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PAUL RICOEUR tradugao Roberto Leal Ferreira revisdo técnica Maria da Penha Villela-Petit TEMPO E NARRATIVA TOMO IIT ‘SBD-FFLCH-USP win 24 enn etree eran Gi Fornsstnrace “Fouts Neonat don nernalons eCopt (Camaros go, Puta () es 2. ota tancee ~ Seo 2, Nara (Rates) Indes par cto satan DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE DNV 21300129944 [ReITOS RESERVADOS PARAA LINGUA PORTUGUESA Mesh nyearatacaast ets Ch Tce S019) Campoes "Ff 870 877" Sho Pau Bl Prot epretuo opr alr aca 8 AOR, SUMARIO Iv, OTEMPO NARRADO PRIMEIRA SECAO \ APORETICA DA TEMPORALIDADE 1. TEMPO DA ALMA E TEMPO DO MUNDO. 2. TEMPO INTUITIVO OU TEMPO INVISIVEL? 1. O aparecer do tempo: As “Ligdes" de Huser! sobre a fenomenologia da consciéncia intima do tempo 2. A invistbildade do tempo: Kant |. TEMPORALIDADE, HISTORIALIDADE, INTRATEMPORALIDADE 1. Uma fenomenologia hermenéutica 2. Cuidado ¢ temporalidade 3. A temporalizagéo: Por‘, tersido, tornar-presente 4. Ahistoralidade (Geschichtlichkeit) 5. Ainiratemporalidade (Innerzeitigkeit) 6. O conceito vulgar” de tempo SEGUNDA SECAO POBTICA DA NARRATIVA: HISTORIA, FICCAO, TEMPO |. ENTRE 0 TEMPO VIVIDO E 0 TEMPO UNIVERSAL: TEMPO HISTORICO 1. © tempo do ealendtério Ww 19 a 42 70 105 107 110 nz rai 132 140 173 179 180 2. A seqiiéncia das geracies: Contemporaneos, prediecessores e sucessores 3. Arquivos, documento, rastro 2 GAO E AS VARIAGOES IMAGINATIVAS SOBRE 0 TEMPO 1. Aneutralizagto do tempo histérico 2. Variagdes sobre a falha entre 0 tempo vivido e o tempo co mundo 8. Variagdes sobre as aporias internas da fenomenotogla A. Variagées imaginatwuas e deattipos 3. AREALIDADE DO PASSADO HISTORICO 1. Sob 0 signo do Mesimo: A “reefetuacao” do pasado no presente 2. Sob 0 signo do Outror Uma ontologia negativa do passado? 8. Sob 0 signo do Andlogo: Uma abordager tropoligica? 4. MUNDO DO TEXTO E MUNDO DO LEITOR 1. Da poética a retérica 2. Aretériea entre o texto ¢ seu leitor 8. Fenomenologia e estetica da letra (0 ENTRECRUZAMENTO DA HISTORIA E DA FICCAO 1. A /iecionatizagae da histinia 2. Alistorietzagdo da fiegao 6. RENUNCIAR A HEGE! 1. A tentagdo hegeliana 2. Almpossivel mediagdo total 7. RUMO A UMA HERMENBUTICA DA CONSCIENCIA HISTORICA, 1. O futuro ¢ seu pasado 2. Ser-afetado-pelo-passado 3. O presente histérico CONCLUSOES L.A primeira aporia da temporalidade: A identidade narrativa 2. A segunda aporia da temporalidade: Totalidade e totalizacao 3. A aporia da inescrutabiidacte do tempo e os limites da narratioa AUTORES CITADOS ‘Tempo e narrativa J. i INDICE TEMATICO| ‘Tempo e narrativa I, MI INDICE oNoMASTICO Tempo e narrative I I, 187 196 a7 218. 219 225, 233 a 244 249 255 27a a7 28 286 PARTEIV PO NARRADO. A quarta parte de Tempo e narrativa visa a uma explicitacao lao completa quanto possivel da hipétese que preside & nossa pesquisa, a saber, que o trabalho de pensamento inerente ao ato dle configuracao narrativa se encerra numa refiguragdo da expe- riencia temporal. Segundo 0 nosso esquema da tripla rela mimética entre a ordem da narrativa ¢ a ordem da acao e da vida,’ esse poder de refiguracao corresponde ao terceiro e derra- deiro momento da mimese. Duas sees compéem esta quarta parte. A primeira visa por diante desse poder de refiguragao uma aporética da tempora- lidade, que generaliza a afirmacdo feita de passagem, durante a Icitura do texto agostiniano, de que nunca houve uma fenomeno- logia da temporalidade que estivesse livre de toda aporia, ou até de que, por principio, nao se pode constituir tal fenomenologia. Essa entrada no problema da refiguracao de uma aporética da temporalidade exige justificagao. Outra pessoa, desejosa de abor- dar diretamente 0 que poderiamos chamar de narrativizacao secundaria da experiéncia humana, poderia legitimamente tratar © problema da refiguragao da experiéncia temporal pela narrativa segundo 0s recursos da psicologia.” da sociologia.® da antropolo: gia genética® ou de uma pesquisa empirica empenhada em detec- tar as influéncias da cultura histérica e da cultura literdria (na medida em que a componente narrativa ai predomina) sobre a vida cotidiana, sobre 0 conhecimento de si mesmo e do outro, sobre a acao individual e coletiva, Mas se nao tivesse de se limitar a uma observacao banal, um tal estudo teria exigido meios de investigacao e de andlise psicossociolégicos de que nao disponho. Além do motivo de incompeténcia que acabo de mencionar, gostaria de justificar a ordem que acabo de seguir pela conside- racdo filoséfica que efetivamente a motivou. Para que a nogao de experiéncia temporal mereca 0 seu nome, nao nos devemos lumitar a descrever os aspectos implicitamente temporais da remodclagao da conduta pela narratividade. f preciso ser mais radical e trazer a luz as experiéncias em que é tematizado o tempo enquanto tal, 0 que ndo é possivel sem introduzir o terceiro parceiro do debate com a historiografia e a narratologia, a feno- menologia da consciéncia do tempo. Na realidade, essa conside- ragdo € que nos guiou j4 na primeira parte, quando fizemos preceder 0 estudo da Podtica de Aristételes por tuma interpretagao da concepcao agostiniana do tempo. O curso das andlises na quarta parte estava, a partir daquele momento, selado. © proble- ma da refiguragao da experiéncia temporal ja nao podia caber nos. limites de uma psicossociologia das influéncias da narratividade sobre 0 comportamento humano. Ele tinha de assumir os riscos maiores de uma discussao especificamente filoséfica, cujo obje- tivo é saber se —e como —a operacao narrativa, tomada em toda a sua amplitude, oferece uma “solugao", nao especulativa, por certo, mas poética, para as aporias que nos pareceram insepara- veis da andlise agostiniana do tempo. A partir dai, o problema da refiguracao do tempo pela narrativa se vé transportado para 0 nivel de uma ampla confrontacao entre uma aporética da tempo ralidade € uma poética da narratividade. Ora, essa formulagao sé € valida se, previamente, nao nos limitando aos ensinamentos extraidos do livro XI das Confissdes, tentarmos verificar a tese da aporicidade de principio da fenome- nologia do tempo com base nos dois exemplos canénicos da fenomenologia da consciéncia intima do tempo em Husserl ¢ da fenomenologia hermenéutica da temporalidade em Hetdegger Assim é que uma primeira seco sera integralmente consa: urada A aporética da temporalidade. Nao que essa aporética deva. enquanto fal, ser atribuida a uma ou outra fase da mimese de cdo (¢ da dimensao temporal desta): ela é a obra de um pensa- mento reflexivo ¢ especulativo que, na realidade, desenvolveu-se sem relagéo com uma teoria determinada da narrativa. S6 a réplica da postica da narrativa — tanto histérica quanto de fiegao & aporética do tempo atrai esta altima para o espago de sravitagdo da tripla mimética, no momento em que esta atravessa 6 limiar entre a configuracdo do tempo na narrativa e sua refiguragao pela narrativa. Nessa qualidade, ela constitui, con- forme a expresso escolhida de propésito anteriormente, uma entrada no problema da refiguracao. Dessa abertura, como se diz no jogo de xadrez, decorre toda a orientacao ulterior do problema da refiguracao do tempo pela narrativa. Determinar o estatuto filoséfico da refiguracao ¢ exa- ininar 0s recursos de eriagao pelos quais a atividade narrativa responde e corresponde a aporética da temporalidade. Seré con- sagrada a essa exploracao a segunda segao. Os cinco primeiros capitulos desta secdo concentram-se na dlificuldade principal a que a aporética conduz, a saber, a trredu- Ubilidade de uma a outra, ou até a ocultagao de uma pela outra, dle uma perspectiva puramente fenomenolégica sobre o tempo dle uma perspectiva oposta que, por concisao, chamo de cosmo- logica. A questao sera saber de que recursos dispde uma poética dla narrativa para, sendo resolver, pelo menos fazer trabalhar a speria, Orientar-nos-emos pela dissimetria que se abre entre a narrativa bistérica ¢ a narrativa de ficgao quanto ao alcance referencial e pretensdo a verdade de cada um dos dois grandes modos narrativos. $6 a narrativa histérica, com efeito, pretende referir-se a um passado “real”, ou seja, efetivamente acontecido. A ficcao, em contrapartida, caracteriza-se por uma modalidade

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