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Novas midias como tecnologia e idéia: dez defini cées* Lev Manovicu * Publicado anteriormente em http://www. manovich.net. Traducio de Luis Carlos Borges. 25 Se examinarmos qualquer campo cultural moderno sociologicamente, medindo sua reputacdo pelo numero e pela importancia das instituigdes culturais dedicadas a ele, tais como exposig6es em museus, festivais, pu- blicagées, conferéncias, etc., podemos dizer que, no caso das novas midias (compreendidas como atividades artisticas baseadas no computador), le- vou dez anos para que elas passassem da periferia cultural para o centro. Embora a Siggraph, nos Estados Unidos, e a Ars Electronica, na Austria, jé estivessem atuando como locais de reuniao anual de artistas que traba- lham com computadores desde o fim da década de 1970, 0 campo das novas midias comega a tomar forma real apenas no fim da década de 1980. Nessa 6poca, novas instituigdes dedicadas a producao e ao apoio a arte das novas midias sao fundadas na Europa: ZKM, em Karlsruhe (1989); New Media Institute, em Frankfurt (1990); ¢ a Inter-Society for the Electronic Arts (Isea), na Holanda (1990). Dez anos depois, o que era um underground cultural tornou-se um campo académico e¢ artistico estabelecido; o que surgiu das interagées basicas de jogadores individuais solidificou-se, amadureceu e adquiriu formas institucionais, especialmente nos Estados Unidos. Em 2001, dois dentre os mais prestigiados museus norte-americanos — o Whitney Museum de Nova York e o San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA) - montaram grandes exposigdesgerais de arte em novas 26 (0 CHIP E 0 CALEIDOSCOPIO: REFLEXDES SOBRE AS NOVAS MIDIAS midias (Bitstreams, no Whitney, e 010101: Art in Technological Times, no SFMOMA). Acrescente a isso o fluxo constante de conferéncias e ofi- cinas montadas em bastides da academia americana como o Instituto de Estudos Avancados de Princeton; bolsas de estudo nas novas midias, ini- ciadas por organismos financiadores de prestigio, como a Rockefeller Foundation (iniciadas em 2001); séries de livros sobre as novas midias, publicadas por editoras respeitadas, como a MIT Press. Paradoxalmente, ao mesmo tempo que o campo das novas inidias co- megou a amadurecer (fim da década de 1990), sua propria razao de existir veio a ser ameacada. Se todos os artistas agora, independentemente de suas midias preferidas, também usam rotineiramente os computadores digitais para criar, modificar e produzir obras, precisamos de um cam- po especial de arte em novas midias? Como as midias digitais e da rede estao rapidamente se tornando onipresentes em nossa sociedade e como a maioria dos artistas passou a usé-las rotineiramente, o campo das no- vas midias esta enfrentando 0 risco de tornar-se um gueto, cujos partici- pantes seriam unidos pelo fetichismo da mais recente tecnologia de com- putadores, nao por alguma questao conceitual, ideolégica ou estética mais profunda. Entao, 0 que sao exatamente as novas midias? E 0 que sdo as artes das novas midias? Surpreendentemente, essas questées continuam a nao ser faceis de responder. Neste ensaio, quero examinar outros conceitos pos- siveis de novas midias e suas histérias (incluindo algumas propostas do presente autor em outros contextos), Aqui esto dez respostas; sem ditvi- da, mais respostas podem ser criadas, se for desejado. 1. Novas midias x cibercultura Para comegar, podemos distinguir as novas midias e a cibercultura. A meu ver, elas representam dois campos de pesquisa distintos. Eu defini- ria a cibercultura como o estudo dos varios fenémenos sociais associa- dos & internet e outras novas formas de comunicagao em rede. Exemplos do que abrangem os estudos de cibercultura incluem as comunidades SVy Nk wpe a deg rts Sys ese shy cE 8 rn ear he wilba mikes’ 7 \ Y INOWAS MiDIAS COMO TECNGLOGIA & (DEIA: DEZ DEFINIGOES 2 on-line, os jogos com miltiplos jogadores on-line, a questao da identida- de on-line, a sociologia e a etnografia do uso do e-mail, 0 uso dos telefo- nes celulares em varias comunidades, as questées de género e etnia no uso da internet, etc.’ Observe que a énfase esta nos fendmenos sociais; a cibercultura nao lida diretamente com novos objetos culturais capacita- dos pelas tecnologias de comunicagao em rede. O estudo desses objetos é o dominio das novas midias. Além disso/as novas midias ocupam-se de objetos e paradigmas culturais capacitados por todas as formas de com- putagao, nao apenas pela rede/Resumindo: a cibercultura concentra-se no social e na rede; as novas midias concentram-se no cultural e na com- putagio. 2. Novas midias como tecnologia computacional usada para distribuigao O que sio esses novos objetos culturais? Dado que a computagao digi- tal agora 6 usada na maioria das areas de produgao cultural, desde publi- cagées e propaganda até cinematografia e arquitetura, como isolar a area da cultura que deve sua existéncia especificamente & computacao? Em The Language of New Media,? comego a discussao das novas midias invo- cando sua definigao, que pode ser deduzida de como o termo é usado na imprensa popular;/as novas midias sao objetos culturais que usam a tecnologia computacional digital para distribuigao e exposi¢ao,Portanto, a internet, os sites, a multimidia de computadores, os jogos de computa- dores, 05 CD-ROMs e 0 DVD, a realidade virtual ¢ os efeitos especiais gerados por computador enquadram-se todos nas novas midias, Outros objetos culturais que usam a computagao para a produgao e o armazenamento, mas nao para a distribuigdo final — programas de televi- Para um bom exemplo de paradigma da ciberculturs, ver Resource Center for Cyberculture Studies (Centro de Pesquisa para Estudos de Cibercultura da Universidade de Washington), disponivel em hutpifiwww.com, washington.edu/recs/. > Lev Manovich, The Language of New Media (Cambridge: MIT Press, 2001). 28 © chip & © caLETDOSCOPIG: REFLEXOES SOBRE AS NOVAS MintAS: sao, filmes de longa metragem, revistas, livros e outras publicagdes com base no papel, etc. -, no sio novas midias. O problema com essa definigao ¢ triplice. Primeiro, ela tem de ser revista de ano em ano, quando mais alguma parte da cultura vem a se valer da tecnologia de computagao para a distribuigao (por exemplo, a mudanca da televiséo analogica para a digital, a mudanga da projecio de filmes com base em pelicula para a projegéo digital nos cinemas, os li- vros eletrénicos, etc.). Segundo, podemos suspeitar que, no fim, a maio- tia das formas de cultura usard a distribuic¢ao computadorizada e, por- tanto, o termo “novas midias”, definido desta maneira, perdera qualquer especificidade. Terceiro, esta definigéo nao nos diz nada sobre os possi- veis efeitos da distribuigao com base no computadar sobre a estética do que esté sendo distribuido, Em outras palavras, os sites, a multimidia dos computadores, os jogos de computador, os CD-ROMs ¢ a realidade virtual tém, todos eles, alguma coisa em comum por serem expressos por meio de um computador? Apenas se a resposta for um sim, ainda que parcial, far sentido pensar nas navas midias como uma categoria te6ri- ca itil. 3. Novas midias como dados digitais controlados por software ‘The Language of New Media baseia-se na suposigao de que, na verda- de, todos os objetos culturais que se valem da representacao digital e da expressao com base no computador compartilham algumas qualidades comuns. No livro, articulo alguns dos prineipios das novas miclias: a re- presentacao digital, a modularidade, a automacdo, a variabilidade e a transcodificagao, Nao suponho que qualquer objeto cultural com base em computador seja necessariamente estruturado segundo esses princi- Bios hoje. Antes, sao tendéncias de uma cultura que est passando pela computadorizagao e que, gradualmente, irdo se manifestar cada vez mais. Por exemplo, o princfpio da variabilidade afirma que um objeto cultural das novas mfdias pode existir em estados diferentes, potencialmente in- finitos. Hoje, as exemplos de variabilidade sao sites comerciais da rede, NOVAS MIDIAS COMO TECNOLOGIA E IMA: DEZ DEFINIGOES 29 programados para personalizar paginas da rede para todo usuario especi- fico que acessar 0 site, os remix feitos por DJs de gravagées j existentes; amanha, 9 principio da variabilidade também poderd estruturar um fil- me digital que, similarmente, existiré em miltiplas versdes. Deduzo esses principios, ou tendéncias, a partir do fato basico da re- presentagao digital das midias. As novas midias reduzem-se a dados digi- tais que podem ser manipulados por software como quaisquer outros dados. Isso permite automatizar muitas das operagées das midias, gerar miiltiplas verses do mesmo objeto, etc. Por exemplo, assim que uma imagem é representada como uma matriz de niimeros, ela pode ser mani- pulada ou mesmo gerada automaticamente por algoritmos, como aumen- tar a definigéo, azular, colorizar, mudar contraste, etc. De modo mais geral, expandindo 0 que propus em meu livro, poderia dizer que as duas maneiras basicas pelas quais os computadores mode- lam a realidade ~ por meio de estruturas de dados e algoritmos - também podem ser aplicadas as midias assim que so representadas digitalmente. Em outras palavras, uma vez que as novas midias séio dados digitais con- trolados pelo software “cultural” especffico, faz sentido pensar ern qual- quer objeto de nova midia em fungdo de estruturas de dados especificas efou algoritmos especificos que ele incorpora.? Fis os exemplos de estru- turas de dados: uma imagem pode ser considerada uma disposigao bidimensional (x, y), ao passo que um filme pode ser considerado uma disposigao tridimensional (x, y, t). Ao pensarmos nas midias digitais em fungao de algoritmos, descobrimos que muitos deles podem ser aplica- dos a qualquer midia (como copiar, cortar, colar, comprimir, encontrar, corresponder) enquanto alguns ainda conservam a especificidade de midia. Por exemplo, podemos facilmente buscar um texto especifico em um texto, mas ndo um objeto especifico em uma imagem, Inversamente, pode-se compor muitas imagens iméveis ou em movimento, mas nao tex- tos diferentes. Essas diferengas estao relacionadas com as Idgicas » Aqui nio me refiro as estruturas de dados ¢ algoritmos efetivos que podem ser usados por um software especifico ~ antes, penso neles de maneire mais abstrata: qual & a estrutura de um objeto cultural e que tipo de operacoes habilita para 0 usuatio,

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