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Cinema global, cinema mundial


Denilson Lopes

Ao mesmo tempo em que surgiu no século XIX 1/16


Resumo o conceito de uma literatura nacional, surgiu
A partir de uma defesa da rentabilidade do conceito de
também seu contraponto: a proposta de uma
cinema global no contexto do cinema contemporâneo
e de uma perspectiva cosmopolita, nos perguntamos literatura mundial (Weltliteratur) cunhada por

Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.13, n.2, maio/ago. 2010.
sobre o que é pensar o mundo, como ele pode ser
Goethe. Mais recentemente, sobretudo a partir
encenado, quem pode falar sobre o mundo e como
ele se configura como um desafio estético. Portanto, dos anos 70, no século passado, a indústria
a experiência da globalização tornada cotidiano, fonográfica passou a utilizar a expressão world
memória, afeto é traduzida, interpretada, não só como
tema, mas como algo estrutural, dentro de uma rede music. Bem menos conhecida, mais recente e
multidirecional, próxima das discussões trazidas por com menos impacto, ao menos até o momento,
Negri e Hardt, sob a égide do Império, que desconstrói
no debate crítico é a expressão world cinema.
categorias como 1º/3º mundo, e por extensão, a teoria
dos três cinemas. Para tentar desenvolver essa questão Gostaria não tanto de buscar um conceito preciso
analisaremos “Até o Fim do Mundo de Wim Wenders”
para a delimitação de que poderia ser, hoje,
(1991) e “O Mundo” de Jia Zhang-ke (2004), em diálogo
com outros filmes e privilegiando a construção do uma arte global ou mundial, mas apontar um
espaço e dos personagens.
caminho, em continuidade à busca de paisagens
Palavras-chave
Cinema global. Cosmopolitismo. Cinema mundial.
transculturais no cinema contemporâneo e em
diálogo com expressões equivalentes na literatura
Denilson Lopes | noslined@bighost.com.br e na música. Não pretendemos fazer um
Possui graduação em Comunicação Jornalismo pela Universidade de
Brasília (1989), mestrado em Literatura pela Universidade de Brasília levantamento exaustivo dos termos literatura
(1992) e doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília (1997).
Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro mundial e world music e a particularidade
e bolsista do Conselho Nacional de Pesquisa. Tem experiência na área
de Comunicação, com ênfase em Estética da Comunicação, atuando
de seus debates, apenas retirar elementos
principalmente nos seguintes temas: estética da comunicação, cinema
contemporâneo, estudos de gênero (estudos gays e transgêneros), crìtica
que possam ajudar nossa reflexão sobre o
de cultura e arte contemporâneas, estudos culturais, literatura comparada.
Autor de A Delicadeza: Estética, Experiência e Paisagens (Brasília, EdUnB,
cinema contemporâneo.
2007), O Homem que Amava Rapazes e Outros Ensaios (RJ, Aeroplano,
2002) e Nós os Mortos: Melancolia e Neo-Barroco (RJ, 7Letras, 1999).
O primeiro aspecto que gostaria de reter,
Ele é co-organizador de Cinema, Globalização e Interculturalidade
(Chapecó, Argos, 2010), Imagem e Diversidade Sexual (SP, Nojosa, 2004) já presente na defesa de Goethe de uma
e organizador de O Cinema dos Anos 90 (Chapecó, Argos, 2005).
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literatura mundial, é a busca de alternativas um problema que demanda um novo método


à emergência de um discurso que privilegia as crítico” (MORETTI, 2004, p. 149, tradução
especificidades das culturas nacionais. Contudo, nossa), uma outra forma de olhar.
diferente da posição de Goethe, após as diversas
Por sua vez, a discussão sobre world music
críticas a categorias universais e totalizantes,
pode contribuir para avançarmos um
feitas tanto por pós-estruturalistas como por
pouco mais, ao chamar a atenção para uma
intelectuais vinculados aos Estudos Culturais,
peculiaridade também presente no conceito
é, no mínimo, incômodo, recorrer a um vago
de world cinema. Se o rótulo de world music,
discurso humanista, sustentado apenas pela
num primeiro momento, dentro da indústria
possibilidade de públicos de diferentes culturas 2/16
fonográfica norte-americana, significou um
se sentirem próximos, contemplados ou
reconhecimento de um mercado para músicas
enriquecidos por obras feitas por artistas de
não-faladas em inglês e uma abertura para
outras culturas que não a sua.

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outros estilos não vinculados à cultura pop
Se os povos viajam, nada mais natural que norte-americana, o risco da expressão parecia
as ideias e obras viajem também, que sejam o de configurar um gueto que aglutinava
traduzidas, interpretadas e lidas nos mais estilos muito diversos sob um vago sinal de
diferentes lugares. E nesse sentido, Goethe, alteridade exótica.
embora ainda se mantenha dentro um quadro
Também a expressão world cinema, utilizada
de referência essencialmente eurocêntrico,
em escolas de cinema no mundo anglo-saxão,
nada tem de purista, ao defender que a
parece criar, sem uma maior consistência
tradução faz com que o texto original ganhe
conceitual, um saco de gatos para todas as
novos sentidos. Ele chega a considerar os
cinematografias que não sejam euro-norte-
comentários de críticos estrangeiros sobre
americanas e/ou não faladas em inglês, assim
seu Fausto feitos a partir de traduções
como world literature tem sido utilizada da
como mais interessantes do que os de seus
mesma forma dentro dos departamentos de
conterrâneos. O que podemos guardar da
estudos literários (DAMSROCH, 2003, p. 282).
defesa de Goethe de uma literatura mundial é
A expressão world cinema seria “análoga a
que arte global, e em nosso caso cinema global
world music e a world literature ao serem
certamente, não diz respeito a uma escola
categorias criadas no mundo ocidental para
ou movimento, nem apenas é um conjunto
se referir a produtos culturais e práticas que
de obras, “uma soma de todas as literaturas
são sobretudo não-ocidentais” (DENNISON;
nacionais” (GUILLÉN, 1993, p. 38, tradução
LIM, 2006, p. 1).
nossa), nem “um objeto, é um problema, e
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Uma primeira discussão sobre um cinema 4), de autores que podem ter seus livros, poucos
global1 parece levar-nos a pontos que não anos depois de suas publicações, traduzidos
contemplamos até agora: os circuitos de em outras línguas, e encontrar um público que
produção e distribuição de produtos culturais pode até ser superior ao de sua cultura nacional
e obras artísticas. Como nas polêmicas original (idem, p. 18).
que envolvem a world music, sobretudo
No caso do cinema, isto também não nos parece
nas colaborações de pop stars anglófonos
suficiente para construir a ideia de um cinema
com músicos do mundo inteiro, como nos
global, ainda que seja importante reconhecer
conhecidos e debatidos casos de Paul
as condições de distribuição e, acrescentaria,
Simon, Peter Gabriel, David Byrne e Sting, 3/16
mesmo de produção, que possam viabilizar filmes
para mencionar apenas alguns, seria pobre
com equipes de vários países e que atinjam,
se referir a um cinema global como mera
eventualmente, milhões de espectadores pelo
decorrência da realização de um filme com

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mundo afora, sem deixar de criar uma nova
equipe técnica e elenco de vários países,
tensão em artistas ao desejarem atingir um
visto que Hollywood, já nos anos 20, atraía
público internacional, mesmo com os riscos de
profissionais dos mais diferentes países
auto-exotização para conseguir reconhecimento
desde que se integrassem aos seus modos
global (DENNISON; LIM, 2006, p. 3).
de produção.
Para pensar um cinema global, me distanciei do
Pensar uma arte global como “modo de
mero exotismo ou de fenômenos estritamente
circulação e leitura – um modo que é tanto
culturais, que fazem da arte apenas um produto
aplicável a trabalhos individuais como a
de acesso fácil e rápido a outras realidades
conjuntos de materiais disponíveis para
e lugares, próximos ao turismo, para ser
a leitura de clássicos estabelecidos como
consumido antes e durante viagens ou para se
novas descobertas” (DAMSROCH, 2003, p. 5,
viajar sem sair do conforto de nossas casas, na
tradução nossa) – certamente é um avanço, mas
esteira de feiras universais que tiveram tanta
precisamos ir mais longe para utilizar o conceito
popularidade desde o fim do século XIX até
de arte global, dentro da singularidade histórica
a construção de parques temáticos em que
que emerge no contexto do capitalismo tardio, e
ícones e imagens de culturas são sintetizados
diga respeito não só a “trabalhos artísticos que
em seus aspectos mais conhecidos. Procurei
circulem para além de sua cultura original, seja
trabalhos mais singulares de um ponto de vista
em tradução ou em sua língua original” (idem, p.
estético, em que a experiência da globalização

1 Pelo que foi exposto, preferimos usar o termo cinema global (global cinema) a cinema mudial (world cinema)
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se configurasse como cotidiano, memória, especificidades ao desqualificar qualquer


afeto, traduzida, interpretada, não só como construto nacional, notadamente dos países
tema, mas como questão indissociável de sua com economias mais frágeis. Essa constatação
fatura, dentro de uma rede multidirecional, também não é suficiente para construir o
próxima às discussões trazidas por Negri e cinema global como instrumento de abertura a
Hardt, sob a égide do Império, que descontrói práticas e objetos de outras culturas. Encontro
categorias como 1º/3º mundo, e por extensão, essa preocupação traduzida de forma mais
a teoria dos três cinemas ou dicotomias como complexa e rica menos no debate crítico e
mainstream/independente. O cinema global teórico que em alguns filmes, como veremos
seria, portanto, mais uma estrutura rizomática, mais adiante, enfatizando em especial a 4/16

se quisermos seguir uma abordagem deleuziana, encenação do espaço e os personagens.


aliás fundamental para a noção de império
De início, poderíamos pensar em duas
como rede, em contraponto a estruturas axiais

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alternativas para um filme global, que não
que configurariam os cinemas nacionais, com
pudesse naturalmente acontecer no mundo
seus próprios e específicos passados, presentes
inteiro, mas que ocorresse em uma diversidade
e futuros. Enquanto estrutura rizomática, o
de lugares, feito por uma equipe que transitasse
cinema global estaria mais perto de um “atlas”,
por vários continentes e países, ou que
um “mapa” (ANDREW, 2006), ou ainda de
reconstituísse em estúdio esta experiência de
constelações de múltiplas possibilidades de
viagem. Ou ainda, um filme que, mesmo filmado
configuração, constituindo-se em “um método,
em um mesmo local, enfatizasse como esse
uma maneira de atravessar a história do cinema
lugar é marcado pela presença de referências de
de acordo com ondas de filmes relevantes
outras culturas, seja pela migração, seja pelos
e movimentos, criando geografias flexíveis”
meios de comunicação de massa. No interior
(NAGIB, 2006, p. 35, tradução nossa).
dessas possibilidades, gostaríamos de discutir
Seria importante, contudo, não esquecermos não simplesmente miscigenações, hibridismos e
a dimensão política e anti-homogeneizante das interculturalidades, mas como o mundo aparece
discussões em torno de um terceiro cinema, não apenas como sinônimo do distante, do
ainda que não necessariamente para repetirmos outro, da alteridade, mas como uma construção
seu conteúdo revolucionário, nos termos dos anos inclusiva, não dicotômica. Enfim, o que quer que
60, mas para evitarmos usar a expressão cinema o cinema global ou mundial seja, gostaríamos
global apenas como uma categoria no universo de discutir como o mundo pode ser encenado,
do consumo e da indústria de entretenimento ou quem pode falar sobre ele e como ele se
como um instrumento neoliberal que sufocaria configura como um desafio estético.
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Um ponto de partida podem ser as três categorias sobre a Terra (1991), de Jim Jarmusch, e
que Martin Roberts identifica de um imaginário Sans Soleil (1982), de Chris Marker. Roberts
global no cinema euro-norte-americano. também menciona Werner Herzog, Ottinger,
Primeiro, ele identifica os filmes de exploração Aki e Mika Kaurismäki, que realizariam “uma
global (“global exploitation film”), como Mondo observação sardônica e distanciada da ordem
Cane (1963), marcados por uma perspectiva mundial crescentemente transnacional e da
carnavalesca, exotizante, colonialista, na cultura a ela associada”, constituindo – eles e
medida em que apresenta um mundo caótico seus personagens – de forma auto-consciente
relacionado à retirada da civilização construída “nômades” e “descendentes pós-modernos
pelos europeus (ROBERTS, 1998, p. 66-67, do flâneur de Baudelaire, cosmopolitas 5/16

tradução nossa). Em seguida, o autor chama desenraízados fazendo seu caminho pelo
de globalismo de “coffee-table” (idem, p. 66) globo à procura do sempre novo e diferente”,
filmes como Koyaanisqatsi (1982) e Powaqqatsi para quem “o turismo, lugares turísticos e

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(1988), ambos de Godffrey Reggio, ou Baraka mesmo os turistas são tipicamente alvos de
(1992) de Ron Fricke, e é neste último que desdém ou sátira, mesmo que os cineastas e
Martin Roberts vai se deter no seu artigo. Esses protagonistas não sejam menos turistas do que
filmes compartilham uma certa perspectiva quaisquer outros. O que é talvez mais memorável
humanista, com ecos holistas e ecológicos, feitos sobre filmes desse tipo é o seu culto do
sem falas nem diálogos, com uma trilha sonora cosmopolitismo, acompanhado de um desprezo
predominantemente instrumental e onipresente, pelo paroquialismo do nacional” (ROBERTS,
justapondo imagens de diferentes culturas e 1998, 66, tradução nossa). É este imaginário,
países, enfocando paisagens monumentais que Roberts não desenvolve em seu artigo, que
e espetaculares da natureza e dos espaços gostaríamos de explorar, mencionando outros
urbanos, privilegiando rituais religiosos, filmes, feitos depois da publicação do artigo –
multidões nas ruas, pessoas trabalhando, sem como Flerte (1995), de Hal Hartley, O intruso
se deter em um personagem individual a não (2004), de Claire Denis – ou feitos por cineastas
ser em rápidos closes, encenando uma espécie que não são originários da Europa Ocidental
de cotidiano global. ou dos EUA – como Nós que aqui estamos por
vós esperamos (1998), de Marcelo Marzagão,
Por fim, Roberts aponta para um terceiro
O Mundo (2004), de Jia Zhang-Ke, e Babel
imaginário que ele chama de “cosmopolitismo
(2006), de Alejandro González Iñarritu – que
conspícuo de uma vanguarda internacional”,
talvez ampliem ou modifiquem este quadro
(idem, p. 66), destacando filmes como Até o
apresentado por Roberts.
Fim do Mundo (1991), de Wim Wenders, Noite
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Contudo, antes de nos determos nos filmes que cosmopolitismo como uma “barganha estratégica
desejam encenar o mundo, talvez seja importante com o universalismo; em que o interesse pela
se referir ao retorno do cosmopolitismo, humanidade ocorre sem ignorar a diferença
termo usado por Roberts para falar desses (idem, 234). Dessa forma, “o termo não seria
filmes. O debate sobre o cosmopolitismo é um tão ambicioso como a palavra universalismo,
tema recorrente, seja na história das ideias, embora ela faça o mesmo trabalho. [...] Nem
nas ciências sociais, políticas, jurídicas, é tão politicamente ambicioso como a palavra
econômicas, seja nos estudos das elites internacionalismo” [...], mas pode evitar
culturais e intelectuais, ou ainda daqueles que ser confundido com o desejo de reavivar um
eram usualmente excluídos das benesses da terceiro mundismo naif dos anos 60 e oferecer 6/16

globalização, digamos, os pobres e trabalhadores uma melhor descrição da sensibilidade de


não-qualificados. Não pretendemos mapear esse nosso momento” (ROBBINS, 1998b, p. 260,
debate, mas apenas mencionar algumas questões tradução nossa).

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que talvez nos ajudem a compreender melhor os
Há, claramente, vários riscos, entre eles o de se
filmes que escolhemos nesse percurso.
colocar na posição de “quem tenha poder para
Paralelamente à emergência dos discursos sobre definir quem é provinciano” (MALCOMSON,
a globalização e o multiculturalismo, nos últimos 1998, p. 238, tradução nossa). Estabelecer
20 anos, o cosmopolitismo, apesar de sua longa uma dicotomia rígida entre cosmopolitismo e
história, mais antiga do que a dos discursos provincianismo, localismo ou nacionalismo, pode
nacionalistas, reaparece a partir de diversos não ser rentável, devido às claras e complexas
seminários, publicações e perspectivas. Não conexões entre o global e o local que levou
se trata tanto de pensar o cosmopolitismo na entre outras coisas à formulação do neologismo
tradição dos filósofos franceses do século XVIII, ‘glocal’. Embora não seja o caso de conceber
que designa, sobretudo, “uma ética intelectual, um cosmopolita como quem não pertence a
um humanismo universal que transcende lugar algum, bem como seja difícil “a fantasia
particularismos regionais” (CHEAH, 1998a, p. paranoica de ubiquidade e onisciência”, ou seja,
22, tradução nossa). Mais do que um conceito de pertencer a todos os lugares, de estar em todos
rigoroso, o cosmopolitismo seria um projeto os lugares (ROBBINS, 1998b, p. 260); também
em aberto (BHABHA et al., 2002, p. 1), uma não interessa resgatar a figura do cosmopolita
“atitude” (MALCOMSON, 1998, p. 233) porque como criticada, sobretudo pela esquerda, como
seus desafios não são teóricos, mas práticos alguém marcado por um “distanciamento
(idem, 238), ou pelo menos talvez uma discussão irresponsável e privilegiado” (ROBBINS, 1998a,
abstrata seja menos interessante do que pensar o p. 4, tradução nossa). Isso ocorre porque cada vez
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mais se pensa na importância de uma resistência Outro fato a enfatizar é que o uso da expressão
global e de uma cidadania mundial bem como cosmopolita alargou-se para além das
em formas de ir além da diáspora como forma elites culturais e econômicas, privilegiadas
privilegiada de construção social e política de historicamente tanto na possibilidade de viajar
hibridismos e interculturalidades (CHEAH, quanto de acesso a uma informação ampla –
1998b). Incorpora-se a necessidade de entender envolvendo as possibilidades trazidas pelos meios
o cosmopolitismo como uma das “formas de comunicação de massa – quanto decorrente
culturais do mundo contemporâneo sem lógica dos fluxos migratórios massivos de trabalhadores
ou cronologicamente pressupor a autoridade da entre continentes – que têm seus precursores,
experiência ocidental ou os modelos derivados como bem lembra James Clifford (1997, p. 33-34), 7/16

dessa experiência” (APPADURAI, 1991, 192, não só nos viajantes cavalheiros, mas também em
tradução nossa), assumindo formas como a seus empregados que viajavam com eles.
de um cosmopolitismo pós-colonial (PARRY,

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Portanto, o cosmopolitismo é uma espécie de
1991, p. 41), vernacular (BHABHA, 1996, p.
reação tanto aos excessos do provicianismo
191/207), periférico (PRYSTHON, 2002), do pobre
local, regional e nacional quanto à experiência
(SANTIAGO, 2004, p. 45/63) ou mesmo patriota
de desterramento, de desenraizamento, de ser
(APPIAH, 1998, p. 91). Apesar da diversidade de
estrangeiro onde quer que se esteja, de não
termos e posições, poderíamos sintetizar que o
pertencer a nenhum lugar. O cosmopolitismo,
cosmopolitismo “pressupõe uma atitude positiva
ao contrário, é uma outra forma de pertencimento
em relação à diferença, um desejo de construir
que faz do mundo uma casa, um lar, concretamente
alianças amplas e comunidades globais pacíficas
construída a partir de múltiplos vínculos.
e igualitárias, com cidadãos que seriam capazes
de comunicar através de fronteiras culturais e Para vermos com mais detalhes essa
sociais, formando uma solidariedade universal” possibilidade é que vamos tentar entender como
(RIBEIRO, 2003, p. 17, tradução nossa). E ainda o mundo é pensado pelo cinema. Alguns filmes
mais se entendemos o pós-colonialismo como contam histórias simultâneas em várias partes
uma cosmopolítica de intelectuais de países que do globo – como o recente Babel, em que a partir
foram colonizados pela Inglaterra e cujo processo da circulação de uma espingarda nas mãos de
começou depois da Segunda Guerra Mundial, no vários personagens, a narrativa transita pelos
desejo de provincializar a Europa; a tarefa de um EUA, México, Marrocos e Japão, ou em Noite
pós-imperialismo que inclua a América Latina sobre a terra, que conta estórias passadas dentro
teria uma importante tarefa de provincializar os de um táxi numa mesma noite em cinco cidades
EUA (idem, p. 30). diferentes. De certa forma, esses filmes são
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herdeiros dos trabalhos que, pelo menos desde os as conexões pelos meios de comunicação. O
anos 20, tentam apresentar o cotidiano da cidade assalto reúne estilhaços de um enredo de
por uma justaposição de estórias paralelas. Nossa filmes policiais, incluindo um personagem-
escolha, contudo, foi para dois filmes que usam detetive (Rüdiger Vogler), mas a intenção é
outros recursos: um road movie global e um filme menos criar suspense do que uma conexão
em que se viaja pelo mundo sem sair do lugar. entre os vários espaços que são percorridos.
Nossa primeira parada será Até o fim do mundo, As cidades, em grande maioria europeias,
de Wim Wenders (1991). aparecem sob o signo do excesso de
movimento, da informação e da imagem.
Desde o início de sua carreira, Wim Wenders
8/16
tem uma obsessão por personagens em trânsito, Pouco a pouco percebemos que é disso que se
em busca de uma casa, de uma pessoa ou trata, uma discussão sobre o olhar e imagem,
simplesmente, à deriva. Até o fim do mundo questão recorrente nos filmes de Wenders.

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é seu filme mais ambicioso em termos de Sam Farber (William Hurt) é um cientista que
produção e custos, gravado em 12 países, e percorre o mundo para gravar imagens de sua
que leva o nomadismo de seus personagens a família espalhada pelo mundo para que Edith
atravessarem a Europa, Ásia, Estados Unidos até (Jeanne Moreau), sua mãe cega, a partir de uma
chegarem ao interior da Austrália. Não se trata máquina criada por Henry Farber, seu pai (Max
mais de transitar por uma cidade, um país ou von Sydow), possa ver. Só que o aparelho, uma
continente, mas pelo mundo todo. Este mais do espécie de câmara cinematográfica, cansa os
que um cenário é um espaço que não encarna olhos e retira a visão de quem o grava. O filme
mais um mal-estar diante do passado alemão, retoma um posicionamento ético de Wenders de
nem as relações ambíguas com a cultura norte- que o excesso de imagens, o excesso do desejo de
americana. Este novo sentimento, esta nova ver leva à cegueira real ou metafórica. Não é a toa
posição é definida pelo próprio Wim Wenders que Sam Farber se reestabelece num pequeno
como “cosmopolita” (WENDERS, 2001, p. 292). povoado do Japão, onde ervas medicinais são
utilizadas sobre seus olhos. Como se a cura para o
Na primeira parte do filme, é o dinheiro de
excesso de imagens, excesso de mundo, estivesse
um assalto e o uso de cartões de créditos que
na pausa, no recolhimento, no local isolado ou
possibilitam vários dos seus personagens se
até mesmo na escrita.
moverem numa viagem em que as grandes
cidades parecem umas vizinhas às outras, bairros A reaparição do local aparece de forma ambígua
de um mesma megalópole global, sem fronteiras. no próprio filme. Se a pequena cidade japonesa é
A viagem parece ser tão instantânea quanto o lugar da cura para Sam Farber; o fim da viagem
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é no interior da Austrália, em meio ao deserto, outra direção, não só para fazer ver os cegos, mas
onde o laboratório de Henry Farber desenvolveu tornar visíveis os sonhos, traduzidos em imagens
as pesquisas para criar a máquina que possibilita digitalizadas, revelando o que poderia ser o
que os cegos vejam. O pai, cientista famoso, fugiu mais privado, oculto. É neste momento que os
dos EUA com sua família para evitar que seu assistentes aborígines de Henry Farber abandonam
aparelho fosse usado para fins militares e por o laboratório, contrários ao vasculhamento do
grandes corporações. Para ele, o local é apenas o mundo interior enquanto os personagens que
lugar que possibilita isolamento desde que tenha restaram ficam cada vez mais obcecados em verem
condições de trabalho, pouco refletindo sobre os seus próprios sonhos, fechados no seu próprio
custos que tal empreitada tem para sua própria mundo, cegos para o mundo. 9/16

família ou o impacto sobre a comunidade local


Tempos depois, num dos finais mais redentores
de aborígenes. Ele encarna, através da figura da
e afirmativos nos filmes de Wim Wenders,
cientista, um saber que não vê os outros, cego

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Claire (Solveig Dommartin), a namorada de
para outras formas de conhecimento.
Sam Farber, aparece envolvida em uma quase
O fim do mundo é, mais do que num sentido aura de luz, militante ecológica, viajando ao
pejorativo, um espaço perdido, distante de tudo, redor da Terra, cuidando do planeta, em claro
cada vez mais difícil de ser encontrado devido contraponto com sua situação no início do
ao impacto dos meios de comunicação de massa filme, perdida, acordando em lugares que não
e de transporte bem como às tecnologias a eles reconhecia, como numa sucessão de pesadelos
associados; o fim do mundo aparece, de uma e desencontros. É o aniversário dela, quando
outra forma, quando pela metade do filme, recebe parabéns de vários dos personagens, a
devido à queda de um satélite, anunciada desde partir de telas que aparecem na nave que circula
o início, todas as máquinas param de funcionar ao redor da Terra. Não se trata de um final feliz
devido à falta de eletricidade. Carros parados, para o casal de protagonistas, mas a celebração
computadores e telefones desligados pelo mundo das possibilidades de encontros e afetos via
todo. Seria o fim do mundo, já que os personagens tecnologia. Uma aposta.
só sabem do que está próximo fisicamente e
Eu amo olhar para utopias positivas. Mesmo se
geograficamente a eles? Ou fim de um mundo elas são algumas vezes terrivelmente ingênuas
tecnológico, tal como foi se configurando a partir eu ainda acho que elas são mais produtivas do
que distopias. Não tenho nenhum interesse em
da segunda metade do século XIX?
visões sombrias do futuro. O fim do mundo é um
lugar-comum hoje em dia. Não se pode fazer
As comunicações são reestabelecidas, mas as nada com isso. Toda esta conversa de ‘no futu-
pesquisas de Henry Farber caminham para uma re’ me entedia enormemente (WENDERS, 2001,
p. 295, tradução nossa).
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Esta aposta, não é desnecessário frisar, passa seguirmos para The world (2004), de Jia Zhang-
pelo cosmopolitismo, claramente definido como Ke: “As coisas à margem estão começando
uma atitude existencial e ética, mas distante de a desempenhar crescentemente um papel
um distanciamento irresponsável, privilegiado e importante. Devemos prestar atenção às
prerrogativa de elites culturais. pequenas coisas, olhá-las mais de perto. O curioso
e o estranho frequentemente nos falam mais.
Talvez a questão que mais no fica do filme é
Certas coisas só podem ser expressas em tais
se seria possível falar de um cotidiano global,
estórias, e não em estilo épico, grandioso” (apud
fora desta perspectiva utópica apontada por
GROB, 1997, p. 191, tradução nossa).
Wenders, um cotidiano não marcado pelo tom
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grandiloquente, pela tour de force (e pela O mundo no filme de Jia Zhang-Ke é o nome de
produção) que faz com que os personagens de Até um parque temático situado em Pequim, onde
o fim do mundo atravessem o globo, ao mesmo monumentos dos mais conhecidos aparecem

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tempo em que um satélite, este olhar que transita ali em escala reduzida, como a Torre Eiffel, as
no espaço, em enorme velocidade, está caindo pirâmides do Egito, o sul de Manhattan, contando
para este mundo concreto e material. Se, em As ainda com as torres gêmeas do World Trade
asas do desejo (1987), o filme anterior de Wim Center nas palavras orgulhosas de um guia, e
Wenders, os anjos ainda creem neste mundo ainda, o Big Ben, a torre inclinada de Pisa, o Taj
material e concreto como possibilidade poética Mahal, o Vaticano e o Parthenon. Novamente, as
e por ele abdicam de sua condição eterna; em imagens representativas do mundo vem sobretudo
Até o fim do mundo, os personagens parecem de uma tradição ocidental, catapultadas pelo
ficar suspensos nos fluxos comunicacionais, ou turismo de massa como lugares de desejo. O
neles e por eles, encontrando seu espaço de parque é atravessado por uma espécie de trem
encontro, seu lugar de pertencimento, talvez que “passa pelos mais diferentes países” em 15
sua comunidade. Em Até o fim do mundo, minutos. Os próprios personagens usam mais de
Wenders parece apostar na potência de um uma vez a expressão de ir para Índia, ir para o
cosmopolitismo redefinido pela tecnologia, mas Japão, ao cruzar os monumentos do parque. Tudo
não submetido aos seus excessos. isto já aparece traduzido nos slogans: “veja o
mundo sem precisar sair de Pequim” ou “dê-nos
Para talvez pensarmos esta descida à terra, ou
um dia e mostraremos o mundo”.
para olharmos um outra visão menos luminosa
do que a de Wenders, um outro cosmopolitismo, Mas que mundo é esse que nos será apresentado?
falado de um outro lugar, talvez devemos Diferente do road movie de Wenders que
aceitar um pouco o desafio de Ernst Bloch e transita por continentes e países, no filme de
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Jia Zhang-Ke, não são sequer os visitantes que contado, economizado, os pequenos problemas
são enfocados mas os que trabalham no parque, amorosos e familiares, nada de muito épico ou
em especial, as moças que realizam uma espécie grandioso, nem nos fatos nem nos personagens.
de show musical celebratório de várias culturas O tom é melancólico, em modo menor, mas
do mundo e os vigias do parque, em suma, ainda há uma aposta, no fim do filme, quando
trabalhadores não-especializados, originários de supostamente o casal protagonista, formado
pequenas cidades, para quem sua maior viagem pela dançarina Tao (Tao Zhao) e pelo vigia
até então parece ter sido a que fizeram de suas Taisheng (Taisheng Chen), morre devido a um
cidades de origem para Pequim. Trabalhadores vazamento de gás enquanto estava dormindo.
que têm mesmo severas restrições para sair de Uma amarga aposta metafísica diante de um 11/16

seu país, como aparece retratado por uma das cotidiano empobrecido? Certamente não se
personagens que consegue o visto após vários trata mais do tom bressoniano de seus outros
anos que seu marido saiu de forma ilegal. Parece filmes, fascinado por jovens deixados um pouco à

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mais fácil para o estrangeiro entrar em Pequim, margem do desenvolvimento econômico chinês,
como vemos pelas mulheres russas trazidas para com dificuldade de se integrarem no mundo do
trabalhar no parque temático, numa ambígua trabalho, como em Xiao Wu (ou Pickpocket)
situação que parece sugerir o tráfico de mulheres. (1998) e Prazeres Desconhecidos (2002). Com
O mundo, Jia Zhange-Ke fez talvez o seu filme
O mundo no filme não é o alvo de uma crítica
mais ambicioso. Pela primeira vez, ele contou
social simplista, simplesmente o lado não-
com apoio de uma produtora estatal, que
mostrado pelo caráter ascético, monumental e
possibilitaria sua melhor exibição na China,
pasteurizado dos monumentos transformado em
bem como contou com recursos japoneses (da
cenário e imagem. Sem ser a apoteose festiva do
companhia de Takeshi Kitano) e franceses.
mundo do simulacro encenada numa Las Vegas
Mas também há modificações formais. Os
repleta de neon em plena comemoração de 4 de
cortes diminuem a duração dos planos, em
julho por Coppola em O fundo do coração (1982);
que se alternam os poucos espaços íntimos
o parque é também uma possibilidade de uma
empobrecidos e os planos gerais de Pequim
vida melhor para os seus empregados, é espaço
e do parque. A bela fotografia de Yu Lik-wai
de encontro e de sociabilidade, uma paisagem
contrapõe a grandiosidade dos espaços, dos
transcultural bem particular, em que as imagens
canteiros de obras, das vastas highways vazias
midiáticas do mundo ganham três dimensões e
de noite à precariedade e insegurança da vida
viram lugares por onde se caminha, trabalha e
de seus personagens, contraposição que Jia
habita. A ênfase longe do tom aventuresco de
Zhang-Ke continuará explorando em Em busca
Wim Wenders muda para o dia a dia, o dinheiro
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da vida (Still life, 2006). O uso de uma trilha mesmo sem falarem uma mesma língua em
sonora (pela primeira vez em seus filmes) com comum ou pelo encontro que Tao tem com o ex-
marcas eletrônicas feitas por Giong Lim acentua namorado (Jin Dong Liang) quando ele a visita,
o distanciamento de uma certa secura e aspereza indo a caminho de Ulan Bator, na Mongólia,
de seus filmes até então, marcados por longos onde parece só resistir uma vaga lembrança do
planos, pouco estetizados, apenas com som passado. Ou ainda na personagem da estilista
diegético, procedimentos explorados ao máximo Qun (Yi-qun Wang) com quem Taisheng começa a
em Plataforma (2000), anti-épico histórico que se envolver, mas cuja relação é interrompida pela
acompanha um grupo de jovens pertencentes concessão de visto para ela ir encontrar o marido,
a um grupo teatral, andando por pequenas imigrante ilegal, em Paris, após 10 anos que não 12/16

cidades da China. Também o uso de elementos de o vê. Em meio aos personagens que passam, Tao,
animação, em particular, quando os personagens em determinado momento, diz não conhecer
falam pelo celular e acentuam a rapidez dos ninguém que tenha andado de avião, nem

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meios de comunicação associada aos meios de entende quando pega um passaporte para ver.
transportes, encenando a rapidez do contato por Sua sensação de instabilidade se dá sem precisar
personagens que flutuam, voam, a um passo de viajar fisicamente. São as imagens e pessoas
se perderem, em meio ao mundo de cenários que que passam por ela.
habitam, com bem fala Tao (Tao Zhao), encerrada
Agora, talvez o final assuma um outro sentido.
por todo um dia dentro de um avião que faz voos
Quando Tao e seu namorado Taisheng, vítimas
simulados, quando diz temer virar um “fantasma”.
de um vazamento de gás, são encontrados
Esta expressão não é à toa. Os personagens
possivelmente mortos, a tela escurece e vemos
buscam conquistar um espaço, um lugar na
duas vozes falando, as últimas do filme. Ele
sociedade, mas se misturam na massa anônima
pergunta: Estamos mortos? Ela responde: Isto
de trabalhadores não-qualificados, pressionados
é apenas o começo. Sem pretensões a alegorias
para enviarem dinheiro para suas famílias e,
fáceis, parece que tudo o que foi apresentado se
ao mesmo tempo, procurando construir suas
intensifica, sem sabermos exatamente para onde,
novas vidas, na fronteira da ilegalidade, em
com que consequências.
que os salários são compensados pelo mercado
negro, roubo e prostituição. Os próprios afetos Também no cinema brasileiro estamos só
aparecem marcados sob essa sombra fantasmal, começando a falar do mundo, como em Nós
caracterizada pela incerteza e fugacidade, que aqui estamos por vós esperamos (1998),
encenadas tanto pela amizade entre Tao e a russa de Marcelo Marzagão, história do século XX,
Anna (Allá Shcherbakova) que se desenvolve delicada colagem, viagem por imagens que
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sintetizam em alguns momentos e algumas ______ et al. Cosmopolitanisms. In: BHABHA, Homi
et al. (orgs.). Cosmopolitanism. Durham: Duke
palavras escritas sobre a tela, como é expresso
University Press, 2002.
no próprio filme, grandes estórias de pessoas
CHEAH, Pheng. The Cosmopolitical: today.
comuns, pequenas estórias de grandes homens,
In: ROBBINS, Bruce; CHEAH, Pheng (orgs.).
guiada pela melancólica trilha sonora de Wim
Cosmopolitics. Minneapolis: University of Minnesotta
Mertens que termina num cemitério, em algum Press, 1998a.
lugar do Brasil, em cuja entrada está o belo título
______. Rethinking cosmopolitical freedom in
do filme, resposta do cineasta aos versos de transnationalism. In: ROBBINS, Bruce; CHEAH, Pheng
Maiakovski – “Dizem que em algum lugar, parece (orgs.). Cosmopolitics. Minneapolis: University of
Minnesotta Press, 1998b. 13/16
que no Brasil, existe um homem feliz” – citados,
ao mesmo tempo em que vemos na tela, Buster CLIFFORD, James. Routes. Cambridge: Harvard
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Keaton, sério, sereno, sendo levado por um trem
pelo lado de fora, para onde, para que caminhos. DAMSROCH, David. What is world literature?

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Não se trata de representar o mundo, mas de
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buscar formas de habitá-lo. Estamos, de fato, só world cinema as a theoretical problem. In: ______;
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Global cinema, world cinema Cine global, cine mundial


Abstract Resumen
Through the support of the concept of global cinema Partiendo de una defensa de la rentabilidad del
in the context of a contemporary cinema and under concepto de cine global en el contexto del cine
a cosmopolitan perspective, we wonder what it is to contemporáneo y de una perspectiva cosmopolita,
think the world, how it can be staged, who can talk nos preguntamos sobre qué es pensar el mundo,
about it and how it becomes an aesthetic challenge. cómo él puede ser representado, quién puede
Then, the experience of globalization changed into hablar sobre el mundo y cómo él se configura
ordinary life, memory, affect is translated, read not como un desafío estético. Luego, la experiencia
only as a subject but as something structural, inside de la globalización hecha cotidiano, memoria,
a multidirectional network close to the ideas of afecto es traducida, interpretada, no sólo como
Negri and Hardt, that under the sign of the Empire, tema, sino como algo estructural, dentro de una 15/16
that deconstructs categories like 1 /3 World and
st rd
red multidireccional, próxima de las discusiones
the theory of three cinemas. Trying to develop this de Negri y Hardt, bajo la égida del Imperio, que
issue we are going to analyze “Until the End of the deconstruye categorías como 1er/3er mundo, y por
World”, by Wim Wenders (1991), and “The World”, extensión, la teoría de los tres cines. Para intentar

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by Jia Zhang-Ke (2004), in dialogue with other desarrollar esta cuestión, analizaremos “Hasta
movies and emphasizing the construction of el fin del mundo”, de Wim Wenders (1991), y “El
space and characters. mundo”, de Jia Zhang-ke (2004), en diálogo con

Keywords otras películas y privilegiando la construcción del

Global cinema. Cosmopolitanism. World cinema. espacio y de los personajes.

Palabras clave
Cine global. Cosmopolitismo. Cine mundial.

Recebido em: Aceito em:


02 de dezembro de 2009 12 de julho de 2010
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A revista E-Compós é a publicação científica em formato eletrônico da Revista da Associação Nacional dos Programas
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Pós-Graduação em Comunicação.
(Compós). Lançada em 2004, tem como principal finalidade difundir a Brasília, v.13, n.2, maio/ago. 2010.
produção acadêmica de pesquisadores da área de Comunicação, inseridos A identificação das edições, a partir de 2008,
em instituições do Brasil e do exterior. passa a ser volume anual com três números.

CONSELHO EDITORIAL João Freire Filho


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Universidade de Brasília, Brasil 16/16
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Universidade Federal da Bahia, Brasil Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
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