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ORR REVISTA MOARA (© 2010 To or rts rexersades pare Pr Gradua on Letras da UFPA, Editor Valera Avgust Normalizacio [Rejane Pimentel Coélho Santos Projeto grifico, editoragio eletriniea ¢ capa Jorge Domingues Lopes Dados Internacionais de Catalogasio na Publicasio (CIP) (Biblioteca do ILC, UFPA) MOARA. Revista da Pés Graduagio em Lets da UFPA, ‘Belém: ILC/UFPA. 1-32 1993-2009 233 2010 Semesual 249; 2tem, ISSN 9104-0944 1. Literatura Pesidicos. 2. Lingustica-Periicos. I. Universidade Federal do Pasi Insieato de Letts e Comunicagio. cpp 80s CDU 805) ‘CURSO DE MESTRADO EM LETRAS DA UFPA. Cidade Universitcia Professor José da Silveica Netto ‘Laboratoro de Ciencias da Lingeager Rua Augusto Cortéa, 1, Guarnd (CEP 66075.900 - Belém - Park ‘Tel/Fax (01) 3201-7499 Inep/ /swoscufpa be/emetas mletras@utpabe 2010 Impresto.n0 Brasil UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA Rh Revista dos Cursos de Pés-Graduagéo em Letras da UFPA, ISSN 0104-0944 Rev MOARA Belém 33 plz jan./jun, 2010. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA Reivor (Cados Filson de Almeida Maneschy Vice-Reitor Horicio Schneider Pré-Reitor de Pesquisa ¢ Pés Gradusso ‘Emmanuel Zagury Touiaho INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAGAO, Diretor Otactio Amara Filho Coordenador dos Cursos de Pés-Graduagto em Letras Silvio Aagusto de Olives Holanda Comissio Editorial Fisima Ceistna da Costa Pessoa, Germana Maia Acajo Sales, Rejane Pimentel Coelho Santos, Marfa Ferseiza, Mas! Teresa Furtado Pret), Vala August Consetho Editorial [Abd Raaky (UFPA) Araaldo Franco Joot (UNESP Sio José do Ro Peto) Andemaro Terito ‘Goulart PUC-MG) Carmen Rocigus (UFPA) Cla Macedo (UFPA) Chisane Cua de Olea (Gfwsen Actopoligico da UFG) Chistophe Golder (UFPA) Dente Béroli Bega (UNICAM) Bunice Sortos (UFPA) Fina Pesos (UPA) Fernands Coutinho (UECE) Franco Queresta de Figeetedo (UFG) Germana Snles (UFPA) Gessiane Pieango Labato (UFPA) Helos Colins (UCP) Ingedoce Viaes Koch (UNICAMP) Joel Cardoro (UFPA) Joss Cacios Chaves da Cana (EPA) Jose Guilherme Fernandes (UFPA) josé Niskdo de Fasss (UFAL) Liduoa Fernandes (UECE) Tala Chaves (UFPA) Luis Antonio Masceschi (UFPE) Lals Heleno Mootord del Casto, (UEPA) Maice Forkarnp (UFSC) Macca Cab da Sra (UER)) Masa Anglia Puta da Cunha (UFRN) Masa Assocte Ciara de Moris (UFRN) Mati do Pempetuo Socoto Galrio SimBes (UEPA) Maia Elss Souses (UE) Masia Bulla Sabra! Toscano (UPPA) Mac alana Albeo (UNESP SJoué do R.Preo) Maca Peucea (UFPA) Masi Terera Pardo (UFPA) Miene Ribeio ‘Martas (UFPR) Maica Veloso Borges (UFG) Mian Hae Yeegshi Zappone (Oniverisade Exaile Nasingé) Myriam Cresinn Cuaha (UFPA) Nelson Bacro a Casta (UEC) Patsick Duet (Uaivenidade das Anclhas) Paol Rveos (Usivenidade Touloute le Mil) Regina Cia Feroades (Cruz (UFPA) Reindes Dias (UPMG) Rosina Cano de Goeera Ramos (PUC SP) Sandoval Nonato Gomes Santos (USP) Sidney Facundes (UFPA) Sivio Holanda (UEPA) Sone Crisuna Meodongs (UPTA}Socoero Paclico Basboss (UFDB) Teresahs Mada Sprenger (PUCSP) Valéca August (UFPA) Vander de Andrade Agaiers Universidade Estadual de Londsca) Vera Menezes (FMC) Walkya Magno Sve (UFPA) andes Emedato (UFMG) ESTUDOS LITERARIOS n 24 a 87 7” 305 131 151 Sumario Apresentagio Crioulizagées, americanidade ¢ mobilidades culturais Zila BERND (UFRGS) Lenguas dominantes-lenguas dominadas en narrativas identitarias latinoamericanas Laura MASELLO (Universidad de la Repiblica) Nativos excéntricos de la nacionalidad Tdalia MOREJON (UNICAMP/FAPESP) literatura cubana y subversion Dos lagos da Iunda ao mar de Itaparica uma geografia identitaria ‘Matia Gabriela COSTA (UFAL) Identidade ¢ transgressio no romance em liberdade de Silviano Santiago ‘Antonia Marly MOURA DA SILVA (UERGN) A rapsédia de os Contos amaz6nicos: da matriz oral a literatura erudita Lauro Roberto do Carmo FIGUEIRA (UFPA) Horncla: narureza, desvio e diferenga em um romance amazinico Carmem Izabel RODRIGUES (UFPA) Leitura literiria ¢ informagio estética: poesia e misica, palaviae voz ‘Maria Auxiliadora Cunha GROSSI (Universidade Federal de Uberléndia) 477 195 215 235 Samarica ¢ Karolina: dois perfis de mulhet no universo da oralidade gonzaguiana Nildecy de MIRANDA (UFBA) (0 tradutor de Leconte de Lisle entre som e imagem Christophe GOLDER (UFPA) Sentidos entre o velado ¢ 0 desvelado: a leitura da narrativa infantil contemporénea Flivia Brocchetto RAMOS, [Neva Senaide Petry PANOZZO ‘Taciana ZANOLA (Universidade de Caxias do Sul) Cinema, mimesis ¢ vida social ‘Miriam GARATE (UNICAMP) RewMOARA Belém 8.33 p.1-249—_jan./jun, 2010. APRESENTACAO © presente niimero da revista MOARA retne estudos de pesquisadores cujas preocupagées se dirigem a questio das jidentidades nacionais e 20 aparato teérico que serve a sua reflexio, bem como a problematica da oralidade de suas relagdes com 0 texto escrito ou mesmo com a imagem. ‘Assim, 0 primeiro astigo, Crioulizayies, amerizanidede ¢ mobilidades cuturais, de autoria de Zilé Beend, aborda ¢ problematiza © conceito de ctioulidade/crioulizagao, que pretende dar conta dos fendmenos de hibridizagio que surgem nas Américas em virtude dos processos de transferéncias culturais/ transculturacio, Em chave de andlise semelhante, Laura Masello, em Lenguas dominanteslenguas dominadas en narrativas identitarias latinoamericanas, propde-seadiscutiro conceito brasileiro de antropofagia eo conceito antilhano de crioulizago, tendo em vista o debate identitério na ‘América Latina. Assim, pretende discutit a claboraclo de seus respectivos discursos estéticos-literirios, abordando a discussio acetca da luta por espagos pata as linguas no hegeménicas. Idalia Motej6n, por sua vez, propde-se, em Natioos excintrieas: iteratura cubana y subversion de la nacionalidad, a analisax a problemética da identidade nacional no contexto do debate literdrio do pés- nacionalismo, tomando como objeto de anilise as narrativas ficcionais elivros de relatos de dois autores cubanos, José Manuel Prieto e Carlos ‘A. Aguilera, que se incluem no vasto repertstio de escritores cubanos cujas historias so marcadas pela experiéncia do desenraizamento. Da literatura cubana @ angolana ¢ brasileira, chegamos 20 artigo de Maria Gabriela Costa, Das lagos da lunda ao mar de itaparica — wma geografia identitiria, em que se debruga sobre os romances Lagi = 0 nascimento dim império (1989), do escritor angolano Pepetela, € Vina 0 povo brasikiro (1984), de Joao Ubaldo Ribeiro, propondo uma anilise comparativa com 0 propésito de discutiz a construgao da identidade nacional em ambas as obras. 4 Apresentagio| Em Identidade e transgressGo no romance em liberdade de Siluiano Santiago, Antonia Marly Moura da Silva busca analisar a construgio éa identidade no romance do escritor e critico brasileiro, destacando Particularmente os modos de figuragio do outro, no intetior do debate acerca dos géneros na fic¢io contemporinea. Toma como dementos principais de andlise a problematizacio, no romance, a instincia autoral, do liame entre ficgio e realidade, biografia € ‘antobiografia, bem como da literatura ¢ histéria. ‘Também no contexto brasileiro situa-se o artigo de Lauro Roberto do Carmo Figueira, A rapsédia de os Contos amaxdnicos: da natriz, oral @ literatura erudita, que se propde a analisar Os Contos amazginizas (1893) de Inglés de Sousa como rapsédia, em que Iendas, mitos, crengas diversas e Hist6ria se confundem de forma acompor um painel do caboclo da Amazénia brasileira no decurso do século XIX, Em Horténcia: natureza, desvio ¢ diferenca em um romance amazinice, Carmem Izabel Rodrigues se volta para o romance naturalista de Marques de Carvalho em busca de uma anilise que congregue a linguagem literdria e a antropolégica de forma a pensar as diversas formas de representacao da diferenca — social, racial, sexual ~ assim como as diferentes “falas” através das quais uma sociedade pode ser enfocada, seja pela via romanceada da ficcio literiria, seja pela descri¢ao pretensamente objetiva do cientista social. De outra perspectiva, a que atticula a leitura, a palavra ea Peformance vocal, Maria Auxiliadora Grossi busca, em Leitura literéria informasio estética: poesia e mitsica, palavra e vox, suscitar teflexdes sobre © processo de recepeio e interpretacao de textos literarios, tomando como base experiéncias educativas tedticas e priticas desenvolvidas no Brasil e na Franca. Voltando-se para as priticas cotidianas de Ieitura de poesia, bem como para o trabalho com a palavra cantada em sala de aula e em diferentes espagos de cultura e educacZo, intenta discutir o papel de tais priticas na compreensio do fato literitio, Re.MOARA Belém n.33p.7-9—_jana/jun., 2010. Apreseatagio 9 A poesia oral, desta feita originada entre as camadas populares ¢ comumente desvalorizada e confundida com o folclore, é objeto de preocupacio de Nildecy de Miranda, que em Samarica e Karolina: dois perfis de mulher no universo da oralidade gonzaguiana, xetoma diuas narrativas orais do compositor Luiz Gonzaga, buscando lancar luz sobre a espontaneidade e vocalidade de seus versos, em que 0 prosaico toma forma poética e traduz aspectos sociais. Osom eaimagem, bem como suas implicagdes no proceso de traducio da poesia de Leconte de Lisle, sio foco de atengio de Christophe Golder em O tradutor de Leconte de Lisle entre som e imagem. As tensGes resultantes das exigéncias ritmicas ¢ imaginais da obra do poeta francés no proceso de tradugio para 0 portugués sao foco Ptivilegiado de anilise no artigo em questi. A interagio entre palavra ¢ ilustragio surge como foco principal do artigo Sentidos entre o velado eo desvelado: a leitura da narrativa infantil contempordnea, de autoria de Flavia Ramos, Neiva Panozzo € Taciana Zanola. Preocupadas com 0 papel do leitor no proceso de significacao, se dedicam a apresentar possibilidades de leitura da natrativa infantil Ab, cambaxcirra, se en pudesse.., esctita por Ana Masia Machado ¢ ilustrada por Graga Lima (2003), por meio da andlise de seus constituintes verbais ¢ visuais e das relagdes que podem ser estabelecidas entre esses cédigos. Por fim, em Cinema, mimesis ¢ vida social, Misia Gérate discute algumas crdnicas redigidas por escritores_mexicanos, brasileiros e argentinos no inicio do século XX, atenta problemética que envolve © cinema no que tange as relacdes existentes entre ficgio, realidade, desejo, comportamentos piiblicos e privados. Valéria Angusti Re.MOARA Bem. 33, 0p. 7-9 ——_janJjun, 2010. HOSRS CRIOULIZACOES, AMERICANIDADE E MOBILIDADES CULTURAIS Zila BERND (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) (Centro Universitério La Salle) (CNPq / Bolse PQ) RESUMO: Reffetir sobre 0 conceito de erioulidade/crioulizasio, introduzido pelos autores do Caribe francéfono como Patrick Chamoiseau, Raphael Confiant e, desenvolvido posteriormente, por Edouard Glissant, ‘mostrando seus objetivos e seu aleance, ou seja, dar conta dos fenémenos de hibsidacio que surgem nas Américas devido aos processos sucessivos de transferéncias culturais/transculturagio. A reflexéo pretende também discutir as vantagens para nés, no Brasil, de colocarmos em circulagao ‘em nossas pesquisas académicas conceitos como os de ctioulizagio amexicanidade, que se situam no mbito das Mobilidades culturais, PALAVRAS-CHAVE: Crioulidade; Americanidade; Hibtidacio cultural; Identidade nacional e Mobilidades culeurais. RESUME: Réfléchie sur le concept de exéolité/créolisation, introduit par les auteurs de la Cartibe francophone tels que Patrick Chamoiseau, Raphael Confiant et, développé postérieurement par Edouard Glissant, en soulignant leurs objectifs; autrement dit, rendre compte des phénoménes aVbybridation qui surgissent dans les Amériques comme conséquence des processus de transferts culturels/transculturation. La réftexion vise aussi discuter les avantages pour nous au Brésil, de mettre en circulation dans nos recherches académiques des concepts tels que eréolisation et américanité qui se situent dans le cadre des Mobilités culturelles. MOTS-CLES: Créolité; Américanité; Hybridation culturelle; Identité nationale et Mobilités culturelles. RevMOARA Belém =—n.33 p11 janJjun., 2010. 12 Crioulizagdes, americanidade e mobilidades cultutsis A ptoposta desse artigo é a de questionar a validade ¢ 0 interesse em introduzir 0 conceito de crioulidade /crioulizacao (oéoliti/ ‘réokiation) tal como foi enunciado pelos escritores francéfonos do Caribe francéfono (Eoge de la créolité, 1989), com énfase nas propostas de Patrick Chamoiseau (1997), Raphael Confiant e Edouard Glissant (1997). Gostaria de poder mostrar de que forma esse conceito sponta as pascagens transculturais como constituintes da identidade cultural hibrida das Américas, evidenciando essa ¢ outras formas de mobilidades (transculturais) como elementos que caracterizam a identidade das Américas, que chamamos de americanidade. Trata-sc, portanto, de verificar em que medida esse conceito de identidade mais ampla—americanidade—convive em harmoniacomos de regionalismo identidade nacional por serem todos, no limite, expresses da busca de autonomia € de identidade cultural, alicergadas na aceitagio da mestigagem ¢ da crioulizagio como estratégias de mobilidade cultural, fandadoras dessa identidade. 1 CRIOULIZAGAO Na vitada dos anos 90, surge no espago francéfono do Caribe uma proposta de concepgio identitiria que vem a constituir- seem uma nova etapa do processo de afirmagao identitaria iniciado nos anos 30 com a Negritude. Sucedeu & Negritude, a proposta de Edouard Glissant, queintroduziu o conceito de Antilhanidade (oudo Discurso Antilhano), sendo que nos anos 90, nogio de Crioulidade/ ctioulizagéo vem somar-se 20 discurso dos descontentes com 0 pensamento da Negritude que limitava 2 afirmagio da identidade a uum tinico quadro de referéncias (a pertenca & etnia negra). Com essa abertura para o Diverso e a Relacio (para utilizar termos caros a E. Glissant, 1980), a reflexio sobre o identitério torna-se cada vez mais, abrangente ¢, por consequéncia, menos essencialista. De acordo com Walter Mignolo (2000), 0 conceito de ctioulidade seria uma etapa num processo de compreensio e de formagio da identidade cultural iniciado por Fernando Ortiz, Rev.MOARA Belém 8.33 p.1-19—_jandjun,, 2010. BERND, Z. 13 antropélogo cubano que, nos anos 40, concebeu o fecundo conceito de transculturagio. Por esse conceito, no contato de culturas europeias e autécotones na América Latina, hé perdas e ganhos de parte de todas as culturas envolvidas, otiginando-se desta fricgio algo novo ¢ original, ou seja, as culturas latino-americanas! © termo crioalidade ou criouliagao, como prefere Glissant por sugerir a ideia fundamental de processo, transita muito bem em. lingua francesa ¢ em lingua espanhola, remetendo a algo novo, 20 que foi originado na América, contudo, € um tanto problemitico em portugués, onde tende a ser associado com um dos sentidos de «ctioulo » que é a pertenga a emia negra. Segundo os signatétios do manifesto intitulado Bloge de Ja Crtolté, a crioulidade é “um agregado interacional ou transacional de clementos culturais carafbas, europeus, africanos, asiaticos etc. que 0 jugo da hist6tia reuniu no mesmo solo” (BERNABE; CHAMOISEAU; CONFIANT, 1989). 1, pois, fruto de “um turbilhio de significados em um s6 significante, consticuindo-se em uma especificidade aberta” (contrariamente & Negritude que se fechava em torno da especificidade de uma etnia e de uma cultura: a negra). Convém, pois, distinguir Antilhanidade, Americanidade © Crioulidade, conceitos que, segundo Chamoiseau, poderiam tecobrir as mesmas tealidades. A americanizagio e o sentimento de americanidade dela decorrente serviria para descrever os processos de adaptacio progtessiva das populagées do mundo ‘ocidental a0 chamado Novo Mundo, Bem diferente seria 0 processo de ctioulizagio, que designa o contato brutal de populacdes culturalmente diferenciadas que foram levadas a inventar novos esquemas culturais, o que permitiu a sua coabitagio. ‘A ctioulidade engloba 2 Americanidade, pois implica um duplo processo: (1) a adaptacio de europeus, afticanos e asiiticos a0 Novo Mundo; (2) a confrontacio cultural entre estes povos num mesmo espaco, levando & criacio de uma cultura sincrética dita crioula. Rev.MOARA Belém = n.33 op. 11-19 jandjun,, 2010, 14 Ctioulizagées, americanidade e mobilidades culsursis Em resumo, a proposta contida no manifesto Eloge de la eréolté (que tem tradusio em portugués como Elagio da eroulidade) €a de pensar o mundo como uma harmonia polifénica: racional/ irtacional, concluida/complexa, unida/difratada. 2 AMERICANIDADE ‘Tentamos, em diferentes publicagSes, construir 0 conceito de Ameticanidade que corresponde a uma identificagio privilegiada com as Américas, em substituigZo 20 olhar langado para o longe: © continente europeu de onde vieram os colonizadores. Esse proceso de continuidade com a cultura das metrépoles fez com que as culturas das Américas merecessem etiquetas tas como “cultura subalterna”, “dependéncia cultural”, “mimetismo cultural”, ete. Em nossas pesquisas sobre 0 conceito de americanidade, verificamos que em diferentes pontos das Américas 0 conceito foi enunciado, podendo-se perceber nuancas significativas entre: amenicanidad (Amética hispanica), américanité (Quebec) © americanidade (Brasil) ‘Verifica-se curiosamente a auséncia de equivalente em lingua inglesa (americaness nto existell), o que é bastante ficil de entender jé que os estadunidenses se consideram americanos tout court. Anmuricanidad surge primeiramente como forga propulsora das independéncias ¢, mais tarde, como revide 20 temor de um neocolonialismo norte-ameticano, estando ligado a determinadas urgéncias de uma América que precisa concluir seus processos de independéncia social, politica ¢ econdmica. Quanto a aménicanité quebequense, trata-se sobretudo de destacat 0 catiter francéfono da provincia’ do Quebec, de reconhecer que a heranga européia no foi exclusiva e que hé lugares de meméria (Henoc de mémoird incontornaveis relacionados 4 vivéncia americana, Gérard Bouchard (2000) fala, em “‘génese das nagGes ¢ das culturas do Novo Mundo”, sendo um dos grandes defensores da “americanidade quebequense”. Segundo esse fecundo historiador, 2 amexicanidade, para além das variantes nacionais, repousatia sobre a mattiz das coletividades Rev MOARA = Belém n.33 op. 11-19 jan,fjun, 2010. BERND, Z. 15 novas ou culturas fundadoras. Lembremos que as coletividades novas si0 definidas por G. Bouchard (2000) como aquelas que desenvolvem modelos culturais a partir da nyptura com as metrépoles (c no a partir da continuidade, como € 0 caso das coletividades ditas transplantadas). O autor lembra também que esses espacos novos onde se erige a nova cultura, embora fossem na verdade jé habitados pelas populagdes autéctones, “criatam circunstincias proprias (pela ruptura com 0s modelos metropolitanos) a uma mitologia dos (re) comecos, a uma espécie de tempo-zeto (ao menos virtual, ¢ as vezes real) da vida social” (BOUCHARD, 2000, p.15-16). Jano contexto do Caribe, o conceito de crioulizarao abrange ¢ ultrapassa 0 de americanidade como um desafio de organizar a comunhio “das diversidades humanas que nfo precisam renunciar 20 que elas sio” (CHAMOISEAU, 1997, p. 203). Parece que ha aqui uma clivagem em relagao 8 idéia de “génese” das nagdes ¢ das culturas através dos mitos de recomego, presente na concep¢io de americanidade quebequense, pois, no ambito da ctioulizagio, surge 0 conceito de “digénese” Glissant), ou seja, uma negacio da génese, da otigem e dos recomegos. Nas Américas, “o ponto de impulso é indiscernfvel, e mével, e recapitulativo, ¢ aberto, crescente, proliferante, presidindo 0 nascimento sem comeco das identidades ctioulas” (CHAMOISEAU, 1997, p. 204). Segundo E. Glissant (1997), a entrada em contato, no Novo Mundo, das culturas ativicas (que possuem seus mitos cosmogénicos) dé origem a culturas compésitas que nao geraram géneses, pois no adotaram esses mitos de criagio vindos de fora, até porque sua origem nfo se perde na noite dos tempos, mas tem ‘uma hist6tia. No que concerne as sociedade crioulas do Caribe, “a agénese se fande em uma obscuridade, a do ventre do navio negreiro. Bo que eu chamo de digentse” (GLISSANT, 1997, p. 36). * Segundo o dicionirio Housiss (2001, p. 1039), digenético é o que se desenvolve ‘em dois hospedeiros distintos, um intermediirio ¢ outro definitive (izse de parasita) Rev.MOARA Belém. 33. p. 1-19 —_jan/jun., 2010.

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