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ANA MARTHA MAIA As criangas do Um sozinho — a loucura na infancia tio do Campo Freudiano em Barcelona com o seguinte titulo: Los niftos del uno solo. Desenvolvendo o tema da psicose infantil, em particular os autismos, Solano apresentou esta expressio se referindo ao(§ijeitOlqueeleoe € que, embora esteja na estrutura da linguagem, nio fala. Egqquandopfalaynaclsedirige@OlOUHOPUm sujeito que se assemelha aos “pla~ netas” e “tem a compacidade de um ser-ai, como uma estrela”.! © que leva uma crianga bem pequena, como uma estrela, em sua insondé- vel decisio do ser, a permanecer na solidio ¢ na imutabilidade — tragos apon~ tados em diferentes pesquisas sobre os autismos, desde Kanner e Asperger — como uma resposta ao encontro traumiatico com a linguagem, que acontece para o ser falante na madrugada da vida? enigma da loucura na infincia tem produzido intensas paixdes, em virtude do lugar que a crianga ocupa hoje como objeto de gozo da mie, da familia e da civilizagio, nos tempos de declinio do pai, em que imperam 0 discurso capitalista, as teorias cognitivo-comportamentais (TCCs) e a indistria N © final dos anos 1980, Esthela Solano apresentou um trabalho no Semina- de medicamentos. 1 SOLANO-SUAREZ, E.“‘Los nifios del uno solo”, El Analiticén, n. 3, Barcelona, 1987, p.46. 111 As(PSIGOESTRLAREForam reduzidas ao Transtorno do Espectro Autista no decorrer das publicacdes das novas classificages psiquitricas. Proliferam técnicas de aprendizagem para adaptar a crianga e o adolescente aos ideais de comporta~ mento, ¢ ataques dirigidos a psicanilise como uma das possiveis propostas de tratamento aos sujeitos autistas.A “batalha do autismo’ no é apenas uma resposta, mas a posigio firme da psicanilise de orientagao laca- niana diante desta politica de controle e generalizacao dos autismos. Podemos circunscrever quatro pontos fundamentais nesta batalha: 1) € uma (@@aeanacommspoliticaspablicas que impSem um tratamento padrdo a partir de etiquetas, enquanto a politica da psicandlise enfatiza o ser falante € seu modo singular de gozo, em sua relagio com a linguagem, seu corpo € 0s outros;2) uma (GAGES LerabalSleoMLSspa, como parceiros, inclusive esvaziando a ideia de que so culpados pelo autismo do filho; 3) uma batalha pa a diferenga entre a psicanilise e o: ao sujeito autista, nao abrii ue chamamos de “tratamento sob medida”; e 4) um: para diferc ue, embora se utilizem de significantes que fazem parte da orienta¢ao lacaniana (como exemplo: “pritica entre varios”), propdem avaliagdes ¢ métodos para © tratamento, de maneira muito parecida com as TCCs, quando apostam na pre- vencio e no trabalho pela via da maternagem.? A crianga que no dirige uma demanda ao outro, que nao cede de seu gozo vocal urra, se morde, bate com a cabeca na parede, recusa 0 alimento ou come sem parar em seu funcionamento singular, esta crianga angustia os que estio em seu entorno, os pais, a familia ¢ os profissionais que se dedicam a seus cuidados. O psicanalista no estd a salvo de experimentar a angustia no tratamento de uma crianga, seja ela um sujeito autista ou nao, conforme encontramos em relatos de casos. Sobre o tratamento de Nadia, Rosine Lefort descreve sua imobilidade total, poucos gestos com tendéncia & perseveragio, inflexibilidade ¢ imagem de um estado catat6nico com auséncia de prazer autoerdtico. Com 13 meses € meio, seu peso e estatura correspondem a um bebé de oito meses. “No seu 2 LAURENT, E. La bataille de Vautisme: de la clinique a la politique. Paris: Navatin/Le Champ Freudien, 2012. MAIA,A. M.W.“Intervengio na mesa sobre autismos da Grande Conversacio sobre a Escola Una, na Assembleia Geral do X Congresso da AMP”, 29 de abril de 2016. Dis- ponivel em. http://autismoepsicanalise.blogspot.com.br/2016/06/tres-intervencoes- -sobre-os-autismos.html Acesso em 30 de julho de 2017. 112 LATUSA 22 | LOUCURAS ATUAIS. 4 Nadia passa dias sentada em seu travesseiro, com rosto, s6 seu olhar esta vivo”. sem esbogar emogo, nem interesse pelos as mios agatradas 3s bordas do leito, objetos. Em uma sessio, ela dirige brevemente um sorriso para Rosine ¢ de- pois brinca com sua mio. Em outra sessio, dirige uma demanda novamente para Rosine e se retrai: Sua atitude, no conjunto, est menos ativa. Apés este inicio que se apresentava para mim apenas como uma observacio, pois o projeto de um tratamento nio tinha sido ousado com um crianga tio pequena, ela faz um retrocesso. Nos dias seguin- tes seu estado se agrava. Ela esté cada vez mais pilida, completamente retraida, muito triste, recusa pegar todo objeto que Ihe é oferecido, brinquedo ou biscoito, e se balanga sem parar, No seu rosto de velha precoce, no resta mais que um olhar desolado, patético, que ela me langa quando eu a deixo. E este olhar que me traré de volta, que comegaré uma aventura analitica para ela e para mim ¢ que me tornard analista.S Esthela Solano-Suarez também conta sobre a angiistia da analista no en- contro com uma crianga, desta vez autista. Ela conclui: Faz um tempo que me faco perguntas sobre este tema; um tempo que tem a ver com um encontro que aconteceu ha quase vinte anos, quando, com toda a minha inocéncia,em um momento determinado de minha vida, me autorizei como analista. O acaso conduziu até meu consultério uma crianga autista. Penso que este encontro me traumatizou o suficiente como para seguir, desde este momento até o presente, fazendo-me perguntas sobre a questo.‘ Sendo assim, o que faz 0 analista com sua angistia é dar outro destino a ela que nao atrapalhar o trabalho da crianga, como testemunham Rosine Lefort e Es- thela Solano-Suirez. Elas também nos contam sobre o efeito destes encontros em suas proprias anilises ¢ que foi a partir deles que elas se autorizaram como analistas. LEFORT, R. & LEFORT, R. Naissance de l'Autre: deux psychanalyses, Nadia, 13 mois, 4 , 1980, p.7 Marie-Francoise, 30 mois. Paris: Seu 5 Ibid.,p.9. 6 SOLANO-SUAREZ, E."'Los nifios del uno solo”. Op. cit., p44. ASCRINGAS DO UM SOZINMO , Ara Mata Maa 113 Oretorno a Freud e a loucura na infancia A proposta de retorno ao texto freudiano marcou o ensino de Lacan. Desde © Inicio, ele criticou os desvios tedricos dos analistas anglo-saxdes, Assim tam- bém, encontramos 0 tema da loucura em diferentes momentos: a loucura como liberdade do ser, exclusio do Outro simbélico, foraclusio do significante do Nome-do-Pai e como inconsisténcia do Outro na foraclusio generalizada. Em seu primeiro Seminario, ao langar a pergunta “o que fazemos, quando fazemos anilise?”,” Lacan sustenta o principio freudiano de se tomar “um caso na sua singularidade”® e de(GRtSHROGAESEM PREM RCOHiaIm PaECindelnIED Neste Seminario, ele aborda as psicoses nas criangas, comentando dois casos clissicos da literatura psicanalitica: 0 caso Dick, de Melanie Klein, e 0 caso Robert, “o Menino Lobo”, de Rosine Lefort, iniciando com uma critica A andlise das defesas, conforme a proposta de Anna Freud. Um pequeno exemplo é 0 caso de uma mulher que busca anilise por cau- sa de um estado de angistia grave que perturba sua vida e seus estudos para obedecer 4 mie. A analista nio percebe que a paciente entra em angistia com sua intervencao e Lacan critica a forma como ela trabalha com a transferéncia: Anna Freud come¢ou a interpretar a relacio analitica segundo o pro- tétipo da relagio dual, que é a relagio do sujeito 4 sua mie. Ela se en- controu logo numa posigio que nao sé marcava passo, mas era com- pletamente estéril. [...] Deveria ter distinguido a interpretagio dual, em que o analista entra numa rivalidade de eu a eu com 0 analisado, e a interpreta¢do que progride no sentido da estrutura¢ao simbélica do sujeito,a qual deve ser situada para além da estrutura atual do seu eu? Para Lacan, a posi¢o de Anna Freud é uma “posig&io de reeducagio pré- via”:“tudo parte nela da educagio, ou da persuasio do eu, e tudo deve voltar ali”,"® enquanto Klein parte de outro lugar: “Melanie Klein enfia o simbolis- mo, com a maior brutalidade, no pequeno Dick! [...]. Este modo de fazer se presta evidentemente a discussdes teGricas — que nao podem ser dissociadas do 7 LACAN, J. O Seminéria, livro 1: 08 escritos técnicos de Freud (1953-4). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983, p. 19 8 Ibid.,p.21 9 Ibid., p.80 10 [bid., p. 83. 114 LATUSA 22 , LOUCURAS ATUAIS . - x . diagnéstico do caso. Mas é certo que depois dessa intervengao, alguma cois: ai se produz. Tudo est’ ai”. Embora também criti um elogio a Klein Lacan faz que a forma de interpretagio da analista, O caso Dick é considerado o primeiro caso de autismo da histéria da psi- canilise. Lacan sublinha a falta de contato do menino, sua profunda indiferen¢a, sua apatia, auséncia, situando ai o que ele chama de “O(ASReEOTAESEUIEBSY, no sentido de que ainda nao estaria formado:“Com efeito, é claro que, nele,o que nao é simbolizado é a realidade. Esse jovem sujeito esta inteirinho na realidade, no estado puro, inconstituido. Ele esta inteirinho no indiferenciado”.'? Assim, nao se trata de fortalecer o ego, de definir 0 eu como uma fungio auténoma, nem de introduzir o simbolo com significados articulados as fan- tasias, ao imagindrio do analista. Aos poucos, acompanhamos como Lacan vai introduzindo a relagio do imagindrio com o simbélico ¢ o real. Lacan retoma Freud ao trazer para discussio a questo da falta de objeto, em contraposi¢ao a relagdo de objeto ideal, a diade mae-bebé na qual os pés- -freudianos sustentavam os tratamentos: “Ora, o que é que constitui o mun- do humano? ~ sendo 0 interesse pelos objetos enquanto distintos, os objetos enquanto equivalentes. O mundo humano é um mundo infinito quanto aos objetos. A esse respeito, Dick vive num mundo nio-humano”."3 Seu comentario nao diminui 0 valor que atribui ao trabalho de Klein com esta crianca.“Este texto é precioso”, diz ele, ressaltando que, para Dick, nio ha nem outro, nem eu. E entio que Melanie Klein, com esse instinto de animal que a fez alids perfurar uma soma de conhecimentos até entio impenetravel, ousa Ihe falar — falar a um ser que se deixa, pois, apreender como alguém que, no sentido simbélico do termo, nio responde. Ele est 14 como 1 Ibid., p. 83-4 12 Ibid., p. 84. 13 Ibid. ‘AS CRIANCAS 0 UM SOZINHO | Ana Martha Maia 115 Se cla nao existisse, como se fosse um mével. E, entretanto, ela Ihe fala, Ela di literalmente nomes ao que, sem davida, participa do simbolo Porque pode ser imediatamente nomeado, mas que, para esse sujeito, S© cra, até entio, realidade pura ¢ simples." Este € 0 maior valor do trabalho que Klein realiza com Dick: ela fala com le. E 0 efeito aparece ao longo das sesses que ela descreve. Klein nio recuou diante da loucura infantil. : A critica a interpretacao kleiniana é centrada no “carater de intrusio, de Colsa posta sobre o sujeito”.'* Se na medida em que Klein fala com Dick, algo S¢ passa, € se os objetos sio constituidos por projegées, introjecdes, sadismo que © sujeito vé voltar nos objeto: E que a questao é justamente a jun¢io dos dois, imaginario e simbélico, com © real. E neste momento que ele apresenta 0 esquema tico, articulando-o ao estadio do espelho. E convida Rosine Lefort para apresentar 0 caso Robert. Robert foi uma das criangas que Rosine Lefort atendeu em Parent de Rosan, quando chegou para participar de uma pesquisa sobre hospitalizacio de longa duragio com criangas de até trés anos, realizada no servico de Jenny Aubry."* La, Rosine encontrou criancas abandonadas, doentes, em internacio coletiva, com diagnésticos no diferenciados. “Em anilise com Lacan, Rosine parte da falta de objeto ¢ considera 0 ”.'7 Suas anotagdes didrias das sessGes com Nadia e Marie-Frangoise foram organizadas no livro Nascimento do Outro. O tratamento de Marie-Francoise é uma impor- tante referéncia, mesmo tendo sido interrompido, uma vez que esta menina ele. autista de trinta meses estava comecando a mostrar os efeitos de seu trabalho com a analista. As sessSes com Robert foram publicadas em Les structures de la psychose: enfant au loup et le Président.™ .p.85 15 Ibid.,p.90 16 LEFORT, R. & LEFORT, R. Naissance de I'Autre: deux psychanalyses, Nadia, 13 mois, Marie-Frangoise, 30 mois. Op. cit. 17 MAIA,A. M.WW."Elle s'appelle Sabine e 0s autismos — da clinica 4 politica, ¢ retorno”, Arquivvs da Biblioteca, n. 10, Rio de Janeiro, 2015. 18 LEFORT,R. & LEFORT, R. Les structures de la psychose: l'enfant au loup et le Président. Parts: Seuil, 1988. 116 LATUSA 22, LOUCURAS ATUAIS O terceiro livro dos Lefort, La distinction de autisme,”? apresenta a tese da estrutura autistica, € 0 quarto” aborda a sexualidade feminina a partir do caso Maryse, que também estava entre as criancas de Parent de Rosan. Estas quatro publicagdes sobre a clinica a partir do ensino de Lacan constituem uma grande contribuigao para a psicandlise com criangas. 0 tratamento psicanalitico dos autismos e das psicoses infantis De uma certa maneira, nio se sabe se ¢ uma boa coisa empregar a mesma palavra para as psicoses na crianga e no adulto. Durante dé- cadas, recusava-se a pensar que pudesse haver na crianca verdadeiras Psicoses — procurava-se vincular os fenémenos a certas condigdes orginicas. A psicose nio é estrutural, de jeito nenhum, da mesma maneira na crianga € no adulto. Se falamos legitimamente de psicoses na crianga, é porque, como analistas, podemos dar um passo além dos outros na concepeao da psicose.?! A leitura de O Seminério, livro 2 remete ao tempo em que a psicose da crianga era tomada como debilidade mental. (1955-6 e 1958). Sim, como ele sugere, podemos dar um passo além quanto as psicoses e, eu diria, quanto aos autismos também, Nos anos 1950, Lacan apresentou um Seminirio inteiro sobre as psicoses € escreveu o texto De uma questao preliminar a todo tratamento posstvel da psicose. Este € 0 momento em que Lacan apresenta a metifora paterna, sua leitura sobre o Edipo freudiano. Ele sempre apontou para algo que o significante no tecobre e, mais tarde, apresentou al para dizer sobre as intimeras possibilidades de amarracio dos registros, as invengées sin- gulares do ser falante. 19 LEFORT,R. & LEFORT, R. La distinction de l’autisme. Paris: Seuil. 2003. 20 LEFORT, R. & LEFORT, R. Maryse devient une petite fille: psychanalyse d’une enfant de 26 mois. Paris: Seuil, 1995. 21 LACAN, J. O Seminério livro 2:0 eu na teoria de Freud e na téenica da psicandlise (1954-5). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985, p. 134-5. 22 LACAN, J.“De uma questio preliminar a todo tratamento possivel da psicose” (1958) Em: Esaritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. 17 [AS CRIANCAS 00 UM SOZINHO | Ana Martha Maia Laurent . Tessalta que, a fencia de que Ue, naquela época, anos 1950, Lacan prosseguiu na adver- mente dele wo imeaney pun a Freud antes que se desviasse demasiada- ] multiplicavam le » Porque os tratamentos psicanaliticos das psicoses ay Ive, o kleinismo ja se debrugava sobre o tratamento cio deste, tray ee € adultos, e divulgava suas publicagdes. A interpreta~ ‘0s incidia sobre a(Ginidad@limiapinatialGOleOEpO. E alguns ropunh; i Propunham que o analista se colocasse no lugar da mie, enquanto outros no lugar do irma : usa ‘© Irmo, fazendo uma sociedade sem pai, na vertente da psicoterapia Anstitucional ! A definigao de Lacan sobre alingua, em sua relago com a linguagem, abre uma via de trabalho, principalmente quando 0 “Outro no. existe”, em que podemos destacar tanto o que dizem Rosine e Robert Lefort sobre 0 Outro no autismo quanto a expresso de Miller para descrever o declinio do simbé- lico e seus efeitos nos sintomas contemporaneos.* Alingua nao visa a comunicagio e se encontra aquém da linguagem. Quer dizer, alingua é prévia 4 linguagem, que, por sua vez,“é uma elucubracio de saber sobre alingua”.** Como se encontram alingua e linguagem nos autismos? Na orientagio para o real, ao longo de seu ensino, Lacan junta o campo da linguagem com o estatuto de alingua. Por qué? Para Miller, ele se deu conta de que a palavra pode ser pensada como gozo.“‘A linguagem nio é somente comunicagio”. O resultado desta mudanga de axioma é a passagem da pro- blemitica do Outro para a do Um, inclusive do 5 CRT (Gialarticula¢ao com 61S RASIUMISOZAHO! Nao é 0 mesmo tentar alcangar o Uma partir do Outro, que tentar alcangar o Outro a partir do Um. [...] Pois bem, neste novo a, 23. LAURENT, E. “Les traitements psychanalytiques des psychoses”, Les Feuillets du Courtil, n. 21, Bruxelles, 2003. 24 LACAN, J. O Semindrio, livro 20: mais, ainda (1972-3). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. 25. Ibid., p. 190 26 Ibid. 27 MILLER, J.-A. Los signos del goce. Buenos Aires: Paidés, 1998, p. 343 AIS 118 LATUSA 22 , LOUCURAS ATU ci pS A Se primeiramente 0 gozo 1c de seus “fora de”, como diz Miller, 0 gozo é gozo do Um, e alingua, prévia 4 estrutura, tam~ bem é feita dele. “O problema agora é como passar dese Um do gozo ¢ de alingua a0 Outro, quer seja 0 outro da linguagem ou of@WOlaUeBOE =D Como fazer dois (deux) deles (d’eux)? Como os S, se articulam? Alingua se or- dena somente se um significante assume o valor de outro, de ser dois, “Quan- do este problema se resolve, nasce a estrutura”,” por isso Miller considera que 0 Lefort escolheram bem 0 titulo do primeiro veo RETR E neste sentido que Stiglitz teceu um comentitio sobre as criangas do Um sozinho desctitas por Solano: 0 Um sozinho era 0 S, que permanecia no articulado no autismo e na psicose precoces devido 4 foraclusio do Nome-do-Pai, na época da clinica descontinuista.” © que Stiglitz aponta € que a clinica da foraclusio generalizada também esta cheia de criangas do Um sozinho. Podemos acrescentar com a leitura dos Lefort ¢ a partir de O Seminario, livro 23, de Lacan, sobre o sinthoma, que se Um scm o Our” iia ananaiieaaNe 2” tra¢o de estrutura do autismo é chegar ao isolamento de TAnatos, um real insuportavel”,*? sustentam os Lefort. Na conferéncia realizada em Bogota durante a V Semana do Autismo, Jean-Claude Maleval abordou a questio sobre alingua e linguagem nos au. tismos, quando se refer Gita WO SRHTAMER. altifagem Palo eiba) (GRiAONPELNSIGAIAEAAEE“ Alingua, essa pura materialidade significante, livre de toda significacao e particularmente apropriada para ciftar 0 gozo, nao chegou a estender suas raizes no corpo do autista. No entanto, é indiscutivel que cle 28 Ibid., p. 359. 29° Ibid., p. 360. 30 STIGLITZ, G.“Los nifios y el psicoanilisis: escuchar el inconciente. El niiio en nues- tro malestar”. Anexo da brochura do II Encontro dos Niicleos da Nova Rede Cereda no Brasil, Sio Paulo, 2010. LACAN, J. O Semindrio, livro 23: 0 sinthoma (1975-6). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007. LEFORT, R. & LEFORT, R. Les structures de la psychose: lenfant au loup et le Président. Op. cit., p. 225. 31 32 119 AS CRIANGAS DO UM SOZINHO , Ana Martha Maia esta submetid i lo ao banho de linguagem, e que as vezes consegue se a i sta com uma grande competéncia” 33 . ppras Um passo além Retomando a cita 2 sao de Lacan em O Seminario, livro 2 sobre 0 “um passo além dos outros” a este & um desafio atual que se coloca na batalha do autismo, Principalmente quando ainda sio divulgados trabalhos que insistem no tra~ tamento psicanalitico dos autismos e das psicoses infantis fundamentados na maternagem, em que o desejo materno é confundido com a presenca da mae Our a qualidade de seus cuidados (S5GHOS/ COMO NIG MOHferasae PAROS) BEL A clinica dos autismos ensina que no podemos recorrer ao mito do amor materno, nem ao Edipo. Como sustentar o tratamento psicanalitico no encan- tamento pela relagio mie-bebé, a partir dos anos 1970 do ensino de Lacan? Como usar os termos invasio de gozo, bordas pulsionais, objeto artistico, ilha de competéncia e fungio do duplo sem trabalhar com alingua? Afinal, é “nis- to que o inconsciente, no que aqui eu o suporto com sua ciftagem”, nos diz Lacan, “s6 pode estruturar-se como uma linguagem, uma linguagem sempre E preciso manter a proposta, a fa sms um retorno constante a Freud. E seria 0 caso, ento, de propormos um retorno a Lacan, partindo do pressuposto que o dltimo ensino foi mesmo lido? Uma nova lei esta surgindo, a lei n. 13.438, que determina o seguinte: § 5° E obrigatéria a aplicagao a todas as criangas, nos seus primeiros 18 meses de vida, de protocolo ou outro instrumento construido com a finalidade de facilitar a detec¢do, em consulta pediatrica de acompa- nhamento da crianga, de risco para o seu desenvolvimento psiquico.* 33. MALEVAL, J.-C. “De la estructura autistica”. Conferéncia organizada pela NEL, Bogota, 12 agosto de 2017. Notas pessoais. 34 LACAN, J. O Semindrio, livro 20: mais, ainda (1972-3). Op. cit., p. 190. 35 Cf. heep://www2.camara. leg; br/legin/fed/lei/2017/lei-13438-26-abril-2017-784640-pu- blicacaooriginal-152405-pl.html Acesso em 30 de julho d&S0L2D 120 LATUSA 22 | LOUCURAS ATUAIS GexenvolvinTeneoNpRIGUES Nao & wma lei especifica para o rastreamento do ‘Transtorno do Espectro Autista, mas, quando tudo é autismo, é um incentivo para 2 CRD, patologizagio ¢ a medicalizagio da infincia, Com esta lei retorna a questio da delicadeza, da complexidade no esta- belecimento do diagnéstico no autismo, inclusive na distingio com a psicose Sabemos possiveis efeitos devastadores para a crianga ¢ seus pais, efeitos deGelD GEREBBG10s que sio WATTLE, para os quais pouco adianta insistir em tratamentos padronizados: Pode-se obter como resultado que © sujeito consinta um pouco me= Thor com a presenga do outro, que se apresente com uma conduta dui social “adequada” Mesmo que se esteja fazendo uso da psicandlise como uma tentativa de se fundamentar a criagao de instrumentos de triagem ¢ avaliagio que verifiquem indicadores clinicos de risco para o desenvolvimento psiquico, mesmo que se publiquem artigos descrevendo que escalas ¢ instrumentos de avaliagdo tém sido um recurso para o estabelecimento de diagnédsticos precoces para pre- vengao de transtornos, nao é possivel para a psicanilise sustentar esta proposta. No minimo, porque a clinica psicanalitica nio é baseada em evidéncias. Uma clinica que se propde a tratar o sujeito, mas desconsidera e desconhece o , teal do gozo, é mais um dos desvios tedricos que constam na histéria da psi- candlise ¢ esta situada no campo da psicogénese e da psicologia do desenvolvi- mento. Retornando ao quarto ponto que levantamos na Grande Conversagio da Bscola Una, em 207 6¢apsieanlise OTe suRaEORETAPIAD 36 MAIA,A.M.W."A crianga, os autismos ea instituigio, Cien Digital, n, 2198007. heep:// al-heml .blogspot.com.br/p/cien-d i AS CRIANGAS DO UM SOZINHO | Ana Martha Maia 12

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