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Jonivan Martins de Sá
jonivanmartins@yahoo.com.br
Bacharel em Ciências Sociais – Ciência Política pela Universidade Federal do Pampa
(UNIPAMPA)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo a construção de uma analítica acerca da estética
do Black Metal e de sua relação com as concepções do pensamento pós-moderno. Para tal,
reconstruiremos brevemente a história deste estilo musical, recapitulando seus principais
personagens, bandas e fatos, dando especial atenção ao Movimento Black Metal Norueguês. Na
seqüência, buscaremos intersecções possíveis entre a estética crua e primitivista do Black Metal
com o pensamento pós-moderno, retomando o pensamento de Jean-François Lyotard.
INTRODUÇÃO
1 Chamo de “Movimento Black Metal Norueguês” com inicias maiúsculas, por me parecer se tratar
de um grupo mais ou menos definido, que surge na mesma época e lugar, com indivíduos que se
influenciavam mutuamente e se comportavam de forma razoavelmente semelhante, se
expressando segundo representações estéticas igualmente semelhantes.
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2 A obra mais popular escrita até então sobre o estilo chama-se Lords of Chaos, de autoria de
Michael Moynihan e Didrik Søderlind. Não faço o uso desta obra como referência, na medida em
que não cessam as críticas recebidas por seu conteúdo tendencioso e pouco verdadeiro, tanto
acerca do Movimento Black Metal Norueguês, quanto acerca da construção do Black Metal como
representação estética.
3 As fanzines são pequenas revistas ou panfletos publicados por fãs. Hoje em dia se tornam cada
vez mais raras, mas, desde a época da construção do movimento punk, se tornaram populares nos
undergrounds da música independente.
4 O nome escolhido pela banda remete à condessa húngara Elizabeth (Erszebet) Bathory, que
viveu no século XVII. A condessa em questão é conhecida no folclore húngaro por supostamente
banhar-se no sangue de virgens que ela mesma teria assassinado.
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Apesar de, como já foi dito, outras bandas apresentarem uma estética crua,
de sonoridade agressiva, um dos fatores que certamente fizeram da música de
Quorthon um baluarte na construção estética do estilo, foi a influência que esta
teve no que parece ter sido o principal elemento de construção do Black Metal
como um estilo musical e representação estética contemporânea: Movimento
Black Metal Norueguês.
5 Em 1984 o Vulcano lança uma demo intitulada “Devil on My Roof”, já apresentando uma
sonoridade agressiva e rápida. Ao passo que o Possessed, os primeiros a cunhar o tremo “Death
Metal”, lançam uma demo deste nome também em 1984.
6 O uso de pseudônimos é comum dentro do estilo até os dias atuais. Os integrantes do Venom já
os usavam, talvez como mais uma forma de demonstrar agressividade. Ainda sobre Quorthon,
este veio a falecer no dia 03 de Junho de 2004, vítima de uma parada cardíaca.
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Assim como a gênese da história do Black Metal não poderia ser descrita
com todas as suas nuances em um trabalho tão pequeno, a descrição do que
chamo de Movimento Black Metal Norueguês também não se faz aqui sem
simplificações e riscos, já que, não são poucas as bandas surgidas no final dos
anos 80 e início dos 90 nesse país aparentemente calmo e idílico. Dentro desta
perspectiva de trabalho, tratarei de forma simplificada da história de três bandas
– Mayhem, Burzum e Darkthrone – e de três fatos que considero importantes
para a construção musical e estética do Black Metal como um estilo – alem da
influência das bandas pioneiras, obviamente.
Os pioneiros noruegueses do estilo que ainda se construía, foram, sem
dúvidas, os integrantes do Mayhem7. A banda foi formada em 1984, na cidade de
Ski, sendo liderada pelo guitarrista Øystein Aarseth (Euronymous). Euronymous
era considerado como uma espécie de líder, não só no Mayhem, mas em todo o
movimento que surge a partir da banda. A primeira demo da banda é lançada em
1986, com o nome de Pure Fucking Armaggedon, mas é com o lançamento do EP
Deathcrush, em 1987, que a banda vem a ser conhecida no subsolo do Heavy
Metal norueguês.
A musicalidade exposta em Deathcrush lembra muito a do primeiro álbum
do Bathory – apesar do EP trazer um cover do Venom. Guitarras estridentes,
vocais guturais ríspidos e bateria de rápida execução são seus traços marcantes.
A arte de capa traz a imagem de duas mãos amputadas, no que lembra um
instrumento de tortura medieval. Depois de Deathcrush, esse tipo de capa,
trazendo imagens fortes de amputações, pessoas e animais mortos e todo o tipo de
atrocidades, se torna cada vez mais comum dentro do gênero.
Outro elemento que certamente deve ser destacado, importante tanto como
representação estética assim como elemento de identidade de um grupo, é a
corpse paint. A corpse paint é um tipo de pintura que já vinha sendo utilizada por
algumas bandas8, mas que certamente ganha força no Mayhem. Tal pintura
remete ao aspecto pálido e sem vida de um cadáver e, unida ás roupas escuras e
muitas vezes rasgadas, constrói o embrião daquilo que iria se tornar um
estereótipo Black Metal.
Diretamente influenciados pelo lançamento de Deathcrush, inúmeros
jovens, já identificados com a música “agressiva” que se construía como
movimento, decidiram montar suas próprias bandas, com o intuito de disseminar
7 A banda é citada inúmeras vezes como a pioneira norueguesa no estilo por várias pessoas que
fizeram parte da mesma conjuntura. Mais informações sobre a construção do cenário Black Metal
na Noruega podem ser encontradas no documentário Until de Light Takes Us (2008) de direção de
Aaron Aites e Audrey Ewell, largamente usado como referência neste trabalho, já que, traz
entrevistas com os principais personagens deste movimento.
8 Dentre elas, podemos destacar os suíços do Celtic Frost, que em 1984 já usavam esse tipo de
pintura.
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9 O Death Metal é um estilo que tem sua gênese na mesma época do Black e Thrash Metal.
Talvez, a diferença mais substancial na construção musical do Death Metal, se comparado ao
Black Metal tradicional, seja a freqüência variacional dos riffs de guitarra, além do vocal, que
geralmente é mais grave. No entanto, tais diferenças não impediram os estilos de se misturarem
muitas vezes sob o signo de Death Black Metal.
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10 A citada nota: "This album is eternally dedicated to the king of death/black metal Euronymous"
(O seguinte álbum é eternamente dedicado ao eterno rei do Death/Black Metal Euronymous).
11 Esse estilo de formato se construiu como um dos principais na cena Black Metal mundial.
Influenciados por Quorthon, muitas bandas do gênero se recusam a tocar ao vivo, dentre elas o
próprio Darkthrone. Quorthon gravou sozinho apenas os dois últimos álbuns do Bathory, sendo
que nos demais optava pela contratação de músicos.
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tem do Black Metal hoje é pautada apenas pelo uso das roupas, pinturas e pela
temática satanista, ou seja, uma visão desprendida de seus aspectos simbólicos,
construídos através de processos históricos de significação que dizem respeito a
um espaço/tempo determinado, alem de, acima de tudo, representarem o
pensamento de um grupo diferenciado de indivíduos, que não se enquadram nos
padrões estéticos tido como “normais”.
Poucos são os artistas que fogem hoje da representação estética
estereotipada que se construiu em torno do que um dia foi um movimento
genuíno de representação inovadora. Nomes como Fenriz e Vikernes ainda
reivindicam para si e para raros, a verdadeira expressão e compreensão do que
foi o Black Metal um dia, condenando modismos e a brutal alteração que a
música sofreu desde sua gênese.
Tendo percorrido o que chamei até aqui de “uma história do Black Metal” –
“uma”, já que esta é apenas uma forma de construção de sentidos sobre o Black
Metal, dentre várias possíveis – o que se segue é a tentativa de uma aproximação
das representações estéticas advindas do Black Metal e suas proximidades com o
pensamento pós-moderno, por sua vez, representado aqui por Jean-François
Lyotard. Em suma, buscar-se-á ver a construção do Black Metal como produto
genuíno da pós-modernidade.
“Pós-moderno não significa recente. Significa o estado de escrita, no sentido
mais amplo, de pensamento e ação, após ter sofrido o contágio da modernidade e
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ter tentado curar-se dele” (LYOTARD 1993: 69-70). Como se pode ver pela
sucinta definição de pós-moderno apresentada por Lyotard em Uma Fábula Pós-
Moderna, o pós-moderno não é visto como um período histórico estritamente
determinado, movimento ascendente pautado pela idéia do progresso como
períodos históricos passados. O que Lyotard percebe por pós-moderno, nada mais
é que a ruptura com o progresso, o eterno-retorno ao primitivo, em um
movimento caótico, instável – uma espiral que avança na medida em que
retrocede. O movimento retilíneo, tão almejado no passado, perde aqui todo o seu
valor, dando lugar á idéias aparentemente disformes e desconexas, mas que, ao
mesmo tempo, parecem formar esse mesmo espiral, um todo completo e
conectado. Ainda sob a luz de Lyotard, pode-se ver a pós-modernidade sob a
perspectiva de uma harmonia oculta, harmonia esta que não depende do homem
para se dar, mas que se faz representar pelo próprio movimento caótico dos entes.
A busca pelo antídoto que guarda em si a propriedade da cura da
modernidade leva, dentro da perspectiva deste trabalho, diretamente às
representações estéticas do Black Metal. Tal antídoto é posto à luz por elementos
diversos que fazem deste gênero musical tão particular. Alem daquilo que parece
ser a quebra com a estética da boa produção musical – ou “bons modos” no que diz
respeito à construção musical -, tal gênero encerra em si um comportamento
primitivo, uma forma “de pensamento e ação” que busca a quebra com o
progresso, com a ordem, com o moderno.
A misantropia, não explorada neste até então, pode ser considerada um dos
principais elementos das representações (formas de pensamento) advindas do
Black Metal. Misantropia como o refúgio, o distanciamento do solitário ao lugar
remoto, longe da influência externa, influência social que se constrói com o
convívio. Este encerrar-se em si e na natureza – já que, o misantropo no Black
Metal é aquele que busca a floresta como refúgio e inspiração – representa alem
do individualismo e do desgarramento do rebanho social, uma forma de quebra
com progresso do todo, quebra com o movimento ascendente do progresso
humano, para assim dar maior importância às instâncias pessoais de
representação, mesmo que isso signifique a solidão. Não raramente se vê o culto à
misantropia como elemento presente tanto nas letras quando na way of life de
membros de bandas do gênero. Este, no entanto, parece ser um dos principais
elementos solapados por parte da assimilação do Black Metal pelo mercado, na
medida em que a lógica do consumo fatalmente liga os assujeitados entre si
através de seus fetichismos massificados.
É importante não deixar passar em branco o papel (talvez) paradoxal da
misantropia no meio Black Metal. Na mesma em que o ente inserido na lógica
deste estilo musical busca o isolamento, a própria idéia de isolamento como fuga
do moderno é cultivada em grupo. Em suma, o culto a misantropia parece surgir,
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14 Podermos perceber isso nas entrevistas dadas por Fenriz e Vikernes no documentário Until
The Light Takes Us. Ambos salientam a importância que tal elemento tem para as representações
ligadas à gênese do estilo e de como este elemento se faz presente em suas vidas atualmente.
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REFERÊNCIAS:
AITES & EWELL, Aites & Audrey. Until The Light Takes Us. Field Pictures and
The Group Entertainment, 2008. 1 dvd.
BATHORY. Metal Archives. Disponível em: <http://www.metal-
archives.com/bands/Bathory/184>. Acesso em 18 de Junho de 2013.
BERNET, Anne. O Crepúsculo dos Deuses. Revista História Viva. Editora
Duetto: São Paulo, 2011.
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Imagens:
Figura 1, Capa Bathory. Dispovível em: <http://www.metal-
archives.com/albums/Bathory/Bathory/754#>. Acesso em 18 de junho de 2013.
Figura 2, Imagem Darkthrone e Mayhem. Disponível em:
<http://www.lastfm.com.br/music/Darkthrone/+images/40652909>. Acesso em 19
de junho de 2013.
Figura 3, Capa Aske. Disponível em: <http://www.metal-
archives.com/albums/Burzum/Aske/377>. Acesso em 19 de junho de 2013.
Figura 4, Black Metal Fashion. Disponível em:
<http://www.steffmetal.com/fashion-for-metalheads-black-metal-fashion/>. Acesso
em 19 de junho de 2013.