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RESUMO
Reinhart Koselleck foi um historiador alemão que se dedicou a investigações e debates relacio-
nados à teoria da história e à história moderna e contemporânea. É a partir do diálogo com
suas ideias que este artigo objetiva apresentar alguns apontamentos sobre as contribuições
da história dos conceitos para as investigações que têm como objeto as práticas corporais
institucionalizadas, entre as quais o esporte, esperando colaborar para chamar a atenção
para a necessidade de aumento do rigor e da profundidade das análises/interpretações
relacionadas a esses objetos.
* Auxílio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), edital
8/2009. Não houve conflitos de interesses para a realização do presente estudo.
A história dos conceitos coloca-se como problemática indagar a partir de quando de-
terminados conceitos são resultado de um processo de teorização. Essa problemática é
possível de ser empiricamente tratada, objetivando essa constatação, por meio do trabalho
com as fontes (Koselleck, 1992, p. 3)1.
– Ainda persiste uma série de questões conceituais que precisam ser en-
frentadas. Hill (1996), por exemplo, critica a carência de um rigor maior
na definição do que pode ou não ser considerado esporte.
– O que tem sido chamado de “história das práticas corporais institucio-
nalizadas” abarcaria, em um mesmo campo de investigação, sem excluir
outras possibilidades de diálogos, práticas sociais como o esporte, a
capoeira, a dança, a ginástica, a educação física (entendida enquanto
uma disciplina escolar e como uma área de conhecimento), atividades
específicas de períodos anteriores à era moderna (da Antiguidade e da
Idade Média), entre outras (Melo, 2007a). A despeito dessa conceituação,
para facilitar o entendimento e/ou em função de questões operacionais,
em muitas oportunidades usamos “história do esporte” como metonímia.
Especificamente neste artigo, o termo será usado em sentido restrito,
isto é, estaremos tratando somente do objeto esporte.
– Devemos também ter em conta as contribuições para a constituição de
um campo de investigação, denominado de “estudos do esporte”, que
4. Segundo o autor, “domínio” é uma das possíveis subdivisões do campo da história (junto com a
“dimensão” e a “abordagem”), correspondendo a “uma escolha mais específica, orientada em relação
a determinados sujeitos ou objetos para os quais será dirigida a atenção do historiador” (p. 20).
Uma dimensão que devemos investigar são as condições que cada língua
coloca para que um conceito seja formulado, a fim de expressar inteligibilidade.
Richter chama a atenção para que não vejamos a tradução somente pelo viés da
coerção, mas também a partir das ideias de releitura, interpretação, reformulação:
“o problema real é definir o processo em marcha em seus próprios termos, e não
7. Para mais informações sobre essa trajetória conceitual, ver o estudo de Melo (2010).
8. Vale registrar que, entre os espanhóis, o tema inclusive já chamou a atenção da Real Academia
Espanhola. Para mais informações, ver o estudo de Rodríguez (2002).
9. Por exemplo, havia no século XIX alguns periódicos denominados O Athleta, que mobilizavam a
palavra para definir o seu caráter antimonarquista.
10. Disponível em:<http://www.ieb.usp.br/online/index.asp>. Acesso em: 10 maio 2009.
11. Apesar disso, pelo menos no Brasil, ainda no século XIX surgiram termos nacionais, como “tribo-
fe”, para definir os tumultos nas competições esportivas, e “bacamarte”, para designar o cavalo de
corridas de má qualidade.
A separação analítica entre cada afirmação linguística presente em todas as fontes textuais
e a história concreta, o que deveria ser ou supostamente é, deve ser obrigatoriamente
realizada de forma rigorosa do ponto de vista teórico. Só então posso perguntar às fontes
textuais o que elas indiciam em relação à história concreta e que qualidades possuiriam
para coproduzirem história enquanto textos (Koselleck, 1992, p. 12).
[...] conhecer a correspondência ou não de seu uso [do conceito] nas pesquisas com as
estruturas e realidades vigentes. [...] O estudo conceitual pode servir para indicar à história
social aqueles conceitos que podem servir como categorias formais de conhecimento por
sua capacidade de significar permanências estruturais. Da mesma forma, pode mostrar
significados que já não correspondem a nenhuma realidade, a estados de coisas que já se
extinguiram (Pereira, 2005, p. 50).
A história dos conceitos, ao investigar as mudanças e permanências dos significados dos con-
ceitos, pode indicar permanências estruturais na realidade social e contribuir para a elaboração
e a crítica dos conceitos científicos atuais utilizados pela disciplina histórica (idem, p. 49).
12. Sobre os problemas na utilização de Elias e Bourdieu nos estudos do esporte no cenário internacional,
ver Giulianotti (2004, 2005).
13. Para uma discussão sobre tal aspecto, ver artigo de Melo (2007b).
Mais ainda: esse esforço torna-se fundamental para pensar a própria natu-
reza das contribuições da história: “O historiador deve se ocupar dessas analogias,
porque se encaramos os acontecimentos singulares simplesmente como eventos
radicalmente únicos, particulares, jamais poderemos explicá-los” (K oselleck,
2006b, p. 140).
Nesse sentido é que o historiador alemão desconfia de qualquer investigação
que não tenha claros os conceitos: estes seriam categorias formais que permitem
ao pesquisador sair da espuma dos acontecimentos e mergulhar nas estruturas e
melhor representar o que pretende investigar, suplantando a equivocada dicotomia
evento-estrutura.
As peculiaridades das proposições da história dos conceitos nos motivam,
ainda, a discutir algo com o que temos estado preocupados no que se refere aos
estudos históricos do esporte no Brasil: a fragmentação e o não estabelecimento de
investigações de maior alcance. Melo (2007a) observa que, em nosso país, “uma
característica marcante observada [...] é que normalmente se trata de estudos locais
ou regionais, relacionados a cidades ou estados, clubes, personalidades, fatos ou
temas específicos” (p. 14). Mesmo reconhecendo a importância desses esforços,
as questões lançadas são:
Não estaríamos perdendo a visão do “todo” em função da fragmentação das abordagens?
Como ampliar nossa visão acerca da realidade nacional sem crer que essa é simplesmente
o resultado da soma dos entendimentos locais? Como construir hipóteses mais amplas,
À GUISA DE CONCLUSÃO
14. Para uma discussão sobre as possíveis relações entre a história dos conceitos e a história comparada,
ver estudo de Pimenta (2008).
Por una historia del concepto deporte: diálogo con Reinhart Koselleck
RESUMEN: Reinhart Koselleck es un historiador alemán que se dedicó a la investigación y
el debate relacionado con la teoría de la historia y la historia moderna y contemporánea.
Es desde el diálogo con sus ideas que este artículo tiene como objetivo presentar algunas
notas sobre las contribuciones de la historia de los conceptos para las investigaciones que
tienen por objeto las prácticas corporales institucionalizadas, entre las cuales el deporte,
con el intuito de colaborar para llamar la atención sobre la necesidad de aumentar el rigor
y la profundidad de análisis e interpretación en relación a estos objetos.
PALABRAS CLAVES: Historia del deporte; historia de los conceptos; teoría de la histo-
ria.
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