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UM PROJETO PARA A ARQUEOLOGIA BRASILEIRA; BREVE HISTORICO DA IMPLEMENTACAO DO. PRONAPA Adriana Schmidt Dias * As preocupagdes que orientam a pratica arqueolégica resultam da nteracto de aspectos sociais € hist6ricos, especificos de cada época tro arqueolégico predominaram sobre os demais RIGGER, 1992: 4). © Programa Nacional de Pesquisas Arqueolégicas (PRONAPA), orte influéncia sobre o entendimento que hoje possutmos quanto a nossa pré-histéria. Desta forma, 0 resgate hist6rico da implementaglo do Programa, pode ser considerado como um prit Passo para reavaliar, je forma critica, os dados e interpretagées arqueolégicas que atualmente lispomos para 0 pas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) e Museu Julio de Gastithos MIC), IL O Nascimento de uma Idéia: As Origens do PRONAPA Embora tenham-se desenvolvido pesquisas arqueolégi tude finais do sécul paseado,foisomente comasprovagte ene leifederal 3924 que se passouadiscu Necessidade de profissionalizagao dos pesquisadores locais. Projeto acalentade desde ¢ década de 50, a anrovagio da lei de protegao das jazidas arqueoldgicas Fepresentou um. dueeeinno de ruptura para arqueotogia brasileira, pois pels primeira vez Guestionou-se quais profissionais estariam c. Pesquisas arqueol6; 80: 17-19; MEGGE, em outubro de 1264, para ministrarem um cutso intensivo de une més, na cidade de Paranagus, sobre analise certmica e elaboragio de cronologias rclativas, {Mezgers Evans, cm fins da década de quarenta, havens realizado trabalhos d 0 patra sui Amazonas, Qucna art Sussteses de doutoradonadesembocaduradorio St Orenoco)(MEGGERS, 1992: 14-17). No entanto, nao se cnquadrava fos | ienca por Anneste sm sitios licorineos i regito de Lagoa Santa em Minss ina; € as escavacdes de sambaquis, Rev. do CEPA, Santa Crus do Sul, 19/22): 25-99, mar. 1995 27 sno Pafs. Meggers ambos pouco interessados em retomar as pesq| ra, quando por ocasiaio deixa clara sua opinio sobre a arqueologia bra do curso de Paranagua: Em 1964, a arqueologia (brasileira) (...) era basicamente uma atividade amadora, orienrada aos enormes concheiros costeiros e aos abrigos rochosos ao redor deLagoa Santa, em Minas Gerais...) [portanto] considerdvamos inttil o treinamento de arqueslogos, naohavendo trabalho para eles. Finalmente aceitamos ir por um més se obtivéssemos fundos (...) (MEGGERS, 1992: 17), Loureiro Fernandes conseguiu garantir a vinda de Meggers ¢ Evans através de financiamentos obtidos junto’ Fulbright Fundation, a0 Conselhio de Apoioa Pesquisa e ao Ensino Superior (CAPES), 20 Consclho de Pesquisa da Universidade Federal do Parand © a0 Smithsonian Institution (EVANS, 1967: 7). Contando com a participagao de doze Pesquisadores®, © curso tratou de temas ligados a técnicas de campo, anilise, classificago ¢ interpretagao cerdmica, de acordo com método Ford‘. Apés o término das atividades, Meggers ¢ Evans percorreram 0 Brasil durante o més de novembro, visitando varias insti ituigdes de Pesquisa no intuito de observar “cada arqueélogo brasileiro em seu smonstra que afinidade pessoal foi o principal criério ipances do PRONAPA: “Comfamos, dormismos ¢ io. Falivamos de arqueologia manhi, earde e noite. Ao FO scguinee: Telato de Meggers: para selegio dos fucuros rofunda e um mievo respei . usado por MEGGERS c EVAN: proposes merodolgica desc nurornoque di tespetoaoceube fclaivass parr do método de seriacio de fgmemoscetamieos Ue since ds lees de Ford pode ser encontrada em FORD (1962). Esta obra rele do *Seminive de a8 Cronolégicas das realizado em Bacranqulla, Colombia, em 1961, do goal tamBém tomaram parte Meggcrs © Evans, tendo por objetivo divulgir os mécctoe ropostos por Ford entre os arqucélogossu-americsnos 5 1974 do Sul, 19(22): 25-39, mar. 1995 i oe eee 28 ambiente intelectual e fisico.” (MEGGERS & EVANS, 1968: da receptividade a0 método por eles proposto ¢ dos contatos ocasiao, nfo faziam parte dos planos imediatos do casal desenvolver qualquer linha de pesquisa no Pais, Contudo, uma conjungio de oportunidades favoraveis mudaram signi amente este quadro. Meggers oferece-nos um relato pessoal dos fatores que conduziram ao desenvolvimento do PRONAPA: Durantenossa auséncia de Washington, William Warner havia sido contratado [pelo Smithsonian] \paraexpandirsuasatividades imternacionais Sens informantes no Departamento de Estado 0 haviam alertado que muito provavelmente o Brasil estava para ser agregado a lista de Patses que haviam acumulado uma divida que excedia a quantidade necessdria para manter operagées dos RUA, O Smithsonian havia sido autorisado pelo Cougresso a usar esta verba para investigagoes arqueolégicas. Rm consegiiéncia, se tivéssemas um projeto, estariamos em uma boa posigéo para obter fundos, Pusemo-nos a trabathar imediatamente em uma proposta de trés anos para exploragao sistem itica da costa, idealixada para criar um esquema espaco-temporal, empregando 0s métodos decampo eos critérios analiticos, discatidos durante 0 encontro de Paranagué. A proposta foi ‘enviada aos possteeis participantes paraa avaliaglo. A equipe inicial incluta Mario Simées, Ndssaro A. de Sousa Nasser, Ondemar Dias, Igor Chmyz, Wilson Rauth, Enrico Th. Miller e José Proenza Brochado. Dipois fomos informados por Warner que a economia do Brasil havia melhorado ¢ que ndo haveria fundos para.a arqueologia ndo 56 em 65, sendo também em um‘faturo imediato, boa noticia para o Brasil, mas desastrosa para nosso projeto. Afortunadamente 0 Smithsonian havia criado o sew proprio fundo de investigaeao em 64. A proposta foi aprovada ¢ 0 PRONAPA comegou em 65(MEGGERS, 1992: 17- 18). Nao podemos especi Rev. do CEPA, Santa Cruz do Sul, 19(22): 25-39, mar. 1995, rem que medidao interesse do Congresso 29 horte-americano pela arqueologia brasileira facilicou o desenvolvimento do Programa. Contuds, convém lembrar que a arqueologia, segundo Funari, nfo époliticamenteaurénoma, pois depende mais do que qualquer ciencia social do financiamento e autorizaco governamental para cxistir (FUNARI, 1989: 62). © modelo proposto por Meggers ¢ Evans consistia em um desdobromento para o tertitério brasileiro de suas pesquisas quanto as fotas de migracao ¢ difusio cultural nas terras baixas da América do Sul, Segundo os autores apresentava grandes possibilidades de ago 4 pesquisa que ambos vinham desenvolvendo naquela ico, pois suas fronceiras politicas cram formadas pelos trés maiores Sistemas hidrogrdficos das terras baixas, 0 Amazonas, 0 Orenoco € 0 A-Se NO pressuposto de que as rincipalmente ao longo dos rios. Brasil estaria, devido aos seus sistemas hidrogréficos, na posi¢io de “funil”, ceunindo grupos humanose clementos Culturais de variadas origens que extrapolariam suas fronteiras politicas atuais MEGGERS & EVANS, 1965: 7) Um projeto de larga escala como © proposto pelo PRONAPA, Justificava-se na medida em que o Brasil constitufa-se “99% terre Incégnita”, em termos arqucol6gicos, ao mesmo tempo em que ocupava @hase meio continente sul-americano, De acordo com aargumentagio de Meggers ¢ Evans, os “erescentes avancos da arqueologia nos pafses vizinhos frente a falta de informagao no Brasil, consti obstécuto para a recon do Sul” (MEGGERS & EVANS, 1965: As hipoteses de pesquisas para o Brasil amadureceram a partir dos resultados do primciro ano de implementagtio do Programa, levando Meggers a tecer novas consideragies sobre a relagao entre migragao ¢ contexto ambiental br: - Segundo as expectativas da autora: No Brasil pode ser encontrada uma variedade de xonas ecoldgicas, requerendo técnicas diferentes de a Sob o ctulo Preliminary Draft of « Proposal for a Program of Archaeological Survey and Testing in Brazil, este projeto foi enviado ao Smithsonian em 1968 para solicieagl6 de verbas para o PRONAPA. do Sul, 19/22): 30 adaptagio humana...) sem os contrastes extremos de altirude, clima ¢ vegetagao dos patses andinas. Conseqtentemente, grupos humanos poderiam movimentar-se de uma regido para outra sem grandes problemas de readaptagdo a0 novo ambiente, ao contrério do ocorrido em outras partes do continente onde os grupos, embora percorrendo disténcias menores, defrontavam-se com ambientes totalmente diversos (MEGGERS, 1967: 153). Sob esta perspectiva, Meggers supde que o movimento populacional em cerrit6rio brasileiro devia dar-se em grandes proporgdcs. Sua extensa rede fluvial serviria como caminho natural de comunicagao entre “o norte co sul, 0 leste © o oeste do Pats”, interligando-se com outras regides do continente que apresentavam condigdes ecolégicas ¢ culturais diversas (MEGGERS, 1967; 153), Partindo destes pressupostos, 0 objetivo do Programa seria estabelecer um esquema cronol6gico do desenvolvimento cultural no Brasil, desde os primeiros indicios de ocupagao humana até 0 desaparecimento dos complexos culturais indigenas, apés 0 contato com © europeu (MEGGERS & EVANS, 1968: 2). A garantia de que este objetivo seria cumprido dava-se a partir da aplicagio de uma metodologia padronizada para as investigagdes de ‘campo ¢ laboratério. Os marcos que balizaram o padrio de pesquisas do PRONAPA foram estabelecidos no semindrio de Paranagué, encontrando- se publicados em Guia para a Prospecgao Arqueolégica no Brasil (1965) e em Como Interpretar a Linguagem da Ceramica (1970), ambos de auroria de Meggcrs ¢ Evans. O primeiro apresenta-se como um manual pratico que indica de forma minuciosa os passos necessdrios para acfetivacio de um trabalho de campo adequado 20s objetivos do Programa. ‘J4a publicagio de 1970 propse-se a divulgar os procedimentos necessirios A analise das amostras obtidas.em campo, de acordo com 0 “método Os objetives do Programa podem ser encontrados em um relatério, destinado a0 ‘Smithsonian Institution enticulado Prehistoric Routes of Cultural Difusion in Brazil: National Program of Archaeological Research, destinado 4 Smithsonian Institution. Rev. do CEPA, Santa Crux do Sul, 19(22): 25-39, mor. i ta « 31 O padrio de pesquisas do PRONAPA caracterizou-se por trabalhos ‘de campo voltados Acolecgde amostras regionais com o objetivo de tracar padrdes cronolégicos a partir de seriagves. De acordo com esta proposta, seqéncias seriadas semelhantes para uma mesma regido seriam reunidas em fases que, por sua vez, formariam as tradigdes. Os conceitos de fase © tradiga0, de acordo com o padrio pronapiano, marcariam os ritmos da distribuigio espago-temporal dos grupos humanos pré-historicos que por ventura viessem a ser identificados a partir das atividades do Programa. ‘Os métodos de campo do PRONAPA foram definidos de acordo ‘com as experiéncias anteriores de Meggers ¢ Evans nas terras baixas sul- americanas (EVANS & MEGGERS, 1965: VITI). Os autores estabeleceram suas estratégias de campo partindo do pressuposto de que os sitios arqueolégicos que possivelmente seriam encontrados em terras brasileiras nfo se diferenciariam daqueles localizados na zona tropical. Meggers ¢ Evans acreditavam que 0 PRONAPA apenas encontraria sitios arqueolégicos “pequenos ¢ pouco profundos (com excegao dos sambaquis com estratigrafia natural limitada © sem restos arquitetdnicos festringindo-se 0s artefatos “a cacos de cerdmica e, ocasionalmente, pedras trabalhadas” (EVANS & MEGGERS, 1965: VII). A expectativa deum registro arqueol6gico pobre, levava os auroresacrer que escavagbes intensivas nao seriam compensatérias. A exigilidade de cempo cm relagio as ambigdes do projeto determinou que as prospecgdes fossem eleicas como estratégia de campo ideal is propostas do Programa, Dentro desta perspectiva, 0s participantes do PRONAPA deveriam localizar 0 maior ntimero possfvel de sitios em uma rea previamente selecionada. Nestes seriam superficie e, quando possivel, um ou dois cortes estratigréficos para a obtengio de amostras das seqiléncias arqueolégicas locais. Segundo as expectativas dos mentores do Programa, “caso os sftios sejam pouco profundos, dois ou trés (...) [cortes estratigréficos] serio terminados em um s6 dia. Sitios mais profundos podem requerer um dia inteito de trabalho” (EVANS & MEGGERS, 1965: 32). jaao trabalho de campo colocou as coletas de superficie em plano privilegiado, recomendando-se que em dreas onde a seqiéncia local ja era conhecida seria “necessario apenas coletar amostras degacos que permitam identificar o perfodo ou fasc cultural representada pelo sitio” (EVANS & MEGGERS, 1965: 34; MEGGERS & EVANS, 1970: 77). A coleta também foi recomendada em situagdes nas quais a espessura do refugo fosse inferior a dez centimetros. Caso contritio, noe ned 5,204 2598, nr 1995 — 32 dever-se-ia realizar pelo menos dois cortes estratigréficos em partes diferentes do sitio, para que a comparagio entre as seriagdes resultantes oferecesse subsidios para a avaliagio de possiveis perturbagdes ou sobreposigao de ocupagées. O tamanho do corte estratigrifico seria proporcional a densidade das amostras. Como uma seriagao demanda um universo de pelo menos cem individuos, cortes de 1X 1 metros seriam recomendéveis nos casos em que o refugo excedesse a cem fragmentos por nfvel escavado. Nas situagdes em que a densidade de material fosse inferior 4 esperada, as dimensdes do corte deveriam aumentar para 2X 2 metros ou 2,5 X 2,5 metros. Tais cortes estratigréficos deveriam ser escavados em nfveis iciais de dez centimetros de espessura, pois, segundo os autores: A estratificagdo natural ndo é fregitentemente observdvel com facilidade devido & pouca espessura ow homogencidade do depésito arqueolégico, enquanto uma andlise cuidadosa dos artefatos revelaré quase sempre indicios de evolugéo on mudanga cultural. A fim de verificarmos esta mudanga, serd necessério subdividirmos 0 depésito em camadas arbitrdrias ou artificiais, permitindo a separacao dos restos mais ‘antigos dos mais recentes (EVANS & MEGGERS, 1965: 10). Baseados em suas experiéncias anteriores em sitios arqueolégicos dafloresta tropical, Meggers c Evans nao levaram em contaa pos: de ‘de um comportamento estratigrifico diferenciado nas regives abrangidas pelo PRONAPA. De acordo com os autores, as escavagdes em ni attificiais correspondia & ia de avaliagdo da significacao cronolégica do depésito, que @ continuidade da vida didria seja subdividida em defraus sucessivos, facilmente compardveis entre si.fimbora a mudanga cultural didria incorporada nd sttio nao possa ser percebida, degraus correspondendo a perfodos de tempo mais longo evidenciam contrasies. suficientes que podem ser observados. Na maioria das vexes a mudanca é mais quantitativa do que qualitativa(...) ea escavagdo em Rev. do CEPA, Santa Crux do Sul, 19(22): 25-39, mor. 1 a 33 nfoeis artificiais permite analisaro materialem termos desea significado cronoldgico potencial (EVANS & MEGGERS, 1965: 11). Segundo as estimativas dos coordenadores do Programa, semanas de trabalho de campo, sob 0s moldes propostos, tornaria possivel 4 prospeccao de uma média de trinta ou mais sitios arqueolégicos. As amostragens assim obtidas ofereceriam bases seguras para o estabelecimento de seqtléncias cronolégicas e identificagao de influéncias irais (EVANS & MEGGERS, 1965; 42). Em termos financeiros, 0 apoio do CNPq estava vinculado a ‘cago dos resultados das pesquisas através do Museu Paranaense 1anto os trabalhos dé campo foram subsidiados pelo Institution. O orgamento destinado a cada etapa da pesquisa, refcrente a dois meses de trabalhos de campo anual, pode ser estimado em torno de U$ 2.173,00 por pesquisador?(MEGGERS & EVANS, 1965: 2). Alibetagio dos recursos de pesquisa individuais dependia da divulgagio anterior, A garantia de que seguido centrava-se na possibilidade de penalizagio do pesquisador, em ‘aso de no cumprimento dos prazos estipulados, através de sua exclusio dos quadros do Programa. A posi¢ao de Meggers ¢ Evans quanto a esta questio era.a seguinte: Nossa experiéncia diz.quesessenta dias € tempo suficiente para conseguir-se material para analisar no resto do ano (..). Se mais tempo for gasto no campo, a quantidade de material ndo estudado seré 140 grande quese tornard uma afligao\...). Sealgum participante nao conseguir analisar 0 material, iré » segundo proposes enviads 10 Smithsoni corgamenco de quatro milhes de eruzeitos pata cada pesquisador pudesse realizar trabalhios de campo em duas regives di ‘ 5 proposta, a cotagio do délar era de Cr 1.840,00, segundo Meggers &¢ Evans (1965: 21- 23), Levando-se em consideragao 0 nimero de partcipantes do programa (nove no jo ano. onze nos quatro seguintes)e seu tempo de dusaglo, pode estimar-se um rior com mil délares para a efetivagio dos trabalhos de campo, sem se levar sastos roferentes A aquisigio de velculos previstos no projevo, eujo imado em rorno de US 28.000,00. Riper cre 25, 19(22): 25-39, mor. 1995 lial m Sf prejudicar os resultados finais. Consegitentemente a Yiberagio de fundos para os trabalhos de campo do ‘ano seguinte depende da analise completa do material pesquisado (MEGGERS & EVANS, 1965: 4). © Programa Nacional de Pesquisas Arqueol6gicas estruturou-se a partir de uma série de projetos independentes, porém integrados através da padronizagao das unidades de campo e laboratério. O perfodo de duragdo do Programa foi previsto. para tres anos, sendo posteriormente prorrogado até 1970 em fungao do inusitado ntimero de sitios levantados a cada etapa da pesquisa. Cada projeto envolvia trabalhos de campo de sessenta dias, em uma ou duas 4reas, previamente selecionadas a partir de sua relacao com os maiores rios e suas drenagens principais, entendidos enquanto possiveis rotas de difusto. Segundo Evans, procurou-se privilegiar reas onde nfo houvesse precedentes de pesquisas arqueoldgicas, embora nao se desprezasse regides onde jf cxistiam informagdes que pudessem resultar em boas seqiiéneias arqueolégicas (EVANS, 1967: 9). A selegio dos estados brasileiros a serem prospectados deu-se em fungao da origem dos pesquisadores convidados a fazer parte do Programa. Assim, em 1965, quando 0 PRONAPA iniciou suas atividades, nove pesquisadores realizaram trabalhos de campo nos seguintes Estados: Rio Grande do Sul (Eurico Th. Miller), Santa Catarina (Walter F. Piazza), Parand (José Wilson Rauth e Igor Chmyz), Sao Paulo (Fernando Altenfelder Silva), Rio de Janeiro (Ondemar F. Dias), Bahia (Valentin Calderén), Rio Grande do Norte (Nassaro A. de Souza Nasser) ¢ Mato Grosso (Mario Simées). Nos anos seguintes, Fernando Altenfelder foi substitufdo por Silvia Maranea nas pesquisas no Estado de Sao Paulo, sendo ainda agregados ao Programa José J. Proenza Brochado, para o Ri Grande do Sul, € Celso Perota, que desenvolveu pesquisas no Espirito Santo. A participagio de Mario Simoes no PRONAPA esteve predominantemente voltada.ao gerenciamento editorial, embora tenha desenvolvido pesquisas no‘ Baixo rio Negro, no Estado do Amazonas, entre os anos de 1968 ¢ 1969. ‘A garantia de que o padrio do PRONAPA estava sendo seguido dava-se através do controle direto de Meggers e Evans. Apés 0 término do primeiro ano de atividades, ambos visitaram individualmente cada um dos participantes do Programa no intuito de revisar os trabalhos de campo ¢ laborat6rio e corrigir possiveis erros ¢ omissdes na aplicagao do método Rev, do CEPA, Santa Cruz do Sul, 19(22): 25-39, mar. a 35 Ford. Depois disso, encontros periédicos'’ permitiram a troca de informacdes e a comparagio das experiéncias de campo ¢ laborat6rio, utilizadas para a definigdo dos conjuntos culturais pesquisados ¢ organizados sob a forma de fases ¢ tradigbes. IM. CONSIDERAGOES FINAIS A implementagio do Programa representou um salto quantitativo equalitacivo paraaarqueologia brasileira. Suaimplementacao possibilicou que em apenas cinco anos fossem levantados © prospectados mais de 1.500 novos sitios arqueolégicos, enquadradosem um modelo cronolégico c espacial de que carecia a pré-histéria brasileira. A partir das pesquisas do PRONAPA, em um curto periodo de tempo, pode-se perceber a amplitude, antigtiidade e complexidade da ocupacao humana no Brasil anterior presenga européia. O PRONAPA também foi responsavel por fomentar a multiplicagao de centros de pesquisa arqueolégica no Pais, que passaram a formar um niimero cada vez maior de pesquisadores qualificados. De acordo com a avaliagao de Evans ¢ Meggets, 0 Programa “cientificamente transformou a faixa costeira, de uma 4rea quase desconhecida arqueologicamente para uma das mais conhecidas partes das terras baixas sul-americanas. Um modelo cronolégice ¢ geogrstfico foi constru(do, fornecendo bases para futuras pesquisas (...)” (EVANS & MEGGERS, 1974: 9). Os coordenadotes do PRONAPA consideraram sua implementagio um sucesso devido & unidade metodolégica cmpregada, pois “sem tal padronizacao, grande parte das comparages einterpretagbes do mais alto nivel teria sido extremamente dificil, quando no impossivel” (EVANS ‘& MEGGERS, 1974: 8). No entanto, deve-se ressaltar que as propostas metodolégicas do Programa extrapolaram seu sentido inicial, assumindo ‘conotagdes paradigmaticas para um ntimero significative de pesquisadores brasileiros. Como ressalta Prous: Be O primeiro seminirio do PRONAPA foi cm Mar del Plata, por ocasito do 37” Fongresso Inecrnacional de Americanistas, em setembro de 1966. 0 segundo encontro, ‘com duragio de duas semanas, dev-re no Museu Paranisense Emilio Goeldi, em Belé ‘Aterceira reunio do PRONAPA tealizou-se em 1970, paralelamente a0 39" Congr Incernacional de Americanistas, em Lima. O semindrio final do Programa ceve a duragio ‘de unya semana € foi realizado em 1973 em Washington (MEGGERS, 1992: 20-22). 36 Sobretudo, criou-se entre as participantes (do PRONAPA] sma mentalidade:o hdbito de realizarem numerosas prospeccies ripidas, interessando sobretudla sitios superficiais, com coletas de materialem superficies limitadas, para serem estudadas como amostragens. Esta filosofia de trabalho a qual aderiram outros pesquisadores (..) preenche bem as necessidades de arqueélogos que iniciam as pesquisas em regibes desconhecidas, propiciando rapidamente uma visdo geral, ainda que superficial. Por outro lado, ela se (presta pouco a reconstituigbes palea-emnogrificas, se ndo complementada por algumas escavagdes sisteméticas (PROUS, 1992: 16). Em boa parte, esta situagdo configurou-se devido a falta de uma ostura critica quanto as limitagdes da abordagem te6rica subjacente ao método scguido pelo PRONAPA. Contudo, tal laconismo pode ser observado na arqueologia brasileira como um todo, na qual consolidou-se a idéia de que sua neutralidade cientffica estaria garantida pela auséncia de qualquer debate de ordem teérica. Avaliando-na sob tal perspectiva, Faria conctui que: 2 arqueologia brasileira mostra sinais evidentes de dependéncia e inseguranca. Um destes sinais -talves 0 mais grave de todos - revela-se por uma espécie de rentiacia ao exerctcio pleno deuma identidadeprépria ‘auto-definida, suficiente em termos de priticas e de sustentagiio teSrica, (u.) Em face da indefinigao de sua identidade (...) 0s métodos e téenicas ocuparam uma posigao que na verdade nit Ihes cabe. Ao invés de simples instrumentos a servico de uma teoria, eles se impuseram como uma condigao de saber, ist é les se sobrepiem, quando deveriam estar subordinados (EARIA, 1989: 31-33). A situagio da arqueologia brasileira é um reflexo do papel atribuide {As teorias na produgio do conhecimento arqueolégico em geral. Segundo jentam Shanks e Tilley, a arqueologia ainda hoje € profundamente marcada por uma postura empiricista que desencoraja a reflexto teérica do Sul, 19(22): 25-39, mor. 197 37 em favor da primazia dos métodos, como meios para atingiraobjetividade cientifica. Contudo, tal postura nfo possui sustentagao na medidacm que qualquer argumentagio de que o papel da teoria ¢ isrelevante para a arqucologia é, por sis, veorética (SHANKS & TILLEY, 1988: 6-11) equivoco coneeitual representado pela primazia dos métodos frente a teoria, subverte a ordem epistemoldgica necessaria 2 produgio cientifica, Segundo Faria: Os métodos servem, sao desenvolvides para que sepossa alcancar um determinado fim, que proposto com anterioridade, Sdo as tearias queindicam os fins ecriam os mézodas que permitam alcancd-los\...). Os métodas e as tenicas esto sempre a servigo, ndo é posstvel confundi-los com o conkecimento a que devem servir (FARIA, 1989: 39). No caso da abordagem pronapiana, a importancia relegada aos ‘métodos mascarou o corpo te6rico que guiava seus objetivos de pesquisa, conduzindo a equivocos interpretativos quanto a sua capacidade de explicar os fendmenos arqueolégicos. Assim, a aplicagio dos métodos pronapianos oportunizou um conhecimento apenas aproxim: grupos pré-histéricos brasileiros, decorrente das limitagGes ex; oferecidas pela abordagem erica que sustentava suas pesquisas. Torna- se necessério, portanto, situar ¢ avaliar de forma detida as posturas te6ricas subjacentes a0 PRONAPA, para que possamos redimensionar 0 conhecimento arqueolégico produzido pelo Programa, na busca de novas alternativas de pesquisa que rompam os limites interpretativos sob os quais este se encontra, IV, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS, EVANS, G. Introdugio. In: SIMOES, M. (Ed.). 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