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DALCIDIO JURANDIR E BENEDICTO MONTEIRO: A Incorporagio Estética do Imaginario Popular Marli Tereza Furtado! Maria de Fatima do Nascimento Universidade Federal do Para RESUMO Objetiva demonstrar os resultados parciais da pesquisa que as professoras desenvolvem junto a0 Departamento de Lingua e Literatura Vernéculas da UFPA, e que consiste em: elaborar um levantamento de lendas e narrativas do imaginario popular em obras do ciclo Extremo Norte (1939/1978), de Daleidio Jurandir, e em obras da Tetralogia Amazénica (1972/1985), de Benedicto Monteiro; analisar como os autores incorporam esteticamente esse material. PALAVRAS-CHAVE: Imaginério popular; Daleidio Jurandir; Benedicto ‘Monteiro; incorporagio estética, ‘This work tries to demonstrate the parcial results of the research that the teachers develop by the Letters’ Department, in UFPA. It consists on the collect ofthe tales and narratives of the popular imaginarium in novels of the Extremo Norte’s series (1939/1978), by Dalefdio Jurandir, and in the novels of the Amazonian Tetralogy (1972/1985), by Benedicto Monteiro. The researchers will try to analyse how both authors incorporate estetically that material. KEY WORDS: Popular imaginarium; Dalefdio Jurandi Monteiro; estetic incorporation, ; Benedicto "0 gosto de contar é idéntico ao de eserever ~ ‘© 05 primeiros narradores si0 (os antepassadas andnimos de todas os eseritores” Cecilia Meireles? * Departamento de Lingua e Literatura Vernaculas, Centro de Letras e Artes, UFPA - Belém/Para. * Departamento de Lingua e Literatura Verndculas, Centro de Letras e Artes, UFPA — Belém/Para, » Apud SOUZA, Angela Leite de. Contos de Fada: Grimm ea Literatura Oral no Brasil. Belo Horizonte: Lé, 1996. Rev. MOARA Belém 20 p.agiigé jul /dex, 2003, 132 Dalefdio Jurandie Benedicto Monteiro: a incorporagio esttiea, ‘Trabalhar com a incorporagao estética do imaginério popular em determinada literatura éadmitir distancia entre oralidade e tradigéio eserita, o que tem incomodado pesquisadores da érea, sobretudo quando se atém ao perfodo medieval. Por conseguinte, balizar as fronteiras isoladas de cada instincia se faz tarefa bastante imprecisa, devido & origem da segunda estar na existéncia da primeira, Em todo caso, observando-se a historia literaria, se fazem visiveis os movimentos estéticos que tentaram se aproximar ou se distanciar do popular e de tudo 0 que poderia ser decorréncia dele. Na aproximagio, temos, no século XIX, conforme Zumthor (1993, p.15), no contexto das revolugdes romanticas, o Romantismo, no trabalho de rastreamento das origens das literaturas nacionais. No Brasil, o Romantismo néo agiu diferentemente e buscou no indianismo a edificagio de uma mitologia como forma de compensacao da falta de uma tradi¢ao individualizadora do homem americano, 20 ‘mesmo tempo em que propugnou romper o vinculo entre nossa lingua escrita e as matrizes normativas da legada lingua escrita portuguesa ‘vila, 1975, p. 33), heranga que deixou a0 Modernismo do séc. XX. Eo Modernismo assumiu como bandeira a incorporacioestética do imaginario popular na medida em que preconizava maior despojamento da linguagem e valorizacao de nossa cultura. Afinal, sob a antologica reivindicagdo de Oswald de Andrade tupy or not tupy, ou nas camadas nfo aparentes de “sou um tupi tangendo um alaide”, de Mario de Andrade, abria-se e firmava-se um caminho sem volta. Dai, na ‘geraco de go, Graciliano Ramos seguir a trilha, criando Paulo Honério a adotar explicitamente uma linguagem que nao ressoasse a Camées, nos capitulos iniciais de Sdo Bernardo. Na geracdo seguinte, Guimaraes Rosa deu.continuidade aos predecessores buscando, segundo Bosi (1997, p. 13), na semantica do insOlito 0 seu modo de responder a situagées singulares extremas que fazem contraponto 8 outra literatura, a de situagdes tipicas e médias da civilizago moderna, Na realidade, a bandeira modernista era hasteada no fértil terreno da linha que sempre demarcot a literatura brasileira: 0 nacionalismo, ora entendido como intengio particularista (Castello, 1972), 0ra como manifestacdo ufanista, ora como destecalque histérico, social e étnico (Candido, 1976) Alguns autores paraenses deram valiosa contributigéo ao trabalho do Modernismo, apesar de nao terem sido destacados no cendrio Rev, MOARA Belém n.20 pr agieig6—_jul/dex,, 2003, FURTADO, M..; NASCIMENTO, M. de F. do 133, brasileiro, Por exemplo, enquanto Menotti del Pichia foi lowvado por tornar o mulato matéria de poesia, em Juca Mulato (1917), e Jorge de Lima sagrou-se, merecidamente, pelos belos poemas sobre 0 negro, Bruno de Menezes (1893/1963), paraense, desvelou a alma negra em: versos de visivel beleza ditada sobretudo pelo ritmo do batuque (Batuque, 1933), sem alarde nacional, No romance, ainda em 30, Daleidio Jurandir (1909/1979) iniciard o gigantesco trabalho de Extremo Norte (1939/1979), Publicado em dez volumes, no qual se nota a crescente recolha de narrativas da oralidade ¢ uma constante elaboragio estética desse material. O trabalho de Dalcfdio & seguido por Benedicto Monteiro, declaradamente influenciado por ele e também autor de ciclo, a Tetralogia Amazbnica, j4 na década de 70 Em pesquisa desenvolvida junto ao curso de Letras ¢ Literaturas Vernéculas da UFPA, nos propusemosa efetivar um levantamento dessas narrativas em obras desses dois autores, para analisar e demonstrar 0 trabalho de elaboragio estética realizado por eles. Em razio de nossa Pesquisa, o objetivo desse nosso texto, ainda um tanto incipiente, 6 demonstrar parte do que j4 desenvolvemos. Comecemos nossa demonstragdo pela ordem de surgimento dos autores, 0 que nos leva a Daleidio Jurandi Na segunda edigo de Maraj6 (1978), segundo livro do ciclo, publicou-se excelente estudo de Vicente Salles em que ele demonstra a incorporagao do romance de dona Silvana, da tradigio ibérica, na narrativa daleidiana. A incorporacao se d4 no enredo e na elaboragao de uma personagem. No caso, Orminda, misto de simbolo e de mito, vivencia a historia da Silvana do “romance” tanto por seu drama, ser desejada pelo pai, quanto por seu destino tragico, morre presa na torre. Recentemente, na VII jornada do conto popular paraense (2002), o mesmo autor faz um levantamento de nove “est6rias”, incluindo © romance de d. Silvana, ja citado, espalhadas em cinco livros de Daletdto, a saber: Chove nos campos de Cachoeira (1941), Marajé (1947), ‘Trés casas eum rio (1958), Belém do Gro Paré (1960), Ribanceira (3978). O acréscimo diz respeito a “est6ria” do sapateiro, 4 da Maria da Pau, & da cegueira, 4 do Bicho Socuba, a de Meud, gente metida com dicho, a da Mae do Mato (em duas versdes) e a da Maria Sabida, Nosso trabalho demonstrard que, na obra dalcidiana, além dessas narrativas coletadas, destacam-se muitas outras do acervo conhecido do imaginario popular paraense. Antes de as enumerarmos, Rev, MOARA Belém —n.20paagi-igé jul ders 2003. 134 DDaleidio Jurandir e Benedicto Monteiro: a incorporagio estética... ‘atentemos para certas particularidades do ciclo Extremo Norte. Primeiramente, chamamios a atencao para o fato de o livro de abertura Chove nos campos de Cachoeira, denominado pelo autor de romance ‘embrido, funcionar como uma caixa de onde saem fios tematicos, que serdo desenvolvidos nos demais romances, e técnicas que serao aprimoradas. ‘Assim, temos nesse livro, o inicio do drama da personagem “Alfredo assentado na polaridade universo erudito x universo popular, representada, respectivamente por seu pai branco, ligado & erudicao & por sua mie, negra e ligada A sabedoria popular. Esse drama que se desenvolverd adiante, dara respaldo para o aparecimento de narradores populares nas obras, devido a aproximagio de Alfredo as pessoas do ovo, instigado e sensibilizado por seus problemas. HA nesse primeiro romance, como que uma preparagio para 0 surgimento de narradores populares narrando histérias com sua propria yoo. A personagem Salu, caracterizado como um “homem fabuloso”, lé ‘muitas historias e aparece contando-as para outras personagens. Um dos livros que léintitula-se Manuscrito Materno, do espanhol Henrique Perez Eserich (1829/1897), autor de folhetins, muito traduzido no Brasil nas primeiras décadas do séc. XX. Ha outros textos cltados via Salu: Dor de amar, A mulher adiiltera* e A rainha e amendiga. [As historias de Salu no so enunciadas propriamente por ele. Onarrador em terceira pessoa refere-se a Salu eo queele narra, citando sempre o nome das obras lidas e narradas por ele, esclarecendo, também, {que no provinham da tradigao oral. Jé a historia do sapateiro, que teria origem na oralidade, contada por Eutandsio a Alfredo, aparece intermediada pelo narrador em terceira pessoa, via discurso indireto, numa demonstragao de que esse narrador externo domina a narrativa. Este parece ser um exercicio de Daleidio, que incorporara, aos poucos, diversos narradores nas obras, As vezes personagens relevantes na trama, As vezes no, eem virios momentos personagens do povo conhecidas como contadoras de historias, caso de Nha Diniquinha, Nha Fé e D. Sensata. Chamam, pois, a atengao como narrativas provindas do imaginario popular, no livro de estréia, as referéncias & Matintaperera, ao boi bumbi, aos trés pretinhos da pororoca ¢ historia da ilha encantada, que ora surge em um lugar, ora noutro. No caso, o chalé de Major Alberto é assim denominado. TA mulher adiiltera também éde Escrich. Consultar MEYER, Marlyse, Folhetim. ‘Uma Histéria Sao Paulo: Companhia das Letras, 1996. Rev. MOARA Belém = n.20.peiging6 jul /ex., 2003. FURTADO, M.;; NASCIMENTO, M. de F. do 135, O boi bumb, traduzido nos versos escritos por Eutandsio e cantados pelo povo, aparece entre as paginas 108/109, mas ser elemento estruturador ‘da narrativa em trés outros romances do ciclo dalcidiano. Em Marajé, sera incorporado, enquanto drama, na hist6ria de vida das personagens secundarias Gervasio e Parafuso, ambos, como na fabula do boi, castigados pelo coronel ao serem descobertos como ladrées de gado. Ambos, como na fabula do boi, roubaram gado para saciarem a fome da familia, ou da mulher grévida, Em Trés casas ¢ um rio, apareceré a pantomima do boi bumbé Tepresentada no cap. 2, com destaque aos bois Caprichoso e Garantido, sempre rivais em competigoes. Interessa observar que este capitulo é imprescindivel para a economia da narrativa, pois Alfredo acompanha 2 mae que vai assistir 4 pantomima e questiona a fabula do boi, rejeita todas aquelas manifestagSes, mas comega ali o germe para a identificagio dele com aquele universo, o que ocorrerd conforme seu crescimento. Em Chao dos Lobos (1976), voltara a pantomima do boi bumbé, entio retratada em varias paginas, para demonstrar a decep¢ao amorosa de Alfredo com a aluna Roberta, de quem recebe um bilhete de rompimento. ____ Vale ressaltar que em Marajé hé uma ‘proliferagio’ resadae ta tener ua ars de eae Ivo sio homenageados por personagens. Destacam-se também a figura de Ciloca, oleproso, como contador de historias e de Ramiro, o cantador de chulas cujas letras atrafam os moradores locais porque representavam resisténcia aos desmandos dos fazendeiros. Note-se a figura do cantor popular a produzir o discurso da denfincia e da resistencia. Trés casas eum rio um romance em que Dalcidio se utilizou densamente do arcabouco do imaginério popular, tanto que Furtado (2002) divide a obra em trés niveis : 0 do“teal ficticio", odo simbélico e © do imaginario social. Sao relevantes na obra: os mitos de Dioniso, de ‘Teseu e de Diana; a cegueira no que ela conota de abertura para outras sensibitidades, a mengao de personagens como Pedro Malazartes, D. Juan, e de figuras encantadas, como a princesa do lago, além da histéria denominada de “O cego e trés filhos"* pelas personagens, mas inventariada por Salles como “da cegueira”, e encontrada em outras variantes, como A princesa ladrona, de Monteiro Lobato (1982). *Talver fosse melhor nominar a histéira de “o velho e olilds”, assim relembrac sempre por Alfredo. . sembrats Rev. MOARA Belém 20 p.agietg6 jul /dee., 2008, 136 DDaleidio Jurandir e Benedicto Monteito: a incorporagio estética, Nese romance parece completar-se 0 amadurecimento de Daleidio para entregar a narracio ao simulacro da propria vor do povo. ‘Assim, depois de alguns acontecimentos que néo cabem aqui, aparecem varias personagens relatando historias em sua propria voz, ou seja, as histérias séo registradas conforme enunciadas pelos narradores. ‘Tomamos como exemplos contrastantes duas delas, alenda do bezerro moleealenda da mandioca. Vejamos a primeira retratada via Edmundo ‘Meneses: Dois fatos o haviam também perturbado naquela semana: 0 apodrecimento dos peixes do lago Bentevi, na fazenda, ¢ a historia do Bezerro Mole. Essa era uma lenda, sabia, mas o vaqueiro que a contou, nna noite da véspera, aparecera em Marinatambalo como realmente perseguido pela visagem. Da ponta do retiro de Arrependidos, saia, & noite, um bezerro que andava pelo campo, todo bambo, caindo aqui ¢ ali, como sem ossos ¢ com a febre. Crescia & proporcéo que se aproximava do vaqueiro. Tornava-se, entao, ainda mais trépego e mais ‘mole, para de bem perto investir contra o viajante. Tirava o vaqueiro da sela, derrubava cavalo e boi cargueiro, dominando o lavradao. (LGR, p. 372) Narrar como se tivesse vivenciado a histéria ou demonstrando acreditar que ela aconteceu ou acontece de fato caracteriza muitas narrativas recolhidas da oralidade.* Note-se que a narragio do excerto acima ainda se di de modo indireto. Edmundo Menezes relembra a natrativa como retirada do repertério de lendas locais (observe-se a mareagdo temporal por meio do imperfeito do indicativo), assim como relembra a imagem do vaqueiro que a contou recentemente a ele, acreditando-se perseguido pelo bezerro. Interessante que, apesar de Edmundo reiterar para si o carter lendério da narrativa, ele se encontra ‘perturbado, como se, juntamente com o vaqueiro, estivesse acreditando na veracidade da lenda. ‘A outra é a lenda da maniva. Vejamos um trecho da historia contada por uma moga do povo, Adalzira, a colegas suas. = Mas bem. A moga ficou gravida, no foi? Pois quando ela teve 0 filho,o rapaz disse: nunca banhe o nosso filho ~ ladeles - na Agua fia. E assim ela fazia, A crianga era alvinha que sé uma tapioca. os olhos va. Amie — li dele ~ ctiava ofillo como 0 pai—Lédele ~ mandava. Um dia, amoca teve quer ao rogado e deixou © curuimim com a av6. A av6 era uma velha tao birrenta, t2o sem A discussio aponta para o conceito de narrador de Benjamin, que discutiremos conforme a pesquisa ganar densidade. Rev. MOARA © Belém = n.20,p.tgie jul /der., 2003, FURTADO, M.T; NASCIMENTO, M. de. do 137 paciéncia, que s6 fervendo a diaba velha dentro de uma chaleira. A ‘rianga na mao da velha principiou. chorar. Talvez, eistoéporminha ‘canta, talvez por via de s6 olhar a cara da velha. A av6z_l.da erianca- fez uma papa de beijuca e deu pro neto. Qual! Nada do jita se calar. A vvelha nio pés divida. Fez foi encher uma tina d’4gua, tirou o penso da criangae meteuo bichinho dentro da Agua fia. PaflPoisacrianga nao se desfeztodinha na égua tal qual a tapioca? Pois foi. A velha af ficou com cada zalhio em cima da 4gua e disse: “Hum, metida com meua! ‘Teve filho com bicho”. A moga finha tdo filho com um pé de maniva, (COR. p.279, grito nosso). Observe-se no excerto a narrativa em sua enunciagio. Dai as mareagées, grifadas por nés, para delimitar o distanciamento da narradora ¢ para desfazer a ambigiiidade do referente (1a dele(s)), € também para estabelecer contato como 0 interlocutor (“nao foi?”), além do vocabulério coloquial e proprio da oralidade (ito, zolhdo, todinha), das interjeigdes que nos levam a performance da narradora nessa ‘enunciagao, Some-se a isso o momento em que ela interfere na narrativa acrescentando suposicées suas ("Talvez, e isso é por minha conta”) o que dé um tom engragado a enunciacao. O mais interessante é que Adalzira diz.as colegas que leva a sério a lenda do pé de maniva, mas demonstra estar brincando com o fato de estar se sentindo atraida por Edmundo Meneses, muito branco, razo de ser chamado por ela de pé de maniva e razio de ela narrar a lenda para as mogas. ‘Temos ainda que ressaltar a presenca constante dos trés pretinhos da pororoca em Trés casas e um rio. Alftedo se mostra alvorocado ao tomar conhecimento que o tio Sebastiao viu o fendmeno. E ele indaga se o tio viu os trés pretinhos. Mais tarde, ele e a amiga Andreza, quase morrem afogados ao se jogarem na pororoca na tentativa, de verem os trés pretinhos. Aliés, essa narrativa aparece reproduzida segundo a voz do povo. Veja-se: = tr@s pretinhos que vém pulando na espuma da maresia, brincando, fazendo pirueta tanto que, quando a ribanceira tem pedra, eles atravessam mergulhando. Mudam de eira e vao aparecer mais adiante rna cambalhota. Diz que os pretinhos na volta vem por terra. Por isto é que a pororoca nao volta. (T.C.R. p. 340). H& muito que retratar da recolha do imaginatio em Daleidio. Indicamos apenas que em Belém do Gréo Paré (1960) aparecem as criangas Antonio e Libanea como narradores populares e 0 Citio de Nazaré éincorporado A narrativa tanto em seu aspecto sagrado, quanto Rev. MOARA Belém = n.20 pag jul/dex, 2003. 138 Dalefdio Jurandire Benedicto Monteiro: a ineorporagio esttia.. no profano. Em Ribanceira (1978) destacam-se as narradoras Nh4 Fé D. Sensata instigadas por Alfredo. Vejamos um pouco de Benedicto Monteiro (1924), em cuja Tetralogia Amaz6nica nota-se a recorréncia da incorporagao do imaginatio popular e do trabalho estético do autor nessa absorga0. Podemos constatar nos seus quatro romances publicados nas décadas de 1970 e 1980” varios fragmentos de narrativas, contos, lendas € causos que sao elaborados a partie de historias orais que circulam anénimas na boca do povo e que, de alguma forma, j4 foram ouvidas pelos estudiosos da cultura AmazOnica © objeto de analise no presente trabalho se resume numa amostra do levantamento de duas lendas de tradigo oral nos romances Verde Vagomundo e O Minossauro, obras constitutivas da Tetralogia Amazénica monteiriana. Confrontaremos a lenda da matintaperera do romance O Minossauro com a narrativa “Ouvi a Matinta” do livro Santarém Conta? (1995), do Programa (IFNOPAP), para verificar de que forma Monteiro incorporou esteticamente esse imaginério no romance em apreciagio. ‘Vale ressaltar que as lendas incorporadas as obras de Benedicto ‘Monteiro sao sempre contadas por personagens masculinas, ja que stia Tetralogia Amazénica ressente-se de personagens femininas, pois, quando estas surgem no contexto dessas obras, quase sempre no tém voz propria, sendo geralmente narradas e/ou vistas por personagens masculinas. Desse modo, essas narrativas lendarias so quase que unicamente relatadas por um de seus principais protagonistas, Miguel dos Santos Prazeres, personagem arquetipico, que é um contador de historias’. Das poucas excegies, éa hist6ria do misterioso desaparecimento de Santo Anténio do romance Verde Vagomundo (p. 48-57), que, no vero, conforme a escassez. de comida, mudava-se do lugarejo a beira de um lago, onde os primeiros missiondtios conquistadores da Amaz6nia brasileira se instalaram, para outro mais farto 7 Verde Vagomundo (1972), 0 Minossauro (1975), Terceira Margem (1983) € “Aguele Um (1985). *SIMOES, Maria do Socorro, GOLDER, Christophe, Coordenadores, Santaréin Conta. Belém: CEJUP; Universidade Federal do Para, 995, °C NUNES, Benedito, 0 Carro dos Milagres. Belém: CEJUP-GERNASA, 1990, psa. Ror, MOARA Belém = n.20,pagieagé jul /dex, 2003, FURTADO, M. T; NASCIMENTO, M.de F. do 139 As lendas de Santos (hagiografia) que s4o encontrados, por pescadores ou cagadores, em troncos de drvores, em beira de igarapé ou dentro de rios, é recorrente nas comunidades catélicas brasileiras, do que sao exemplos os casos de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil e Nossa Senhora de Nazaré, padroeira de Belém do Pard. A primeira, segundo Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini*, (1993: 326), foi encontrada por um pescador (Joao Alves) dentro de um rio, € a segunda como a de Santo Anténio da obra em tela, no tronco de uma rvore a beira de um igarapé. Essa historia hagiogréfica, da obra de Benedicto Monteiro, caracterizada como milagre de Santo Antonio, reconta também a historia da fundagio da cidade de Alenquer, espaco do romance em questo e local onde 0 Santo foi encontrado depois de desaparecer trés vezes do lugarejo dos missionérios, razdo de os moradores também terem se mudado para o lugar e construfdo, por cima do tronco da arvore, acapela do Santo que se tornou 0 padroeiro da cidade. Essa lenda é contada por meio das anotagSes da personagem Norberto, secretério da Prefeitura da cidade, que cede seu manuscrito a0 Major Antonio Medeiros, personagem que chega a Alenquer para vender seu latifiindio (momento em que ocorre o golpe militar de 1964 no Brasil) e acaba empreendendo a escrita de um livro por meio da montagem de fragmentos de diferentes estilos de textos (noticias de um. radio, a fala de seu tio Jozico, a de Miguel, depoimentos de inquérito policial e um digrio). E desse modo que o Major, Antonio de Medeiros, ex-expedicionario da FEB, estréia como escritor, como uma espécie de narrador-escritor-compilador", que insere esse vasto material lingiistico na composi¢io fragmentaria do livro em pauta. ‘Voltemos o foco ao romance 0 Minossauro, obra que apresenta uma estrutura fragmentiria com méltiplos pontos de vista, em que as personagens se articulam como que em blocos de fala, ou seja, a cada loco de cinco falas (Miguel dos Santos Prazeres, Paulo, um locutor de rédio, Zuleika e Simone), retomam seus discursos de forma ciclica, sendo que esse grupo de cinco personagens geralmente ressurge nessa ordem. "= SGARBOSSA, Mario e Giovannini, Lu Paulus, 1993, p. 326. CE. NASCIMENTO, Maria de Fatima. A Representagio Alegorica da Ditadura Militar em 0 Minossauro, de Benedicto Monteiro: Fragmentagio e Montagem. Dissertago de Mestrado. Campinas: UNICAMP/IEL, 2004 i. Um santo para cada dia, So Paulo; Rev, MOARA Belém 20 p.a3it46 —_jul/der, 200, 40 Daleidio Jurandir e Benedicto Monteiro: a incorporagio estética © romance O Minossauro inicia-se com os primeiros fragmentos, do relato de Miguel, o Cabra-da-Peste, relembrando o iltimo episédio, ocorrido em Verde Vagomundo. Esse relato € feito como se Miguel estivesse sendo entrevistado para um emprego eo empregador/ Paulo fazendo perguntas. Entretanto é pela fala de Miguel que é recriada a figura do interlocutor —“o senkor” _ que vai se repetir iniimeras vezes, de forma reiterativa, como se fosse um discurso oral. Da mesma forma que na tetralogia, no romance O Minossauro somente Miguel dos Santos Prazeres se configura comio contador de hist6rias orais, pois embora ele faca.referéncia a muitos causos contados por seu compadre Franquilino, essas historias sao na maioria das vezes aspeadas e contadas pelo proprio Miguel como se este as tivesse ouvido deseu compadre e amigo, passando a conté-las a seu ouvinte, “o senhor” que é o narrador/compilador Paulo, ge6logo da equipe da Petrobris, que explora petréleo no municipio de Alenquer, espago romanesco da obra em questo. Nesse sentido, constatamos em “O Minossauro” momentos bem marcados em que aparecem temas de narrativas orais recriadas por Benedicto Monteiro. Entre elas, destacam-se algumas completas e outras fragmentadas. ‘As narrativas presentes na referida obra versam sobre os entes da floresta e do rio, como a cobra-grande, a boitina, 0 mapinguari, 0 oto, a matinta-pereira’, entre outros. No entanto, percebe-se um maior relevo no discurso do caboclo ribeirinho (Miguel) para os entes do rio, 0 que se atribui ao fato de a personagem viver praticamente o seu dia-a- dia em sua canoa “gita”, no rio, como pescador da equipe da Petrobris. Confrontemos a narrativa “Ouvi a Matinta” (p.106), do livro Santarém Conta (1995) com um dos fragmentos da lenda da matinta- pereira incorporado ao romance O Minossauro (p.119-122), para verificar de que forma Monteiro aproveitou esteticamente os elementos ‘constitutivos desse imaginario. = Ente hibrido, conforme José Verissimo, esse mito estaria confundido com o do Curupira, © da Caapora e o do Saci Pereré. Consulta CASCUDO, Luis ‘Camara. Geografia dos Mitos Brasileiros. Rio de Janeiro: Livratia José Olympio Editora, 1947, p. 380-382. Rev, MOARA Belém n.20puagiigé —_juldez,, 2003, PURTADO, M.T.; NASCIMENTO, M.de F. do an OUVIA MATINTA sum vento, na ilharga da gente Fomos pra cagar. Af, quando chegou 14, dentro da mata... quando eu dei: a ‘matintaperera assobiou na minha frente, Eu disse: = Agora que eu estou enrascado! Af, deixa estar, que meu tio jé tinha dito que a matintaperera, agente nao enxergava. Sé via passar um vento, na ilkarga da gente. Ai, ett sei que, quando eu cheguei na frente, eu senti aquele vento no meu {ado at eu passei obra de uns cinco metros, quando ela assobiou, (Como ela assobiava?). Rapaz, eu ndo sei arremedar ela nao, Destacamos nesta narrativa, em que o informante Luis Soares Alves assume a posigao de contador de histéria em primeira pessoa, os seguintes elementos: a situacdo espacio-temporal (a cagada “dentro da mata”); a caracterizagéo da Matinta como ente invisivel, que se resentifica no assobio, no movimento de ir e vir e no vento frio que & roduzido por esse movimento. Podemos perceber também a crenga de Alves na verdade dos fatos narrados, ou seja, na existencia da Matintaperera, por assumir a voz da narrativa, como se relatasse uma experiéneia vivida por ele. Note: “Ouvi a Matinta” (titulo), “.. @ matintaperera assobiou na minha frente”, “.. eu senti aquele vento no ‘meu lado”, “.. quando ela assobiow , atrés de mim”. A lenda da Matinta na obra de Benedicto Monteiro se encontra no sexto bloco, num fragmento que aborda a travessia da mata do assombrado empreendida pelo protagonista Miguel dos Santos Prazeres. Esse fragmento vai da pagina 119 a 122, 0 que evidencia o alongamento dessa historia, comparada a de Alves, pelos recursos narrativos da prosa de fic¢o usados por Monteiro, __. Miguel, antes de comegar a hist6ria do seu encontro com a Matinta, fala das dificuldades do trabalhador bragal ina AmazOnia, que, em fungdo das grandes enchentes, necessita, em alguns casos, trabalhar dentro d’agua, razao da necessidade do consumo de cachaca: “Trabalho de juta — onde jé se viu — corte de juta sem eachaga?” Cortar juta no Ffando, lavar juta em cima de pau de bubuia, néo é servigo pra se fazer ‘com corpo aberto (O Minossauto, p. 119)). Rev. MOARA Belém n.20p.agia4é —_jul/dex, 2003, 342, Daleidio Jurandire Benedicto Monteiro: a incorporagio estética.. ‘Assim, Miguel aotratar de uma questio social da Amazénia, prepara 6 leitor para as ambigitidades e futuras dividas que irdo surgir na sua hist6ria em fungdo do trabalhador, inclusive ele, precisar consumircachaga para enfrentar os percalgos do dia-a-dia nos rios e nas matas: io, no & por tsa di quea gent ebea ica, Hla tab dk Tee davageanina pra enftonaros mitos maleicios, Pode se pear aa ee uns cobs bara num preaue porque aa orc ease pe fund, Cactagadcoragem aa Te oan lus leas eres Fae ce atioveate andarnoratrerroscapen ptr aa erldocncsas dtu, cares demulacoage on oa eto nose Pas) essa forma, temos o espago em que a aco se desenrola, amata, acrescido de outras informagées que dao a medida do perigo aos incautos que encontrem esse ente voador na mata. Percebemos no excerto abaixo ‘0 modo como Miguel tenta persuadir 0 seu interlocutor “o senhor” ~ Paulo - homem da capital, personagem intelectualizada, que desconhece a “realidade” do interior Amaz6nico ¢ que talvez possa duvidar da existéncia desse ser sobrenatural, a Matinta-pereira: Tease gen oa Se masa ata 1 eet raver foznho ienaidade, soo home que ¢homem ‘Temos na seqiiéncia da historia as primeiras audigées ¢ visdes de Miguel ao entrar na mata mal-assombrada, momento em que pela subjetividade da personagem se presentifica uma escuridao descomuna € pavorosa que vai progresivamente dando indicos do encontro de Miguel com a Matinta-pereira. Esse ente vai se revelando por meio de elementos da natureza e sons dos pequeninos seres vivos do misterioso mundo da mata (carapani/cigarra/ave agourenta/silvo de um bicho Rev, MOARA Belém —n.20paagiag6 —_july/dez,, 2003. FURTADO, M.'; NASCIMENTO, M, de F. do 143, aflito/assobio/assobio quase de vento/um assobio de bicho espirito) até omomento em que Miguel vé os vagalumes/pirilampos com seuis jogos de luzes contrastando com a escuridao da noite: As iiltimas claridades da noite apagaram logo as folhas; depois misturaram todos os galhos; por fim o negro puro fez sumir todos 08 troneos. Pavoroso foi o siléncio da escuridao fechada dessa noite! Parecia que até 0 vento era negro. Tedo som era rouco, Pensei até que tivasse fieado surdo e cogo. Foi ai que eu comecci aouvire ver as colsas. O senhor diz que era carapand no meu ouvido, Aquilo foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo, que jé parecia mais um grito. Com-pouco Parecia mais uma cigarra. Sempre muito longe e muito fino, 0 som crescendo, ficou sendo o grito de uma ave agourenta. Depois o canto vvirou mesmo 0 puro silvo de um bicho aflito. Um assobio quase de vento, um assobio de bicho espfrito. Pensei que devia ser o vento. O vento nas folhas, 0 vento nos gallos, o vento nas palhas. Foi ai que eu comeceia ver os vagalumes. Aquelas luzinhas acessas de repente faziam anoite mais escura. Dentro do escuro ~ eu lhe confesso — sempre fiquei uma criatura indefesa. Sempre acostumado @ lidar com as cores € respiraro tamanho da imensidade, o negrume dessa mata me deixava preso asfixiado. Conhecendo os paus, distinguindo as folhas, sentindo © vento; - vendo de vez em quando uma pontinha do eéu mesmo no escuro ~a mata pra mim nao tem segredo. Mas nessa noite o negro de tudo era desconforme (0 Minossauro, p. 121) Percebemos aia intengio ficcional de Benedicto Monteiro pela energia expressiva da linguagem’? a partir das reiteragdes do movimento da Matinta, “da cantiga ao grito” e das gradagSes que vio de um estimulo sonoro agudo “cantiga fininha’ a0 “silvo de longe e ‘fino que era” ao grave “vento-assobio-grito” eda massa de vento frio, impondo uma situacdo de terror, mas amenizada para o leitor pela Porticidade do texto. Dessa maneira temos o climax da aparigao: fragmento sobre a Matinta apresenta extrema beleza estética ha sua construgao pelo acréscimo de imagens que se desdobram num Jogo postico pela presenga dos vagalumes/pirilampos, que abrem no ‘860 caminho para Miguel fazer a sua travessia, mas também pela fantasia impregnada de novas configurages e associagées paradoxais, de expresso poética, Se nao fossem os vagalumes e 0 silvo do bicho-grito, eu podia me Considerar um homem morto. Foi ai que os vagalumes comecaram ase “Consultar Conceito de Literatura, In: A Personagem de Fie¢0. Org, CANDIDO, Antonio. Sao Paulo: Perspectiva, 2000, Rev, MOARA Belém 20. pag jul /der, 2003, 144 Daleidio Jurandir e Benedicto Monteiro: a incorporagio esttic. jumtarem bandos de Inzes acess, as mesmo er bandos come Tevmipacco vennéo aguas aes ado cavenvamn a meta ‘egr, Ferma eine nar mc fn qe in on tervfim na ihe mente Enno ar auera mente? Eraaente 0 tera sta? Fene qe sivo agus fo poser amber dos oitiampes O som prdoquesuiniv coma hmastet Ags Troe aon euro, earam infvesceten, Comes pels nz ala pls encore sastava pe glo Quando chara Selesflts Srovinceni. as ea tio esbrascne Seo auecta por aat quai guna minha ment Be epee speget tude Doreen de dentro mesmo ere vihavinge atu cv Oso de long fine quer fcndo pet, Quando se conve emartoveu esta que por pero demimpusavaunatnsta dee Genes tembmvers negro, Negro. Quando vento Eto se Stansnvam, sesuada nog aloes fave mut fogs, Fol oe ure ue etre sno gade hit tonpo pl gi. Lae Jtetgn pede en ntintaper ehgul og ode arpa. 0 ‘obi seb trade vnto i, 0 ent, entero trem de mado (0 Minosaio, 220323) ‘excerto, as imagens se desdobram de forma simbélica num jogo. podtce tharoado pelos contraste a noite/claridade ¢ ‘configurado nos vagalumes/pirilampos, que abrem o caminho para Miguel fazer a sua travessia, assim como fazem brotar dévidas na fala de Miguel. A partir da visao que tem dos pirilampos fornecedores da luz, ele jé ndo sabe se viu tudo aquilo, ou se tudo apenas se passou em sua mente, 0 que demonstra a inspiragio criadora de Monteiro, ao gerar essa ambigilidade. Aose.uilizar de interrogagdes e se questionar sobre a existéncia de seres sobrenaturais, bem como ao usar 0 artificio do consumo do Alcool, Miguel deixa o leitor em divida se ele realmente viu a Matinta ou se tudo nfo passou de uma alucinagao devido ao uso de bebida aleodlica: (..). Foi assobio? Foi vento? Foi coruja? Foi cachaga? Foi medo? Foi sapo? Foi cobra? Foi matinta-pereira? Foi mapinguari, jurupari- taraca? Nem sei o que Ihe dige. Sé levava duas garrafas de cachaga € meu tercado 128. Isso eu The garanto. Mas estas coisas sempre acontecem sem testemunha, Atravessei a mata, atravessei a mata mnas ficou a lenda, Em mim ~ tomara o senhor veja ~ ficou a marca. Conto ‘o milagre mas nio digo 0 santo. (O Minossauro, 1990, p. 122), Assistimos ao modo como Miguel tem o sett encontro com a Matinta-pereira, o que pode ser visualizado na historia contada por ele, na qual percebemos que essa figura lendéria apresenta os mesmos Rev. MOARA Belém = n.20p.agieag8—_jul/dex, 2003. FURTADO, M.T; NASCIMENTO, M. de F. do 145 elementos caracterizadores da narrativa de Alves, como: a situacio de o Protagonista se encontrar na mata (“varar sozinho a Mata do Assombrado”); 0 assobio (“Ouvi primeiro uma cantiga fininha que Parecia mais carapand no meu ouvido"); o movimento de ir e vir e 0 vento frio (“Quando se convertia em grito, eu sentia que por perto de mim passava uma massa de vento. O vento também era negro. Negro. Quando vento e grito se distanciavam, a estrada no ar de vagalumes Ficava muito longe. Foi af que pereebi que estava sendo guiade hé muito tempo pelo grito”). Ressalve-se que na narrativa de Monteiro 0 assobio vaisedesdobrando num movimento de ire vir, que apresenta fefteragies egradagées, prolongadas pelos detalhes da aparigao do ente sobrenatural, demonstrando um tempo incomensuravel imposto pelo medo: Nos dois casos os elementos caracterizadores da narrativa da ‘Matinta so idénticos: ambas as historias so contadas em primeira Pessoa, o espao éa mata, o ente invisivel é a Matinta, hao movimento dei e vir, 0 assobio, o vento frio passando proximo dos protagonistas. ‘No entanto, no texto de Monteiro ha varios recursos literarios que poem em davida a veracidade da historia e ressaltam a fungio poética da Tinguagem.” ‘A narrativa contada por Luis Soares Alves - contador de historias orais, difere da de Monteiro com relagéo aos recursos de estilo para ressaltar a poeticidade da linguagem porque, conforme Golder, nao se configura como literatura, jd que pertence as hist6rias orais,e boa Parte delas nao tém nenhuma pretensao artistica's, principalmente em tazdo de nao haver preocupacao nem do informante, nem do pesquisador com a elaboragao do ficcional no momento em que essas historias sf0 coletadas e posteriormente transcritas, uma vez que essas narrativas correspondem a um “registro documentério”. Para conchuir nosso texto, lembremos que Daleidio Jurandir abre ‘caminhos a Benedicto Monteiro na reelaboragio do imaginario popular em sua obra. E se Daleidio deu voz ao popular em seu ciclo, o fez Dropositadamente para dar énfase ao drama do protagonista alfredo, sensivel aos sentimentos do homem amaz6nida, refletindo a intengao dalcidiana de revelar seu povo, a aristocracia de pé no chao, conforme dizia, no vasto painel social que tragou em Extremo Norte. Benedicto Monteiro nao deixou Dalcidio como voz isolada e enformou em Miguel dos Santos Prazeres, homem do povo, a voz do homem simples amaz6nida a resistir aos desmandos dos poderosos. “Cf. GOLDER, Christophe. Santarém Conta, Belém: CEJUP, 1995, p. 10. Rev, MOARA Belém —n.20 paging ful/dez, 2003. 146 Daleidio Jurandir e Benedicto Monteiro: a incorporagio estética... REFERENCIAS AVILA, Affonso. 0 Modernismo. Sio Paulo: Perspectiva, 1975. BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contempordneo. Séo Paulo: Cultrix, 1997. CASTELLO, J. 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