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Audrei Gesser LIBRAS? tit arg ce Yaa _ que lingua é essa? | cRENGAS € PRECONCEITOS EM gt DA LINGUA DE SINAIS E DA REALIDADE SURDA | | 4. O-nsne do espanol no Brest 2 foto adhe “eras ies ooiertortonetnee terror ‘nmap eo Sinorearancon.7 into seeds & PARABOLA EDITORIAL fh Sesser. 216" ange (81470 So Paula So Fore [1 $06 262] F 1) 5407s ‘one page: wae sublet ml aablappabrioedtoacn (© ent: Ae esier © eo: Pola ora So Pal ses de 2008 Sumario ‘PREFACIO: DE UM IDEAL PRECARIO A ARTICULAGAO DO 6Bvi0 QUE AINDA PRECISA SER DITO [Pedro M. Garcez] umoourio Q vide tani TI Ainge dias nies toga de sina orice ‘aga desl tom gromdes6 3) Ategua dos sures ¢ mine? E possivel expressar conceitas dbstratos na lingua de sinais?, 22 Euma lingua exclusivamente icénica?, 23 Alleges um igo ert dos sures Alingua de sinais é 0 alfabeto munual?, 28 o Alin de snl verte salzeda de gua oa? 33 ‘ling dest tm sos ogen histreseIng ora Aut Yl no rst ost me node 33 Aogade snl doef osuroo 45, Sind, surdo-mudo ov define ousevoR Ointérprete é.a voz" do surdo?}47 | Osun vv nent abst) Osurdoprecaseroalado pores tegrar ne socedode moorttria owhte XD) 0 6 wer cae vacan Cun O surdo tem uma identidade e uma culture préprias?, 62 Ean 0 surdo nao fala porque ndo ouve?, 6 raaits O surdo tem dificuldade de escrever porque néo aunaresqeront : re (uso do lingua de sna oepalaaoprendicagen éainquo oen@). + + ~De uMideal precario a articulagao 0 surdo precisa da lingua portuguesa para © sobreviver na socedade mooritraowvine? 5) do dbvio que ainda precisa ser dito Todos os surdos fazem leitura labial?, 60 i nee Ga ee A surdez é uma deficiéncia?, 64 e Porque sues ita negotvament a sciedate?, 67 @ celebrado socilogo Erving Goffman, na A surdeeéherediria? 1 diferentes tpos e graus de surder?, 71 ‘madureza de sua obra final, articulao ideal ‘Aparelhos audios ojudam o sudo a ouvir melhor de todo palestrante de que a platéaesteja O implancecoclear recupera a aulgdo do surdo?, 78 de fto engajada na escuta do que ele diz ‘A surdee comprometeo desenvolvimento pelo que diz e que assim seja levada bem cognitivo-linguistico do individuo?, 76 além do auditério para os cenaries ¢ ocasi- pon eae Ges no mundo onde o tema de que trata se faz vividamenterelevante.Além de ser um aque escutar ¢ bem mais que ouvir. Foi num encontro de sala de aula em meados da jé distante década de 1990 que, hoje sei, ful escutado, e o meu ideal precirio tomou con: tomnos definidos. Tratava da natureza da linguagem natural humana, me dirigindo a ingressantes no mestrado em inglés da Universidade Federal ddeSanta Catarina, quando surglu a questo — fascinante e ainda incrivel mente desconhecida da platéia — de que as inguas de sinais sio linguas naturais tao humanas quanto as demais e que nose limitam a um c6digo restrito de transposi¢io das letras do alfabeto. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 85 ‘ive indicios de ter sido escutado logo quando se apresentou diante ‘demim uma aluna com sua curiosidade, que resulta na presente obra. De um ensaio sobre as questBes suscitadas pela discuss4o na disciplina, ela seguiu para localizar os espagos antes invisiveis na universidade, onde 8 nas cur uhcan '@ LBRAS poderia estar disponivel, af encontrando a prépria lingua, seus "usuarios protagonistas,os surdos, bem como pais eeducadores de surdos, ‘e uma prosaica gente como a gente, interessada em conceber um mundo feito também por quem, sem ouvir pode escutar. 0 percurso nio parou af, e Audrei engajou-se em pesquisa sistems- ‘ica que indagava como se organizaria uma aula de LiBeAs como lingua adicional para pais e educadores de criangas surdas, 0 trabalho mostrou ‘cenas de sala de aula, como a que tenho registrada na meméria, do profes- sor surdo virado para a lousa, de costas para aturma, 4 espera de atencio para ser escutado. Aprendemos todos a ver como era preciso que esses aprendizes ouvintes antes de tudo construfssem um entendimento do que ‘seria uma lingua nessa até entlo insuspeitada modalidade espaciovisual, Em meio a isso, Audreivisitava escolas e se aproximava das comunidades surdas, de Campinas, SP a Washington, DC. Nessas cidades, as reflexdes no IEL-Unicamp sobre as diversas comu- hidades sociolinguisticamente complexas no Brasil ea convivencia em meio ‘@ uma comunidade académica protagonizada por surdos na Universidade Gallaudet ampliaram o universa de escutas proveitosae da autora, amadure- ‘ido em sua tese de doutorado sobre as iden’idades em jogo quando ouvin- tes aprendem eras. or isso, é mals que oportuno que ela venha a piblico nesta obra para dizer um pouco do que, como ela mesma afirma na introdusio, é0 Sbvio que ‘ainda precisa ser dito para que mais owvintes tenham conhecimento do rico luniverso humano que se faz nas linguas de sinais, com as linguas de sinais,e Particularmente coma Lingua Brasileira de Sinals, essa LiBRAS que nos toca de perto, se soubermos escutar para vé-la, € grande a satisfagSo de ter sido escutado naquela tarde na UFSC e de ter partcipado do inicio do percurso ‘que se revela aqui para tantos quantos venham a escutar. Porro AtscRe, acosro D& 2008, Introducao “Net oi vera uma coi pio ‘Sova denver bts pe arse ceepag re eee sd a ep = ota ea ae “ gainers See ee lst meee eae Foi esse epis6dio que me veio& mente no momento mesmo em que co- mmeceia reler est livro entio jd rematado,e que meferrecomesarjustamente partir desse protesto.De fato,o comentério faz sentido, easensagdo émesmo ade um diseursa repetitive. Ainda é precisa afirmar que LinRAS é lingua? sca _ergunta me faz pensar: na década de 1960, fl conferido& lingua de sina © stats linguistico¢, ainda hoje, mais de quarenta anos passados,continuamos aafirmarereafirmar essa egtimidade. A sensarioé mesmo a de um discurso repetitive. Entretanto, para a grande maioria, trata-se de uma questio alheia, € poce aparecer como uma novidade que causa certo impacto e surpresa: Nao adantn, ésempre ames cols Quondoestamasem um evento que ela pore {quem est fra do mei da sure, tudo é novidade mes! As pessoas ea espa Indes quando tomam conheciment,e para quem eth det da rea odiscurs é sempre mesma cosa fia eta coisa batda ends fcamos as repetnds.. laa meer ane, 10 mas cas nea teow ‘dex como deficéncia — vinculada as lacunas na cognigio e no pensamento — para uma concepeio da surdez como diferenga lingustia e cultura Qual & pois, o objetivo de escrever este livro? Em primeiro lugar, é criar um espago em que esse tipo de discussio seja pensado. De forma ‘mais geral, 0 desejo do livro origina-se de reflexdes sobre algumas ques tes relativas & area da surdez, pensando especificamente a relagso do ouvinte com esse outro mundo. 0 momento parece oportuno e particular. ‘mente pertinente, na medida em que decisdes politicas tém propiciado um olhar diferenciado para as minorias inguisticas no Brasil. Percebe-se que 9s discursos sobre o surdo,a lingua de sinais ea surdez, de uma forma am- pliada, “abrem-se” para dois mundos desconhecidos entre si do surdo ‘em relago ao mundo ouvinte e o do ouvinte em relago ao mundo surdo. 0 conteido aqui esbogado pode alcangar diferentes letores: surdos, ‘ouvintesleigos, profissionals da surdez estudantes,professores ou simples. ‘mente curiosos. Vrias sio as preocupagbes aqui delineadas. principal 62 4e ihustrar falas recorrentes e repetitivas advindas de algumas situapbes de Imteragio face a face com/entre surdos e ouvintes para trazer & tona algunas ‘rengas, preconceitos e questionamentos em torno da lingua de sinals e da realidade surda. Essa discussio é crucial, pois nae através da linguagem esta- ‘mos constantemente construindo representagBes,crengas esignficados ai ‘mados, consumidos,naturalizados edisseminados na sociedade, nos espagos escolares e familiares, muitas vezes como “normas”e“verdades absolutas” 0 leitor encontraré neste livro manifestaydes discursivas organiza- ddas em trés capitulos sob forma de perguntas ou afirmagoes que venho registrando e acumulando — por meio de conversas formas e informais — nas minhas idas e vindas em contextos de ensino de LIBRAS para ou: vintes, em eventos académicos e em interagSes cotidianas. 0 leitor po deré vislumbrar no livro um ponto de partida para evocar o REpensar de algumas erensas compartilhadas, prticas, conceitos e posturas a luz de algumas transformagdes que marcam a érea da surdez na atualidade. Ou Seja, 0 que se espera ¢ poder promover um direcionamento para um novo olhar, uma nova forma de narrar a(s)realidade(s) surda(s). ‘Ao recuperar no titulo, a fala de um pai que confessa seu estranhamen: to.em relagio lingua do filho surdo, ao dizer “L1BRAS? Que lingua é sso?” {quero flagrar o total desconhecimento dessa realidade linguistic, tanto por Parte daqueles que convivem de perto com a surdez, quanto por parte da Sociedade ouvinte de maneira geral. Além disso, propde-se um espayo de articulagao em que questdes similares possam ser pensadas e, sem evitar seu estranhamento, tornadas mais familiares. Essa foi a forma encontrada para também sensibilizar ouvintes sobre um mundo surdo desconhecido ¢ complexo. Como disse 0 poeta Leopardi, a forga de repeticdes, e, portanto, {de habito’, podem ser criadas oportunidades para reflexdese mudangas 50. bre algumas opiniges e também crencas daqueles que nfo esti ou munca estiveram em contato com o surdo,alingua de sinais ea surdez, Lingua de Sinais at ca vez que ware wa Seucs Seubebé om se poe srs parade Maa Loe A lingua de sinais é universal? ma das crengas mais recorrentes quando se fala em lingua de sinais € que ela 6 uni- versal. Uma vez que essa universalidade est ancorada na ideia de que toda lingua de sinals € um “cédigo™simplifcado apre- endido e transmitido acs surdos de forma eral, € muito comum pensar que todos os surdos alam a mesma lingua em qualquer parte do mundo, Or, sabemos que nas co- munkdades de linguas orais, cada pas, por xerplo, em sua(s)propra(s lingua(s).Embora sepossatracar um his- térico das orgense apontar posiveis parentescos e semelhangas no ni velestrutural das linguas humanas (seam elas orais ov de sna) alguns fatores favorecem a dversifiagdo ea mudanga da lingua dentro de uma comunidade lingustica, como, por exemplo, a extensio ea descontinui- dade territorial além dos contatos com outras lingua. Com a lingua de sinais nio ¢ diferente: nos Estados Unidos, os sur dos “falam” a lingua americana de sinas; na Franga, a lingua francesa de uments sinais; no Japa, a lingua japonesa de sinais; no Brasil a lingua brasileira de sinais, e assim por diante. Vejamos abaixo a diferenca do sinal “me” em 4 diferentes linguas de sinats: ‘Ungs-eparict [Unga poms | Ungaunatna | Unga ance ‘ame “oo oi oe ane no de Moe en OE Em qualquer lugar em que haja surdos interagindo, havers linguas de sna, Poders dzer que 0 que 6 universal ¢impuls ds indivi ‘0s para a comunicago eno caso dos surdes, esse Impao&snallzada “Allg dos surds nlo pode ser considerada universal, dade que no funciona como um “decalque” ou “rétulo” que possa ser colado e utili- sade por tndoo sudon de todas ar mciadades de massa uote ¢ Sem influnclas de uso. Na perguna sobre unversalidade, esd também implica una tdci simpificaraigueza agua, magernde que talver para os surdos fosse mals fl se todos usassem uma lingua Sn. a, uniforme.O paralelo €ievitivel eno caso de nossa lingua orl essa perspectva se mantém? Mesmo que, do ponto de vst prio al unlor. Indadefssederjdvel, seria pssielaerstncn, nos inco continents, de uma ingua que, alm denice, permanecesse sempre a mesma? A lingua de sinais é artificial ‘Crenga. A lingua de sinais dos surdos é natural, pois evolukucomo parte ‘eum grupo cultural do povo surdo,Consideram-se “artifcss” a inguas Construkia eestabeleidas por um grupo de indviduos com algum prop Sito spectio.Oesperant? (lingua oral) eo gestuno (ngua de sina) 80 alent nga aur plage masala experant Orso Ludi Lj 2 ‘men nage islog, pub em 187, vero nil dom com ecb de pibean ot 900 ‘exemplos de linguas “artificiais", cujo obj sicodaturacona Boe tpodelinguafnciona como rea tig ior ‘04 franca. 0 gestuno, também conhecid com tinguo desnaisinternacio- ‘nal & da mesma forma que o esperanto, um lingua construda, planejada. (0 nome & de orgem tallana e significa “unidade em lingua de sna” Fot ‘encionada pela primeira vez no Congresso Mundial na FederagSo Mundial os Surdos (World Federation ofthe Deaf- WFD) em 1951. Em meados da ‘écada de 1970, ocomit da Comisso de UniieagSo de Sinaispropunha um sistema padronizado de sinais internacionals, tendo como citer a sele- ‘lode sinals mals compreensives, que faciltasem oaprendizado, a partir da egraso das diversas lingua desnais. A comunidade surd, de forma_ eral, no considera o gestuno uma lingua “rea” uma vez que fl Invent dla e aap «do movimento gestunistadivulgam os sinaisintemacionaisem conferéncias ‘mundiais dos surdos (Moody, 1987; Supalla& Webb 1995; Jones, 2001) A lingua de sinais tem gramatica? ‘Absolutamente. 0 reconhecimento linguistico tem marca nos estu: dos descritivos do linguista americano Willlam Stokoe em 1960. No to- cante &s linguas orals, as investigagbes vm acontecendo hé muito mais tempo, jf que em 1660 (ou seja,trezentos anos antes) desenvolvew-se ‘uma “teoria de lingua em que as estruturas e categorias gramaticais po- ddiam ser associadas a padres lgicos universais de pensamento” (Crystal, 2000: 204), postulada na Gramética cle Port-Royal. As linguas de sinais,

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