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nº9.610, de 10/02/1998.

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to da editora, seja quais forem os meios: fotográficos,
eletrônicos, mecânicos, gravação ou quaisquer outros.

Edição
Adriano Almeida
Vivian Matsui

Revisão e diagramação
Bianca Hubert
Vivian Matsui

Arte e concepção
Leandro de Andrade

[2015]
Casa do Código
Livro para o programador
Rua Vergueiro, 3185 – 8º andar
04101-300 – Vila Mariana – São Paulo – SP – Brasil
www.casadocodigo.com.br
Para Vanessa, Lucas,
Bianca, Simone, Paulo
e M. Helena.
PREFÁCIO
por Luciano Pires

Em 1494 um monge Por mais de 500 anos as


franciscano e importante empresas e indivíduos
matemático italiano cha- se basearam no sistema
mado Luca Bartolomeo de criado por Luca Pacioli,
Pacioli publicou um tra- que se apoia no proces-
tado que causaria imenso so de trocas, que vem lá
impacto na história da de trás, no nascimento
humanidade. Tratava-se daquilo que chamamos
da Summa de aritmética, de comércio. Eu pesco
geometria, proporção e dois peixes, só preciso
proporcionalidade. de um. Você faz duas
cestas de vime, só pre-
Numa seção chamada cisa de uma. Eu quero
“particulario de com- uma cesta, você quer um
puties et scripturis”, ele peixe, trocamos um pelo
apresentava o Método das outro e pronto!
Partidas Dobradas, que
se transformou no pa- Com o surgimento do
drão utilizado pelas or- dinheiro, tudo ficou mais
ganizações para registrar simples, pudemos fazer
transações financeiras. negócios mais amplos,
Ali nascia a contabilidade surgiu o capitalismo e
como conhecemos hoje, chegamos ao mundo que
baseada nas entradas e conhecemos, sempre
saídas. trocando alguma riqueza

6
por algum produto ou Web, a internet, que
serviço. possibilitou uma rede de
conexões inimagináveis
Luca Pacioli nos ajudou nos tempos de Pacioli.
a observar o que com- Foi então que mergu-
pramos, o que gastamos lhamos numa nova re-
e entender se estamos alidade, que o “particu-
no lucro ou no prejuízo. lario de scripturis” não
No mundo dos discípu- conseguia explicar.
los de Pacioli, um in-
divíduo bem sucedido No cruzamento para o
é aquele que tem muita novo milênio nos vi-
riqueza, muitas posses. mos diante de situações
E foi assim que fomos inexplicáveis, quando
criados até o final do o valor não era mais
milênio passado. o tijolo e o cimento, o
terreno, o avião, o au-
Ao longo dos anos 1990, tomóvel, o produto ou o
o mundo, que já era serviço, mas ideias, pa-
uma aldeia global desde tentes, promessas. Nas-
que as redes de satélites ceram as tais empresas
começaram a ser mon- “ponto com” que cria-
tadas nos anos 1960, as- ram bilionários do dia
sistiu perplexo ao sur- para a noite. O sistema
gimento da World Wide de emissão de passagens

7
aéreas passou a valer ma como fomos acostu-
mais que a companhia mados a conhecer?
aérea que tinha centenas
de aviões! Considero o ápice des-
se questionamento o
Vimo-nos diante de uma surgimento do Napster
realidade muito além em 1999, o primeiro
daquela troca de produ- sistema de comparti-
tos por riqueza. Agora lhamento em alta escala
se falava de uma riqueza que possibilitou que as
futura, de um plano de pessoas trocassem ar-
negócios, de um sis- quivos musicais entre si.
tema que não existia Aquilo foi um escândalo
materialmente, mas era mundial, pois ameaçava
um conjunto de “bites” a indústria da música, e
espalhados pelo éter. o que se viu foi uma luta
na justiça, que culmi-
Pela primeira vez, nós, nou com o fechamento
indivíduos, tivemos de do Napster, que durou
lidar com a riqueza não pouco mais de 2 anos.
material e, treinados por Mas deixou 8 milhões
500 anos no sistema de de usuários com água na
Pacioli, tomamos um boca...
nó. Como contabilizar o
intangível? Como acu- Pela primeira vez ficava
mular riqueza que não claro que eu poderia ter
se pode pegar? Como uma biblioteca musical
colocar preço naquilo sem precisar comprar
que “não existe” da for- CDs. Aquela minha

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coleção que levou anos Um iTunes depois, os
para ser construída, CDs tornaram-se peças
custou um monte de de museu. E o mundo
dinheiro e ocupava um nunca mais foi o mesmo.
armário, repentinamente
deixava de ser funcional. Eu vivi todo esse pro-
cesso. Tenho ainda uma
Surgira um outro pro- amada coleção de elepês,
cesso que não ocupava CDs, fitas VHS, Laser-
espaço, que me permi- Discs, DVDs e BluRays.
tia ter uma música sem Tudo lá criando pó,
precisar comprar um atropelados pelo iTunes
CD inteiro, que era infi- e pela NetFlix. Mas, até
nitamente mais barato pelo meu DNA (data de
(na verdade, virtual- nascimento avançada),
mente gratuito) e que minha cabeça ainda não
dava a mim, o consumi- entrou nos eixos...
dor, uma liberdade que
eu não imaginava que Que sociedade é esta em
existiria. O valor criado que aquele “possuir” que
pelo Napster era irre- conheci durante 50 anos,
sistível, outros sistemas passa a perder o sentido?
surgiram até a indústria Ter o CD na prateleira
entender que era im- não vale mais nada, aliás,
possível lutar contra, e só custa. O que interessa
mergulhasse de cabeça é ter acesso à música que
no negócio da venda de quero ouvir.
arquivos de músicas por
download.

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Com generosidade, Ro- Deleite-se com este
drigo nos pega pela mão livro.
e conduz por uma via-
gem pela tecnologia que Deleite-se com
está mudando a forma o futuro.
de consumo das pesso-
as, e assim, mudando o Muito obrigado, Rodrigo.
mundo. Do DVD para o
streaming, da proprie-
dade para o acesso, da
venda pontual para a
recorrente, até chegar
ao mundo maravilhoso
das assinaturas.

O que emergirá dessa


revolução será uma nova
sociedade, mais coeren-
te, mais generosa, mais
sustentável. E com ela
surgirá um novo ser hu-
mano, capaz de enten-
der que “riqueza” não
significa “posse”.

Neste novo mundo, rico


é quem consegue se
deleitar.

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Introdução

Este não é um livro con- O objetivo do livro é


vencional, com frases contar, por meio de pe-
de pensadores antigos e quenas reflexões, sobre
referências a outros au- como a nossa vida mu-
tores, e tampouco é um dou através de softwa-
livro de autoajuda para res, aplicativos, sites e
empreendedores. serviços.

Considere ler dois pe- É, também, um exercício


daços secundários: um claro sobre como vamos
sobre a desmistificação deixar de ter a proprie-
em ter uma startup, e dade das coisas.
outro sobre como ne-
gócios recorrentes são
mais saudáveis e sus-
tentáveis. Além disso, é
um ensaio sobre alguns
textos escritos por mim
nos quais discorro sobre
novas formas de consu-
mo, e como as empresas
morrem e nascem na
velocidade de dias.

13
“TIVE UMA IDEIA! Esse é exatamente o
pensamento que passa

MEU DEUS, VOU na cabeça de 99% dos


jovens que vivem so-

FICAR RICO.” nhando em ser o novo


Mark Zuckerberg. A
glamourização do empre-
endedorismo, impulsio-
nada pelo Vale do Silício
e também pela mídia,
faz com que a ideia de
ter um negócio no Bra-
sil seja algo como visto
no filme A rede social, do
brilhante David Fincher.

Raramente os novos
empreendedores no país
têm como modelos de
empreendedores homens
como Abílio Diniz e Jorge
Paulo Lehmann. Desa-
fio quem cite Everardo
Ferreira Telles, menos
famoso do que os dois
primeiros, mas que fez
um dos maiores exits de
todos os tempos no Bra-
sil, vendendo a Ypióca

17
para a Diageo por U$470 milhões.

Nós temos um monte de exemplos de grandes em-


preendedores dentro de casa, mas costumamos olhar
para fora, influenciados pela última década. A internet
é a culpada, juntamente com a assessoria de imprensa
mal utilizada.

A distorção do modelo empreendedor, por conta des-


sas variáveis, influencia significativamente uma cul-
tura que ainda está aprendendo a lidar com o empre-
endedorismo digital, com as novas economias e com o
fator de ter um negócio.

“Os grandes tagarelas não são grandes


realizadores.” — Provérbio francês

A maioria dos novos empreendedores ainda não cap-


tou a mensagem de que o maior valor de uma empre-
sa é exatamente “gerar valor”. Faturar, dar lucro e
deixar os sócios também confortáveis para decidirem
melhor o futuro. Existem muitas empresas que apa-
recem na capa de revistas e não geram um centavo
sequer de receita. Uma hora essa conta chega. Como
costuma dizer um dos meus sócios, o Dutra, “não
existe café grátis”.

Veja a educação financeira, por exemplo. A maioria

18
dos empreendedores impulsionado por as-
não teve a educação fi- sessoria de imprensa,
nanceira necessária para é um cara de sucesso.
gerir um negócio. Coisas Aliás, o que é sucesso?
básicas como fluxo de
caixa e juros são apren- Apesar de este ser um
didos com o “andar da livro basicamente para
carruagem”. Entenda falar sobre uma nova
que não é uma crítica, economia (ou novas
mas é exatamente em economias), ele se con-
finanças que a maioria funde acidentalmente
dos empreendedores se com empreendedorismo,
perde. o que é bom, pois as-
sim minhas esperanças
Ter um negócio digital, são maiores. Imagino
sonho comum de oito que, daqui, saiam bons
em cada dez jovens que empreendedores, ideias
aspiram ser e empresas, especial-
empreendedores, é ba- mente com o mindset de
sicamente ter uma ideia faturarem sempre.
para a maioria.
Então, o recado é:
Ideia não é nada! É ape- preparem-se.
nas um sinal.
Sem filtros, escreverei
Na verdade, isso é um direto sobre o que é, na
grande sinal para você, prática, empreender no
que acha que aquele Brasil.
cara que está na mídia,

19
A verdade que de um business plan erra-
aquele portal do, por você brigar com
um sócio e não querer
de empreende-
olhar mais para ele no
dorismo não escritório, por processos
te conta trabalhistas tomarem
todos os seus recursos,
O brasileiro é o povo por falta de dinheiro
mais criativo do mundo para você crescer, ou por
(a Nasa precisa mesmo não ter mão de obra ex-
estudar isso). Por isso é celente de sobra (vai ter
que temos tantos em- de garimpar).
preendedores brilhan-
tes. Mas empreender na
prática é um exercício Se você for teimoso
de gestão de crises di- e passar por tudo isso,
árias. Antes de você ainda restará o desafio
começar a dar lucro, o de fazer gestão, que é
governo vai tentar fe- algo extremamente im-
char a sua empresa. portante.

Se você for persistente Se você for doido


e tiver um diferencial, terá possivelmente um
ele será seu sócio. Ainda bom negócio na mão,
assim, terá riscos diretos rentável e sustentável.
de essa empresa quebrar,
seja por conta de um Não confunda com pes-
concorrente, por conta simismo o que escrevi.

20
Texto original de 3 de
maio de 2015, retirado do
blog do autor, em http://
www.sonhogrande.com.

Quando larguei o banco,


em julho de 2013, para
empreender pela tercei-
ra vez, tive a sensação
que poucas pessoas pre-
senciam na vida: largar
tudo e reiniciar do zero
uma história. Pedir de-
missão e largar minha
rotina não foram o mais
difícil, mas sim voltar a
ter o ganho mensal que
tinha como executivo do
banco.

Criar algo do zero, sem


mercado ainda, sem
receita e sem modelo
de negócio, foi e sem-
pre será o maior desafio
para empreendedores

23
que largam seus empre- Arena (que por sinal é
gos para começar um ótima, veja em https://
negócio. www.youtube.com/
watch?v=igjPU9xSLeg),

Sem grana, amigo,


recebi um insight
importante que sempre

você vai desistir. defendi, para alguém


que sonha em
empreender e ainda
Por mais que seja ino- não colocou em prática.
vador, promissor e que Ele cita três momentos
comece a ter audiência, da vida para ser um
se não tiver o retorno em-preendedor. Vamos
financeiro esperado, a a eles.
casa vai cair. Antes de
largar minha vida no
banco, eu me prepa-
rei alguns meses para Quando você
a paulada que teria de não tem nada
receber nos primeiros
meses como empreen- Não ter nada significa:
dedor. Afinal, as contas não correr riscos. Essa
não param de chegar fase da vida, quando
enquanto você começa você ainda está saindo
um negócio do zero. da faculdade ou entran-
do na vida profissional, é
Assistindo a um vídeo um dos momentos mais
da entrevista do Da- propícios para entrar de
niel Heise no Man in the cabeça em algum negócio.

24
Entenda esse período tem o empreendedor
como aquele em que dedicado no sangue. Se
você ainda é um pro- essa fase não tem risco,
tótipo, sem ter família por que não?
para sustentar, moran-
do com seus pais, ga- Muitos largam inclusi-
nhando pouco dinheiro ve a faculdade para se
e com o futuro inteiro dedicar ao seu negócio.
pela frente. Se você tem Normalmente, quem já
pouco a perder, esse é o inicia alguma empre-
momento. O que vier de sa nessa fase, não tem
bom é lucro. os riscos inerentes ao
empreender, mas bate
O grande problema des- a cabeça para achar um
sa fase é que a maturi- bom sócio.
dade ainda não atingiu
o coração. E os sonhos Também tem imaturi-
dos jovens entre 18 e dade para grandes pro-
25 anos raramente são jetos, não conhece sobre
empreender de verdade. finanças (que é crítico
Eles querem dinheiro para qualquer negócio),
para comprar um bom não tem a experiên-
carro, ou estão bancan- cia para gestão e toma
do a própria faculdade, algumas decisões movi-
o que dificulta abdicar das por paixão. Ou seja,
de um emprego que está sofrem bastante com
viabilizando isso. Mas a imaturidade imposta
acredite, esse é um óti- pela idade. É algo abso-
mo momento para quem lutamente normal.

25
Quando você pessoas de 25 a 35 anos,
tem alguma mas você pensa:

coragem
“E se der errado?”
A segunda fase é exata-
mente aquela em que eu Se der errado, você
estava inserido em 2013 recomeça novamente.
quando abdiquei remu- Simples assim.
neração variável, FGTS,
vale alimentação, en- Não é o momento ide-
tre outros benefícios. Já al do ponto de vista de
tinha um bom cargo, era maturidade ainda, mas
respeitado, tinha con- esse é o timing cer-
forto financeiro e pode- to para a transição de
ria arriscar, se planejas- carreira. Você já levou
se a empreitada. alguns tapas, já adquiriu
experiência e tem algum
Nessa fase, o grande recurso para se planejar.
problema é o risco. Você É basicamente ter co-
já tem algo a perder. ragem, desprendimento
de status e de outras
Já tem a casa, o carro e dezenas de coisas, que
rotina dos sonhos, tudo o mundo corporativo
com conforto e segu- permite.
rança. Para os inquietos
como eu, o grande passo Empreender nessa fase
é a coragem. O espírito é um alto risco. Você
empreendedor aflora em terá de se preparar

26
financeiramente e ter Fechei 130 contratos
em mente o plano B, impulsionado pelo break
caso sua empreitada dê even. Minha meta pessoal
errado. era atingir o mesmo ga-
nho que tinha no banco.
No meu caso, o risco era Essa é uma fase em que
exatamente o que me sangue e suor escorrem
impulsionava para tra- juntos na pele. A família
zer receita para a em- precisa estar prepara-
presa. Eu, com dois fi- da para o baque e para a
lhos, casa e contas para nova ordem econômica
pagar, batia diariamente que chegará. Como disse
na dúvida se estava no o Daniel Heise no vídeo,
caminho certo. Quanto se você tiver um(a) par-
mais arriscado ficava, ceiro(a) do lado, esse é o
mais contratos eu fe- momento!
chava. Era uma coisa
maluca!

Quando eu via o hori-


zonte do fluxo financei-
ro do business plan aper-
tar, eu dava um jeito de
empurrá-lo mais para
a frente. Assim, a Vindi
(http://vindi.com.br/)
ganhava mais três, qua-
tro meses de vida.

27
Quando você Analise, por exemplo,
é o cara! a média dos investido-
res anjos brasileiros: 44
Você já conquistou tudo, anos. Exemplos práticos?
dinheiro, patrimônio, Reid Hoffman, criou o
maturidade e conhece LinkedIn com 35 anos.
muito do seu merca- Robert Noyce criou a
do. Você é um PhD em Intel com 41 anos. Esses
suas competências. Por são simples exemplos,
que não juntar todas as mas servem de inspi-
referências, experiên- ração. Não vou contar a
cia, grana e maturidade, história deles aqui, mas
para colocar em prática vale a pesquisa.
o que você mais sabe?
A experiência, a repu-
Normalmente, esse tação e a frieza contam
perfil de empreendedor muito nesse período. E,
está pronto para todas na verdade, o empre-
as porradas, pois ele já endedor nessa fase já
as tomou no início. Sabe conquistou a maioria
sobre gestão, conhece das coisas que tinha nos
pessoas, tem um ótimo planos. A serenidade
networking em sua área dessa idade faz muita
e tem a segurança fi- diferença, tanto para
nanceira de poder arris- escolher as pessoas cer-
car, sem comprometer o tas para montar o time,
orçamento da família. achar um co-founder
que tenha os mesmos
princípios para seguir

28
Para entender os basti-
dores das “Juntas Co-
merciais” pelo Brasil,
vamos falar de morte
primeiro.

Se a sua ideia, ilustrada


no capítulo anterior, é
criar um aplicativo de
sucesso, uma empresa
de alto impacto ou um
projeto de transforma-
ção da natureza, rezo
para que seja com um
modelo no qual sua re-
ceita seja recorrente.

Atuando em um grande
banco, a maior parte do
tempo à frente de áreas
conectadas ao empreen-
dedorismo, a maior cer-
teza de que tenho é que
empresas quebram mais
rápido do que demoram
para serem constituídas.
Vi isso na face de mi-
lhares de empresários.
E o que era pior: muitos

31
nem sabiam que esta- Que triste isso para um
vam “quebrados”. É um país, certo? Não sei. Até
problema cultural que suspeito que, por con-
temos. Estamos apren- ta da criatividade que
dendo a criar uma cul- temos por aqui, esse
tura empreendedora. número, informado pelo
IBGE, seja ainda maior.

3.1 METADE
A maior taxa de
DAS EMPRESAS fechamento é no
MORRE EM ME- primeiro ano.
NOS DE 4 ANOS
O período considerado
Segundo a pesquisa feita na pesquisa foi de qua-
pelo Instituto Brasileiro tro anos, mas a época
de Geografia e Estatís- mais crítica é o primei-
tica, “52,5% das empre- ro ano, após a abertura
sas morrem em menos de da empresa. Cerca de
4 anos”. Para chegar a 22% das empresas não
essa conclusão, a pes- resistem aos primeiros
quisa considerou a com- doze meses. Mais 12%
paração entre o número das empresas fecham
de empresas abertas em durante o segundo ano;
2009 e quantas delas 10% durante o terceiro
ainda estavam ativas em ano e, finalmente, 8%
2013. no quarto ano.

32
E as microempresas 2009 ainda estavam em
funcionamento em 2013.
são as que mais
fecham.
A pesquisa do IBGE
mostrou que empresas
de alguns setores es-
A pesquisa apontou que, pecíficos tiveram taxa
quanto maior o porte da de sobrevivência acima
empresa, maiores são da média. Esses setores
as chances de sobrevi- foram: saúde humana
vência. Entre as micro- e serviços sociais, ati-
empresas individuais vidades imobiliárias e
– aquelas que não pos- atividades profissionais,
suem funcionários con- científicas e técnicas.
tratados –, apenas 40%
resistiram aos quatro Além disso, ao longo
anos iniciais. dos anos, todos os se-
tores estão passando
Já entre as empresas por lentos aumentos na
com pelo menos 1 fun- taxa de sobrevivência.
cionário, essa porcen- Ou seja, as taxas ainda
tagem de sobrevivência são baixas, mas estão
subiu para 69,1%. As melhorando aos poucos.
empresas de médio e A única exceção a essa
grande porte, com 10 regra é o setor de eletri-
funcionários ou mais, cidade e gás.
apresentaram o maior
desempenho: mais de
76% das abertas em

33
94% das empresas O número mais curioso
é que 75% das que re-
(não só startups) cebem investimentos

não conseguem
também não conseguem
sobreviver. Esse é um

atingir U$ 1 milhão estudo feito pela Har-


vard Business School
de faturamento (pelo professor Shikhar

no ano.
Ghosh), que analisou
o comportamento de
startups que receberam
Essa é uma afirmação investimentos abaixo de
do livro Scaling Up: How a U$1 milhão de dólares
Few Companies Make It... de 2004 a 2010.
and Why the Rest Don’t,
de Verne Harnish. Ana- O que mais preocupa é
lise os números da pes- que, no Brasil, não te-
quisa da Allmand Law: mos isso de forma con-
sistente em análises.
• 90% das startups glo- Se esse número é 90%
bais morrem; em uma análise glo-
• 75% das que recebem bal, quanto é no Brasil?
dinheiro de venture capi- Chuto que é um número,
tal fracassam; pelo menos, maior. Pre-
• No Vale do Silício, ocupante, no mínimo.
80% delas não conse-
guem sucesso; Gostaria de saber: quan-
• Por que você acha que tas startups de tecno-
será diferente com você? logia morrem no Brasil

35
por ano? Existe uma associação brasileira de startups,
a ABStartups, porém ela não sabe dizer qual a real
mortalidade delas no país. Alguns números demons-
tram, inclusive, a fragilidade por mercados. É o que
também mostra a pesquisa feita em janeiro de 2014,
pela Statistic Brain (http://www.statisticbrain.com/).

3.3 MAIORES NAUFRÁGIOS POR


INDÚSTRIA

Curioso é ver que, na pesquisa, as empresas de tecno-


logia, representadas em sua maioria pela literal “In-
formation”, têm o melhor número frente aos outros
ramos/nichos.

Reprodução: Statistic Brain

36
A Forbes, por sua vez, difícil manter qualquer
enumerou alguns dos operação. Afinal, o que
motivos principais para vai sustentar o negócio
levar uma empresa em- como um todo?
brionária para a falên-
cia financeira ou para o Outra questão é a pouca
abismo conceitual. Gos- escalabilidade da ideia.
to bastante dessa aná- Um mercado de dezenas
lise sobre o que se deve de consumidores não
ou não fazer, apesar de atrai tanto quanto um
ser muito subjetiva. A mercado de milhares e
pesquisa enumera pon- até milhões de poten-
tos importantes sobre o ciais clientes. Se a sua
tema. Segue cada tópico ideia não contempla ga-
com nossa opinião. nhar dinheiro através de
clientes, pode começar a
1) Pouca escalabilida- se preocupar.
de (ou inexistente)
2) Posicionamento de
Além de ser o princi- mercado (ou erro de
pal motivo para não pesquisa)
despertar interesse do
investidor, existe a per- Muito comum é ver
gunta: como os sócios/ alguém com uma baita
fundadores vão ganhar ideia que outra empre-
dinheiro? Se a ideia não sa já teve, ou pior, já
tiver um motivo prin- executa. Já presenciei
cipal de venda de ser- alguns empreendedores
viço ou produto, fica chateados dizendo que

37
“fulano” roubou a ideia à etapa de crescimento,
ou pensou na execução a startup tem de olhar
primeiro. Antes de levar um tanto para fora do
adiante uma boa ideia, produto e olhar para o
é imprescindível ver o mercado, analisar o que
que acontece ao redor: vai fazer para ganhar
“Quem é o público-alvo? “campo” e clientes, e
Qual a necessidade dele?”. blindar a entrada de
São perguntas simples, concorrentes. Lembre-
que muitas vezes não -se de que o produto
conseguimos responder. não é seu filho, e me-
lhor: ele pode ter de
Se você tivesse um mudar para se tornar
e-commerce de cuecas, vendável, se for neces-
qual seria seu público- sário. Outro ponto im-
-alvo? Homens, certo? portante: se já tiver uma
Errado. Quem compra estratégia de aquisição
cueca são esposas e de clientes, como gastar
mães, na maioria das menos para essa aqui-
vezes (curiosamente). sição? Esse é um ponto
crucial para qualquer
3) Sem estratégia negócio.
de mercado (go-to-
-marketing strategy) 4) Sem foco

Esse tópico tem a ver Acho melhor nem co-


com tração de vendas e mentar tanto. Um ne-
também foco demasia- gócio sem foco tem
do no produto. Para ir pouco tempo de vida. O

38
conselho é não querer 6) Paixão e persistência
abraçar o mundo. Defina
o público-alvo e dê tiros Se você está criando
certeiros. algo para simplesmente
ganhar dinheiro (ficar
5) Startup sem flexibi- milionário), seu negó-
lidade cio não vai cativar co-
laboradores, clientes,
Manter o foco não sig- parceiros e investidores.
nifica que você não Ter um objetivo am-
possa adaptar uma ideia parado a uma paixão é
e também não precise sempre benéfico, é pre-
mudar de vez em quan- ciso fazer o que gosta
do. E se você descobrir obrigatoriamente. Além
no meio do caminho da persistência, que
algo mais rentável e que pode ser, na verdade, o
possa trazer o break even grande sucesso. No Bra-
mais rápido? Startups sil, por exemplo, onde o
sem flexibilidade cos- governo esmaga opera-
tumam ser acometidas ções e obriga empreen-
por cegueiras empreen- dedores à informalidade
dedoras. O empreende- e obstáculos trabalhis-
dor fica tão cego e não tas, ser persistente é
enxerga que, ao lado, há um grande diferencial.
uma oportunidade de Alguns empreendedores
ouro. fazem, inclusive, uma
oportunidade desses
obstáculos.

39
7) Falta ou ausência de gestão disso tudo. Tenha
liderança um propósito.

Essa foi uma das maio- 8) Time (motivação e


res preocupações que lealdade)
tive nas empresas em
que passei. Sempre de- Escolher uma pessoa
cidi pela liderança, seja de talento é o segredo
como empregado, como em pequenas, médias
dono ou como colabora- e grandes empresas. A
dor. Se sentia que esta- grande diferença é que,
va sendo mal liderado, em startups, uma má
pedia para mudar. contratação é catastró-
fica. Além de depender
Quando alguém sabe um tanto mais de cada
liderar, a causa é abra- colaborador, uma star-
çada como um soldado tup não tem processos
feliz na guerra. É assim elaborados de RH, fi-
também em processos nanceiro e de motivação
de criação e empreen- na maioria das vezes.
dedorismo. Se você não
colocar todo mundo na Nesse ambiente, é co-
mesma “remada”, vai mum o alto turnover,
encontrar problemas. a ausência de lealdade
Quando o investidor dos colaboradores (que
chega com interesse, ele em alguns casos levam
sempre é motivado pela informação para concor-
equipe que está dentro e rentes), a desmotivação
também por quem faz a porque gestores se es-

40
quecem do colaborador, 10) Modelos sem ex-
e por fim, a dificuldade pectativa de receita
de encontrar bons nomes
no mercado. Atente-se Por mais conceitual que
para a expressão “cara a ideia seja, ela precisa
bom tá empregado”. ter no mínimo um ideal
de receita futura. Não se
9) Projetos sem men- engane assistindo filmes
tores ou conselheiros bonitinhos ou vendo
palestras ultramoti-
Você não vai conseguir vacionais. Mesmo em
sozinho, isso é um fato. negócios bancados por
Esse tópico tem a ver fundos de investimento
com networking, com em que a ideia seja sus-
conselhos e também tentada para se cons-
com quem você se asso- truir audiência (leia-se
cia. Todas as empresas Instagram, Twitter,
de sucesso têm conse- WhatsApp, Tumblr, en-
lhos estratégicos que tre outras redes sociais),
partilham das decisões. a maioria delas tem
Isso define, inclusive, como fim o ganho com
as decisões do mercado publicidade ou venda de
em que a startup atua. produtos e serviços. Não
Pense que mesmo os existe café grátis.
maiores empresários do
mundo possuem mento-
res. Estude a existência
da Endeavor.

41
11) Capital necessário x a) Se a questão é crescer
Necessidade de capital ou ganhar mercado: de
quanto vou precisar?
Quando o dinheiro che-
ga, existem tantos erros b) Se for para melhorar
cometidos que os inves- o produto, preciso mes-
tidores já criaram di- mo de dinheiro?
versas formas de acom-
panhar esse processo, Muitas vezes, o dinheiro
desde nomear um exe- é mal gasto, em outras
cutivo para entrar lite- poucas é bem investido.
ralmente na operação ou Perceba na história: in-
criar instrumentos para vestimentos em startups
planejar o orçamento e que naufragaram como
a performance. Minha os casos de Napster,
opinião é que o maior Lycos (essa só conhece
erro é não conseguir quem é dinossauro da
identificar a diferença internet) e Lastminu-
entre capital necessário te.com. O que deve ter
versus necessidade de acontecido?
capital.
12) Retorno sobre In-
A maioria dos empre- vestimento mal calcu-
endedores sonha em ser lado (ROI)
comprado em porcenta-
gem por um grande VC Alguns especialistas
(Venture Capital), o que calculam que um bom
não é ruim, porém, será retorno sobre investi-
só esse o objetivo? mento em startups seja

42
algo em torno dez vezes simplesmente destruir
(10x) o valor investido um mercado inteiro.
— ou seja, multiplique
por dez o valor que você O artigo da Forbes, no
investiu. Já outros afir- qual se baseia nesses
mam que o interessante treze tópicos, cita como
e viável é chegar em um exemplo o 11 de setem-
“evaluation” honesto da bro, que implodiu o
startup e também mul- mercado das agências de
tiplicar por 10 (dez) esse viagens em Nova York.
evaluation. É a má sorte entrando
nesse jogo. Em contra-
Nessa última teoria, se partida, alguns empre-
sua startup está avaliada endedores aproveitam
em R$100 mil, para se esse momento de crise
ter um retorno ideal, os para reinventar algumas
investidores precisam ideias.
ver a escala para que
nos próximos 5 anos ela Outra coisa interessante
valha R$1 milhão. é o tempo certo. Exem-
plo de timing errado
13) Má sorte ou timing foram os Palmtops,
errado que nasceram nos anos
90 como uma espécie
Essa é variável mais de agenda eletrônica
imprevisível e dura de avançada. Eles eram na
combater. Eventos ex- verdade um protótipo
ternos, como uma crise de smartphone, e nas-
ou um desastre, podem ciam mortos por conta

43
de timing. Chegaram ajudar de verdade nas
na época errada. Quinze minhas decisões. E, de
anos depois, os smar- fato, esquecer essa his-
tphones são uma reali- tória de “glamour”. A
dade e estão presentes. maioria das pessoas que
me procuram para um

A maior competên- conselho sempre chega


querendo saber como
cia do empreendedor atrair investidores e para

é conseguir levan- olhar pitches feitos para


conseguir investimento.

tar para a próxima Poucas delas me procu-


ram pedindo ajuda para
porrada. conquistar clientes.

O principal problema Tem outra coisa cha-


de seguir essas teorias ta para caramba, que é
e métodos (leia-se Lean muita gente discutindo
Startup) é exatamente o conceito de ser em-
não arriscar o suficien- preendedor, o que acaba
te para criar a própria poluindo a cabeça da
experiência de se em- maioria dos mais novos.
preender. Antes de se- Recentemente, discus-
guir fórmulas, prefiro sões em redes sociais
sempre me espelhar mobilizaram centenas
em quem conseguiu, e de pessoas no Brasil
sempre pedir ajuda para para discutir quem é
quem realmente im- empreendedor e quem
porta, ou seja, que vai não é.

44
A maioria dos envolvidos
Curiosidade: A expressão
sequer sabe de fato o que
“Foi para o vinagre” era comu-
é empreender, ter uma
mente usada por donos de
equipe, criar um produ-
vinícolas para dizer quando
to etc. Compartilho uma
uma produção era descartada.
frase do Marco Gomes,
Ou seja, quando o ar passava
fundador da boo-box
pelas rolhas ou quando a
(http://boo-box.com/)
safra não vingava, o vinho
adquirida pela FTPI, que
virava literalmente vinagre.
diz: “Você só é empre-
endedor se tiver produto,
dinheiro, time e clientes”.

O importante é que para


os otimistas (aqueles
10% aos quais não fa- 3.4 NA MAIO-
zemos referência nesse RIA DAS VEZES,
texto), o caminho é mui- QUEM GANHA
to promissor. São esses
DINHEIRO É
que vão virar notícia,
vão ser seguidos e serão AQUELA STAR-
responsáveis por criarem TUP “FEIA”
mercados e inventarem
negócios. Alguns deles Esta seção é para você
vão mudar o mundo, que acha que seu negó-
pode ter certeza. cio precisa estar incrível
para se ganhar dinheiro.

45
Minha visita ao Vale do Yang, uma investidora
Silício, em 2014, mudou paranaense que virou
minha forma de ver o sócia da 500 Startups,
empreendedorismo no uma das maiores acele-
Brasil. Antes dessa vi- radoras do mundo, a rede
sita, havia me formado Brazil Innovators é dos
em um curso de verão epicentros da cultura do
em Stanford, mas che- Vale no Brasil. Bedy e sua
guei longe de vivenciar forte atuação à frente de
o que acontece no am- um Venture Capital, que
biente mais empreende- já investiu em empresas
dor do mundo. como a ContaAzul (ht-
tps://contaazul.com/),
O projeto Techmission da faz a verdadeira ponte
Brazil Innovators, ini- entre a cultura do Vale e
ciativa empreendedora a realidade do Brasil.
para conectar fundado-
res brasileiros ao Silicon A imersão do programa,
Valley, trouxe para mim de quase 10 dias, tem
e os quase 40 empreen- o propósito de alinhar
dedores que participa- os empreendedores do
ram desde sua criação programa para um pitch
em 2010 uma conexão profissional para im-
direta com empreen- pressionar investidores
dedores, investidores e e também fazer com que
com o que acontece, de os participantes bebam
fato, naquele lugar. da fonte mais inovadora
do mundo. E isso, eles
Capitaneado pela Bedy cumprem.

46
O impacto é grande 500 Startups e
Dave McClure
para quem é um A “500” (five hundred,
hard learning. como é popularmente
conhecida) é uma ace-
A oportunidade de fa- leradora que nasceu da
lar com investidores de ideia de Dave McClure,
companhias bilionárias ex-Diretor de Marketing
e empreendedores que já do PayPal, que virou in-
impactam pessoas mun- vestidor e vem fazendo
dialmente é única. Esti- um estrago positivo nas
ve na IDEO (o berço do empresas embrionárias
design thinking no mun- por lá.
do), na Salesforce (que
bancou um happy hour Dave é um dos inte-
para os brasileiros), na grantes da PayPal Mafia,
Skycatch (uma startup comunidade mais atu-
que fabrica Drones), ante nos investimentos
na Accel Partners (in- do Vale do Silício atual-
vestiram no Facebook, mente. Elon Musk, Peter
Spotify e Cloudera) e na Thiel e Red Hoffman
própria 500 Startups, (um terço da PayPal
que era nosso ponto de Mafia) têm uma história
partida para o road show peculiar de serem inves-
empreendedor. tidores anjos de alguns
dos negócios mais in-
fluentes do mundo.

47
Peter Thiel é investidor gente como Sean Perci-
anjo do Facebook. O Sr. val (ex-vice-presidente
Hoffman é investidor do MySpace), Cristina
anjo de Airbnb e fundou Tsai (ex-Google e You-
o LinkedIn. Já o Elon Tube) e do próprio Dave.
Musk... Deixa para lá, não O propósito da acelera-
vou perder meu tempo dora é exatamente po-
aqui explicando o que tencializar negócios que
esse cara vem fazendo. já estão no MVP (Míni-
mo Produto Viável) e que
Para fomentar o capi- precisam de uma men-
tal semente e acelerar toria para ajustar produ-
startups inovadoras tos, estratégias e escala-
de todos os lugares do bilidade dos negócios.
mundo, Dave fundou
a “500” para investir Hoje, a “500” acumula
nessas empresas um pe- mais de 1.000 investidas
queno capital (algo em nesse processo. Startups
torno de U$50 mil dóla- brasileiras como Conten-
res, em média) e prepa- tools, VaiVolta, Edools,
rá-las em um projeto de ContaAzul, entre outras
imersão de quase quatro dezenas, já participaram
meses para potencializar da imersão. Todas elas,
o negócio. E Dave parece amparadas pelo olho clí-
ter colhido bons frutos. nico da Bedy Yang.

A startup que participa Foi exatamente lá na


da imersão recebe uma aceleradora que atestei
mentoria sem filtros de uma das minhas teses

48
mais reais quando o vão ganhar dinheiro.
assunto é empreende-

As startups “feias”
dorismo: as startups
“feias” geralmente
ganham dinheiro antes
das “sexys”.
pagam a conta!
Isso foi constatado pelo Se trouxermos para a
próprio Dave McClu- realidade brasileira, essa
re e os sócios da 500 dinâmica também faz
Startups, em um debate sentido. E por aqui, o
sobre a cultura do Vale romantismo complica
do Silício e sobre Ventu- ainda mais a visão do
re Capital. Em um ponto empreendedor.
da discussão, os sócios
evidenciaram que quem O surgimento de uma
traz resultados para a grande quantidade de
maioria das acelerado- aplicativos, redes sociais
ras são startups que não e plataformas nos últimos
correm no mainstream cinco anos no país vieram
usual do empreendedo- motivados pelo sonho ir-
rismo no Vale. real de serem o novo Fa-
cebook ou o novo Snap-
Ou seja, as startups que chat. Mas a maioria não
já nascem com um mo- sabe como vão ganhar
delo de receita existente dinheiro. E isso precisa
sustentam parte dos in- ser absorvido pelos em-
vestimentos em algumas preendedores que virão
que nem sabem como nas próximas gerações.

49
O Vale do Silício conse- lá. E isso tem de refletir
gue sustentar produtos em uma mentalidade
que não geram receita que faça os empreende-
por muito tempo. Lá o dores mudarem.
capital é vasto, e a cul-
tura do capital de risco
existe há décadas. Por
Negócio bom é
aqui, é o inverso, temos
pouco capital e pouca
o negócio que
experiência em capital gera valor.
de risco. E isso reflete
diretamente no que es-
tamos criando.

A maioria dos projetos


que nascem em tecno-
logia por aqui são dire-
tamente influenciados
por iniciativas de outros
lugares do mundo. Es-
tamos aprendendo, isso
é um fato, mas está na
hora de protagonizar
o empreendedorismo,
pelo menos na América
Latina. Para isso, pre-
cisamos entender que o
dinheiro daqui não tem
o mesmo preço que o de

50
Este livro tem um pouco
das minhas conversas e
negociações com o Mu-
rilo Gun, comediante e
agora empreendedor, e
a conexão que a pales-
tra dele Life-as-a-Service
nos trouxe até a Vindi
em 2013.

Talvez este livro não ti-


vesse saído, se não fosse
a mensagem dele, lá em
2013. As conversas e
discussões que tivemos
desde então entre shows
de standup, mensagens
via WhatsApp, os de-
sencontros na Singula-
rity University na Nasa e
o fundrarising que ca-
pitaneei com a Vindi em
2015, foram intensas o
suficiente para ter con-
teúdo para o livro.

Minha decisão foi, além


de expor minha visão
sobre acesso, falar sobre

53
novas economias e como redes de compartilha-
elas impactam nossa mento e colaboração. Fica
vida. claro no texto que o poder
vem mudando de mãos.

4.1 DA PRO- A informação vale,


PRIEDADE enfim, mais que
PARA O
ACESSO petróleo.
O livro O que é meu é seu, Ficou claro para algumas
de Rachel Botsman, é pessoas que a virada dos
uma verdadeira joia sobre anos 90 traria algo bem
o consumo colaborativo. importante no consumo.
Ele inspirou este livro e E isso se materializou
também diversos outros em indústrias inteiras
sobre a economia justa. ruindo através de um
Também influenciou a conceito velho de domi-
palestra do Murilo Life- nância. A maioria delas
-as-a-Service. não ouviu o suplicar das
pessoas, que na prática
Para ilustrar algumas são consumidores.
premissas filosóficas, o
livro disseca fenômenos A grande influência das
como o Wikipédia, Crai- melhores discussões
glist e Twitter conseguem sobre a não aquisição de
ser influentes e poderosas alguns bens materiais

54
está implícita no livro A comprar produtos. So-
era do acesso, de Jeremy mente o necessário terá
Rifkin. Em 2001, ele já valor. As gerações se-
afirmava que as novas guintes à minha (nasci
gerações não compra- em 1981) já estão com
riam mais nada material, chips formatados para
apenas alugariam e de- não quererem adquirir
volveriam quando não coisas com pouca apli-
mais precisassem. Isso cação prática. Jovens
se provou real? Para de hoje não querem ter
caramba. As empresas carros (sonho clássico
mudaram tanto seus da geração coca-cola),
modelos comerciais em não querem ter dívidas
10 anos que, em outras de financiamento para
épocas, se tratando de comprar imóveis (sonho
intensidade, levariam clássico dos baby-boo-
décadas para morrerem, mers), tampouco que-
nascerem e chegarem ao rem receber uma ligação
topo tão rapidamente. de uma loja, oferecendo
Hoje em dia, startups algo.
saem do zero para os
bilhões em poucos anos. O poder estará, daqui
para a frente, com em-
A minha principal con- presas que oferecem
clusão na mudança do acesso a itens essenciais
perfil do consumidor da para o consumo mo-
última década é que de derno. Uma pesquisa
fato estamos prontos elaborada pela Prophet
para novas formas de indicou que a geração Y

55
prefere smartphone a Das 20 empresas mais
automóveis. E, cá entre valiosas no mundo, 9
nós, smartphones têm delas fornecem aces-
uma aplicação bem mais so e não produtos. São
prática (e sustentável) softwares, streamings e
no dia a dia do que um serviços na nuvem. Na
carro, certo? lista de Amazon, Apple
e Google, algumas em-
A Netflix, por exem- presas vendiam pro-
plo, é a condensação de dutos físicos até o final
uma nova geração ávi- dos anos 2000. Algumas
da pela mudança que a delas já ensaiam a mu-
Blockbuster não previu. dança da propriedade
O Instagram bem que para o acesso, o caso de
poderia ter sido cria- Microsoft, Oracle e IBM.
do dentro da Kodak e Essa pesquisa da In-
a AOL teria facilmen- terbrand, elaborada em
te criado um Facebook Setembro de 2015, ainda
se não fosse um fator tem grandes indústrias
muito transformador: de veículos. Ainda tem.
a inovação. Grandes
corporações são, em
alguns casos, paquider-
mes cegos sedentos por 4.2 “STARTUPS
aumentar lucros, e es- MATAM”
quecem-se de que agora
as empresas nascem nas Sempre tive um olhar
garagens. profundo sobre novas
economias, sobre novas

56
tendências e também onda das relações hu-
sobre o poder da tecno- manas e comerciais.
logia no perfil de consu- Hoje, existem melhores
mo e na vida das pesso- maneiras de construir
as. Usei o Uber no Brasil um negócio: estamos na
(e nos EUA), quando era de relacionamen-
ainda perseguiam o Easy tos transparentes com
Taxi e o 99Taxis em São nossos clientes. E isso é
Paulo. Assim também a sustentabilidade das
foi com o Airbnb, Kicks- relações comerciais: ser
tarter e outros aplicati- transparente e útil até
vos de que muito se fala quando puder.
hoje em dia. Mas nem
sempre foram. A economia da recorrên-
cia, assunto que estudo
Levou certo tempo para bastante, é a economia
convencer minha sogra da subscrição (das assi-
que podia acreditar em naturas). Devemos pagar
mim e na minha cunha- por serviços pensando na
da Nanci, que planejou utilidade, conveniência e
uma viagem aos EUA comodidade do consumi-
em que nós ficaríamos dor. E isso requer a cria-
na casa de uma família ção de uma nova forma
americana, que estava de consumo, aquela que
cedendo o espaço em não limita relacionamen-
troca de uma experiên- tos comerciais através de
cia de verdade. contratos, fidelidades ou
carências. A relação deve
Estamos em uma nova basear-se no bom serviço

57
prestado através de uma 4.3 O PEQUENO
renovação periódica. MANIFESTO DA
Transparente, a econo-
ECONOMIA DA
mia da recorrência é o RECORRÊNCIA
“ganha-ganha” entre
empresas e clientes. Por esse princípio, o
manifesto da economia
Empresas como Sales- da recorrência, elabo-
force, Netflix, Sem Parar rado nas minhas expe-
(vendida por R$4 bilhões riências e observações,
para a Fleetcor), Zen- contempla algumas re-
desk, Mailchimp, Zuora, gras para que empresas
Amazon, entre outras possam fazer parte des-
milhares, já transformam se grupo que promove
o mundo por meio dessa a criação de uma nova
nova economia. E mui- economia e sustenta o
ta gente não percebeu o recurring business model
impacto dela na própria (modelo de negócio re-
economia moderna. corrente):

• Simplicidade na ade-
são e no cancelamento;

• Precificação baseada
em consumo, tabelas ou
ranges;

58
• Serviços transparentes 4.4 O FIM DA
(sem contratos leoninos); BLOCKBUSTER
• Produtos e serviços as a Eu era um fã fiel de lo-
service (direitos de acesso cadoras. O ambiente das
e não propriedade); locadoras era, em sua
maioria, um minioásis
• Conveniência, como- para mim. Fiz dois anos
didade e utilidade. de Cinema. Fiz amigos
entre as prateleiras.
Esses itens são os prin- Escolher um bom filme
cípios básicos das em- era um ritual impor-
presas de sucesso em tante para minha rotina
todo lugar do mundo. funcionar. Essa tarefa
A maioria delas já di- de arriscar um filme só
recionam suas equipes pela descrição dele na
de desenvolvimento de capa de um fita VHS, se
produtos para um con- bem executada, era a
sumo consciente, por certeza de um bom final
um grande motivo: de semana. Mas durou
pouco, pelo menos para

O novo consumidor
minha geração.

não vai aceitar o Um dos exemplos mais


emblemáticos de que o

capitalismo incons- benefício tomou conta


do consciente coletivo
ciente. do consumo das pes-
soas foi a extinção da

59
Blockbuster. A empresa americana, que teve cerca
de 70 milhões de clientes no mundo, no auge da sua
operação (2009), ruiu em pouco tempo, por conta da
mudança do perfil do consumidor. Não fazia sentido,
em pleno ano de 2013, pagar cerca de R$13,00 por
uma locação de um filme, se a Netflix oferecia mi-
lhares de títulos a um preço de R$14,90 na mesma
época.

Pausa aqui: não foi a Netflix que arruinou a Blo-


ckbuster, e sim o consumidor.

HM Home Video

60
4.5 A NETFLIX A Blockbuster demorou
ANUNCIA O para aceitar a mudança,
EXCREMENTO assim como centenas
de grandes empresas no
PARA INDÚS- mundo. Imagine o poder
TRIA COM de distribuição e de ne-
FOCO NA gociação que a empresa
PROPRIEDADE tinha sobre os grandes
estúdios de cinema.
A derrocada da Blo- Por que não seguiram
ckbuster foi só um a onda de empresas
prenúncio para o que como Netflix, Netmovies
vinha por aí. O merca- e Hulu, mudando sua
do de aluguel de filmes forma e modelo? Eles
foi transformado em tinham diversos fatores
pó. E isso não foi culpa que faziam deles com-
da Netflix, foi o movi- petidores potenciais no
mento normal dos nos- mercado de streaming
sos hábitos na hora de de filmes, menos um:
consumir. inovação.

Smartphones, tablets, Para muitos, inovação


computadores pessoais é criar algo tecnológi-
e televisores inteligentes co que ninguém nunca
trouxeram a necessidade pensou. Também é, mas
de revalidar toda a for- não somente isso. Ino-
ma como nos relacioná- vação também é inovar
vamos com o ambiente e no ato da entrega.
com as pessoas.

61
4.6 SOFTWARE dows (outro programa
COMO SERVIÇO que nós comprávamos
(SAAS) – ou, pelo menos, deve-
ríamos comprar).
Quem nasceu antes
da Copa do Caniggia Era o início de um con-
(1990), lembra clara- tato muito importante
mente do boom das lojas que prepararia as pesso-
e feiras de informáti- as em todos os lugares
ca com as prateleiras do mundo a entender
cheias de softwares em como o software muda-
“caixinhas”. ria a vida delas.

Você instalava no com-


Anos 90 (início putador praticamente
da revolução tudo para fazer um sis-
digital) tema rodar. A AOL obri-
gava a instalação de um
Os softwares eram pro- CD para você enviar um
dutos. Nós compráva- simples e-mail.
mos, levávamos a caixa
para casa e tínhamos No século passado, o
propriedade sobre aque- mercado de CRM era
la licença de uso. Como dominado pelos gran-
se acessava e-mail? des players de software
Por meio de um pro- SAP, Oracle, Microsoft e
grama (normalmente, IBM. Até que, em 1999,
o Outlook Express) que ex-executivos da Oracle
vinha dentro do Win- encabeçados por Marc

64
Benioff criaram a Sa- mais inovadoras da re-
lesforce e começaram a vista Forbes.
mudar o mercado.

No momento em que Anos 2000


escrevo este texto (se-
tembro de 2015), a Sa- Durante os primeiros
lesforce é o software de anos da empresa, Marc
CRM líder mundial, com Benioff dava entrevistas
mais de 100 mil clientes e palestras sempre ao
e mais de 2 milhões de lado de uma logomarca
usuários. E é o primei- ou vestindo uma cami-
ro SaaS (software as a seta com o dizer “NO
service) a atingir U$10 SOFTWARE”, pregando
bilhões de receita recor- o fim do software no
rente ao ano. modelo tradicional de
venda (propriedade) e
Vale lembrar de que o defendendo um modelo
mercado de CRMs é bem baseado em acesso (na
relevante: faturou U$26 nuvem).
bilhões de dólares em
2013, e está em pleno Não existem dúvidas de
crescimento, com pre- que as vantagens são
visão de chegar a U$36 justificadas pelo preço e
bilhões de dólares em pela utilidade do modelo
2017, segundo previsão do software as a service.
do Gartner. Alem disso, a Mas nem sempre foi
Salesforce é o atual líder assim.
do ranking de empresas

65
A cruzada da Salesforce por lá, que precisavam
para capitanear o SaaS somente pagar uma
no mundo não foi sim- assinatura para obter
ples. Todas as empresas o acesso ao software.
do modelo do softwa- Começava aí a revolução
re tradicional fizeram do software e da com-
vista grossa no início, putação na nuvem.
quando Marc e o time
recém-saído da Oracle O Adobe Photoshop, um
formaram a Salesfor- dos softwares gráficos
ce. Era impensável não mais completos e popu-
cobrar pelo uso de ERPs lares do mundo, já está
ou CRMs sem cobrar um disponível pela internet
valor de entrada para por menos de cinquenta
adquirir aquele softwa- reais por mês.
re. Ser dono era o mo-
delo ideal para as gran- No Brasil, temos visto
des empresas. algumas iniciativas in-
teressantes de empresas
A mudança da proprie- criadas e de mercados
dade para acesso, no nascendo no modelo
mercado de softwares, SaaS, mas ainda temos
era comandada de São pouca expressão perante
Francisco por Marc. mercados mais maduros
Primeiro pelas portas de em inovação, como Es-
entrada mais aderen- tados Unidos (nem vale
tes ao conceito, ou seja, a comparação por conta
as novas empresas de do tamanho e maturida-
tecnologia que surgiam de do mercado).

66
O modelo SaaS é um outros centros de inova-
dos principais demo- ção e polos fora de gran-
cratizadores, do ponto des cidades sejam criados
de vista de distribuição, para formar ecossistemas
de software que existe. de inovação.
Esse é o motor que fez
da Vindi, a plataforma Uma pequena comuni-
de cobrança recorrente dade de empreendedores
que fundei em 2013, ter formada por algumas
conseguido centenas de empresas em Belo Hori-
empresas clientes em zonte, hoje intitulada de
mais de 100 cidades no San Pedro Valley (numa
Brasil, sem que qual- alusão ao Sillicon Val-
quer executivo de ven- ley e ao nome do bairro
das tenha pisado nesses São Pedro), já é o centro
municípios, por exem- de gravidade empreen-
plo. O modelo permite a dedora mais funcional
contratação de serviço dos polos de inovação
através de contratos di- no Brasil. Isso por conta
gitais, termos de serviço da atuação dos próprios
de uso, demonstração empreendedores e re-
via Skype ou Hangout presentatividade das
do Google, e a economia empresas participantes.
de tempo e espaço que
o software na nuvem Casos de empresas com
possibilita. pouco tempo de vida já
chamam a atenção de
Além disso, a revolução grandes corporações,
do software faz com que superinvestidores e até

67
compradores estrangei- cida, é com certeza o
ros. Rock Content, maior nome do marke-
Ezlike (adquirida pela ting e vendas no país
americana Gravit4) e a entre as startups. Com
Sympla (ambas inse- mais de 2.000 clientes,
ridas na comunidade a empresa é a prova viva
empreendedora mineira de que o modelo funcio-
San Pedro Valley) são na bem, mesmo que seja
bons exemplos de que desafiador no Brasil, por
a revolução do softwa- conta de infraestrutura e
re faz a transformação de falta de mão de obra
transbordar de cidades especializada.
como São Paulo e Rio
e Janeiro, que seriam Santa Catarina tam-
exemplos fáceis de ino- bém pariu um outro
var, mais do que no filho vistoso, caso do
resto do Brasil. ContaAzul, SaaS finan-
ceiro para contadores e
E não para por aí. A autônomos que faz um
revolução do marke- trabalho muito legal em
ting, promovida pela software na nuvem.
empresa de automação São Paulo, pelo tamanho
de marketing Resulta- e pela gravidade empre-
dos Digitais (fundada endedora, também pro-
em 2011), faz de Floria- duz bons cases de em-
nópolis a nova cara do presas embrionárias que
empreendedorismo no ascendem rapidamente
sul do país. A RD, como ao patamar de milio-
é popularmente conhe- nárias. São milhares de

68
exemplos pulsantes que nascem diariamente, descon-
troladamente, e ainda assim, conseguem na capital
paulista despontar no chamado “novo empreendedo-
rismo”. Esse por si só é assunto para outro livro, mas
vale provocar: ainda não dá para criarmos uma em-
presa com tamanho impacto e audiência como para
patamares de unicórnios?

O site brasileiro Projeto Draft (projetodraft.com) ilus-


trou bem a definição de “unicórnios”: “Basicamente,
são startups que passaram do valor de 1 bilhão de dólares. E
o mundo precisa mais delas. Afinal de contas, é daí que virão
as próximas grandes soluções mundiais, as próximas com-
panhias que devem enriquecer países, gerar empregos etc.”

Fazendo um parênteses, e já citando um exemplo de


software em plena transformação (assim como a SAP,
citada anteriormente), a Totvs, gigante brasileira,
afirmou na revista Exame (edição de 30 de Julho de
2015) que a mira agora é o modelo de assinaturas.

“A gente tem que sentar numa cadeira um pouqui-


nho maior que a gente, é importante se sentir inco-
modado, pois a gente sempre pode mais” — Laercio
Consentino - Totvs.

69
A Totvs, fundada em
1983, é a maior empresa
instalados em PCs e
de softwares da Amé-
rica Latina. Com ações
notebooks são
na bolsa, a empresa piratas!
tem valor estimado em
R$6,4 bilhões. É uma A afirmação é da BSA -
das poucas empresas de The Software Alliance
tecnologia com o valua- (www.bsa.org), uma en-
tion acima do bilhão. É tidade que regulamenta
um dos bons exemplos e combate a pirataria
do poder tecnológico que do software no mundo.
a capital paulista pode Com presença em mais
produzir. E ela vai ven- de 60 países, a BSA pu-
der assinatura... blicou pesquisa em 2014
afirmando que o Brasil
Vale analisar também tem um dos maiores
que estamos apenas no índices de softwares não
começo, e que a revo- licenciados do mundo.
lução do software já é
mais consolidada em
países como Israel, que App as a service
tem um polo modelo de
inovação. A popularização dos
smartphones criou um

No Brasil, metade
mercado do zero para
bilhão, em poucos anos.

dos softwares Existe uma economia


girando muito dinheiro

70
em volta das “stores” da Mas o mais emblemático
Apple e do Google. Em- de todos os apps é, sem
presas com poucos anos dúvida, o WhatsApp.
de vida começaram a
valer mais do que em- Quanto tempo demora
presas seculares. Games, para criar uma empresa
apps de saúde, finanças com quase um bilhão de
pessoais e de relaciona- usuários em todo mun-
mento (dating) estão no do? O WhatsApp fez
universo das pessoas de isso em 6 anos.
uma forma tão normal,
que elas nem se lem-
bram como era viver sem
tudo isso.
Fonte: Facebook – Abril de 2015

71
Curiosidade: Israel produziu o ICQ, serviço de mensagens
(pai do MSN, avô do WhatsApp), que foi vendido para a AOL
em 1998 por U$400 milhões. Outro caso ainda mais impac-
tante é o Waze, “o ceifador dos aparelhos de GPS”. A mobili-
dade combinada ao sistema colaborativo do Waze ruiu toda
indústria de hardwares de GPS no mundo.

Algumas empresas, simples aplicativo. E,


ainda que com pouco ainda por cima, é grátis.
tempo de existência, Produto, necessidade e
têm um alto impacto na problema condensados
forma como consumi- em uma única razão: a
mos serviços e produtos. necessidade de se
O WhatsApp é a prova comunicar.
real de que mudamos a
forma de nos comunicar Desde a pré-história, co-
por conta de um hábito. municar-se é problema.
Fundado em 2009, na O WhatAspp sintetizou
Califórnia, já é o apli- toda resolução em um
cativo mais usado no aplicativo de mensagem.
mundo. O app, que apa-
rentemente parece sim- Na edição da Folha Mer-
ples (não se engane), cado de 07/08/2015, es-
mudou a forma como tava estampada a frase
bilhões de pessoas se “WhatsApp é pirataria
relacionam. E já arrui- pura”. O autor? O presi-
nou dezenas de gigantes dente da maior empresa
da telefonia com um de telefonia do país. Ele

72
disse a frase em um evento para milhares de pesso-
as (em sua maioria, executivos) do ramo de TVs por
assinatura. Justamente o mercado que também sofre
com as plataformas abertas de vídeo sob demanda.
Seria um ato de conforto? Ou um suspiro derradeiro
de quem vai assistir uma nova revolução digital?
Folha Mercado – 07 de agosto de 2015

Quem não é de tecnologia costuma esquecer a influ-


ência que mudanças como essas trazem para o dia
a dia de hoje. Uma startup de tecnologia que nasce
atualmente potencializa seu nascimento e crescimen-
to através do modelo SaaS. Acessando serviços como
softwares de gestão (CRMs, ERPs), serviços de hospe-
dagens (Amazon), armazenamento (Dropbox), prove-
dores de e-mails, entre outras milhares de soluções,

73
empresas embrionárias substituídos por siste-
viabilizam a própria mas inteligentes.
existência por meio do

Você provavelmente
modelos SaaS.

vai perder o emprego


4.7 A REVO- para um robô.
LUÇÃO DO
SOFTWARE
Hoje em dia, com o
ATRAVÉS DO e-reader Kindle e com
MODELO SAAS uma assinatura do Kin-
dle Unlimited, é possível
A revolução do software ter acesso instantâneo a
está somente na metade milhares de livros atra-
da história a ser escri- vés de uma grande bi-
ta. Os produtos de baixo blioteca digital. O livro
valor e baixa utiliza- sobre o qual nós costu-
ção estão passando por mávamos ter proprie-
grandes transformações. dade, agora podemos ter
O caso dos livros, CDs e apenas acesso a ele.
DVDs talvez seja o mais
significativo, porque Outro exemplo de bom
são produtos facilmente uso da literatura em
digitalizáveis. forma de acesso é o
clube Leiturinha (ht-
Tudo será software, tps://www.leiturinha.
até empregos já são com.br/), que oferece

74
uma assinatura de li- 4.8 DO NAPSTER
vros infantis digitais, PARA O SPOTIFY
por intermédio de uma
assinatura mensal.
Através de uma assi- Incrível como o modelo
natura de serviços de de consumo de músicas
vídeos on demand, como mudou rapidamente.
a Netflix, é possível ter Com o nascimento do
acesso a milhares de fil- Napster em 1999, pe-
mes, séries, documentá- las cabeças de Shawn
rios e outros conteúdos Fanning e Sean Parker,
audiovisuais. O filme no a indústria fonográfica
formato de DVD sobre foi à loucura. Artistas
o qual costumávamos de diversos lugares do
ter propriedade mudou, mundo protestaram in-
agora podemos ter ape- fluenciados pelas gra-
nas acesso a ele. vadoras, já que perdiam
o direito de receber por
O mesmo modelo tam- músicas compartilha-
bém se aplica a strea- das na rede, através da
ming de músicas com tecnologia P2P.
serviços como Spotify,
Napster e Deezer. O Nomes como Metallica
streaming é, inclusive, a fizeram protestos pú-
consolidação do acesso. blicos, encurralando os
fundadores do Napster
em uma ruína provi-
sória, que desencadeou
em mandados de prisão,

75
processos criminais e produtoras) se prepa-
um alto custo para man- raram. Eles não tinham
ter um serviço que che- aprendido com a criação
gou a ter 8 milhões de do CD e com a pirataria,
usuários, trocando cerca e não foram capazes de
de 20 milhões de músi- entender o MP3.
cas por dia na rede. Tudo O segundo grande estalo
isso de forma gratuita. das gravadoras veio com
o lançamento do iPod
Para se ter uma ideia em 2001. Era a Apple
do impacto na época, a que mandaria na indús-
cantora Madonna teve tria, pelo que se tinha
seu álbum Music com- notícia.
partilhado no Napster
um mês antes do lan- O iTunes mandava as
çamento oficial. Ou- músicas do seu compu-
tro processo. A dupla, tador diretamente para
Fanning e Parker, não o iPod. Era o walkman
aguentou. O site ia para em formato digital. Isso
o vinagre em 2001. sem distinguir músicas
compradas dentro da
Depois do Napster, vie- Apple ou advindas de
ram e-Mule, Kazaa, sites como Pirate Bay e
Morpheus, AudioGalaxy 4Shared.
e Ares Galaxy. Era o sinal
de que a indústria fono- Foi assim por um tem-
gráfica não aguentaria. po: a Apple fazendo
Poucos agentes da época muita grana, vendendo
(gravadoras, artistas e músicas dentro do seu

76
ecossistema digital. O serviço Apple Music, em
que a Apple e Steve Jobs 2015, a empresa precisa
sabiam é que o lança- correr contra o tempo
mento da primeira ver- para seguir a suprema-
são do iPod seria um cia do Spotify e seus 20
sucesso absoluto. O que milhões de assinantes.
eles não contavam era E não foi por falta de
com a rápida popula- exemplos, já que servi-
rização dos smartpho- ços foram lançados si-
nes, que desencadearia multaneamente em todo
na chegada dos apps de o mundo, avisando que
música que tomaram o jogo ia mudar.
as “stores” em 2008.
Também não imagina- O Deezer, nascia na
ram que um sueco, nas- França em 2007. O Rdio
cido em Estocolmo, de nos EUA em 2010 (pelos
nome Daniel EK, cria- mesmos fundadores do
ria o Spotify e que esse Skype e Kazaa), e tem
seria sua maior pedra no ainda a rede Last.Fm,
sapato no futuro. fundada em 2002, que
teve a grande chance de
É notável hoje em dia ser o “Spotify do futu-
como a Apple teve a ro”. Teve.
oportunidade de ter a
dominância de toda in- Em 2009, o Spotify
dústria fonográfica nas anunciou o investimento
mãos, e não conseguiu de Sean Parker (sim, Mr.
por questão de timing. Napster) e a entrada dele
Com o lançamento do no board da empresa.

77
Se existe algum assunto
em ebulição no ambiente
empreendedor no mo-
mento, esse negócio são
as startups financeiras
(as fintechs). Já são mais
de milhares de empresas
no mundo solucionando,
de forma fracionada, o
que os grandes bancos
nunca conseguiram fa-
zer com primor.

A revolução fi-
nanceira virá
com o advento das
fintechs, não tenha
dúvida.
E os bancos (pelo me-
nos, alguns deles) já en-
tenderam o recado. Nos
EUA, por exemplo, star-
tups de bitcoins já re-
cebem investimentos de

81
grandes bancos. A star- Assim como o movi-
tup californiana Coinba- mento SaaS revolu-
se recebeu dinheiro do cionou o software, as
Banco BBVA em uma das fintechs já estão pres-
rodadas de investimen- sionando os bancos a
to levantadas no ano de correrem atrás da ino-
2015. Esse é apenas um vação. Alguns afirmam
exemplo, mas bancos que elas vão quebrar os
como Barclays, UBS, bancos. Realmente não
Citibank, entre outros acredito nessa tese.
gigantes, já investiram
dinheiro em negócios Defendo a tese de que a
de bitcoin. Mais adiante maioria dos bancos vai
neste capítulo veremos sobreviver por um mo-
com mais detalhes o que tivo simples: eles têm
é este tal de bitcoin. muito dinheiro em cai-
xa. Aliás, o único ele-
Mas não será somente mento que terá condição
os bitcoins que vão abrir de conter uma inovação
essa ruptura em serviços sem freio são os bancos.
bancários tradicionais. Mas por quê?
Empréstimos, paga-
mentos, investimento, Os bancos vão comprar
seguros e outros ser- toda inovação disponível.
viços financeiros serão
dominados por uma
nova ordem tecnológica.

82
5.1 POR QUE AS FINTECHS SERÃO
COMPRADAS PELOS BANCOS?
Se até ontem os bancos tinham reinado com exclu-
sividade em seu ramo, hoje esse cenário começa a
mudar. Muitos brasileiros já começaram a buscar
alternativas mais simples e viáveis fora do sistema
financeiro tradicional, como as oferecidas pelas fin-
techs (as startups de serviços financeiros). E essas
startups - algumas delas, empresas já consolidadas -
já estão começando a preocupar os bancos em todo o
mundo, inclusive em termos financeiros.
Fonte: http://banknxt.com/

Segundo a Goldman Sachs, é bem possível que os


bancos venham a perder até US$ 4,7 trilhões anu-
almente para as fintechs, e isso é só o começo. Toda
consultoria que analisa esse fenômeno afirma que

83
os bancos precisarão muito nesse sentido nos
“comprar” a inovação últimos anos, ofere-
para não morrerem. cendo diversos serviços
via internet e mobile
Mas, o que está provo- banking, ainda há muito
cando esse grande inte- a ser feito, principal-
resse pelas fintechs no mente no Brasil. Já as
Brasil e no mundo? fintechs costumam ser
empresas quase total-
mente virtuais, com as
Tempo quais você pode resol-
ver tudo o que precisa

Ninguém hoje tem sem jamais ter sequer


de falar com alguém. O
tempo a perder. BankFacil (https://www.
bankfacil.com.br/), por
A vida corre a passos exemplo, facilita em-
largos, e cada um de nós préstimos tomando
mal tem tempo de cui- carros ou imóveis como
dar do básico. Por isso, garantia, e analisa tudo
muita gente tem dor de online. Simples assim.
cabeça só de pensar em
ir ao banco, e enfrentar
longas filas, mesmo que Atendimento
seja só para conversar
com o gerente. Imagine ter de ir ao
banco para pedir di-
Ainda que os bancos nheiro emprestado, seja
tenham melhorado e para pagar dívidas ou

84
para investir em um no sistema bancário de
negócio. A situação por um modo geral. A de-
si só já é estressante e manda é muito maior
constrangedora, inde- do que o número de
pendente da quantia em funcionários disponí-
questão. veis, e pouco pode ser
feito online ou mesmo
O Nubank (https:// por telefone. E isso fica
nubank.com.br/), star- muito mais complicado
tup de maior expres- ainda quando o cenário
são no Brasil, é talvez vem agregado ao preen-
a maior referência em chimento de inúmeros
atendimento do país. Há formulários, a pergun-
relatos diversos de tipos tas intermináveis, e a
diferentes de atendi- horas em pé.
mento como resoluções
de problemas por men- Fica claro, então, por
sagens, bom humor e que muitas iniciati-
uso da tecnologia como vas como o da Broota
forma de aproximar as (http://www.broota.
relações com clientes. com.br/), que aproxima
online investidores e
startups de forma muito
Infelizmente, a menos prática, estão surgindo
que você seja um clien- no país.
te com uma alta soma
depositada no banco, o
atendimento ao cliente
ainda é muito precário

85
Inovação virtual do que com o
gerente do banco. Prova
As fintechs saem na disso é a fila de espera
frente junto ao públi- do Nubank: mais de 100
co que ama tecnologia, mil pessoas aguardam
oferecendo uma expe- por uma oportunida-
riência mais alinhada de de ter esse cartão de
com as expectativas e crédito no bolso.
perfil destes. Elas tam-
bém costumam oferecer Diante desse cenário,
produtos e serviços mais bancos começam a re-
baratos, já que seus cus- agir. O Citibank, por
tos ficam muito me- exemplo, lançou a sua
nores por não terem os unidade Citi FinTech
gastos fixos de manu- (http://www.citi.com/
tenção de uma agência ventures/accelerate.
bancária, por exemplo. html), focada em ser-
viços para smartphones
O público entre 18 e 30 e serviços financeiros.
anos, principalmente, Mas isso é só a ponta do
costuma preferir ser- iceberg.
viços que tragam tec-
nologia de ponta, como O radar das fintechs
bandeira. Eles têm o brasileiras elaborado
smartphone entre seus pela Clay Innovation
melhores amigos, e (http://www.clayinno-
sentem-se muito mais vation.com.br/) no ano
à vontade conversan- passado, deu o tom: es-
do com uma atendente tamos em uma ruptura.

86
O jogo vai mudar.

Fonte: http://fintechlab.com.br/wp-content/uploads/2015/09/Radar_Fin-
techLab_set15_v5.png

87
Bitcoins, empréstimos pagamento. Qual o sinal
peer-to-peer e crowdfun- aqui? “Chegou a hora de
ding são palavras que ficar perto delas”, afir-
não existiam no cotidia- mam os bancos. Nem
no dos grandes bancos de longe startups po-
brasileiros. Agora são dem ameaçar individu-
pautas e objetos de estu- almente a hegemonia
do. O Banco BBVA criou bancária, ainda mais se
o fundo BBAVentures tratando de potências
(http://www.bbvaven- como Itaú, Bradesco,
tures.com/), e virá ao Santander e BB. Mas e
Brasil olhar de perto o um exército delas?
efervescente nascimento
de startups de finanças A inovação é capaz de
e tecnologia. Nesse voo, atropelar, sim, qualquer
virão executivos ávidos economia e qualquer
por olhar e entender por tipo de realidade que se
que o Brasil é, de fato, apresente em uma es-
um laboratório interes- trutura burocrática. Foi
sante para tecnologia assim com o MP3, que
bancária. ruiu a indústria fono-
gráfica, e o com o stre-
Juntamente com eles, aming de filmes, que
o Santander e a Mas- “enterrou a pá e cal” a
tercard vão capitanear Blockbuster em 2013.
na América Latina o Se analisarmos, os 50
Santander Labs, outro milhões de clientes da
laboratório de inova- Blockbuster não sumi-
ção focado em meios de ram. Eles simplesmente

88
mudaram o hábito e a é melhor que em muitos
forma de consumo. países desenvolvidos.
O Nubank, para alguns
É exatamente isso que banqueiros, pode pa-
os bancos estão estu- recer um simples apli-
dando: mudança na cativo para gerenciar o
forma de as pessoas se cartão de crédito Mas-
relacionarem com servi- tercard. Isso até o mo-
ços financeiros. mento em que começam
a abrir contas através
As novas gerações vão desse mesmo aplicativo,
ao banco para abrir uma pelo qual usuários pode-
conta? rão transferir dinheiro,
fazer depósitos e com-
prar produtos bancários.
Aí a fintech passa a virar
5.2 A (DES) banco e a incomodar.
CONSTRUÇÃO
DO MERCADO Quantas agências
BANCÁRIO PE-
LAS FINTECHS bancárias são neces-
Os bancos brasileiros en-
sárias para se abrirem
sinaram bem. Nós temos 100 mil contas cor-
um dos melhores siste-
mas bancários do mundo rentes hoje em dia?
se tratando de tecnologia.
Nosso internet banking

89
Os sinais

O GuiaBolso, aplicativo que conecta em poucos cli-


ques todas as contas bancárias e cartões de crédito do
usuário, sabe mais do perfil de consumo desse usuário
do que o próprio banco, individualmente. Quem pode
analisar crédito de verdade, tendo o perfil de gasto de
toda vida bancária do cliente, seja qual banco for?

São perguntas para as quais ainda não temos a res-


posta, mas já temos a sinalização de que o momento é
de grande ruptura tecnológica. A BTCJam, do brasilei-
ro Celso Pitta, concede empréstimos em bitcoins aqui
no país, com juros mais baratos do que os bancos de
varejo. Os bancos também ainda não sabem por que
os clientes da Vindi (plataforma de pagamento focada
em serviços) passam 4 horas do dia usando o sistema
da fintech e apenas 15 minutos no site do banco.
todos os bancos e adquirentes estão
Na Vindi (por trás dos códigos),

dentro do mesmo sistema.


(Reprodução: Vindi)

90
Plataformas como Catarse (https://www.catarse.me/)
e a própria Broota citada anteriormente estão des-
viando, positivamente, o pequeno empreendedor das
mesas dos gerentes de banco, onde solicitavam em-
préstimos para levantar um negócio para plataformas
colaborativas de captação de investimento.

No Catarse, quem financia é o fã do projeto. O projeto


da Vela Bikes (http://velabikes.com.br/) foi viabiliza-
do pelos fãs, não por bancos tradicionais.

Qual seria a reação do gerente de conta, ao receber uma empresa sem


faturamento pedindo dinheiro para viabilizar a Vela Bikes?
(Reprodução: Catarse)

91
Os sinais já estão viran- vestimentos pessoais em
do concretizações. No uma carteira.
ano passado, a plata-
forma Escolher Seguro Mais uma vez, o gerente
(https://www.escolher- do banco e a instituição
seguro.com.br/), uma levam um “bypass”,
espécie de vitrine virtual no quesito consultoria.
de seguros, foi adquirida Para que Anbima (http://
pela Geração Futuro do anbima.com.br/), se o
Banco Brasil Plural. Você algoritmo combinado
leu corretamente: sugere qual melhor op-

“um banco foi lá e


ção para o investidor?
Embora o Brasil ainda

comprou”. esbarre na regulamenta-


ção e nas leis bancárias
no país, que são de fato
Emprestar dinheiro, rígidas nesse assunto, a
vender seguro, realizar inovação é rápida demais
pagamentos, analisar para burocracia. A ve-
crédito e outras funções locidade de mudança de
financeiras básicas não rota e criação de novas
são mais exclusividade plataformas vai empur-
dos bancos. Esse prin- rar os próprios órgãos
cípio também é levado a regulamentadores contra
sério pela Magnetis a parede. Estamos ca-
(https://magnetis.com. minhando cada vez mais
br/), uma consultoria para o momento em que
que personaliza, de for- quem vai ditar as regras
ma tecnológica, os in- serão os consumidores.

92
Se já não estão ditando... já vimos, onipresentes
como a Blockbuster, que
Lá fora, em mercados chegou a ter 70 milhões
mais prontos para esse de clientes no mundo,
tipo de disrupção, os desapareceram em pou-
bancos já compram star- cos anos. Na verdade,
tups de tecnologia, espe- elas já estavam fadadas
cialmente as fintechs. De à morte certeira desde o
longe, nós imaginarmos advento da internet, e o
que bancos como San- rolo compressor Netflix
tander, Itaú e Bradesco foi somente a última
podem desaparecer por porrada dada, para que a
conta das fintechs, mas rede de lojas de locação
só não vão porque eles vão de filmes sumisse.
começar a comprá-las em
breve. Na indústria fonográ-
fica, o impacto foi se-
melhante: o Napster
5.3 IMITANDO A (thank you, Sean Parker)
fechou várias vezes. Os
INDÚSTRIA
fundadores foram pre-
FONOGRÁFICA sos, indiciados, mas, por
mais que se juntassem
Mesmo no ramo cine- os sindicatos, gravado-
matográfico, no his- ras, estúdios, músicos e
tórico recente, vimos a toda indústria a favor do
evaporação de diversas fechamento do Napster,
empresas, donas de nasciam outras dezenas
seus mercados. Como de similares pelo mundo:

93
Kazaa, e-Mule, o Ares Isso é claramente visível
Galaxy, só anunciando o em gigantes como Uber,
que estava por vir. Hoje, quebrando uma cadeia
a situação e o poder inteira em transportes,
mudaram de mão. Spo- e o Airbnb, “machucan-
tify, Deezer, Rdio, entre do” o mercado hotelei-
outros, são os caras que ro. É a economia criativa
ditam as regras e dis- agindo sobre o mundo.
tribuem as cartas nesse No ramo financeiro, o
jogo. Adivinha quem foi negócio também já está
o principal investidor do pegando fogo.
Spotify? (thank you again,
Sean Parker). Tem algo acontecen-
do de muito evidente
Parafraseando a indús- no mercado financeiro,
tria fonográfica, o mer- existe uma quebra bem
cado financeiro também grande de paradigmas
vai se transformar em de sistemas. Em siste-
pouco tempo. mas financeiros, o bi-
tcoin, por exemplo. O

Novas economias
negócio já é enorme! E
o que isso quer dizer?

são criadas para Vamos viver uma nova


era financeira. A era da

atender a demanda desintermediação ban-


cária, ou simplesmen-
das pessoas, não das te “desintermediação
financeira”.
empresas.
94
5.4 DESINTER- A criação natural de no-
MEDIAÇÃO vas economias favorece o
game changing de diversos
BANCÁRIA: O modelos. A desinterme-
PRIMEIRO diação bancária (e finan-
SINAL ceira), usando o exemplo
de empresas, pode ser
Vamos primeiro explicar ilustrada na captação
o que vem a ser isso. Na de recursos no exterior,
prática, desinterme- na emissão de título de
diação bancária é fazer dívida e na antecipação
a transação financeira de recebíveis para ca-
sem que um banco ou deias produtivas. Mas o
instituição financeira buraco é mais embaixo,
participe. É o banco fora existe um movimento
do negócio. muito mais disruptivo do
que esse. Vamos a alguns
No Brasil, por exemplo, elementos que farão você
o “custo do dinheiro é refletir.
alto”. Fazer empréstimo
aqui é algo desafiador.
As PMEs tomam crédi- Bitcoin
to em torno de 30% ao
ano. As taxas para as Assunto fácil no Vale do
grandes empresas saem Silício, o bitcoin é algo
por volta de 20% a/a. de se cair o queixo. Os
Isso, do ponto de vista bancos (mais atentos)
da economia brasileira, sabem disso. Primeiro,
é assustador. vamos entender o que é

95
o bitcoin e por que ele putador ou um celular,
faz tanto barulho. sem precisar de bancos.
Aí é que começa a maior
O bitcoin é uma moeda? disrupção. As lojas já
Assim como o dólar, o estão começando a acei-
real e o euro? Não sim- tar fortemente a cripto-
plesmente. O bitcoin é moeda como forma de
um protocolo. Expli- pagamento. Empresas
cando melhor, o bitcoin como Amazon, CVS, Vic-
é uma criptomoeda. As toria Secrets, Subway,
transferências deles são Target, Tesla, Expedia.
baseadas em protocolos com e outras milhares
de códigos abertos de já aceitam bitcoins (veja
criptografia. Mas ele é mais em http://www.
digital e não é controla- bitcoinvalues.net/who-
do por nenhum governo, -accepts-bitcoins-pay-
por bolsa de valores ou ment-companies-sto-
instituições. res-take-bitcoins.html).
No Brasil, empresas
Releia em voz alta a como OLX e Tecnisa já
última frase e enten- aderiram também, mas
da o motivo de ele ser ainda é um desafio po-
desruptivo. pularizar.

Quem determina o valor


dele são os detentores
dos bitcoins. Na práti-
ca, você pode transferir
bitcoins por um com-

96
Os investimentos de investimentos em um
round que participa-
em startups de bit- ram: Bolsa de Valores de
Nova York, o USAA Bank
coins somam cerca e o espanhol BBVA (veja

de U$1bi.
mais em http://www.
wsj.com/articles/coinba-
se-raises-75-million-
Os investidores mais -in-funding-rou-
algozes (prontos para nd-1421762403). Ao
derrubar barreiras) estão todo, já foram investidos
investindo fortemente cerca de U$726 mi-
na criptomoeda. Peter lhões em capital de risco
Thiel (PayPal e Facebook em bitcoins companies
investor), Reid Hoffman (http://www.coindesk.
(LinkedIn), Marc Andre- com/bitcoin-venture-
essen (Netscape), Ben -capital/). É um sinal, e
Horowitz (superinvesti- bem grande.
dor) formam um grupo
que poderia comprar,
juntos, metade do Silli- Bancos digitais
con Valley. Eles investem
fortemente em bitcoins. Apesar de ainda se depa-
rarem com as regras in-
A Coinbase (http:// ternacionais das bandei-
coinbase.com/), proces- ras (Visa, Master, Amex,
sadora de pagamento entre outras), algumas
de bitcoins americana, soluções inovadoras es-
levantou U$75 milhões tão pingando aos poucos.

97
Os dois casos mais interessantes são: o Simple (no mer-
cado americano) e o Nubank (brasileiro), que são de fato
a nova geração de serviços financeiros mobile.

anunciam a nova fase dos bancos


Bancos onlines como o Simple

(Reprodução: Simple.com)
Ainda não se caracterizam uma prática de desinter-
mediação pela forma e atuação, pois respeitam uma
bandeira (Mastercard, no caso do Nubank) e contas
bancárias (no caso do Simple). Entretanto, já são um
ensaio para virarem a chave para a independência.

O Nubank, por exemplo, não cobra tarifa para a ma-


nutenção do seu cartão de crédito. Não lembro de al-
gum banco que não cobre tarifa por esse serviço. Esse
é, na verdade, um ensaio para que outras grandes
novidades tragam os verdadeiros bancos independen-
tes e digitais.

98
Crowdfunding já começam a dar as
caras de gente grande.
A economia do financia- Para citar um exem-
mento coletivo. Tá aí um plo, o jogo Caçadores
negócio que evidencia das Galáxias (http://
a quebra do intermédio www.kickante.com.br/
bancário: o crowdfunding. campanhas/cacadores-
-da-galaxia), publicado
Para ilustrar essa pode- pelo designer de games
rosa forma de viabili- Daniel Alves, atingiu o
zar negócios, usarei os valor de R$218 mil de
números do Kickstarter arrecadação para viabi-
(https://www.kickstar- lizar a sua criação. Ima-
ter.com/). Só em 2014, gina se o Daniel vai ao
a maior plataforma de banco pedir essa quantia
crowdfunding do mundo para financiar a produ-
financiou 22 mil projetos ção do game?
com o volume de U$529
milhões. Três milhões Já a banda de indie rock
de pessoas ajudaram no Dead Fish conseguiu
financiamento coletivo R$200 mil para fazer o
em todo o mundo pelo novo disco através do
Kickstarter. No Brasil, 14 Catarse (https://www.
mil pessoas contribuí- catarse.me/pt/dead-
ram com U$2,5 milhões fishoficial). Qual banco
através da plataforma. financiaria esses dois
projetos?
Por aqui, plataformas
como Kickante e Catarse

99
Empréstimos Peer to Peer
(P2P Lending)

Mercado gigantesco. Repito: gigantesco. Os emprés-


timos peer-to-peer, ou simplesmente “empréstimos
sociais”, são operações de crédito onde pessoas físicas
fazem a intermediação. Uma pessoa concede, a outra
pessoa contrai.

Tudo isso sem a ação intermediadora de um banco. Pes-


soas querendo ganhar algum dinheiro encontram, nessa
forma, pessoas querendo empréstimos mais acessíveis.
Tudo isso de uma forma extremamente barata.

Imagina o impacto disso em um país com o


sistema financeiro mais caro do mundo?

100
Lending Club, o fim da agiotagem (Reprodução: Lendingclub.com)

Por que o empréstimo P2P é gigantesco? Porque, na prática,


isso já acontece no mundo todo. Aquele seu amigo que
quer dinheiro emprestado nem imagina que você está
pensando nesse momento em formalizar, por meio de
uma plataforma simples de crédito, essa transação. As
pessoas emprestam dinheiro umas às outras, sem ter
garantias ou formalizações.

Plataformas como a Zopa (http://www.zopa.com/) in-


termediam diariamente milhares de transações de em-
préstimo entre pessoas físicas. Esse mercado já é alvo
inclusive do Google, que investiu no Lendind Club (ht-
tps://www.lendingclub.com/), plataforma líder de em-
préstimos sociais. A Lending Club é uma empresa que já
recebeu cerca de U$392 milhões de investimentos. Aqui
no Brasil, por enquanto, nem sinal desse mercado.

101
Financiamento da cadeia logística
(Supply chain financing)
Algumas indústrias já praticam (em grandes volumes)
essa modalidade de financiamento, sem a interferência
de um banco. Não se trata de um empréstimo, mas sim
de uma prática para equacionar pagamentos e recebí-
veis de uma determinada indústria. Os agentes desse
financiamento são: vendedor, comprador e uma “fatu-
ra comercial”. Os setores automotivo, industrial, óleo,
gás e varejo usam dessa prática para equalizar o fluxo
financeiro de compra e venda de serviços ou produtos.
É o chamado factoring reverso.

A economia das faturas (Repro-


dução Marketinvoice.com)

Empresas como a Market Invoice (http://marketinvoice.


com/) fazem com que grandes compradores de uma de-
terminada indústria concedam aos seus fornecedores um
financiamento baseado na melhor concessão de crédito
desejada. O fornecedor, por sua vez, recebe o dinheiro
antes, com desconto, enquanto o comprador estende a

102
data de pagamento da Case Sem Parar
fatura. A Market Invoice
recebe o pagamento sem Serviço de pagamento de
muito risco, uma vez que pedágio líder no Brasil.
o comprador dá endosso à Com mais de 3,5 mi-
fatura. lhões de usuários (dados
de 2014), o Sem Parar
Empresas petrolíferas (https://www.semparar.
praticam fortemente com.br/) é uma potência
essa modalidade. Des- nas rodovias brasileiras.
contam porcentagens Criado para a comodida-
para antecipar o paga- de em cruzar pedágios,
mento do fornecedor e com as famosas “tags”
estendem seus prazos de coladas no para-bri-
pagamento das faturas. sa dos carros, já dá os
primeiros passos para a
nova fase da empresa.

5.5 EXEMPLOS O primeiro ensaio foi ti-


“SUTIS” DE QUE rar o banco no “estacio-
O BRASIL JÁ namento de shopping”
da jogada. A maioria dos
ESTÁ PRON- shoppings brasileiros já
TINHO PARA conta com os sistemas do
QUEBRAR BAN- Sem Parar em suas ope-
COS BUROCRÁ- rações. Mas o que isso
tem a ver com desinter-
TICOS
mediação bancária?

103
Quer dizer que o servi- os clientes da empresa
ço já tira da frente dois podem abastecer nos
fatores importantes, que postos de gasolina. A
até então eram predomi- sistemática é a mesma.
nância no pagamento dos Quem paga o posto é o
estacionamentos de sho- Sem Parar, excluindo o
ppings: cartão de crédito agente banco emissor,
e dinheiro. dinheiro ou cheque do
processo.
O cliente Sem Parar não
paga estacionamento O Sem Parar já é o pro-
com dinheiro, tampou- tagonista do game chan-
co com cartão. Ele paga ging dos automóveis na
com Sem Parar. Isso já desintermediação ban-
se estende para milha- cária. No dia 15 de Março
res de estacionamentos de 2016, a empresa foi
de rua, que seguem na vendida na sua totali-
mesma quebra de con- dade para a Fleetcor (e
ceito. O estacionamen- sua subsidiária DbTrans)
to recebe diretamente por R$4 bilhões, ga-
do Sem Parar, e não do nhando ainda mais força
banco, como era ante- para atingir as dezenas
riormente quando se de milhões de clientes
pagava com cartão de esperados pelos novos
crédito ou débito. compradores.

Não para por aí. Com


essa mesma “tag” ins-
talada no carro, agora

104
Case Nubank

Apesar da parceria com a Mastercard e um banco


emissor, o Nubank já coleta dados importantes quan-
do o assunto é pagamento. O perfil de consumo de
clientes, os índices de inadimplência e regularidade
de compra do consumidor já podem ser analisados
com muita precisão pela empresa.
Contas abertas e cartões emitidos através de
um app (Reprodução: Nubank.com.br)

Isso faz do Nubank um grande instrumento para ana-


lisar dados suficientes para uma possível indepen-
dência, caso seja estratégico para a empresa. Tornar
um banco digital, de fato, só pode estar na cabeça dos
fundadores. A desintermediação financeira nesse caso
pode estar atrelada a uma possível mudança de foco
do Nubank, em se tornar independente e fazer a pró-

105
pria operação. Por se proporem a ser um banco digi-
tal, bitcoins já têm um grande fit com o negócio. Até
o encerramento deste livro, o Nubank tinha 500 mil
clientes no “roxinho”.

55 milhões de brasileiros não têm


conta em banco.
(Fonte: http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2014/02/sem-agencia-bancaria-
Sem agência bancária, cidade do Piauí cria banco local e moeda própria

O número
-cidade-do-piaui-cria-banco-local-e-moeda-propria.html)

assusta, mas é
real. 55 mi-
lhões de pes-
soas no Brasil
não têm conta
bancária. E
isso reflete
bem a situação
regional onde
420 municí-
pios no Brasil
não têm agên-
cia bancária.

106
Essas condições fazem lacuna, inclusive com
do mercado de cartões características de desin-
pré-pagos um verda- termediação bancária.
deiro oceano azul a ser
explorado. A maioria Os bancos (juntamen-
desses profissionais te com o Banco Central
(pedreiros, autônomos, do Brasil) vão publi-
donas de casa e dia- car relatórios, normas
ristas) faz com que os e orientações sobre o
bancos comecem a ir risco dessas práticas de
a favor do mercado e desintermediação ban-
investir em iniciativas cária acontecerem. Ali-
para emissão de pré- ás, risco será a palavra
-pagos. Apesar disso, as chave para as institui-
empresas de pré-pago ções financeiras comba-
não colhem louros ain- terem as novas formas
da. O desafio é grande de pagamento e rece-
para entrar em áreas bimento que surgirão.
rurais, com distâncias Alguns serão até cate-
desafiadoras de grandes góricos, citando crime
capitais. para tais inovações. Mas
há uma nova ordem nas
É aí que a oportunidade economias do mundo.
se faz presente. Como Esse número de pessoas
resolver 55 milhões de “sem banco” são prati-
problemas? Os bancos camente uma economia
com certeza vão atuar, inteira a ser explorada,
mas algumas iniciativas o que faz a oportunidade
vão fazer frente a essa ser gigante.

107
Óbvio que bancos, controlando o dinheiro no mundo,
terão vantagens muito maiores que a BlockBuster e as
gravadoras de música tiveram, mas terão um trabalho
interessante para conter algumas iniciativas. Não dá
para fechar os olhos para Apple, Samsung e Google,
que vão com certeza bagunçar (de forma positiva)
ainda mais os negócios financeiros no mundo.

Conversando com alguns dos caras que mais enten-


dem do negócio de pagamentos no Brasil, peguei
alguns insights interessantes. O Tom da Konduto
(fintech que previne fraudes) lembrou que o Fairplace
(http://www.fairplace.com.br), comunidade brasileira
de empréstimos P2P, fechou por pressões governa-
mentais no final de 2010 (http://www1.folha.uol.com.
br/fsp/mercado/me1501201119.htm). “Aqui o buraco é
mais embaixo”. Ele pontua duas formas de encarar os
pontos do artigo: levantar dinheiro e fazer transações
com o banco.

“Um desafio inicial é a forma alternativa de levan-


tar dinheiro, e o outro é como fazer transações
sem envolver o banco. São questões diferentes de
‘encarar’ a desbancarização: a inclusão de pessoas
na indústria e o bypass total da indústria.” — Tom
Canabarro.

108
Você deve ter se per-
guntado por que dei esse
nome a um capítulo do
livro. Explico: como o
livro é sobre uma nova
forma de consumo de
produtos e serviços,
nada mais justo do que
lembrar que você já está
inserido nessa mudan-
ça. Além disso, você não
deve concordar com a
imposição de alguns
mercados, feita de for-
ma arcaica, sobre seus
modelos de cobrança.

Se você comprou
uma furadeira ou um
smoking de festas no
último ano, você está
literalmente fora do
novo mundo. E se ainda
concorda em comprar
coisas ou adquirir ser-
viços através de cheques
pré-datados, cuidado,
essa empresa também
está fora desse mundo.

111
6.1 MEMBER- lhe se quer permanecer
SHIP ECONOMY: ainda com o brinquedo
ou se quer trocar por
A ECONOMIA
outro, e o site se encar-
DE MEMBROS rega de entregar e cole-
tar os brinquedos.
Em alguns tipos de pro-
dutos, não é possível a Cada plano de assina-
digitalização, mas, mes- tura dá direito a uma
mo assim, está ocorren- quantidade de brinque-
do uma migração para dos ao mesmo tempo,
um modelo de acesso. até porque nenhuma
É o caso dos clubes de criança brinca com to-
assinaturas. dos os que tem. Que tal,
então, só ter os brin-
Em São Paulo, já exis- quedos que, de fato,
tem serviços de assina- serão usados?
tura de brinquedos, o
clube Joanninha (http:// No segmento de brin-
www.joanninha.com. quedos, o modelo de
br), onde paga-se um acesso resolve o proble-
valor mensal para que ma dos pais que pagam
crianças tenham acesso caro em brinquedos
a brinquedos já usa- cuja vida útil é bastante
dos. A criança (ou o pai) curta, diante do rápi-
escolhe os brinquedos do desenvolvimento da
pelo site, recebe em casa criança. Além da econo-
e brinca à vontade. Após mia de dinheiro e espa-
um mês, a criança esco- ço, reduz desperdícios e

113
ensina, desde pequeno, outra estação do projeto.
o conceito de consumo Para alugar uma bici-
consciente. cleta, basta se inscre-
ver com o seu cartão de
Outro bom exemplo do crédito. Não há nenhuma
modelo de membership taxa. As viagens de até
economy (economia de uma hora são gratuitas
membros) são clubes (na verdade, são ban-
e associações de clas- cadas pelo patrocinador
se. Elas só existem por Itaú, que deveria viabi-
conta da entrada de lizar de graça) e, acima
um grupo de pessoas deste período, é cobrado
que fazem a criação e cinco reais por cada hora
viabilização dessa co- de uso.
munidade. Basta que
cada membro contribua Ter um grupo de pesso-
financeiramente para as viabilizando o ser-
viabilizar qualquer pro- viço é um dos símbolos
jeto. Todos ganham. máximos da economia
compartilhada. Assim
Em alguns bairros de São como funcionam agre-
Paulo, existem várias miações, sindicatos e
estações do projeto BIKE condomínios, a member-
SAMPA (www.bikesam- ship economy possibilita
pa.com.br), que permi- a criação de diversos
te alugar bicicletas por outros modelos.
pequenos períodos de
tempo (horas), podendo
devolvê-las em qualquer

114
furadeira em casa.
Curiosidade: até o mês
de julho de 2015, a cida-
Se contarmos com o
de de São Paulo regis-
trou o número de 200 custo de aquisição ver-
Km de ciclovias conclu- sus seu uso prático, não
ídas. O plano SP400km, faz sentido comprarmos
do Haddad (prefeito
em exercício, enquanto um item como esse. Faz
finalizamos este livro) sentido usar a furadei-
é atingir a marca de ra no modelo de acesso
400km de ciclovias.
(alugando-a) e só pagar
pelo uso quando neces-
sário. Afinal, quantas
vezes no ano usamos
uma furadeira? Veja a
6.2 SHARING palestra da Lisa Gansky
ECONOMY: A (http://bit.ly/palestra-
-lisa) e entenda minha
ECONOMIA DO pergunta.
COMPARTILHA-
MENTO Seja no caso de furadei-
ras, aluguel de roupas
A teoria da furadeira do de gala, helicópteros,
Murilo Gun, no TEDx aviões, carros (em al-
(http://bit.ly/palestra- guns casos), barcos ou
-murilo), e dos ensaios motos, a economia do
da Lisa Gansky, do site compartilhamento é o
MESH (www.meshing. elo para consumo sus-
it/), afirmam que: não tentável de tudo.
faz sentido termos uma

115
“Uber e Airbnb ameaçam
taxistas e hotéis” — BBC
Demo-nos o direito para usar o título da matéria pu-
blicada no site da BBC em 24 de novembro de 2014, se
referindo ao caos instalado nos modelos tradicionais
de táxis e hotelaria. Esse título é emblemático. Ape-
sar de lá para cá as coisas terem fervido ainda mais,
a sociedade (e a própria BBC) encaravam o Uber e o
Airbnb como um “negócio novo que não se sabe o que
vai dar”.

cias/2014/11/141124_vert_cap_airbnb_uber_dg
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/noti-

116
Em 2015, esse mesmo site, publica sobre as duas em-
presas, com um tom transformador nos títulos:

“Uber quer investir US$ 1 bilhão para impulsionar


negócios na Índia” - BBC, 31 de julho de 2015.

“Uber abre novo escritório em Cuba” - BBC, 02 de


abril de 2015.

Note que agora as empresas não aparecem como “novi-


dade”, tampouco como ameaças para seus segmentos, e
sim, como agentes do próprio ambiente em que atuam:
transportes e hotelaria, para Uber e Airbnb, respectiva-
mente. A prova de conceito já foi feita, agora é a cons-
trução de novos modelos que estampam as principais
notícias de economia dos principais portais do mundo.

117
Já o Airbnb é o aparta- ros de hoje. As pessoas
mento as a service. Para que vivem em metró-
que alugar ou reservar poles passam cada vez
um hotel, se por algum menos tempo em casa, e
motivo sua viagem isso reflete em diferen-
acontece do lado de fora tes tipos de moradia e na
da hospedagem? O Airb- necessidade de espaço.
nb é o principal exemplo
da utilidade de um ser- Exemplos como Uber e
viço versus experiência Airbnb vão brotar da-
de uso. Por mais que qui para a frente, pode
hotéis e pousadas ofere- acreditar. É um começo
çam hospedagens típicas de um novo formato de
de seus destinos, nada emprego, de uma nova
se compara à experiên- forma de se ganhar
cia de usufruir um local dinheiro e de se criar
nativamente tradicional modelos sustentáveis de
e típico. Além da utili- negócio.
dade, que em muitos ca-
sos, a hospedagem serve Estamos prestes a ver a
somente para dormir. era dos independentes:
executivos, programa-
É interessante que, com dores, publicitários, ad-
o passar dos tempos, os vogados e toda profissão
apartamentos estão cada de que se tem notícia
vez menores, por conta sofrerão uma mudança
da utilização. As grandes grande na forma e no
famílias de antes são os conceito de emprego.
mínimos casais e soltei-

119
Ser contratado com Latina. Com ele, milha-
exclusividade por uma res de jornalistas, pro-
empresa não fará senti- gramadores, consultores
do no futuro próximo. e até advogados larga-
ram empregos conven-
Os profissionais cede- cionais para atuar em
rão tempo e conheci- projetos de curto prazo.
mento em troca de uma A demanda por jornalis-
remuneração, sem ter tas e escritores é imen-
a exclusividade e com- sa, inclusive.
promisso de um único
empregador. O emprego O Uber só está sedimen-
será baseado no acesso. tando uma tendência.
As empresas não neces- As pessoas vão encon-
sitarão de horas impro- trar um meio natural de
dutivas de uma pessoa. autossustentabilidade
Só interessará para elas financeira. É a revolução
as horas produtivas. da figura “empregado”.
Profissionais serão re-
munerados por “jobs”, A mudança é bem gran-
assim como profissio- de, em termos de con-
nais liberais. sumo na economia do
compartilhamento. Se
O site Workana (https:// você não acredita, res-
www.workana.com), ponda a pergunta: O que
fundado na Argentina, é você fez com seus velhos
o maior portal de con- discos de vinil?
tratação de freelancers
profissionais da América

120
Pois vai acontecer coisa Não vamos mais
parecida com os CDs, as comprar carros?
fitas de vídeo, cartuchos
de videogame e até com Para se ter um exemplo
livros. Grandes bancos maior sobre a revolução
de dados serão capazes do consumo em auto-
de fornecer, a qualquer móveis, basta olhar para
hora, tudo aquilo que as grandes capitais no
você precisar, por pouco mundo. Nosso caso mais
dinheiro. É o “fim dos aparente, em que es-
meios físicos”. tamos no meio da mu-
dança, é a cidade de São

Adeus software de
Paulo.

licença, adeus CD Algumas milhares de


pessoas que vivem na

do Molejo (e do rack ponte aérea entre a


capital paulista estão
na sala) e adeus trocando a aquisição de
um carro por aqui por:
Blockbuster. R.I.P.
• Táxi;
As plataformas de com- • Uber;
partilhamento de carros • Zazcar – um aluguel
como a americana Zip- de carros 3.0.
Car, o europeu Car2Go e o
brasileiro ZazCar já cava-
ram um novo modelo.

121
Zazcar, o car deles no estacionamento.
sharing funcio- Apenas o carro.
na por aqui!
Você usa o carro no pe-
O ZazCar (inspirada na ríodo reservado e depois
americana Zipcar) fun- devolve no mesmo local.
ciona assim: você se O valor correspondente
cadastra no site, envia o às horas utilizadas são
seu documento de habili- debitados no seu cartão.
tação, informa o número Se precisar abastecer,
do seu cartão de crédito você usa o próprio car-
e recebe em casa o Zaz- tão deles, pois o com-
card. Através do site ou bustível já está incluso
de um aplicativo mobi- no valor da hora.
le, você localiza onde há
um Zazcar estacionado Você tem o carro que
próximo de você, e faz a você precisa apenas na
reserva do carro por um hora que você precisa,
período de horas. sem precisar arcar com
os custos e responsabi-
No horário reservado, lidade de ser proprie-
você pode ir para o esta- tário de um automóvel:
cionamento e usa o seu seguro, manutenção,
Zazcard para abrir o car- impostos, combustível
ro. Basta passar o cartão etc. Já está tudo incluso
em um sensor no vidro, o no valor da hora.
carro abre e as chaves es-
tão no porta-luvas. Não É uma espécie de táxi
há nenhum funcionário onde você é o motorista.

122
Para viabilizar um ser- Barroso. Atualmente, a
viço como esse, é neces- empresa atua somente
sário uma cidade com em São Paulo.
uma grande densida-
de populacional para Viagens de férias sem-
atingir a massa crítica pre são melhores quan-
necessária para viabi- do carros são alugados.
lizar financeiramente A liberdade de dirigir
o negócio. A inovação um carro em lugares
do aluguel de carros foi desconhecidos sem-
proposta pela ameri- pre levam os viajantes
cana Zipcar, fundada a uma aventura única.
em Cambridge (Massa- Vale a experiência. Mas
chussets) em outubro será que alugar carros
de 2000. Pesquisas da por diárias são a melhor
empresa até o começo opção, se podemos alu-
de 2013 ilustraram que gar por hora?
eles foram responsáveis
por 14 milhões de ame- No compartilhamento
ricanos de venderem (carsharing) de carros
seus carros. (da Zipcar e Zazcar), os
aluguéis são por hora.
Em janeiro de 2013, Se o percurso for em
foi adquirida pela Avis uma grande capital, não
(gigante da locação de tenha dúvidas de que
automóveis) por U$500 vale muito mais o car-
milhões. Já a Zazcar, co- sharing do que o aluguel
pycat brasileira, foi fun- tradicional de diárias.
dada em 2009 por Felipe

123
Carsharing vs. por algumas poucas
Aluguel de horas dentre as 24 horas
carros contratadas (salvo ex-
ceções de viagens ro-
Sempre que viajo de fé- doviárias). Será que não
rias, gosto de alugar um faz mais sentido pagar
automóvel pelo menos apenas pelo tempo que
por um ou dois dias da você quer? Mesmo que
viagem para conhecer o valor unitário da hora
melhor a cidade. seja mais caro, o custo
total é menor em função
Durante férias recentes da menor quantidade de
em Nova Iorque, utilizei horas contratadas.
o precursor mundial do
compartilhamento, o Por que pagar por horas
Zipcar. Peguei um carro de ociosidade do carro?
ao lado do meu hotel e Não é economicamente
fiz dois passeios de três mais interessante para
horas cada. Em vez de todas as partes envolvi-
alugar um carro por di- das (locador e locatário)
ária, aluguei apenas pe- que, nas horas ociosas,
las horas que eu de fato outra pessoa esteja
precisava de um carro. alugando e pagando por
isso?
Analisando retroativa-
mente, sempre que eu Algumas empresas
alugava um carro por nascem exatamente da
diária, eu realmente necessidade das pessoas.
usava o veículo apenas

126
Bons exemplos (brasi- seja: a comida é mote
leiros) da nova ordem principal, a facilidade o
do consumo moderno secundário e o conceito
são as empresas que de consumir um produto
oferecem um serviço com um propósito, fa-
de entrega de comida zem com que esse perfil
sob demanda ou através de cliente, não precise se
de assinatura: os clu- preocupar com a com-
bes brasileiros de sna- pra semanal de gôndola
cks Farofa.la (https:// de supermercado, que
www.farofala.com.br) e na maioria das vezes, é
a Massau (http://www. apenas um pacote enve-
massau.com/). Eles, lopado pela propaganda.
além de resolverem um
grande problema de Agora imagine, um ser-
má alimentação, ainda viço que integre: suas
impactam diretamente preferências no con-
milhares de pessoas no sumo e sua dieta com-
país, entregando snacks binada com o mesmo
fabricados por eles no software oferecido pelo
trabalho ou na casa dos fabricante.
clientes.
A própria Brastemp já
É um conceito de pro- transformou o mode-
duzir, distribuir e criar lo de negócios dos seus
a necessidade dos con- purificadores de água
sumidores em acessar o em uma necessidade
benefício da boa alimen- recorrente. No momen-
tação, simplesmente. Ou to em que este livro é

127
finalizado, a Brastemp de vender um produto,
não oferece mais a op- a Rolls Royce passou a
ção de se comprar um vender o acesso a uma
purificador de água. O peça cara e essencial
único modelo de negócio para uso. A empresa
disponível é baseado em criou o conceito em 1962
acesso: você paga um ao oferecer um serviço
valor mensal para ter de manutenção de tur-
um purificador em casa. binas por um preço fixo
Esse valor já inclui a en- por hora de voo.
trega, instalação, reparo
e troca do refil. A cada 6 Em 2002, o serviço foi
meses é feita uma ma- reinventando utilizando
nutenção preventiva. novas tecnologias, como
Tudo incluso. sensores nas turbinas,
para monitorar o desem-
penho em tempo real e
Case Rolls Royce prestar um serviço cada
vez melhor para os clien-
Em vez de simplesmen- tes. Em 2012, o serviço
te vender turbinas para completou 50 anos de
as companhias aéreas, existência, e continua em
a Rolls Royce criou o sua plenitude até hoje.
conceito Power-by-the-
-Hour, transformando Não é de se espantar
a turbina em um ser- que a Rolls Royce possa
viço cobrado de acordo se tornar uma empresa
com as horas em que 100% de serviços. Basta
ela é utilizada. Em vez compartilhar um pouco

128
da visão dos três ho- São Francisco (Clift
rizontes que a empre- Hotel) para uma missão
sa tem em mente para empreendedora. Já pa-
termos a certeza de que recia estar rolando uma
ela é uma das empre- festa bem bacana no bar
sas mais prontas para do hotel, encontro os
o futuro de que se tem fellows da missão e subo
notícias. para o quarto para dei-
xar as malas querendo
1. Tecnologia aplicada; descansar um pouco.
2. Próxima geração;
3. Novas ideias. Antecipando uma mania
minha: sempre abro as
São as únicas coisas que gavetas do hotel, an-
a empresa coloca em tes de tudo. Sou curioso
pauta para decidir novos mesmo. Eis que en-
produtos e serviços. contro um kit do Dollar
Shave Club (https://
www.dollarshaveclub.
com/), um serviço de
6.3 SUBSCRIP- assinatura de barbea-
TION ECO- dores, dentro da gaveta.
Olha que negócio ma-
NOMY: A ECO-
luco, dentro de um dos
NOMIA DA hotéis mais badalados
RECORRÊNCIA dos Estados Unidos. Pelo
que se sabe, o Dollar
Em 2013, entrei em um Shave Club tem mais de
hotel super “sexy” em milhões de assinantes.

129
Exemplos como o Clubeer recorrentes são aque-
(assinatura de cerveja), las que vendem para o
Dollar Shave Club e ca- mesmo cliente sempre.
ses de consumo como a
Glambox (assinatura de Olhe por exemplo o
cosméticos) capitane- caso da solução Dash
aram uma nova forma (https://fresh.amazon.
de consumir produtos. com/dash/), da Amazon.
A experiência vale tanto Apesar de não ser um
quando o produto. serviço de assinatura,
possibilita de forma ge-

Não confunda
nial a compra recorren-
te. Explico: o dispositivo

modelo de assi- da Amazon permite você


comprar um produto

natura com venda rapidamente sem ter de


ir ao checkout da loja.
recorrente. Basta apertar o botão.
Essa mecânica faz dessa
Nem sempre empresas solução uma podero-
recorrentes adotam o sa arma para varejistas
modelo de assinaturas. que queiram entrar de
É bem mais profun- cabeça na “economia da
do que isso. Empresas recorrência”.

130
Reprodução: Amazon Dash

O mercado americano de assinatura. Na caixa,


saltou de 200 clubes tênis de edições limita-
de assinaturas em 2011 das, meias e acessórios
para 2.000 clubes em farão dos amantes da
2015. Enquanto, aqui no corrida assinantes fe-
Brasil, existem em torno lizes. Pelo menos, essa
de 200 clubes. é a proposta da Adidas
com esse lançamento.
O clube batizado de Ave- A caixa ainda vem com
nue A (ou Avenida “A”) a curadoria de personal
da Adidas custa U$150 trainers famosos e cele-
por mês, e iniciou ope- bridades. Inicialmente, o
ração somente nos Es- foco serão mulheres.
tados Unidos, por en-
quanto. A entrega será A Vindi nasceu como
trimestral, inaugurando uma extensão da neces-
um novo formato de sidade dos modelos re-
entrega para produtos correntes. Primeiro, veio

131
o modelo e os cases, e empresas como a Vindi vieram
com a profissionalização. Ou seja, abrindo caminho e
viabilizando a chegada de outros milhares de cases e
de modelos.

A Smartfit (www.smartfit.com.br) inaugurou um novo


momento no mercado fitness brasileiro. A empresa
fundada por Edgard Corona (criador do grupo Bio Rit-
mo) aniquilou o modelo de cheques pré-datados nas
redes de academia no país, e minou a forma de cobrar
serviços através de compras parceladas no cartão de
crédito. O que era um péssimo negócio para clientes:
pagar uma prestação para consumir um serviço.

Para se ter ideia do impacto sobre o consumo de ser-


viços como academia mudaram de modelo, basta
analisar como era a forma de cobrança das academias
até 2011:

132
Antes mesmo dos jor- valor mensal, era pos-
nais e das revistas, era sível receber todo mês
comum (hoje é menos uma determinada quan-
comum) assinatura de tidade de CDs, conforme
pão e leite. Com o mo- o plano escolhido. Só
delo, idêntico ao de faltava a desmateriali-
assinaturas, milhões de zação para se tornar o
pessoas puderam aces- modelo de acesso digital.
sar academias de gi-
nástica, coisa até então Hoje em dia, está sendo
exclusiva para pessoas bastante utilizado o mo-
com mais poder aquisi- delo de propriedade via
tivo. É a maior mudança assinatura para bebidas
de consumo que o ser- e alimentos de alto valor
viço já viu nos últimos agregado, como vinhos,
tempos. cervejas, chocolates,
cafés e azeites.

Outros segmentos como Também há serviços de


o de educação, por fornecimento contínuo
exemplo, também es- de cartuchos para im-
tão se espelhando nesse pressora, flores e ma-
modelo para transformar quiagens. A redução da
seu próprio ambiente. propriedade já mudou
você. Se você ainda não
Quando criança, assi- notou, analise as contas
návamos um clube de que você paga por mês:
revistas, gibis e CDs da água, luz, TV a cabo, aca-
editora Abril. Por um demia, seguro, escola etc.

134
Sim, este livro também
pode ser encarado como
um manual. Mas não
se engane achando que
vou te mostrar aqui “as
7 atitudes altamente
eficazes para se montar
um negócio recorrente”.
Não vou mesmo.

O que pretendo nos


próximos parágrafos é
elaborar uma série de
técnicas e experiên-
cias que aprendi com os
milhares de negócios
recorrentes que vi surgir
diante da Vindi, onde
eu, como empreendedor,
aprendo diariamente.
Esses casos, de gigantes
multinacionais a star-
tups de assinaturas, me
influenciaram e ajuda-
ram a entender como
criar um negócio que
pode faturar sempre, de
forma recorrente.

137
7.1 A CRIAÇÃO ção desse grupo e, ainda
assim, atestar a venda
DE COMUNIDA-
de produtos e serviços
DES dentro desse ambiente.

Importante:
Se você é um bom en-
tusiasta de comunida-
des, seja ela de qualquer
tamanho ou segmento,
alimente-se dessa
está aqui uma grande
oportunidade. Quem
comunidade.
tem a capacidade de
criar comunidades em
volta de si e do próprio
negócio tem, fatalmen- 7.2 CRIE NE-
te, uma grande capaci- GÓCIOS COM
dade de vender qualquer APELOS DE RE-
coisa de valor a esse
SOLUÇÃO PARA
grupo em formação.
PROBLEMAS
A capacidade que alguns GRAVES
empreendedores têm em
criar comunidades é di- Essa é uma grande ver-
retamente ligada em seu dade. Tive uma aula em
conhecimento em al- Stanford com Jack Fu-
guns assuntos. É o fator chs e Mick Lyons, dois
“autoridade”. Ser auto- superinvestidores do
ridade em algum assun- Vale do Silício e profes-
to pode ajudar na cria- sores da universidade.

138
Eles lecionam empre- praticamente impos-
endedorismo em uma sível imaginar-se sem
das universidades mais usá-las: WhatsApp,
conceituadas do mundo, na comunicação; Uber,
e levei uma lição muito no transporte; e Waze,
grande sobre o olhar de- no trânsito. Esses são
les, ao se interessarem bons exemplos de como
por uma empresa em aplicativos podem ser
que ensaiam investir. essenciais e até indis-
pensáveis no cotidiano
Eles classificam as em- de milhões e, às vezes
presas entre dois tipos: bilhões, de pessoas.
Rémedios e Vitaminas.
O WhatsApp é um exem-
plo fácil. Resolve um
Remédios baita problema que é a
comunicação e, ainda
São aquelas startups por cima, gratuitamente.
que “estacam sangra-

As empresas
mentos”, que resolvem
problemas graves no
mundo ou no país de
origem. Normalmente,
“remédios” são,
essas empresas já nas-
cem com uma grande
na sua maioria,
necessidade de uso. Em de uso recorrente
alguns exemplos, es-
sas startups resolvem e indispensáveis
tanto problemas que é

139
para a maioria dos como na ciência, a vi-
tamina melhora uma
clientes. situação.

Seja uma
Acompanhe o caso da
startup Twillio (www.
twilio.com), que prome-
te revolucionar a telefo-
disfunção, uma
nia no mundo.
deficiência ou
numa lacuna
Vitaminas
genética, elas
possibilitam
São aquelas startups que
“potencializam” algo já
em andamento. Apesar
de serem completamente
a melhora na
necessárias, muitas delas
não são indispensáveis.
situação.
A convite do Founder No empreendedorismo,
Institute, uma acelera- empresas classificadas
dora do Vale do Silício, assim são aquelas que
fiz uma palestra sobre melhoram um segmen-
empreendedorismo no to, que profissionalizam
Cubo do Itaú em 2016. o ambiente.
Lá, levei esse tema “Re-
médios x Vitaminas”. Olhe para o caso de apli-
Expliquei que, assim cativos como iFood (que

140
comprou o concorrente produtos sem o apelo
Hellofood em fevereiro da necessidade bási-
de 2016), por exemplo. ca. Itens considerados
No começo, eram apenas supérfluos são grandes
aplicativos de comida desafios para clubes de
que ajudavam as pesso- assinatura escalarem o
as a pedir comida pelo negócio para milhares
smartphone. Estavam de assinantes. Já produ-
potencializando um ne- tos “de sobrevivência”
gócio de delivery que já têm, em sua natureza, a
existia. Sem eles, bastava necessidade de consumo
pedir comida pelo tele- recorrente.
fone, por exemplo.
Faça essa pergunta para
Eram “vitaminas”. Ago- si mesmo: meu negócio é
ra, são indispensáveis. vital para meus clientes?
Criaram tanta necessi- Negócios recorrentes de
dade ao pedir comida, grande escala sempre
que passaram clara- conseguem esse cresci-
mente de “vitaminas mento com produtos e
para remédios”. Foram serviços de grande valor
tão disruptivas, que e necessidade para seus
conseguiram criar um clientes, o que faz da
segmento inteiro. Nem existência desse próprio
sempre as empresas negócio algo vital.
conseguem se transfor-
mar em “remédios”. Se a sua conclusão for
“minha empresa é uma
Outro bom exemplo são vitamina”, procure criar

141
um mercado com isso.
Incentive seus
Consiga fazer o conforto
virar necessidade.
clientes a crescerem
mais que você.
Olha que lição gran-
7.3 GARANTA O diosa, que é fazer seus
SUCESSO (E A clientes crescerem mais
que você. Se você está
FELICIDADE) DO
criando um softwa-
SEU CLIENTE re, um e-commerce ou
qualquer negócio es-
Todo negócio deve ter o calável, essa deve ser a
propósito de ajudar os missão desse negócio.
clientes, e mais do que Não há mais sucesso do
isso: deixá-los felizes. que fazer o seu cliente
No livro Rework (um dos crescer. Se você já tem
livros mais legais sobre essa certeza e esse gos-
empreendedorismo), to: parabéns.
os autores Jason Fried e
David Heinemeier Hans- Na Vindi, pelo menos,
son citam em um pará- uma centena de clien-
grafo: “Let your customers tes cresce mais do que
outgrow you”. nós. Alguns crescem até
o dobro, e isso é mara-
vilhoso para mim como
empreendedor.

142
Invista em curadoria e E isso é, de fato, uma
conteúdo. Ajude, ensine vantagem competitiva
e decida pelo seu clien- bem grande. Se existe
te como ele deve usar o escassez, a venda fica
seu produto. Conteúdo de mais fácil.
valor é o que diferencia
concorrentes em merca- Mas isso pode ser um
dos altamente disputados. diferencial por pouco
tempo, já que, em um
Seja no uso de um pro- estudo simples de be-
duto ou serviço, o su- chmarking, os meses
cesso do cliente é a de diferenciação são
sustentabilidade de um facilmente combatidos
negócio recorrente. por concorrentes en-
trantes, ávidos por uma
fatia apetitosa desse
mercado — que era, até
7.4 GARANTA então, um oceano azul.
UMA TECNOLO- É um grande desafio ter
tecnologia proprietária,
GIA PROPRIE-
pode acreditar.
TÁRIA
Um dos grandes dife-
A estratégia do oceano renciais de startups que
azul, de Renée Mauborg- estão inovando em seu
ne e W. Chan Kim, ilus- segmento e sustentan-
tra claramente o dife- do a liderança é exa-
rencial de empresas em tamente ter o domínio
mercados inexplorados. da técnica. Como um

143
laboratório médico, que
detém alguma fórmula
para combater doen-
ças, a startup que quiser
se manter no topo por
grande parte do tempo
deve ter o desenvol-
vimento de tecnologia
proprietária.

Na prática, isso limita a


entrada de concorrentes
no mercado dessa em-
presa, dificultando a fá-
cil replicação do modelo
e aumentando a barreira
de entrada. Algumas
startups conseguem
meses de vantagem ten-
do e usando tecnologias
proprietárias. Outras
ganham anos.

144
Este livro é a exten-
são de pensamentos e
ensaios elaborados em
alguns canais, que co-
loco para fora algumas
experiências profissio-
nais e de vida que venho
absorvendo. Parte des-
ses ensaios foi escrita no
http://www.sonhogran-
de.com, um laboratório
em formato de blog, em
que recebo insights de
pessoas e empresas, e
exprimo parte do que
penso.

É consumindo conteúdo
(bem selecionado) que
consigo me adaptar às
mudanças tecnológi-
cas e de consumo (dois
assuntos aos quais me
dedico diariamente), e
me preparo para o que
vem adiante.

147
As coisas estão ao nos- e não servirão para mais
so redor, em constante nada.
transformação, e tudo
será impactado por Analise o nascimento de
tecnologia. escolas como a Hyper Is-
land (www.hyperisland.
Não teremos uma em- com) e a própria brasi-
presa viva sequer, sem leira Perestroika (www.
que o apelo seja tec- perestroika.com.br) que,
nológico. Toda empre- por meio da criatividade
sa será de tecnologia: e inovação, provocam,
aquela padaria que você em vez de impor uma
conhece e seu advoga- metodologia ultrapassa-
do precisarão mudar a da da maioria das uni-
cabeça e o coração para versidades tradicionais.
construírem a própria
sobrevivência. Tente compreender o
nascimento de empresas
Bancos, escolas, empre- como SpaceX, Palantir
sas e empregos não se- e Twilio, que não têm
rão mais como estamos nem uma década de vida
acostumados a compre- e já serão as novas po-
ender. Arrisco dizer que tências em termos de
aquele diploma que você tecnologia. Empresas e
tem, aquele MBA que marcas centenárias vão
custou mais do que um quebrar como nunca,
carro e aquele profissio- porque algumas delas
nal que você admira se- são cegas. E você prova-
rão extintos brevemente, velmente não terá em-

148
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