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MASSAUD MOISES literatura ACT HYSTORIA MENINA EB MOCA, FOR B ALDIMRIBEYRO AGORAD NOVO ESTAMPADA ECON SVMMA DEVIGENCIA EMENDADA EnFerara 1744. Portugal ocupa especial posicao geografica no mapa da Europa. Reduzido serritério de menos de 90. 000 km?, limita-se com a Galiza ao norte, com a Es- panha a leste, € com © Oceano Atlantic ao sul e a ceste. Como empurrado contra o mar, toda a sua historia, Jiterdria endo, atesta o sentimento de busca dum caminho que so ele representa € pode representar. Tal condicionamento geografico, enriquecido por exclusivas € marcantes influéncias étnicas € cultu- rais (arabes, germanicas, francesas, inglesas, etc.), havia de gerar, como gerou, uma literatura com caracteristicas proprias e permanentes. A “fatalidade” de ser a Lingua Portuguesa 0 seu melo de comunicacao ajuda a completar € €x- plicar 0 quadro Diante da angustia geografica, 0 escritor portugués opta pela fuga ou pelo apego a terra de origem, matriz de todas as inquietudes e confidente de todas as dores, centro de inspiracao € nutridora de sonhos e esperancas. A fuga da-se para o mar, 0 desconhecido, fonte de riqueza algumas vezes, de males incriveis e de emocado quase sempre; OU, transcendendo a estreiteza do solo fisico, pata o plano mitico, 4 procura de visualizar numa dimensao universal e perene a inquietacao particular egocéntrica. Assim, a Literatura Portuguesa oscila entre posigoes extremas, com certeza porque uma compensa a outra. Ao lirismo de raiz, pot vezes carregado de pie- ant Bulice © morhides, corresponde um sentimento hiperctities, exagerado, pronto a agredir, a olender, a mostrar no “outro” a © 4a OU a fraqueea. A sftira, nao fare levando ao desbocamento e ao destempero pessoal, dialoga com o culto fetichista da sensagao, do sentimento, exacerbado por atitudes de confessiona- lisiiio adolescente, Uma atitude esconde a outra, a tal ponto que na base intima He foil witirico ou erotic se percebe logo o delende suas tibieze entimental, o hipersensivel, que com o verniz do procedimento contrario. E vice-versa. Vem dai que seja uma literatura rica de poetas: aquela ambivaléncia cons- lilui o suporte clo “fingimento poético”, na expressao feliz, e hoje tornada lu- #ab-comuin, de Fernando Pessoa. A poesia é 0 melhor que oferece a Literatura Poriigiiesa, dividida entre 0 apelo metafisico, que significa a vivéncia e a ex- fifesado de problemas fundamentais e perenes (a relacdo conflitiva com o divi- HO, 0 Ber eo nao ser, a condicdo humana, os valores éticos, etc.), e a atracao amorosa da terra (representada por temas populares, folcléricos), ou um sen- limento superficial, feito da confisséo de estados de alma provocados pelos embates aletivos primarios, tendo por fulcro o eterno “eu-te-gosto-vocé-me- gosta’, de que fala Carlos Drummond de Andrade. Nao obstante essa derra- tleita lendencia constitua polo permanente, a Literatura Portuguesa ocupa lugar de relevo no mapa literario europeu gracas a alguns poetas vocacionados para a contemplacao metafisica, como Camées, Bocage, Antero, Fernando Pessoa, entre outros. Literatura pobre em teatro, eis outra afirmacao indiscutivel. Decorréncia natural do arraigaclo lirismo egocéntrico e sentimental, a dramaturgia portugue- #4 50 poucas vezes alcangou sair do nivel mediano ou razoavel. Tirante Gil Vi- vente, Garrett (sobretudo o de Frei Luts de Sousa) e alguma coisa de Antonio José la Silva e Bernardo Santareno, tudo o mais vive no esquecimento. O grande sitio teatral operado nos dias que correm, embora prometedor e ja realizador de pegas notiveis, ainda muito recente para permitir afirmar que a atividade ePnica em Portugal conhece uma época de reviravolta e mudanga radical. © romance, que jamais foi o esteio da Literatura Portuguesa, entrou em depressao apos a morte de Eca de Queirds, em 1900. No século XX, notada- mente depois de 1940, em razdo de conflufrem diversas vertentes no campo tla ficciio, o romance portugues viveu décadas de florescéncia, pela quantidade & quulidade de seus cultores, Ao contrario da poesia, que correu mais ou me- fos ofuscada pelo brilho da obra pessoana, a prosa de ficc4o tornow-se, na seplirida metade da centiria passada, o prato de resistencia da Literatura Por Tietiesa contemporines, Se isso denuncia alguima transtormagao profunda na jrefiialidade do povo portugues, é um vaticinio que ninguem pode fazer, em Si eoneciéticia, Entretanto, a concessdo do Prémio Nobel a José Saramago, em HUH, 6 um sinal de que a prosa de ficgdo alcancou, em Portugal, nesse pe- Hod, altos niveis de elaboragao e contetdo: A critica literaria, por sua vez, nao pode ser o forte duma literatura acentua- damente lirica: as mais das vezes, ou se resolve num historicismo arquivistico iials OL. menos superficial, quando nao inécuo ou pedante, ou se resolve num. {inpressionismo sentimental e ufanista, extremado no elogio na ofensa. Atitu- des racionalistas, de bom senso, ou de ensaismo criador, constituem exce¢des, que 90 nas tiltimas décadas se vem fazendo mais frequentes, merce da influen- ria da critica alienigena, a experimentar métodos objetivos de andlise, endere- cados mais ao cerne estrutural das obras que ao seu envoltorio eruditivo. Pais curopeu, embora de fisionomia peculiarmente voltada para a América © a Africa, Portugal tem acompanhado as mutacées hist6rico-literarias opera- das no testo da Europa, sobretudo na Franga. Delas deriva a ideia da existencia de wma série de lapsos histéricos, caracterizados pelo predominio de certo es- Lilo de vida e de cultura. Os historiadores e critics tém usado varias denomi- hagoes, de acordo com a perspectiva ¢ a base ideolégica em que se escoram: Humanismo, Classicismo, Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo, Sim- holismo, Decadentismo, Surrealismo, Impressionismo, etc., wma legido de “is- mos” com significado nem sempre consensual. Pondo de parte toda a complexa problematica que envolve essa rotulagem um tanto discutivel e colocando-nos ha perspectiva adotada neste livro, importa frisar que as denominacoes ser- m, antes de mais nada, para situar os escritores em épocas historicas, ten- dencias e movimentos literarios ou estéticos, Evidentemente, a simples localizacao deles na época e no estilo de vida e cultura correspondente nao significa que estejam resolvidos todos os proble- mas correlatos, mas ajuda a sanar elementares e corriqueiras falhas interpreta- tivas. Por outro lado, é preciso alertar o leitor para 0 erro oposto: ha quem julgue, certamente por primarismo ou desinformacao intelectual, que todos os problemas relatives a determinado escritor podem ser explicados e interpreta dos pelo seu mero enquadramento no processo histérico, vale dizer, no con- fest sicio-econdmico-cultural, come. ele, por viver em ceria epoca, tivesse istalmente de participar da tendencia literdria dominante Assim sendo, compreende-se que este panorama historic da atividade li- fefatia ein Portugal esteja dividido nos seus fundamentais “momentos” evolu fivos. No tocante as datas empregadas para os delimitar, constituem somente Poritos de teleréncia, pois nunca se sabe com preciso quando comega ou ter Mina lim “proceso” historico: funcionam, na verdade, como indicio de que alguma coisa de novo esta acontecendo, sem caracterizar a morte definitiva do Padio velho até ai em voga, Ha uma interpenetracao das estéticas literarias no firse dos séculos, e € s6 por empenho de clareza que as delimitamos com o Aiixtlio de datas, Para escolhe-las, o estudioso usa do seu livre-arbitrio, dado 6 Garater telativo e provisorio da demarcacao temporal dos fluxos estéticos. Fhtretanto, sob pena de levar a anarquia, dois critérios podem presidir a selecao de datas: o critério cultural, que, enfatizando a interdependéncia das fucingas culturais, se apoia em datas de maior relevancia para assinalar o inicio de épocas historico-literdrias (a Revolucdo Francesa anunciaria o come- se dum novo ciclo de cultura, cujas profundas transformacoes incluiriam ne- feesarlamente a Literatura: o Romantismo literdrio seria sua consequéncia Imediaia); o critério literdrio, que isola o fato literario referente ao aparecimen- {6 duma obra, dum escritor ou duma ocorréncia téo-somente significativa pate a Literaiura (o Romantismo frances iniciar-se-ia em 1820, com a publica- «fo cle Lex Meditations, de Lamartine). Transpondo o exemplo para 0 caso portugues, teriamos que a revolucdo liberal do Porto, em 1820, corresponderia ao despontar de algo novo, da pers- Pectiva cultural, por sua vez ligado a Revolugdo Francesa: o critério permite e6F empreyado em varios niveis, conforme a ressonancia universal ou nacional flo acontecimento em causa. E a publicacao de Camoes, de Garrett, em 1825, ifauguraria o Romantismo na sua faceta literaria. Por serem critérios igualmente validos, pode o estudioso optar por qual- fuer um deles, No entanto, a opg4o ganha em manter-se aberta, admitindo-se quire uum critério nao exclui terminantemente o outro: em varios casos, é forgo- S0 apelar para aquele que se pds de parte, a fim de esclarecer aspectos que, de Outta forma, permaneceriam obscuros. Por isso, em aten¢do ao conceito de Literatura que serve de base a este panorama das letras portuguesas — Litera- Hira & a express (© dos contetidos da imaginacao por meio de vocabulos poli- = valentes, ou metaloras =, adotaremos o eritério Hiterario, mas, sempre que fiossivel © Hecessario, sera empregado o cultural, Alias, o proprio carater da jntrodugao geral « enda capitulo denuncia 0 compromisso e a interacao exis~ {ehtes, por natureza, entre o contexto sécio-histérico-cultural ¢ a atividade jileraria, ao longo das épocas em que se costuma desmembrar a Literatura Portuguesa Qualquer que seja o critério escolhido, convém que se focalize uma ques- tao bisica: quando comecou a atividade literaria em Portugal? Antes dle res- ponde-la, salientemos que a Literatura Portuguesa, em consequéncia duma conjuntura historico-cultural que ndo vem ao caso discriminar, nasceu quase simultaneamente com a nagéo onde se enquadra. Fin 1094, Afonso VI, Rei de Ledo, um dos reinos em que a Peninsula Ibé- fica era dividida (os outros: Castela, Aragao e Navarra), casa suas filhas, Urraca como Conde Raimundo de Borgonha, e Teresa com D. Henrique. Ao primeiro yenro, doa uma extensa regiao de terra correspondente & Galiza; ao segundo, © terrilério compreendido entre 0 rio Minho e 0 Tejo, com o nome de “Conda- do Portucalense”. Apés a morte de D. Henrique (em 1112 ou 1114), D. Teresa ioma as rédeas do governo e estreita relacdes com os galegos, especialmente como Conde Fernao Peres de Trava. O Infante, Afonso Henriques, rebela-se contra a mae, e enceta uma revo- lucao que culmina em 24 de junho de 1128, na batalha de S. Mamede, nos ar seclores de Guimaraes: os revoltosos vencem e sagram o Infante seu soberano. Ainda nao era tudo, pois faltava o reconhecimento de Leao e Castela, que s6 efetwou em outubro de 1143, na Conferéncia de Samora, quando Afonso VII reconhece Afonso Henriques como rei. O Pais tornava-se auténomo, mas 1 luta pela sua consolidagao levaria muito tempo, sobretudo dedicado a expul- sao dos sarracenos. : A data que se tem utilizado para marcar 0 inicio da atividade literaria em Portugal, € a de 1198 (ou 1189), quando o trovador Paio Soares de Taveirés compoe uma cantiga (celebrizada como “cantiga de garvaia”, ypcatle) ee que designava um luxuoso vestido de Corte), enderegada a Maria Pais Ribeiro, também chamada A Ribeirinha, favorita de D. Sancho 1. A cantiga, oscilando entre ser de amor e de escarnio, revela tal comple- xidade na estrutura e na composicao das imagens, que s6 se justificaria num estiigio avangado da arte de poetar. Decerto houye, antes dessa cantiga, consi- 2 A LITERATURA PORTUGUESA. deravel atividade lirica, infelizmente desaparecida: no geral, os trovadores me- morizavam as composi¢oes que interpretavam, fossem suas ou alheias, e sé em alguns casos as transcreviam em cadernos de notas, que podiam extraviar-se, perder-se ou ser postos fora. Por isso, toda uma anterior produgao poética — cujo volume e cujos limites jamais poderao ser fixados — desapareceu por completo. Em vista de tal cir- cunstancia, compreende-se que se tome a cantiga de Paio Soares de Taveirés como marco inicial da Literatura Portuguesa, pois trata-se do primeiro docu- mento literario que se conhece em vernéculo, 0 que de forma alguma significa negar a existéncia duma intensa atividade poética antes de 1198.

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