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Escola de Ciências da Saúde e do

Meio ambiente - UCB


PATOLOGIA GERAL

DISTÚRBIOS DO CRESCIMENTO E
DIFERENCIAÇÃO CELULAR

Professor Mário Bevilaqua


DISTÚRBIOS DO CRESCIMENTO E DIFERENCIAÇÃO CELULAR – Mário Bevilaqua, 2015

INTRODUÇÃO

Os constituintes de um organismo vivo estão em constante renovação. O ciclo metabólico


celular compreende, por um lado, o catabolismo (degradação de estruturas velhas e quebra de
substâncias para obtenção de energia), e por outro o anabolismo (síntese e reposição de
elementos funcionais e estruturais).

Na maioria dos tecidos e órgãos ocorre também renovação celular, isto é, a população de
células é renovada em um ritmo próprio de cada tecido. Alguns tecidos (tecidos lábeis), como
é o caso dos epitélios de revestimento, do epitélio germinativo masculino e das células da
linhagem hematopoética, conservam um alto índice mitótico durante toda a vida do indivíduo.
Outros tecidos (tecidos estáveis) apresentam normalmente um baixo índice mitótico, como é o
caso dos tecidos conjuntivo, cartilaginoso e ósseo, das glândulas etc. Até há pouco tempo se
pensava que nos tecidos cujas células adquirem um alto grau de especialização
(diferenciação) é perdida a capacidade de renovação (multiplicação celular), como é o caso
dos neurônios e das células musculares estriadas (tecidos perenes). Existem hoje comprovações
de que, pelo menos em algumas áreas do sistema nervoso central, pode ocorrer multiplicação
de células progenitoras que dão origem a novos neurônios, um processo denominado de
“neurogênese”.

Apesar da renovação metabólica e da renovação da população celular, em condições


normais são mantidas constantes as características morfológicas e funcionais (ou seja, a
especialização), bem como o volume próprios de cada célula e tecido. Isto se deve à existência
de mecanismos de controle da multiplicação e da diferenciação celular. Este controle resulta
da ação coordenada de sinais químicos (hormônios, neurotransmissores, fatores de
crescimento, citocinas) transmitidos entre células próximas ou distantes e também entre as
células e a matriz extracelular. A maior parte desses sinais (ou ligantes) são peptídeos ou
proteínas que se ligam a receptores específicos localizados na membrana citoplasmática das
células-alvo. Alguns deles, no entanto, por serem lipossolúveis são capazes de atravessar a
membrana citoplasmática e ligar-se a receptores localizados no interior do citoplasma ou no
núcleo.

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Os receptores ativados pelos ligantes desencadeiam uma cascata de ativação de


proteínas e enzimas citoplasmáticas, que culmina com a fosforilação de proteínas reguladoras
(repressoras ou ativadoras) da expressão gênica. A fosforilação modifica a conformação
espacial das proteínas e altera sua atividade e, dependendo da proteína fosforilada, podem ser
estimuladas ou inibidas funções celulares específicas (processo de transdução de sinais
químicos). O equilíbrio entre o estímulo e a inibição das atividades celulares é estabelecido por
mecanismos capazes de desativar os receptores, após cumprida sua atividade normal, e também
por enzimas fosfatases, que promovem a desfosforilação proteíca.

Da forma descrita anteriormente é controlada a expressão de genes associados com a


diferenciação celular (isto é, com atividades celulares específicas como contração, secreção,
fagocitose, etc.), com a multiplicação celular e com a apoptose.

Em termos quantitativos, a população celular de um órgão ou tecido é determinada, por


um lado, pelo ritmo de multiplicação celular que garante a reposição dos elementos perdidos

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e, por outro, pelo ritmo de apoptose (morte celular programada, pela qual células idosas,
defeituosas ou supérfluas são induzidas a cometer suicídio).
Em resposta a estímulos fisiológicos ou patológicos, externos ou internos, geralmente
transitórios, podem ocorrer variações não só no crescimento e multiplicação das células mas
também na sua diferenciação, levando-as a um novo estado de equilíbrio, melhor adaptado às
novas exigências funcionais. Ocorrem assim as adaptações celulares, geralmente reversíveis e
úteis. Existem também as alterações de crescimento e diferenciação celular que não cumprem
uma finalidade adaptativa e podem tornar-se irreversíveis e prejudiciais.

Como se observará pela leitura do texto a seguir, a atrofia, a hipertrofia, a hiperplasia


e a metaplasia escamosa são alterações celulares geralmente adaptativas e
reversíveis.

A displasia epitelial e a anaplasia, por outro lado, são alterações não-adaptativas do


crescimento e diferenciação celular, sendo que a anaplasia é irreversível.

1. ATROFIA

Denomina-se atrofia (a = ausência, trophé = nutrição) à diminuição de volume de uma célula,


tecido ou órgão, em relação ao seu volume original. A diminuição de volume de um tecido ou
órgão pode ser causada pela diminuição de volume de cada uma das células que o constitui
(hipotrofia em consequência da predominância do catabolismo sobre o anabolismo) e/ou pela
diminuição da quantidade de células (hipoplasia). Na atrofia, o padrão morfo-funcional
(diferenciação) das células não se altera, porém o nível de atividade funcional é reduzido.

Etiologia

As atrofias resultam, no geral, da adaptação celular a situações de:


♦ redução da oxigenação e nutrição (diminuição da irrigação sangüínea),
♦ diminuição da carga de trabalho,
♦ diminuição ou perda dos estímulos nervoso ou hormonal.

A atrofia senil ocorre no decurso da vida, com o envelhecimento do organismo. Ela


acomete de maneira generalizada os diversos órgãos e tecidos: cérebro, gônadas, coração,
fígado, pele, polpa dental, etc.. A atrofia progressiva do cérebro com a idade está

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provavelmente associada ao desenvolvimento de aterosclerose, com diminuição da irrigação


sangüínea. As gônadas atrofiam-se com a diminuição do estímulo endócrino. A pele apresenta-
se adelgaçada, sem elasticidade, com rugas e sulcos, devido à atrofia da epiderme e
degeneração das fibras colágenas e elásticas da derme. Nas células do coração e do fígado
ocorre diminuição de volume e acúmulo de vacúolos autofágicos contendo o pigmento pardo
lipofuscina (atrofia parda). O envelhecimento acarreta, na polpa dental, diminuição dos
componentes celulares, nervosos e vasculares, substituídos por tecido conjuntivo fibroso.

A atrofia hipoalimentar, ou por inanição, acomete principalmente os tecidos adiposo


(inicialmente) e muscular (a seguir) de indivíduos cuja alimentação não é suficiente para
manter os níveis normais de renovação metabólica e celular.

Na atrofia por desuso, a inatividade funcional de um tecido ou órgão é o fator responsável pela
diminuição de volume. Ela pode ocorrer nos músculos esqueléticos de membros imobilizados
por gesso ou aparelhos ortopédicos, no processo alveolar de indivíduos desdentados, no
músculo mastigatório e nos ossos maxilares de pessoas com paralisia da articulação
temporomandibular.

Na aterosclerose, o acúmulo de placas de gordura no interior de vasos sangüíneos pode


levar à atrofia dos tecidos por diminuição da irrigação. Os hormônios são importantes
reguladores do crescimento e das funções metabólicas celulares e, portanto, a deficiência
hormonal pode provocar atrofia dos órgãos alvos. Numa situação extrema, a deficiência do
hormônio de crescimento pode provocar uma atrofia generalizada, que resulta no nanismo
hipofisário. Um exemplo de atrofia neuropática é a que acomete os músculos esqueléticos,
paralisados devido à destruição da inervação motora pelo vírus da poliomielite.

Prognóstico

As atrofias são, no geral, adaptações celulares reversíveis, isto é, removido o estímulo adverso
o tecido tende a readquirir seu volume e nível de atividade funcional normais. Caso o estímulo
permaneça, superando a capacidade adaptativa das células, acontece a lesão e morte celular -
nestes casos, se o tecido especializado for substituído por tecido conjuntivo fibroso (fibrose),
seu volume original pode não ser readquirido. A atrofia senil é progressiva e irreversível, dada
a irreversibilidade do próprio processo de envelhecimento.

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2. HIPERTROFIA

A hipertrofia (hiper = excesso, trophé = nutrição) é o aumento de volume das células e


conseqüentemente dos tecidos e órgãos constituídos por elas. No ciclo metabólico das células
hipertrofiadas está favorecido o anabolismo: ocorre, portanto, aumento de volume do
citoplasma e núcleo, bem como do número de organelas citoplasmáticas.
Conseqüentemente, o nível de atividade funcional apresenta-se aumentado. O padrão
morfofuncional das células e tecidos hipertrofiados permanece inalterado. A hipertrofia difere
da hiperplasia porque nesta última ocorre aumento do número de células.

Etiologia

A hipertrofia representa uma resposta adaptativa das células:


♦ ao aumento da exigência funcional (aumento da carga de trabalho) ♦
ao aumento do estímulo hormonal

A ocorrência de hipertrofia, sem a presença concomitante de hiperplasia (aumento do número


de células), é observada apenas em tecidos sem capacidade de renovação da população celular
(tecidos perenes). Quando os demais tecidos são submetidos a um aumento da carga de
trabalho ou ao aumento do estímulo hormonal, desenvolvem-se simultaneamente hipertrofia e
hiperplasia.

São exemplos de hipertrofia adaptativa por aumento da carga de trabalho:

hipertrofia da musculatura estriada esquelética de atletas e de trabalhadores braçais;

hipertrofia do músculo mastigatório de indivíduos com o hábito de ranger ou apertar os


dentes durante o sono (bruxismo);

hipertrofia do músculo cardíaco de pacientes com hipertensão, cujo coração contrai-se


contra uma maior pressão da artéria aorta, podendo desenvolver uma hipertrofia ventricular
esquerda acentuada;

hipertrofia do músculo cardíaco, em casos de acúmulo de gordura (aterosclerose) na


parede da aorta descendente;

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hipertrofia da musculatura cardíaca, quando as válvulas do coração apresentam algum tipo


de insuficiência, tornando o esvaziamento das cavidades cardíacas incompleto.

Para que ocorra hipertrofia, as células devem ser requisitadas a aumentar o nível de trabalho
para o qual se especializaram (especificidade do estímulo). Além disso, o tecido deve ser
íntegro estrutural e funcionalmente e é necessário que ocorra um aumento da irrigação, para
garantir um maior aporte de oxigênio e de nutrientes.

Prognóstico

A hipertrofia é, no geral, uma adaptação celular reversível. Após certa intensidade/duração do


estímulo pode ocorrer duplicação do material genético levando à poliploidia, ou então ao
aumento do ritmo de multiplicação celular, com o intuito de dividir a carga de trabalho por
maior número de células - desenvolve-se então a hiperplasia. Se o estímulo persistir ou
aumentar de intensidade, excedendo a capacidade adaptativa das células, sobrevem a exaustão
e conseqüentemente a lesão ou mesmo a morte celular.

3. HIPERPLASIA

Hiperplasia (hiper = aumento, plasis = formação) é o aumento do número de constituintes de


um tecido ou órgão. Na hiperplasia ocorre aumento do ritmo de multiplicação celular, tendo
portanto ocorrência restrita aos tecidos lábeis e estáveis. Apesar de aumentado, o ritmo de
multiplicação é mantido sob o controle do organismo, e nisto as hiperplasias diferem das
neoplasias (tumores), que são crescimentos potencialmente ilimitados e irreversíveis.

O padrão morfofuncional das novas células, na hiperplasia, é semelhante ao da população


normal. A capacidade funcional do tecido ou órgão hiperplásico, no entanto, apresenta-se
aumentada. A hiperplasia pode ser difusa, espalhando-se por todas as áreas do tecido, ou
restringir-se a algumas áreas (hiperplasia localizada), dando origem a papilas, cordões ou
nódulos hiperplásicos.

Etiologia

A hiperplasia, à semelhança da hipertrofia, é geralmente uma resposta adaptativa:


♦ ao aumento da exigência funcional
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♦ ao aumento do estímulo hormonal


Hiperplasias por Aumento da Exigência Funcional

Como exemplo, temos a hiperplasia dos gânglios linfáticos, que pode ocorrer durante as
infecções, visando uma maior produção de leucócitos.

É comum a hiperplasia da camada espinhosa dos epitélios de revestimento das


superfícies mucosas (denominada acantose), em resposta a agressões suaves e prolongadas na
sua superfície. Nestas situações, não é raro que a acantose esteja associada a uma hiperceratose
(espessamento da camada córnea). O aumento de espessura do epitélio, que se apresenta
clinicamente na forma de áreas esbranquiçadas, pode ocorrer em áreas da mucosa oral sujeitas
ao traumatismo mecânico persistente provocado por dentes fraturados ou por próteses mal-
adaptadas ou em decorrência de agressões química e térmica exercidas pelo tabagismo e pelo
alcoolismo.

As calosidades representam o espessamento (hiperplasia) principalmente das camadas


granulosa e córnea do epitélio estratificado pavimentoso da epiderme e podem formar-se nas
regiões de maior atrito das mãos e pés.

Quando um dos órgãos pares (rim, ovário, testículo) é removido, o órgão remanescente
apresenta hiperplasia compensadora. O aumento da população celular, e conseqüentemente do
nível de atividade funcional, visa a suprir a falta do órgão contralateral ausente. Assim o
organismo pode cumprir normalmente suas funções com apenas um rim, um ovário etc..

Hiperplasias de Causa Hormonal

Na gravidez e lactação observa-se hiperplasia do endométrio do útero e da glândula mamária,


como resposta ao estímulo hormonal aumentado. Estes são exemplos de hiperplasia fisiológica.

As hiperplasias hormonais patológicas ocorrem quando disfunções endócrinas, manifestadas


por níveis hormonais anormalmente elevados, acarretam hiperplasia dos órgãos alvos. A
hiperplasia das glândulas endometriais pode ser patológica, quando provocada por um aumento
anormal nos níveis de estrógeno. A hiperfunção da hipófise pode ocasionar uma hiperplasia da
córtex da adrenal, se o hormônio em questão for o adrenocorticotrófico, ou uma hiperplasia da
tireóide, se houver produção excessiva do hormônio tireotrófico, e assim por diante.
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Existem também processos proliferativos hiperplásicos que não podem ser


interpretados como um fenômeno adaptativo. É o caso das hiperplasias regenerativas e
inflamatórias.

Hiperplasia Regenerativa (Regeneração Hiperplásica)

Quando ocorre aumento do ritmo de multiplicação celular em um tecido que sofreu perdas,
com o objetivo de repor as células perdidas, pode acontecer que a regeneração exceda o volume
original do órgão. Têm-se então hiperplasias que não cumprem uma função normal e podem
provocar um desarranjo na arquitetura do órgão em questão. Um exemplo típico são os calos
ósseos, que se formam na fase inicial da consolidação de fraturas e que são posteriormente
absorvidos, para garantir a recuperação da arquitetura óssea normal

Prognóstico

As hiperplasias são crescimentos limitados, que respondem aos mecanismos reguladores do


organismo, e geralmente reversíveis, isto é, removido o estímulo o tecido tende a readquirir seu
volume normal; neste aspecto, as hiperplasias diferem dos crescimentos tumorais (neoplasias),
que são ilimitados e irreversíveis.

Há casos, porém, em que a hiperplasia tem tendência a se estabilizar, não regredindo


mesmo quando o estímulo pode ser identificado e removido, tornando-se necessária a remoção
cirúrgica do tecido hiperplásico. Além disso, as formações hiperplásicas, dependendo de sua
localização, podem estar sujeitas à ulceração e sangramento, ou podem obstruir canais naturais,
causando danos ao organismo.

Um aspecto importante de algumas hiperplasias é que, particularmente aquelas de longa


duração, com pouca tendência à regressão, têm maior probabilidade de sofrer transformação
maligna, sendo portanto consideradas alterações potencialmente cancerosas

(pré-cancerosas, pré-malignas, cancerizáveis). Algumas hiperplasias patológicas são um solo fértil


em que pode eventualmente se desenvolver o câncer, dentre elas as hiperplasias do endométrio

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uterino e da mama, que ocorrem em resposta ao aumento da estimulação estrogênica, e também


a regeneração hiperplásica do fígado cirrótico.

A definição de lesão potencialmente cancerosa origina-se de um conceito probabilístico, não


significando que a lesão vai evoluir inevitavelmente para o câncer. Além disso, não é possível
estabelecer com certeza quanto tempo seria necessário para a transformação de uma lesão como
esta em um tumor maligno (câncer).

Como vimos, a atrofia, a hipertrofia e a hiperplasia são alterações


apenas de de crescimento celular

ATROFIA HIPERTROFIA HIPERPLASIA

Diminuição
de volume aumento de
volume
aumento de
número

4. METAPLASIA

Metaplasia (meta = variação, mudança; plasis = formação) significa a transformação de um


tipo de célula adulta em outro tipo de célula, também adulta, sendo que a transformação se faz
sempre no sentido de um tecido mais frágil para um tecido mais resistente. Ao contrário das
alterações anteriores, na metaplasia ocorrem alterações não só no ritmo de multiplicação
celular mas também na diferenciação, envolvendo mudança tanto na quantidade de células
quanto no seu padrão morfo-funcional. Na metaplasia ocorre inativação de alguns genes (cuja
expressão é responsável pela diferenciação do tecido original) e desrepressão de outros (que
condicionam o novo tipo de diferenciação celular).

A metaplasia dos tecidos de natureza epitelial (metaplasia escamosa) leva à


transformação dos epitélios simples ou pseudoestratificados em epitélio pavimentoso
estratificado. Nos tecidos de origem mesenquimal (metaplasia mesenquimatosa) a

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transformação é de tecido conjuntivo em tecidos cartilaginoso ou ósseo. A transformação de


tecidos de natureza epitelial em tecidos de natureza conjuntiva, ou vice-versa, não acontece.

4.1. Metaplasia Escamosa

Etiologia

A metaplasia escamosa é considerada uma adaptação protetora, pois a transformação do


epitélio torna-o mais resistente às agressões provocadas por:

♦ agressões físicas ou químicas atuando prolongadamente sobre o tecido, ♦


processos inflamatórios crônicos.

Em fumantes de longo tempo, o epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado das vias


respiratórias (traquéia e brônquios) é freqüentemente substituído por epitélio estratificado
pavimentoso, melhor adaptado à ação irritante do calor e das substâncias químicas presentes
na fumaça do cigarro. Transformação semelhante pode ocorrer na bronquite crônica.

Na estomatite nicotínica, a irritação local pela fumaça do cachimbo provoca a


transformação do epitélio simples do ducto excretor das glândulas mucosas do palato em
epitélio estratificado pavimentoso.

A presença de cálculos nos ductos excretores das glândulas salivares, do pâncreas ou da


vesícula biliar, leva à transformação do epitélio simples normal em um epitélio estratificado
pavimentoso, mais resistente ao traumatismo mecânico continuado.
As infecções crônicas persistentes ou recorrentes usualmente determinam a
transformação do epitélio simples colunar do canal cervical (uterino), secretor de muco, em
epitélio pavimentoso estratificado.

A agressão térmica prolongada, provocada no epitélio da mucosa oral e do esôfago por


alimentos quentes, pode levar à ceratinização do epitélio estratificado pavimentoso
nãoceratinizado - este também é considerado um exemplo de metaplasia escamosa.

Apesar de ser uma adaptação protetora, a metaplasia escamosa é uma faca de dois gumes: se
por um lado a transformação do epitélio torna-o mais resistente às agressões, por outro são
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perdidas especializações responsáveis por funções importantes, como secreção e movimento


ciliar.

Prognóstico

A metaplasia escamosa é uma adaptação celular reversível, isto é, o tecido pode voltar à
normalidade uma vez removida a ação do agente irritante. Um aspecto importante da
metaplasia escamosa é que ela é uma alteração potencialmente cancerosa (pré-maligna). Dados
clínicos e experimentais mostram que tecidos em que ocorreram modificações nos processos
de multiplicação e diferenciação celular têm maior probabilidade de dar origem ao câncer.
Assim, os estímulos que levam à metaplasia escamosa, se persistentes, podem provocar a
transformação cancerosa do epitélio metaplásico.

4.2. Metaplasia Mesenquimatosa

A transformação de áreas de tecido conjuntivo em tecidos cartilaginoso ou ósseo tem


causas desconhecidas e não pode ser explicada como uma adaptação protetora. Ela é
relativamente comum em tecidos conjuntivos em desenvolvimento, como é o caso das
cicatrizes, da organização de trombos ou coágulos, e nos processos inflamatórios. Nessas
situações, os fibroblastos transformam-se em condroblastos ou osteoblastos, produzindo
cartilagem ou osso onde esses tecidos não seriam normalmente observados.

5. DISPLASIA

Displasia (dis = imperfeito, irregular; plasis = formação) significa a conformação irregular de


tecidos e órgãos. Este é um termo bastante abrangente, que se refere a alterações adquiridas ou
congênitas, de células epiteliais ou mesenquimatosas.

Na displasia ectodérmica congênita ocorre o desenvolvimento imperfeito da epiderme e dos


anexos da pele: observa-se ausência completa ou parcial das glândulas sudoríparas e sebáceas,
folículos pilosos imperfeitos ou ausentes, pele fina e seca, anodontia parcial ou total e glândulas
salivares hipoplásicas.

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A displasia fibrosa do osso é uma entidade patológica adquirida, ainda mal compreendida e de
etiologia desconhecida, que pode acometer um ou vários ossos do organismo. Ocorre
substituição do osso normal por tecido conjuntivo fibroso, ao qual entremeiam-se trabéculas
ósseas dispersas e pobremente calcificadas. Dependendo de sua localização, provoca graves
distorções nas costelas, fêmur, tíbia, órbita ocular, nariz e mandíbula.

5.1. Displasia Epitelial

A displasia epitelial é uma alteração não-adaptativa adquirida que pode ocorrer nos epitélios
estratificados de revestimento e se caracteriza por um aumento da proliferação associado a
diferenciação celular atípica, envolvendo alterações de tamanho, forma e organização. Ela é,

portanto, uma alteração de crescimento e de diferenciação celular. Seu aspecto histológico inclui
algumas ou várias das alterações descritas a seguir:

♦ hiperplasia da camada basal;

♦ perda de orientação das células, umas em relação às outras, provocando um desarranjo na


progressão das diferentes camadas;

♦ distúrbio na maturação celular, com alterações de forma, tamanho e afinidade tintorial de


citoplasma e núcleo (polimorfismo celular e nuclear);

♦ ceratinização de células individuais nas camadas mais profundas do epitélio, originando as


pérolas córneas;

♦ aumento da atividade proliferativa, manifestando-se como hipercromatismo nuclear e


aumento do número de mitoses, com ocasionais figuras de divisão celular nas camadas
mais superficiais do epitélio. Apesar de mais numerosas, as figuras de mitose são no geral
normais, e neste aspecto a displasia difere da anaplasia (transformação cancerosa).

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Etiologia

A displasia epitelial pode ocorrer no epitélio estratificado das mucosas em decorrência de:
♦ agressões físicas ou químicas prolongadas,
♦ inflamações/infecções crônicas de longa duração.

Como exemplos, a displasia epitelial pode ser observada:

no epitélio da mucosa oral, em resposta à agressão prolongada pela fumaça do


cigarro ou pelo álcool;

no epitélio do canal cervical (uterino) que já tenha sofrido transformação


metaplásica em conseqüência da exposição a infecções recorrentes;

no epitélio metaplásico do trato respiratório de fumantes crônicos;

no epitélio do esôfago, em casos de esofagite crônica de refluxo (refluxo de suco


gástrico e bile por tempo prolongado).

Considera-se que alguns estímulos que podem provocar a acantose (hiperplasia da


camada espinhosa dos epitélios estratificados) ou a metaplasia escamosa (transformação de
epitélios simples ou pseudoestratificados em epitélios estratificados), se persistirem, também
podem determinar a transformação cancerosa desses epitélio, numa seqüência de alterações
com gravidade progressiva que passam pela displasia leve, moderada e severa e culminam com
a anaplasia (desdiferenciação ou indiferenciação celular, característica dos tumores malignos
ou cânceres).

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hiperpla
sia da
camada
espinho
sa
(acantos
e)

displasia epitelialanaplasia
leve → moderada → severa
(câncer)

metaplasia escamosa

Prognóstico

A displasia epitelial é uma alteração reversível: com a remoção do estímulo o epitélio pode
retornar ao normal. Esta alteração, no entanto, apresenta uma forte associação com a
transformação maligna das células, sendo considerada potencialmente cancerosa

(pré-maligna ou cancerizável), principalmente na sua forma severa. A displasia epitelial do colo


uterino, das mucosas oral e gástrica e do epitélio brônquico tem sido apontada como precursora
do câncer, o que não significa, no entanto, que ela progredirá necessariamente para isto.

6. ANAPLASIA

Anaplasia (an = movimento para trás, plasis = formação) é a transformação de células


diferenciadas em células indiferenciadas. É um fenômeno de intensa proliferação celular, em que
as células novas não adquirem as características de diferenciação das células de origem, um
fenômeno regressivo, de indiferenciação de tecidos adultos, em que as células perdem toda a
semelhança com a população celular tipicamente diferenciada.

A anaplasia é a alteração celular observada nos tumores malignos


com alto grau de malignidade; ela é
o critério histopatológico de malignidade dos tumores.

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Características Histopatológicas

É típico da anaplasia o polimorfismo nuclear e celular (isto é, a ausência de um padrão estrutural)


caracterizado por variações na forma, tamanho e afinidade tintorial do citoplasma e do núcleo,
tornando muitas vezes difícil reconhecer histologicamente a origem das células anaplásicas.

Na anaplasia usualmente ocorre uma alteração na relação normal de volume do núcleo pelo
volume citoplasmático, com núcleos desproporcionalmente grandes e hipercorados, que é uma
expressão morfológica de poliploidia, comum nas transformações anaplásicas. São também
comuns os nucléolos numerosos e anormalmente grandes. É um

achado freqüente a presença de células gigantes multinucleadas, de formas estranhas.

Ocorre aumento da quantidade de células em mitose, porém, ao contrário da displasia,


são freqüentes as figuras atípicas de mitose (mitoses tri, tetra ou multipolares, com formas
bizarras).

O arranjo estrutural das células anaplásicas foge completamente ao padrão do tecido


original, não logrando constituir estruturas organizadas, mas apenas ninhos, cordões ou massas
irregulares.

Prognóstico

As células anaplásicas são orientadas unicamente para a multiplicação, em detrimento do


processo de diferenciação, dando origem a uma intensa proliferação potencialmente ilimitada e
irreversível, que foge completamente aos mecanismos reguladores do organismo. A anaplasia é

uma transformação altamente danosa. As células anaplásicas provocam destruição de estruturas

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normais do organismo, invadindo os tecidos vizinhos, podendo inclusive penetrar pela parede
de vasos sangüíneos, dispersando-se para áreas distantes do local de origem, via corrente
circulatória (metástase).

7. ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Hipoplasia (hipo = diminuição, plasis = formação) refere-se ao desenvolvimento insuficiente


de um órgão, que desta maneira não atinge seu volume adulto normal. Ela é, portanto, uma
alteração congênita irreversível, que pode atingir qualquer órgão, mas é geralmente compatível
com a vida. Mesmo quando afeta órgãos vitais, muitas vezes a quantidade de parênquima que
se desenvolve é suficiente para cumprir a função requerida pelo organismo.

Aplasia (a = ausência, plasis = formação) é a incapacidade completa de


desenvolvimento de um primórdio embrionário. O órgão aplásico pode estar completamente
ausente, ou então ser representado por rudimentos de tecido fibroso ou gorduroso. A aplasia é
mais comumente observada em um dos órgãos pares, sendo nesses casos compatível com a
vida, pois o órgão remanescente apresentará hiperplasia compensadora, aumentando sua
capacidade funcional para suprir a falta do contralateral. Na ausência de desenvolvimento de
um órgão vital ímpar, não é possível o desenvolvimento do feto.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA PARA ESTUDO

1. Brasileiro Filho, G. - Bogliolo Patologia Geral. Guanabara Koogan, RJ.


2. Cotran, R.S.; Kumar, V. & Robbins, S.L. - Robbins Patologia Estrutural e Funcional.
Guanabara Koogan, RJ.
3. Gresham, G.A. Atlas de Patologia Geral. - Barcelona Científico-Médica, Atheneu, RJ.
4. Junqueira L.C. & Carneiro J. - Biologia Celular e Molecular. Guanabara Koogan, RJ.

Recomenda-se que sejam consultadas as edições mais recentes

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