor da confianca miitua e o quanto é importante um artista e um produtor seguirem seus instintos. Nos estidios cinematogréficos de Hollywood, toda produgéo ¢ soteirizada antes de comecarem as filmagens. Se o filme for um musical, 25 partes vocais ¢ instrumentais sao gravadas antes de os atores filma- fem suas cenas. Entao, quando filmam uma cena em que hé canto, os atores sincronizam o movimento dos Lébios com a miisica. O diélogo, 2 mitisica ¢ 0s efeitos sonoros séo todos mixados na pés-produsao, para sercriada a wilha sonora final. O desafio no caso de “Nasce uma Estrela” era que Barbra queria quebrar essa tradigao e gravar todas as misicas do filme ao vivo, a medida que cada cena fosse representada. Qual era a razio disso? 20 Gravando! Os bastidores da misica ~ Phil Ramone Qualquer um que conheca bem o trabalho de Barbra sabe que ela sente ¢ interpreta uma cancéo de maneiras diferentes cada vez que a canta. Era essencial captar cada nuance de sua voz - € sua expresso facial ao cantar ~ para transmitir de modo auténtico a premissa de “Nasce uma Estrela”, Barbra sabia que pré-gravar dias ou meses antes das filmagens comegarem comprometeria a espontaneidade de sua interpretacao. A gravacao de dudio em sincronia com um filme me fascinava. Por outro lado, como quase tudo seria filmado em locagao externa, a gravacio feita dessa forma requeria organizacdo meticulosa. Uma vez que se dispensa o recurso da dublagem, fica-se a mercé da mé actistica e do rufdo ambiente dos locais em que se esta trabalhando; os controles que ajudam a garantir invariabilidade se perdem. Para atender as nossas necessidades em “Nasce uma Estrela”, alu- guci um caminhio de gravagao da empresa Enactron, no Canada, onde instalei uma pequena cabine para gravacfo de vocal, para que Barbra pudesse fazer corregées vocais na mesma hora. Sabendo de antemao que cla iria querer ver suas performances assim que fossem filmadas, providenciei também para que a equipe filmasse as cenas com uma camera de video 20 mesmo tempo em que fosse feita a filmagem com a camera cinematografica principal. No filme, Barbra interpreta o papel de uma cantora (Esther Hoffman) que se apaixona por um astro do rock, John Norman Howard (interpretado por Kris Kristofferson). A medida que a trama se desen- yolve, as orgias de Howard acabam por arruinar sua carreira, enquanto a de Esther comeca a decolar. Nosso primeiro teste foi filmar uma cena numa pequena boate em Pasadena. Toda a agdo ~ incluindo uma cena de briga entre John Norman Howard e um cliente da boate - ocorreu em tempo real, isto é, nao foi montada a partir de varias tomadas. A gravacao da cena ao vivo ~ com Barbra cantando enquanto os dois homens discutiam ¢ lutavam na sua frente — foi surreal. Ficamos confiantes em que o que haviamos filmado poria fim as apreensdes dos executivos da Warner Bros. O produtor 21 No dia seguinte, quando os executivos do estidio viram a fil- magem feita, aplaudiram. Embora tenham ficado maravilhados com ‘© nosso éxito e aprovado o conceito de gravar cenas de filme ao vivo, insistiram para que Barbra também pré-gravasse tudo - por medida de seguranca. Grande parte do filme foi rodado em locagao no Arizona, e 0 cendrio para uma das principais cenas, um concerto de rock, foi o Sun Devil Stadium, na Arizona State University. Em vez de simular um cenario ¢ usar extras como platéia, o produtor de cinema Jon Peters contratou um famoso promotor de eventos musicais, Bill Graham, para ue ele encenasse um auténtico festival de rock, com apresentacées de cinco artistas, entre eles Peter Frampton e Carlos Santana. A platéia consistia de estudantes e de outras pessoas das redon- dezas, que pagaram US$ 3,50 pelo ingresso. O plano era que cada uma Com Barbra Streisand, por volta de 1985 Colesio Phil Ramone 22 Gravando! Os bastidores da miisica ~ Phil Ramone das bandas de rock tocasse o seu set, com Barbra e Kris Kristofferson filmando suas cangées nos intervalos entre cada set. Bill Graham era um produtor de espetaculos musicais muito ex- periente, e deu um ritmo fantistico ao show. Além disso, cobriu todas as bases. Ele sabia que em eventos de grande escala os jovens passam mal, as pessoas ficam muito encaloradas e ha grande consumo de dro- gas. Para minimizar os problemas, ele criou postos de satide, colocou chuveiros nas laterais ¢ advertiu a platéia sobre a possibilidade de serem oferecidos dcidos de mé qualidade. A meia-noite, uma multidao de universitarios comegou a afluir ao estadio. O tempo estava perfeito; ao raiar o dia, toquei a misica “Here Comes the Sun” (‘O Sol Esta Nascendo’), dos Beatles, ¢ os patrocina- dores, prevendo um dia memorével, animaram-se. As sete da manhé, a primeira banda - os L. A. Jets - subiu ao palco ¢ eletrizou a platéia. Em seguida veio a banda Graham Central Station. Por volta das nove horas, Barbra apareceu e interagiu com a plaréia, dando umas peruadas. “Hoje vamos ter rock'n'roll”, bradou. “E vamos fazer um filme!” Barbra queria que a platéia entendesse as tecnicalidades da pro- dugio de filmes, e, assim, cantou “The Way We Were” ao som de uma gravac4o de musica instrumental. “E assim que geralmente fazemos em Hollywood”, disse ela. “Mas nao quero fazer sincronizacao labial com a mtisica - quero cantar ao vivo, para vocés.” Entéo comegou a cantar muito alto uma versdo eletrizante de “Woman in the Moon’, acompanhada de sua banda. Quando chegou o momento de filmar a primeira cena de Barbra, a equipe ficou ansiosa. Seria posstvel gravar tudo ao vivo nestas condigées? Sera que a platéia iria se comportar, apesar das longas horas que teriam que ficar ali ¢ do calor? Sera que conseguirfamos um som e uma imagem com a qualidade de que precisévamos? O cenério estava pronto; a platéia, em seu devido lugar; a equipe, pronta para comecar a filmar. Estavam todos intensamente concentrados. Alguns de nés estava- mos tensos por sabermos que nao era facil para Barbra cantar na frente O produtor 23 de grandes multidées. Ficamos com toda a nossa atencao voltada para ela, para ver se estava nervosa. De fato, no havia por que nos preocu- parmos: a sua interpretacao de “Woman in the Moon” em frente das cameras foi triunfal. Depois disso, qualquer um que nao acreditasse no profissionalis- mo de Barbra se convenceu do contrério. O elenco ¢ a equipe ficaram admirados com a forma com que ela lidou com o concerto e a platéia, e lhe transmitiram isso. Depois do segundo intervalo, ela voltou ese dirigiu mais uma vez & multidao. “Neste filme, falo a lingua do rock'n'roll”, explicou. “Vocés néto estéo se divertindo pra caramba?” A platéia veio abaixo. Para prepard-los para a primeira cena de Kristofferson, Barbra deu algumas instrugées & platéia, “Este € um concerto que vocés esto esperando ha duas horas para ver Kris aparecer. Quando ele subir ao palco, vocés devem vaid-lo. Mas, quando ele comecar a cantar, acalmem- se e passem a ser os fis que sempre o amaram.” Quando Kris subiu ao palco, eles o vaiaram loucamente. Assim que se acalmaram, ele cantou “Watch Closely Now”. No inicio da tarde, Santana tocou o seu set, e Barbra pré-estreou “Evergreen”, uma balada que havia escrito com Paul Williams. “Vou ficar arrasada se vocés nao gostarem”, disse ela. A platéia gostou, ¢ a filmagem continuou até bem depois das seis da tarde. Montrose e a mais recente sensacao inglesa, Peter Frampton, fecharam o show. Cinco dias de trabalho culminaram num grande concerto que correu muito melhor do que previramos. Nossa préxima parada seria o cendrio para o climax de sete minu- tos e vinte segundos do filme: o auditério Grady Grammage Memorial, da universidade, um prédio histrico projetado por Frank Lloyd Wright. Como antes, haveria uma platéia. “Depois da filmagem do concerto, isto vai ser mole”, pensei. A medida que o enredo evolui, John Howard passa a ter depres- ses tao fortes, que acaba se suicidando, e, na cena final, Esther canta em ptiblico pela primeira vez desde a sua morte. Ela comeca com uma 24 Gravando! Os bastidores da miisica ~ Phil Ramone balada (“With One More Look at You”) e emenda em “Watch Closely Now” — uma das cangées de Howard que ela descobriu numa fita casseve depois de sua morte. ‘Acena final era bastante longa. Embora a maioria dos atores torca o nariz. a um diretor que queira filmar um plano-seqiiéncia continuo, Barbra insistiu nisso. A maneira com que ela representou a transfor- macao de Esther - de amante enlutada a uma estrela muito segura foi inspiradora, Mesmo assim, fiquei apreensivo com a gravagao que tinhamos em mos. Antes de deixar 0 auditério, assisti ao video da cena final de Barbra. Embora ela estivesse maravilhosa, faltava-lhe o brilho que eu jd vira em suas representagées anteriores. Apesar de eu duvidar que ela fosse aceitar regravar a cena, resolvi dizer-lhe minhas impressbes depois que ela tivesse tido a chance de relaxar. As nove horas naquela noite, encontrei Barbra na exibicéo dos copiées ~ a prévia da filmagem feita no dia anterior pelo clenco e pela equipe - ¢ aproveitei a oportunidade. E nestas situagées que a hones- tidade e a confianca muitua entram em jogo. “Tudo bem, Phil?”, perguntou Barbra. “O que vocé achou da cena de hoje?” “Bem”, comecei, escolhendo bem minhas palavras. “Achei boa. Mas falta alguma coisa. Acho que vocé pode dar mais de si mesma.” Eu nio estava mentindo, Eu sabia que, se Barbra fosse mais fundo, conseguiria realmente transmitir a dimensao da forga da personagem. “O set ainda est lé, para as tomadas alternativas a serem feitas amanha de manha’, disse-lhe. Como eu jé esperava, Barbra discordou. “Vocé estd louco?”, perguntou. “O take* ficou bom - esté feito.” Eu néo podia argumentar contra isso ~ a gravacao tinha de fato ficado boa. Mas sete minutos é um tempo muito longo para qualquer artista, * N. da T. Gravagio de uma parte ou passagem musical, que pode eventualmente ser refeita. O produtor 25 _ €cu nfo queria me privar de nossa tiltima chance de conseguir uma " interpretacéo realmente visceral. Barbra e eu nos conheciamos bem, ¢ eu sabia que ela, no fundo, entendera a minha mensagem. Apesar de eu nao ter ficado insistindo nisso, pedi muito que ela considerasse refazer a cena. E, de fato, um pouco depois ouvi uma batida na minha porta. Era um assistente de produg4o com um recado da senhora Streisand. “Vocé tem uma chamada as oito horas no teatro - vamos filmar o final da cena novamente,” Sorri, Barbra nao conseguiria ignorar a possibili- de que ela poderia dar mais de si. E foi isso 0 que fez. Na interpretacdo feita na manha seguinte, Barbra mostrou a confianga e determinacao que todos conhecem;.a cena transmite aquilo que se espera do momento final de um filme dramatic. O que faz. com que um produtor tenha confianga suficiente em si MO para que possa convencer artistas como Frank Sinatra ou Barbra isand de que eles também deveriam depositar confianga nele? Ha muitas qualidades e competéncias que todos os produtores -sucedidos tém: experiéncia musical, técnica e artistica; capacidade trabalhar em equipe; diplomacia; e, sobretudo, paixéo por mtisica pelas artes fonograficas. Embora possa soar como um cliché, nada substitui a experiéncia. Quando comecei minha carreira no esttidio, eu ouvia e observa- mais do que falava. Meu treinamento foi feito com engenheiros de ‘som como Bill Putnam e Bill Schwartau, e com produtores como John Hammond, Jerry Wexler, Tom Dowd, Ahmet Ertegun ¢ Milt Okun. ‘Como mentores, eles me ensinaram engenharia de som e producio da _ mesma forma como haviam aprendido ~ fazendo. Os homens que exerceram influéncia sobre mim eram mestres _ em suas artes. A sua ética no trabalho, meticulosidade e seus padroes altos influiram profundamente em mim. O modo como trabalho foi _ modelado naquilo que os vi fazer. O produtor 25 © eu ndo queria me privar de nossa tltima chance de conseguir uma interpretacdo realmente visceral. Barbra ¢ eu nos conheciamos bem, e eu sabia que ela, no fundo, entendera a minha mensagem. Apesar de eu nao ter ficado insistindo nisso, pedi muito que cla considerasse refazer a cena, E, de faro, um pouco depois ouvi uma batida na minha porta. Era. um assistente de produgéo com um recado da senhora Streisand. ~Nocé tem uma chamada as oito horas no teatro - vamos filmar o final da cena novamente.” Sorti. Barbra nao conseguiria ignorar a possibili- dade de que ela poderia dar mais de si E foi isso 0 que fer. Na interpretagdo feita na manha seguinte, Barbra mostrou a autoconfianga e determinacéo que todos conhecem; a ceria transmite tudo aquilo que se espera do momento final de um filme dramatico, O que faz com que um produtor tenha confianga suficiente em si mesmo para que possa convencer artistas como Frank Sinatra ou Barbra Streisand de que eles também deveriam depositar confianca nele? H4 muitas qualidades e competéncias que todos os produtores bem-sucedidos tém: experiéncia musical, técnica e artistica; capacidade de wabalhar em equipe; diplomacia; e, sobretudo, paixo por musica © pelas artes fonogréficas. Embora possa soar como um cliché, nada substitui a experiéncia. (Quando comecei minha carreira no estidio, eu ouviae observa- v2 mais do que falava. Meu treinamento foi feito com engenheiros de som como Bill Putnam e Bill Schwartau, e com produtores como John Hammond, Jerry Wexler, Tom Dowd, Ahmet Ertegun e Milt Okun, Como menrores, cles me ensinaram engenharia de som e produgao da mesma forma como haviam aprendido - farendo, Os homens que exerceram influéncia sobre mim eram mestres em suas artes. A sua ética no trabalho, meticulosidade e scus padres altos influfram profundamente em mim. © modo como trabalho foi modelado naquilo que os vi fazer. 26 Gravando! Os bastidores da miisica ~ Phil Ramone Embora eu tenha me familiarizado com todas as técnicas de gravacéo, as ligdes mais valiosas que tive como aprendiz foram sobre 0s aspectos sociais do trabalho do engenheiro e do produtor: respeitar a opiniéo de um artista, ter tato ao fazer sugestées € ao discordar, € solucionar crises emocionais e técnicas com rapidez ¢ eficécia’~ ‘Tanto no trato com 0 artista, como com um colega de trabalho, € muito importante dar a devida atengao a caracteristicas pessoais para que haja confianca mtitua. Um exemplo disso foi minha relagio profissional com o falecido Morris Levy, 0 néo muito cortés dono da Roulette Records. Era inicio dos anos 1960, meu esttidio (A&R Recording) havia sido criado hé pouco tempo e lutévamos para sobreviver financeiramen- te. Roulerte, uma pequena gravadora que produzia explosivos discos de rock'n'roll e de jazz, era uma de nossas clientes. Gostei especialmente das sessdes com Count Basie e Sarah Vaughn que produzi para o selo. A piada que corria na cidade era que Morris Levy nunca pagava © preco de tabela, além de nunca pagar dentro do prazo estipulado. Uma tarde, meus sdcios pediram que eu fosse ao esttidio. “Vamos ter que cobrar a fatura enviada a Roulette. VA ao escritério de Morris ¢ peca-lhe um cheque.” Com toda a minha inocéncia de jovem, entrei na sala de Morris, sentei-me, , educadamente, expliquei-lhe que a ‘A&R realmente precisava dos US$ 12 mil que a Roulette devia, para podermos pagar nossas contas. Morris estava afavel calmo; conversamos ¢ rimos bastante sobre nossos negécios. Af, Morris chamou sua secretéria. “Traga-me a fatura da A&R eo livro de cheques’, pediu. Deu uma olhadela na fatura, escreveu 0 cheque e disse: “Vocés trabalham bem - obrigado.” ‘Ao voltar para o esttidio, desdobrei 0 cheque e, para meu dis- sabor, vi que Morris havia feito seu préprio desconto. Ele nos tinha pago apenas US$ 8 mil! Quando cheguei ao estiidio, todos aplaudiram a minha coragem. “Por que tanta onda?”, pensei. Nao houve nada de extraordindrio em nossa reuniao; eram simplesmente dois adultos se tratando com respeito. produtor 7 Nao era facil lidar com Morris, mas ele sempre foi cordial comi- go. Depois daquela reuniao, ele aparecia no estudio sempre que havia uma sesso de gravacao da Roulette e elogiava meu trabalho. E nosso esttidio sempre recebia a/gum pagamento ~ mesmo que demorasse para recebermos. Como eu era jovem e pouco experiente, o contato um-a-um com Morris Levy nao me intimidava. Mas fiquei com 0 coracdo na boca durante uma sesso em que o produtor da Atlantic Records, Tom Dowd, teve que lidar com um desastre iminente em outra drea da minha vida —asala técnica. Estdvamos gravando os quartetos duplos de jazz de Ornette Coleman ¢ Eric Dolphy, e' Tom pés os dois grupos de frente um para 0 ‘outro e posicionou os microfones entre eles. Fiz sinal para que ligassem um gravador de quatro canais, e comecamos a gravar. / Como qualquer aficionado por musica sabe, a esséncia do jazz é 2 improvisagao - e jazzistas do bebop como Coleman e Dolphy eram célebres pelo estilo abstrato ¢ impressionista de suas execugdes. Bem, a primeira mtisica que 0 grupo tocou nao acabava nunca. Dez minutos, 11 minutos, 12 minutos. Estévamos todos ficando perdidos com aquela enxurrada de solos, quando percebi que s6 nos restavam trés minutos no rolo que continha a fita de quatro canais. Se a sucesséo de solos continuasse, a fita certamente iria acabar antes de a banda terminar de tocar. Eu estava pensando em como re- carregar sem perder muito da execucao dos grupos, quando Tom olhou para os gravadores. Nem precisei explicar: a intuigao e experiéncia de Tom permitiam-lhe sacar as coisas rapidamente. Tom correu os olhos pela sala e viu, na lateral, o gravador Ampex de dois canais que eu usa- va para mixagens. Felizmente, havia um rolo com uma fita virgem no gravador. “Ligue este gravador!”, disse ele. Assim que foi ligado 0 segundo gravador, Tom, com grande agi- lidade manual, transferiu 0 mix do gravador de quatro trilhas para 0 de duas trilhas. Nao era a maneira ideal de se fazer uma transi¢ao, mas 28 Gravando! Os bastidores da musica ~ Phil Ramone como 0 mix ao vivo de Tom estava muito bom, nao houve perda de qualidade, ¢ capturamos a execugio inteira, sem interrup¢ao. p Fiquei encabulado por nao ter percebido o problema mais cedo, a maneira calma e proativa com que Tom reagiu - ao problema ¢ a mim ~ tornou-se parte do meu modus operandi, da minha maneira de funcionar. Nao pensei muito sobre o incidente Coleman-Dolphy até anos mais tarde, quando um técnico de som se atrapalhou durante uma sessio que eu estava fazendo com o guitartista do Guns ’n Roses, Slash. Foi um erro que até hoje me arrepia. Estavamos gravando um segmento de um tributo a Les Paul no esttidio B do Electric Lady, estiidio de gravagao em Nova York projetado e construido para Jimi Hendrix em 1970. Slash-estava de bom humor, seus dedos golpeando continuamente as cordas do Les Paul Standard que tocava. A alegria do guitarrista era contagiante; a ferocidade de Kenny ‘Aronoff na bateria levou o ritmo da musica a um nivel totalmente diferente. Percebendo que estavamos indo para um momento de pico, pedi ao técnico que trocasse as fitas. Isso deveria ter levado um minuto = ou menos. ‘Assim como os miisicos do outro lado do vidro, eu estava completamente envolvido na musica. Virei para a esquerda e olhei fixamente para os carretéis de fita que rebobinavam em velocidade maxima. Gelei. “A fita nao deveria estar rebobinando assim”, pensei. Para meu terror, o técnico resolveu rebobinar antes de recarregar o gravador com nova fita, e havfamos perdido parte da execucio. “QO que vocé esté fazendo?”, perguntei. “Eu Ihe disse para trocar as firas!” O rosto do técnico enrubesceu. “Oh, desculpe - aqui nés rebobinamos antes de trocarmos as fitas”, murmurou. “E 0 método do esttidio.” O produtor 29 Todos aqueles que trabalham comigo regularmente sabem que 2s fitas nao sao rebobinadas antes de serem trocadas, Nao se pode prever quando viré a inspiragdo, e aqueles poucos mainutos talvez representassem a melhor execugio daquela cancéo por Slash. As incriveis improvisagées na guitarra, as viradas de bateria ex- fremamente ripidas ea energia desenfreada que ouvi no primeiro take ja haviam se passado e néo tinhamos capturado nada. Quando Slash soube do que tinha acontecido, ficou fora de si. Como nés, ele sabia que tinhamos perdido algo impalpével e mégico. Momentos como esse so aterrorizantes, Nao hd nada mais des- moralizante do que ter que dizer a um miisico que ele terd que fazer um novo take porque vocé (ou alguém de sua equipe) foi negligente, No caso em questo, fiquei danado comigo mesmo por nio ter sido mais explicito em minhas instrugées na pré-sesso; se eu tivesse feito JSso, a tensio € 0 estresse que as pessoas & minha volta provavelmente sentiam teriam sido menores. Idealmente, 0 produtor, o engenheiro de som e a equipe técnica devem manter 0 nivel de estresse o mais baixo possivel e nao deixar isso sransparecer para 0 artista. Ele néo deve ver nada do que fazemos. Interromper o fluxo de uma sesso para dizer “Com licenca — Temos que consertar um microfone” ou “Desculpe, deu um problema na mesa de gravacio” é como obstruit 0 caminho de um maratonista nos iiltimos 400m de uma corrida. Nas sessdes de gravacéo, muitas eres eu entrava na sala de gravacio - enquanto a banda tocava ¢ os gravadores gravavam ~ para ajustar o amplificador de uma guitarra, ou aprumar o suporte de um microfone que havia caido. Um bom planejamento da sesso ajuda a evitar situagées embara- sgosase lhe dé a chance de se recuperar de uma crise repentina. Aprendi 2 importancia dos preparativos, no inicio da minha carreira, com dois dos melhores professores: Quincy Jones e Frank Sinatra. Quincy e eu ficamos amigos no final da década de 1950, Fle tinha tocado trompere na banda de Lionel Hampton, escrito arranjos para Count Basie, e, no comego dos anos 1960, tornou-se diretor artistico 30 Gravando! Os bastidores da miisica - Phil Ramone da Mercury Records - 0 primeiro afro-americano a ter tal cargo em uma gravadora importante. Recentemente, “Q” adquiriu a reputagao de ser um puro-sangue musical: mtisico, compositor, arranjador e produtor. E um professor fantéstico, que irradia calor humano e espiritualidade raros, e muito do que sei sobre amizade, sobre como tratar um artista e como gravar uma banda grande foi adquirido observando Quincy trabalhar no estudio. Em 1966, Quincy era arranjador e maestro de Sinatra e da banda de Count Basie, e me convidou para vé-los tocar no The Sands, em Las Vegas. Foi um show cléssico; todos estavam vestidos com suas melhores roupas de festa, mas tive que tapear usando um terno, porque o tinico smoking que eu tinha era 0 que eu dividia com Quincy, ea roupa estava no palco, vestida nele. ‘A orquestra de Basie abriu 0 show e tocou para valer. Depois do intervalo, a sesso ritmica de Sinatra juntou-se a eles no palco. Quincy iniciou a banda, ¢ uma voz grave ressoou no sistema de som: “O The Sands tem o orgulho de apresentar um homem e sua miisica... a musica de Count Basie e sua fantdstica banda... e o homem é Frank Sinatra!” Frank, 0 epitome da calma, entrou no palco todo empertigado, pegou o microfone e comegou a cantar. Porém a platéia nao conseguia ouvi-lo; o microfone estava quebrado. Quando percebeu que 0 microfone nao funcionava, Frank jo- gou-o no chao e abandonou 0 palco. Houve um siléncio estranho no teatro. Alguns minutos depois, foi repetida a introdugio, e Sinatra fez sua segunda entrada no palco. Desta vez, 0 microfone funcionou. Ligéo ntimero 1, para sempre. ~ Aquela noite no Sands me mostrou que nao era suficiente certifi- car-me de que todos 0s microfones, gravadores e cabos estavam funcio- nando, quando eu fizesse uma sesso de gravacio; eu precisava ter dois microfones para o vocal, um gravador de reserva ¢ um técnico 4 mao para resolver na mesma hora quaisquer problemas que surgissem. No inicio da minha carreira como engenheito de som, eu me preocupava tanto em ter as coisas em ordem, que atrumava tudo na noite anterior © produtor 12 para o esttidio algumas horas antes da sesso ‘5 equipamentos. A tiltima coisa ©encontre tudo num caos. Sou exigente? Com certeza, Mas s6 exijo dos outros o que exijo de mim mesmo: consideracao. Posso rir e me divertir, Spero total atencao de todos. Até depois de fazer The Stranger com Billy Joel, em 1977, eu mne encatregava da engenharia da maioria dos discos que eu produzia. Quando minha parceria com Billy floresceu, passei a trabalhar exclusi- Yamente no estilo ¢ na técnica dele e abri mao do trabalho de gravacao, ‘que comecou a ser feito por engenheiros em quem eu confiava, Boyer e Bradshaw Leigh (ambos treinados por mim). Foi ima sscolha; poder me concentrar no artista e em suas necessidad. » para checar e rechecar que eu quero é que um artista chegue dedicagéo mas, na hora de produzir o disco, como Jim excelente les, sem ter Com Quincy Jones ¢ o compositor Tony Renis, em Milio, Icdlia, 1964 Colegio Phil Ramone 32 Gravando! Os bastidores da misica ~ Phil Ramone que me preocupar com coisas como “estamos conseguindo gravar isso na fita?” fez com que a produgao fosse muito mais prazerosa. O preparativos, entretanto, nao garantem que, uma vez que comecemos a gravar, nio haja tensao no ar. Ha momentos em que é muito duro produzir discos: a mesa de gravacdo pode estar dando mil problemas, ou os instrumentos podem nao estar soando como deveriam (os pianos ¢ os instrumentos de corda sao especialmente afetados pela temperatura e umidade). As vezes, 0 cantor ou cantora nao esté em um de seus melhores dias e nao consegue acertar 0 ritmo, ou passamos horas trabalhando num overdub de guitarra, quando isso deveria levar 30 minutos. E é quase certo que todo disco que vocé produzir tera pelo menos uma cangio que diz: “Se vocé acha que vou desistir to facilmente assim da minha letra e melodia por sua causa, vocé esté muito enganado!” Pequenos aborrecimentos como esses afetam todo artista vez por outra, independentemente de seu prestigio ou experiéncia, Para superd- los, o segredo é ter persisténcia. Quando Paul Simon estava ensaiando a musica “Still Crazy After ‘All These Years” em Nova York com 0 pianista Barry Beckett, em 1975, experimentou usar varios tons. Para Beckett, foi desnorteante. “Tente em dé”, sugeriu Paul. Barry tocou a cangao; Paul fez que nao com a cabega. “Nio, nao - que tal tentar em dé sustenido?” Barry tocou-a mais uma vez; Paul refletiu. “Nao é essa. Ja sei - tente em ré.” O debate continuou enquanto os dois experimentavam com mi bemol, lé bemol - todos os tons de que Paul podia se lembrar. Sendo membro fundador da conceituada Muscle Shoals Rhythm Section (sediada em Muscle Shoals, no Alabama), Beckett estava acos- tumado a concluir uma parte em 30 minutos ou menos. Ele adora Paul e queria agradé-lo, mas, depois de trés ou quatro horas de trabalho concentrado em “Still Crazy After All These Years”, nao conseguiu conter sua exasperacao. O produtor 33 “Paul, isso nao vai funcionar”, disse ele. “Nao vou conseguir -fechar esta cancio nunca.” Achei aquilo engracado. O fato é que Barry subestimou a determinacao eo perfeccionismo de Paul. Jé vi Paul trabalhar durante horas em uma trilha instrumental =no dia seguinte, voltar e descarté-la porque havia feito alteragées que, pensava, iriam melhorar a cancao. Com “Still Crazy After All These Years”, Barry acabou sendo imspirado pela tenacidade de Paul. Continuaram trabalhando na mti- ica e, depois de um tempo, chegaram a um consenso sobre o tom 2propriado. O bénus foi que, no final do dia, Barry sabia a melodia tao bem, que podia antever 0 fraseado de Paul. Quando a banda veio ao esttidio gravé-la, nao precisou nem ensaiar. Levou pouquissimo tempo para "ser gravada a cangao. A ironia foi que Billy Joel levou semanas para conseguir que “Get Tr Right the First Time”, uma cangéo que gravamos para o disco The Srranger, em 1977, ficasse perfeita. A miisica tem um ritmo complicado, ‘¢levou algum tempo para que a consoliddssemos. Lembro-me que comegavamos uma sesséo tentando gravar “Get It Right the First Time”, e, se nao conseguissemos, passivamos a trabalhar €m outra can¢ao, como “She's Always a Woman to Me” ou “Movin’ Out”. Mais tarde, na mesma sessio, voltévamos a “Get It Right the First Time”, e, se ainda nao conseguissemos, passévamos a mais uma outra muisica - “Only the Good Die Young”, talvez. Ao final de cada uma das sessées de The Stranger, eu dizia: “Que sal tentarmos “Get It Right the First Time?” Chegou a um ponto em que os muisicos previam que terfamos que voltar a ela, e, quando o faziamos, cles reclamavam. ‘Ai, nds ndo vamos ter que fazer isso de novo, vamos? Essa merda desta cancao néo quer nascer!” Isso continuou assim por mais de duas semanas. Entio Billy e eu decidimos dar um descanso aquela miisica - mas fem mencionamos isso 4 banda por alguns dias. Uma tarde, estavamos 34 Gravando! Os bastidores da misica ~ Phil Ramone trabalhando numa outra cang4o, quando Billy parou de repente e disse “Vamos fazer ‘Get It Right the First Time’ - agora.” Foi um ato impulsivo - talvez até instintivo. Ele contou o ritmo, e, milagrosamente, a batida funcionou perfeitamente. Conseguimos grava-la apés uns poucos takes; depois, abrimos uma garrafa de vinho e dissemos: “Amém!” >> FAIXA 3 Em primeiro lugar, a misica! ‘Todo mundo quer ter uma mtisica de grande sucesso. O compositor, o artista, o engenheiro de som e o produtor, todos eles rezam para conseguirem produzir hits e receber os louros que advém disso, como um cobicado lugar nas paradas de sucesso do Billboard ou um Prémio Grammy. Voltarei a esse assunto mais adiante. Antes, porém, gostatia de explicar como surgiu The Nylon Curtain, 0 quarto (e mais ambicioso) disco que Billy Joel ¢ eu fizemos juntos. Um dia, em 1982, Billy me disse: “Eu queria fazer um bom album, para ser ouvido com fones de ouvido, e usar instrumentacéo exética e muitas camadas, como fizeram os Beatles.” Tinhamos os dois profunda admiragao pelos Beatles e pelo que cles ¢ 0 produtor George Martin haviam feito com Rubber Soul, Revolver e Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. “Im Only Sleeping”, “Within You, Without You” e “Norwegian Wood” eram muito diferentes das gravacdes mais antigas dos Beatles, como “I Saw Her Standing There”, “Twist and Shout” e “All My Loving”. O uso de instrumentos nao-tradicionais (muitas vezes nio- temperados) e de efeitos técnicos obtidos com o ADT (artificial double tracking)* e com 0 Mellotron (teclado eletromecanico que usa loops de fita magnética) imprimiu contrastes e texturas incomuns as gravacées experimentais da banda em meados de 1960. *N, da T. Técnica em que se repete a gravacio de uma vor com atraso de um milissegundo, criando um reforgo que dé profundidade & voz inicial 52 Gravando! Os bastidores da musica ~ Phil Ramone Parecia ser 0 momento certo para que o trabalho anterior de Billy evoluisses nao havia muito o que perder com The Nylon Curtain. Os trés dlbuns anteriores de Billy (The Stranger, 52nd Street € Glass Houses) fizeram um sucesso estrondoso ¢ renderam uma série de cangées que tocavam diariamente no radio, na lista da 40 mais, entre elas, “Movin’ Out (Anthony's Song)”, “Scenes from an Italian Restau- rant”, “She’s Always a Woman”, “Only the Good Die Young”, “Just the Way You Are”, “Big Shot”, “My Life”, “You May Be Right” e “It’s Still Rock and Roll to Me”. Viasugestio de Billy como uma oportunidade para fazermos uma demonstragao de vanguardismo. Nossa paleta de sons era vasta, ¢ passei muito tempo bolando como dar a The Nylon Curtain uma dimenséo inusitada, Depois de ouvir uma amostra das cang6es que Billy estava pensando em incluir no album, fiquei muito empolgado. The Nylon Curtain marcou 0 amadurecimento de Billy como compositor. Algumas das cangées - como “Allentown” e “Goodnight Saigon” ~ tinham forte coloracao sécio-politica. Outras, como “Laura”, “Scandinavian Skies” ¢ “Where’s the Orchestra” eram filosdficas e sombrias, Em termos de produgio, cada cang&o pedia um enfoque agressivo ¢ imprevisivel. Para ajudar a criar a atmosfera auditiva com que Billy sonhava, usamos em The Nylon Curtain tratamentos vocais ¢ efeitos sonoros com abundancia e introduzimos no disco muitas texturas instrumentais bi- zarras. Em The Nylon Curtain, desviamos de nosso proprio modelo; era nossa forma de expressionismo musical, ¢ o mais perto que chegamos de fazer um Album conceitual. Em seu conceito € execugao 0 disco era inventivo € coeso, ¢, quando ficou pronto, fomos, cheios de entusiasmo, apresentar uma prévia aos executivos da Columbia Records. Nosso entusiasmo nao durou muito. Em primeiro lugar, a msica! 53 A gravadora declarou ser 0 élbum “estranho e impressionista demais”. Algumas pessoas, incluindo o empresario de Billy, comecaram achamélo de The Nylon Schmata (°O trapo de ndilon’). O que mais me incomodou foi a pergunta audaciosa dos execu- tivos da drea de promogio da Columbia: “Onde esto as cangoes do tipo de ‘Movin’ Out’?” A verdadeira pergunta - a que eles no tinham coragem de fazer = era: “Onde est a sta cangio hit?” Nao importava que 0 album The Nylon Curtain incluisse “Allen- town’, “Pressure” e “Goodnight Saigon”. Naquele momento, a percep- sao da Columbia era que as cangées no Album nao seguiam 0 modelo previsivel das 40 mais tocadas na radio AM, ¢ os executivos rejeitaram quase que o disco inteiro. Nao hé dtivida de que produzir um hit é maravilhoso - pode realmente mudar a sua vida, Mas devo dizer também que é arriscado para um artista ou produtor entrar no esttidio com o propésito firme de produzir um. Assim sendo, o que digo a um artista, a um empresdrio ou ao executivo de uma gravadora que pergunta “Esse disco poderia ser (ou sera) um hit?” Digo-lhes a verdade: identificar, entre uma série de can- g6es, qual delas sera fard sucesso é, no minimo, duvidoso. E é também arriscado. Mesmo que o disco patega bom ao ser produzido, € dificil prever se as rddios - € 0 puiblico ~ iréo aprecid-lo. “Mas nao é fungao do produtor identificar um hit em poten- cial?”, vocé poderia perguntar. “Um produtor nao ¢ capaz de perceber quando uma cangao ou execuc4o apresenta todos os tragos de uma musica de sucesso?” ‘As respostas a essas perguntas so “Sim, ¢ sim”. Mas nem sempre € tao simples assim. Um produtor experiente sabe reconhecer uma boa cangao ou um bom take. Mas, quando se acompanha tao de perto uma criagao, fica-se muito envolvido naquilo e é dificil dizer objetivamente: “Este disco vai ser um grande sucesso.” Vocé pode pensar que um determinado disco 54 Gravando! Os bastidores da musica — Phil Ramone tem potencial para fazer um sucesso estrondoso, mas evita expressar isso para néo atrair mA sorte. Como sei se temos algo especial fermentando no esttidio? A pele na minha nuca comega a formigar. As pessoas 4 minha volta sabem quando meu corpo comega a entrar no ritmo da miisica. Asvvezes me vem aquele feeling, aquele sentimento especial, e descu- bro que o artista discorda da minha avaliacao. Quando isso acontece, ex- plico meus pensamentos ¢ 0 encorajo a reconsiderar a minha opiniao. Tenho sempre presente que é 0 nome e a foto do artista que aparecem na capa do disco, e néo 0 meu. Mas ha situagées em que © compositor ou 0 artista estéo téo envolvidos na composico ou na lapidagéo da musica, que perdem a objetividade. Se o artista ¢ eu dis- cordamos, e ponho muita no potencial da cangao, é minha obrigacao defender a minha posigio até o fim. Aqui vai um exemplo que talvez surpreenda. Um dia, eu disse a Billy Joel que poderfamos usar uma outra balada para o album The Stranger. “Bom, aqui est4 uma cangio que nunca iremos gravar”, disse ele. “Mas vocé deveria ouvi-la.” Antes de fazer uma demo ao vivo da cangao, Billy explicou que a tocara algumas vezes em concertos, mas que ninguém na banda - nem ele mesmo - ficara muito satisfeito com a musica. Ele entao se sentou ao piano ¢, sem muito entusiasmo, tocou para mim uma can¢ao chamada “Juse the Way You Are”. Eu gostei da miisica - ¢ muito - ¢, apesar da apreensao de Billy, concordamos em pass4-la na proxima sesso. Como recorda Billy: Originalmente, tocamos “Just the Way You Are” como um cha- cha-cha: Don't go changing (cha-cha-cha)... just to please me (cha- cha-cha)...Bem, Liberty DeVitto ficou tao irritado, que atirou as baquetas em mim. “Nao sou nenhum baterista marcas”, disse ele. Era uma musica muito feminina, e, desde o inicio, tinhamos ditvidas sobre ela, Mas Phil insistiu muito em que a incluissemos em The Stranger. Ele nunca disse “Essa vai ser um hit”, porque nao irfamos Em primeiro lugar, a misical 55 gostar. Dizia apenas “Esta é uma cangio que definitivamente deve entrar no élbum”. A banda de fato nao parecia disposta a dar uma chance & cang4o, mas senti quea resisténcia deles era mais em relacdo & maneira com que ela era apresentada do que a cangao em si. Uma grande preocupagao era 0 fato de a mtisica ser muito sentimental e de Billy acabar sendo rotulado de “cantor de festa de casamento”. Depois de ouvir os primeiros takes, concordei com eles. Parte do problema era que algumas pessoas estavam comparando Billy a Elton John, Originalmente, o ritmo que a banda estava usando em “Just the Way You Are” soava muito como a musica “Daniel”, de Elton John, ou “You Are the Sunshine of My Life”, de Stevie Wonder, Mas vislumbrei 0 potencial da cango ¢ sentia que, se encontréssemos ‘0 ritmo certo, a coisa funcionaria. Liberty DeVitto se recorda claramente da controvérsia e do mo- mento em que o destino de “Just the Way You Are” foi decidido: ‘Todos nés dissemos “nao vamos tocar esta cangao”. Estava- mos inflexiveis. Mas Phil sabia que a musica tinha potencial e que © que ela precisava era de um ritmo mais vigoroso. Eu estava na sala técnica, tentando retardar 0 proceso, porque eu nao queria fazer a musica. Phil - que nunca levantava a vor ou era duro conosco ~ apenas ouvia, Depois de algum tempo, ele simplesmente olhou para mim ¢ disse: “Chega de papo furado. Vocés podem tocar o que quiserem mais tarde, mas estou ordenando que vao para la agora tocar esta miisica!” Ele disse isso em tom de brincadeira, mas eu sabia que, no fundo, estava falando sétio. A versio cha-cha-cha nao funcionou. Entio, quando comeca- mos a gravar “Just the Way You Are”, toquei o ritmo com um toque de bossa nova que eu usara desde o inicio. Depois de passarmos a miisica, Phil saiu da cabine. Aproximou-se de mim e disse em voz baixa: “Lib, acho que descobri o problema. Essa levada nao est funcionando. Esta mtisica precisa de um toque mais sensual.” Phil sugeriu que tentdssemos um ritmo de baio sul-americano e batucou com as m4os para me mostrar o que tinha em mente. 56 Gravando! Os bastidores da musica ~ Phil Ramone “Tentamos de novo, e, desta vez, comecei a fazer, em algumas partes, tumas pausas no bumbo a tocar 0 tom-tom no contratempo apés 0 quarto compasso. A pequena pausa ¢ um pouco mais de acentuagio em cada batida no pedal do bumbo deram uma énfase extra. O uso da vassourinha na caixa produziu um som muito sensual. Eu sabia que Phil estava gostando do que eu estava fazendo quando o via comecar a se mover. Da minha posigao atrés da ba- teria dava para vé-lo na sala técnica, e, quando comegamos a tocar “Just the Way You Are” com aquele ritmo sensual, ele comegou a balangar os bragos a gingar. Para mim, foi o sinal de que “Just the Way You Are” estava indo na diregio certa. O novo padrio ritmico fez uma diferenga enorme, e, quando a miisica comegou a assentar, Billy e eu percebemos que o som do piano nos primeiros compassos estava soando duro, quando justaposto & batida exética da melodia. Trocamos 0 piano aciistico por um teclado Fender Rhodes com um pedal de efeito phaser* Small Stone, o que deu \ abertura um toque caloroso ¢ aconchegante. Porém, depois de fazer uma primeira mixagem, Billy e eu sentimos que ainda faltava algo. A cangao precisava de maior dimensio, e, com a minha sugestao seguinte, causei, sem querer, 0 primeiro problema entre a banda ¢ eu, seu produtor. Embora o saxofone tenor tocado por Richie Cannata em “Scenes from an Italian Restaurant” ¢ “Only the Good Die Young” estivesse estupendo, senti que o solo na ponte de “Just the Way You Are” precisava da textura rouca de um saxofone alto. Quando penso em um saxofone alto, penso imediatamente em Phil Woods - um dos maiores mtisicos de jazz em Nova York. Assim, fai vé-lo, ele aceitou tocar, ¢ seu solo excepcional deu a “Just the Way You Are” uma sublimidade maior do que eu imaginara. Minha intencéo, com a sugestéo de usarmos Phil Woods, nao era ofender Richie Cannata oa sua forma de tocar. No caso em questéo, eu +N. da T. Efeito produzido pela alteracio da fase de uma onda sonora. Em primeiro lugar, a musica! 57 acreditava que precisévamos de um som especifico que s6 um especialista como Phil poderia fornecer, e, como arbitro final, segui meu instinto. Aprendi que, se vocé consegue justificar os méritos de se fazer algo que ajudaré a fortalecer o contetido musical, em geral todos entendem isso. Eu sabia que Richie entenderia - como entendeu. Conforme recorda Richie: Phil fizera um élbum com Phoebe Snow logo antes do The Stranger ¢ havia usado Phil Woods em seu disco. Todos nés (Michael Bre- cker, David Sanborn e eu) admirévamos muito Phil Woods, ele era © Charlie Parker da nossa era. Se Phil (Ramone) tivesse chamado Michael Brecker ou David Sanborn para tocar “Just the Way You Are”, eu teria ficado magoado. Mas era uma grande honra ter Phil Woods tocando em nosso disco. Como eu tinha que tocar a parte nos shows, “Just the Way You Are” me forcou a aprender a tocar saxofone alto. Mesmo com todas as melhorias que fizemos em “Just the Way You Are” ao longo do tempo, Billy ainda nao tinha certeza de que iria inclué-la no élbum - isto é, até a noite em que Linda Ronstadt e Phoebe Snow apareceram no estiidio. Estévamos conversando sobre o disco, ¢ pus “Just the Way You Are” para tocar. As duas ficaram pasmas, e quando Billy comentou que queria elimind-la, nem Linda nem Phoebe conseguiram se conter. “Vocé esta maluco?”, perguntaram. “Vai ser um hit! Vocés so doidos de nao a incluirem no dlbum.” Ainda bem que demos ouvidos &s duas: “Just the Way You Are” ganhou o Prémio Grammy de Melhor Cangéo do Ano (1978). Depois de “Piano Man’, é a mtisica mais pedida de Billy, e tenho certeza de que jé foi tocada em muitas festas de casamento. “He algum segredo para se produzir um hit” ¢ “Vocé segue alguma formula quando Duas perguntas que com freqiiéncia me fazem sao: produz um disco?” Nao existem receitas infaliveis para se criar uma mtisica de sucesso. Ea tinica coisa mais proxima de uma “formula” que sigo ¢ garantir que 58 Gravando! Os bastidores da musica - Phil Ramone a voz do artista - vocal ou instrumentalmente - seja reconhecida nos primeiros 15 segundos. E crucial estabelecer a identidade do cantor logo de inicio. Ha, porém, trés ingredients que todos os discos de sucesso tém: uma boa cangéo, um artista talentoso e uma producio diferenciada. Uma miisica que mexe com o produtor provavelmente iré mexer com outros também, e se vocé for abencoado com um artista que con- segue dar um toque magico a melodia ou letra da musica, tudo indica que vocé fard um disco que as pessoas vao querer ouvir sem parar. O estilo da produgao tem mais a ver com 0 som € sensag4o que 0 disco provoca do que com qualquer outra coisa ¢ varia de produtor para produtor. Os produtores de discos, assim como os diretores de cinema, transmitem a seu trabalho uma estética pessoal. Poucas coi- sas se comparam & distorcao granular presente nos primeiros discos dos Rolling Stones, ou ao tom euférico de uma produgao de Burt Bacharach, ou ao irresistivel estilo funk de um single do Motown. Cada um tem um som ou um toque singular por causa das técnicas usadas para gravé-los e mixé-los. A originalidade é essencial. Embora algumas pessoas digam que meus discos tém uma as- sinatura sonora minha, eu nao percebo isso. O meu objetivo é trazer clareza e simplicidade a todos os discos que produzo, ¢ eles nao deveriam soar iguais. Quando se cria um som para um disco, todos os elementos tém que ter um propésito. Adoro usar coloracdo, textura e sombreamento musicais para dar realce a um disco, e o uso desses recursos para destacar os ritmos internos de uma musica ajuda o artista e a mim a direcionar a emogo nela contida. Se a musica é estrondosa, bombstica, quero que aqueles que a oucam a sintam como uma celebragio. Se ¢ suave ¢ terna, quero que cles se deixem levar pelo sentimentalismo daquele momento. O fato de eu manter 0 meu som transparente (camalednico, na verdade) me permitiu trabalhar com diversos tipos de artistas e com varios géneros de mtisica. Em primeiro lugar, a misicat 59 Eu costumava comprar varias coisas em lojas de equipamentos cletrénicos ¢ de guitarras ~ pedais de efeitos e engenhocas diversas — ¢ dizer “Cara, que troco legal!” Vez por outra, eu levava alguns desses acessérios para 0 esttidio ¢ usava-os como efeito em alguma misica. Depois de produzido o dlbum, eu dizia: “Que bom que eu tinha essas coisas, porque funcionou muito bem nesta miisica, e © disco fez mui- to sucesso.” Mas eu raramente usava tal efeito ou pedal mais de uma ver. Eu nao queria que as pessoas dissessem “Essa produgao é do Phil Ramone” toda vez que ouvissem um determinado efeito, E facil 0s artistas e produtores se acomodarem e recorrerem aquilo que fez. sucesso no pasado, mas descobri que é ertado dizer “Isto (ou aquilo) sempre funciona’, Neste tipo de trabalho, nada é um tiro cer- to; cada disco tem que ter seu valor prdprio. Estou sempre alertando artistas e produtores jovens para que evitem se repetir ou copiar o que quer que esteja em voga. Entretanto, alguns produtores acabam por se auto-rotular, pro- duzindo apenas discos de rock, de jazz ou de hip hop - ou trabalhando com um artista apenas —, por medo de perderem o pique. Compreendo que um produtor que tenha ficado conhecido por ter um estilo ou som especifico reccie fazer um dlbum para uma peca da Broadway oua trilha sonora de um filme; a seguranca nos deixa mais confortdveis, Mas esse tipo de pensamento é exatamente 0 que leva a que se produzam discos clichés e previsiveis. George Martin é um bom exemplo de produtor que teve éxito Porque estava disposto a extrapolar. A razéo pela qual grupos como os Beatles duraram é porque nem eles nem seus produtores tinham medo de tentar coisas novas. Os primeiros dlbuns dos Beatles, como With the Beatles e Please Please Me, sao tao diferentes de The Beatles (também conhecido como The White Album) ou de Abbey Road quanto Mozart € de Stravinsky. Um outro exemplo disso é Rod Stewart, um miisico de rock cujo renascimento se deu por meio de muisicas pop classicas, escritas nas décadas de 1930 e 1940, 0 Gravando! Os bastidores da miisica ~ Phil Ramone Rod é um cantor que esté sempre reinventando sua imagem, e, depois de muitos anos na ribalta, atraiu uma ampla gama de fas. Quando Clive Davies me perguntou se eu trabalharia com Rod em seus dois primeiros dlbuns Great American Songbook, fiquei meio preocupado. Serd que funcionaria? Eu achava que sim. Teriamos sucesso garantido por se tratar de Rod Stewart? Nao. O fato de um artista ter feito sucesso em um género de musica néo significa que um projeto em outro estilo ird dar certo ou que o disco seré um sucesso. Felizmente, a idéia do Great American Songbook surgiu num mo- mento em que Rod ¢ seu ptiblico fiel estavam abertos algo novo. Como resultado, as versbes de Rod de pérolas como “It Had to Be You”, “These Foolish Things” e de outras dezenas de classicos cativaram um piiblico mais velho que, possivel mente, nunca ouvira “Maggie May” ou “Do Ya Think I'm Sexy?”. O élbum também expés seus fis mais jovens a classicos dos anos 1940. E, 0 que é melhor, Rod fez tudo isso sem sacrificar sua posigéo no mundo do rock e do pop, o que mostra que interpretagoes exptessivas de cangées de qualidade nunca saem de moda. Se, pot um lado, conseguir um hit e receber elogios é empolgante, por outro, as recompensas disso néo devem nunca ser 3 custa da integri- dade artistica. Se hd um artista que conseguiu transpor a lacuna entre cangées antigas ¢ novas ¢ diversos ptiblicos - e que fez isso sem abrir mao de seu compromisso com a qualidade -, esse artista foi Tony Bennett. Tony iniciou sua carreira como cantor no final dos anos 1940, no Exército, e causou sensagao no inicio dos anos 1950 com sucessos como “The Boulevard of Broken Dreams”, “Because of You” e “Cold, Cold Heart”. Embora tenha se tornado famoso pelas mtisicas pop contagiantes da época, Tony, no fundo, sempre foi um cantor de jazz. Conforme ele explicou: Quando comecei minha carreira na Columbia Records, em 1950, eu queria cantar as belas cangées de Duke Ellington, Johnny Mercer e dos Gershwins. Mas 0 produtor Mitch Miller insistiu em que eu cantasse misicas novas que ele havia ajudado a popularizar na épo- ca. Tivemos discusses veementes, ¢ a tinica maneira de eu aceitar Em primeiro lugas, a musica! 6 gravar algumas das mtisicas que Mitch queria que eu gravasse foi com a seguinte condicao: para cada dois discos com mtisicas novas que eu gravasse, cu faria um disco de jazz, usando os misicos e as cangées que eu preferisse. A questo da qualidade sempre foi sagrada para’Tony. Uma ver, ele me contou que sua mae, uma costureira que ficara vitiva ainda jovem, inspirara sua predilegéo por cantar e gravar cangées de alta qualidade: Minha mée ficava frustrada quando Ihe davam um vestido malfeito para costurar. Dava para ver a sua exasperagio ao rasgar os pontos mal costurados. Ela ficava agoniada e resmungava: “Nao me déem porcaria; me déem um vestido bem-feito com o qual eu possa tra- balhar.” Desde 0 momento em que ouvi minha mie dizer aquilo, passei a me reger por esse princfpio. A adogao dessa filosofia o ajudou muito. Além dos milhares de hits que conseguiu, Tony foi elogiadissimo pelos élbuns memoraveis que fez com Count Basie, Bill Evans e com o Trio de Ralph Sharon; além disso, ganhou um ntimero impressionante de Prémios Grammy (11, s6 nos liltimos 15 anos), e atraiu, com a elegancia graciosa de sua miisica, um séquito de mtsicos de rock, como 0 Red Hot Chili Peppers. Os altos padrées estabelecidos pelos Tony Bennetts do mundo atestam a importancia de sermos fiéis 4s nossas convicgées. Como jé disse a muitos alunos, 0 mantra que deveria guiar todo compositor, cantor, mtisico e produtor que se preocupa com aquilo que faz é: “Em primeiro lugar, a musica.”

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