Você está na página 1de 12

A UNE como instrumento de subversão:

a Frente da Juventude Democrática contra a esquerda


estudantil durante a greve universitária de 1962
ANDRÉ LUIZ RODRIGUES DE ROSSI MATTOS*

Resumo: O presente artigo pretende analisar como a Frente da Juventude Democrática


(FJD) atuou em relação aos estudantes de esquerda durante a greve por um terço, em
1962, período em que a mobilização e as ações políticas das esquerdas e do
anticomunismo foram bastante amplas e radicalizadas. Nesse sentido, pretende-se
analisar como a FJD representou a União Nacional dos Estudantes (UNE) e quais foram
as suas ações.
O tema proposto está situado entre os anos de 1961 e 1964, quando as reformas de base
passaram a nortear o debate político no Brasil, tendo em seu contexto fortes disputas no
interior da sociedade brasileira entre os setores favoráveis e contrários a essas reformas.
Na definição dessas posições estiveram, de um lado, o avanço dos movimentos sociais;
do outro, se reafirmou uma posição motivada pelo anticomunismo que se relacionou
tanto com o contexto nacional de oposição às formas e ao conteúdo reformista, quanto
com as tensões internacionais da Guerra Fria.
Dentre os movimentos que avançaram estava a UNE, que no início dos anos de 1960
reuniu os segmentos estudantis da esquerda e se aproximou das propostas mudancistas,
em especial da reforma universitária, considerada pela entidade como o ponto de
partida das demais reformas nacionais. Assim, esse setor estudantil organizou
congressos e seminários sobre o tema tendo como resultado uma ampla mobilização e a
efetivação de uma greve geral em meados de 1962, que ficou conhecida como a greve
por um terço. Simultaneamente, em oposição à UNE, se fortaleceu um movimento de
tendência anticomunista organizado inicialmente pela FJD.
Para percorrer alguns caminhos dessas disputas, foram utilizados, como fonte de
pesquisa, documentos da UNE, comunicados e declarações da FDJ e a imprensa, a qual
destacou tanto a greve por um terço quanto os confrontos que ocorreram no interior do
movimento estudantil.
Supõe-se que uma análise sobre as organizações universitárias anticomunistas do início
dos anos de 1960 possa contribuir para o entendimento de alguns setores estudantis que
saíram em defesa do golpe civil-militar em 1964, situando os estudantes como um
segmento aberto às diversas diferenças que motivaram a sociedade brasileira no início
dessa década.
Palavras-chave: União Nacional dos Estudantes; movimento estudantil;
anticomunismo.

*
ANDRÉ LUIZ RODRIGUES DE ROSSI MATTOS é formado em Ciências Sociais,
Especialista em História Política e mestrando em História pelo PPGH da Universidade Estadual Paulista
"Julio de Mesquita Filho", Campus de Assis/SP.

119
Fachada da sede da UNE, na Praia do Flamengo, nº. 132, RJ, no dia seguinte após ter sofrido um atentado
do Movimento Anticomunista, no início de 1962. Fonte: Folha de São Paulo, 08/01/1962, p. 01.

As reformas de base e o movimento Em meio a essa polarização,


estudantil principalmente entre 1962 e os
Nas eleições de 1960, Jânio Quadros foi primeiros meses de 1964, o principal
eleito presidente da República com debate que dividiu as opiniões da
grande margem de votos. O novo sociedade brasileira foram as reformas
presidente assumiu o cargo no início de de base, tema que era defendido,
1961, e renunciou sete meses depois, guardada as diferenças, tanto pelo
em agosto do mesmo ano. A renúncia governo Goulart, quanto pelas forças
causou uma grave crise nacional, pois sociais de esquerda que se organizaram
setores conservadores, civis e militares, no período. Estas foram materializadas,
vetaram a posse do vice, João Goulart, o dentre outras, nas propostas de reforma
que motivou, em oposição ao veto, uma agrária, urbana, bancária, eleitoral e
intensa campanha que defendeu a universitária. A justificativa era de que
legalidade na sucessão presidencial. No o Brasil havia chegado a um grau de
entanto, Goulart só conseguiu assumir o desenvolvimento que exigia
posto de presidente após uma alteração transformações estruturais que
na Constituição de 1946, mudança que possibilitassem a sua continuidade por
tornou o sistema de governo meio da ativação da economia rural e da
parlamentarista. Ao término da crise de mobilização econômica urbana,
1961, a conjuntura nacional assumiu ampliada através das outras reformas
outro aspecto, o que um analista do em marcha (RIBEIRO, 2006, pp. 207-
Jornal do Brasil (01/011962, p. 04), 208).
interpretou como uma divisão Como tema dessas reformas, o ensino
inconciliável entre a esquerda e a superior era também considerado
direita. Essa cisão entre as forças superado para a realidade em que o
políticas permaneceria exasperada até o Brasil se encontrava. Segundo o
golpe civil militar de 1964.

120
Programa de Governo para a Educação promoveu diversos debates e estudos
e Cultura: em torno do tema, dos quais os
“[o] país que se industrializa e Seminários Nacionais de Reforma
necessita, cada vez mais, de Universitária (SNRU) foram os mais
técnicos de nível superior para as importantes.
múltiplas tarefas de uma sociedade Os SNRU contavam com a participação
moderna, continuamos a manter um de estudantes que representavam todas
ensino universitário obsoleto, de
as regiões brasileiras e ocorreram de
alto custo e baixo rendimento, além
de inteiramente insuficiente do 1961 a 19631.
ponto de vista quantitativo” No I SNRU (1961), realizado em
(Programa de governo para Salvador, os estudantes nele reunidos
educação e cultura (1961), In: analisaram a universidade dentro do
Educação e Ciências Sociais, Ano contexto geral em que entendiam que o
VI, vol. 9, nº. 17, Maio – Agosto, p.
país se encontrava. Segundo o seu
14).
resultado, exposto em um documento
Entende-se assim que na interpretação intitulado Declaração da Bahia, o
governamental o ensino superior não Brasil era uma nação capitalista em fase
conseguia formar profissionais de desenvolvimento, marcada por uma
suficientes e nem adequados à realidade infraestrutura agrária de bases
da industrialização, da necessidade de latifundiárias, dependente das potências
resolver os problemas do estrangeiras, insuficiente em seus
desenvolvimento e planejá-lo de acordo padrões de vida e com um grande
com as exigências de uma sociedade desequilíbrio regional (Declaração da
moderna. Bahia, 1961, In: FÁVERO, pp. 3-9).
Para Florestan Fernandes, além da Quanto à questão específica do ensino
necessidade de superar a precariedade superior, o I SNRU apontou que:
do ensino universitário, era preciso
“Universidade e sociedade se
substituir totalmente o padrão interpenetram e se interinfluenciam
dominante de trabalho pedagógico, o individualmente. Uma sociedade
que fazia do labor intelectual um fim deformada conterá uma
em si mesmo, divorciando-se Universidade igualmente mutilada.
exageradamente da pesquisa científica, Reciprocamente, uma universidade
do pensamento criador e da reflexão infiel às suas responsabilidades
prática (FERNANDES, 1960, In: históricas estará conformando uma
Revista Brasiliense, p. 112). sociedade incapaz de auto-superar-
se, insensível à auto-crítica, vedada
A crítica e as propostas reformistas que à evolução” (Idem, p. 17).
foram tratadas no campo educacional,
no entanto, não foram debates De acordo com essa interpretação a
exclusivos do governo ou dos universidade refletia todos os problemas
intelectuais. A necessidade de estruturais do país e por sua vez, não
mudanças no sistema de ensino também conseguia retribuir a ele as soluções
era abordada pelos reitores das necessárias para os seus problemas,
universidades, professores em geral e 1
pelos movimentos sociais. Dentre eles, Não consideramos nesse trabalho, em
detrimento do recorte temporal, o I Seminário
o movimento universitário, que a partir de Reforma do Ensino (1957) e o I Seminário
da UNE, de suas congêneres estaduais e Latino-Americano de Reforma e
dos centros e diretórios acadêmicos, Democratização do Ensino Superior (1960).

121
dessa forma, falhava em sua missão É possível entender que os setores que
com a sociedade. Para esses estudantes, defendiam a participação estudantil nos
a forma de resolver o problema da órgãos colegiados, havia um conflito
questão universitária estava situada em acontecendo no interior das
um quadro maior, no qual as suas universidades. Interpretava-se haver
mudanças tinham que estar ao lado e em uma contradição entre o novo e o velho,
sintonia com as outras transformações o revolucionário e o reacionário. Esse
que eram preconizadas pelo conjunto conflito era reconhecido a partir das
das reformas de base. O problema que identificações que se fazia do corpo
então passou a se colocar para os universitário dirigente. Se por um lado a
setores do movimento universitário UNE afirmava os estudantes como a
liderados pela UNE foi de como essas parcela mais comprometida com o
mudanças seriam realizadas e quem as futuro, mais aberta aos novos ideais
realizaria. (Declaração da Bahia, p. 27), o
professorado, ou grande parte dele, era
Foi a partir do II SNRU (1962), considerado como frequentemente
realizado em Curitiba, que uma reacionário e acumpliciado com os
proposta de como chegar aos objetivos interesses das classes dominantes
estudantis e uma linha de ação mais (Idem). Considerava-se, então, que
concreta passou a existir. cabia aos estudantes protagonizar as
Desde o I SNRU, os estudantes mudanças que achavam necessárias, já
debatiam a democratização da que era entre eles que as novas
universidade, entendendo como um de concepções tinham mais abertura.
seus aspectos a participação do corpo
Convencidas da interpretação de eram
discente nos órgãos colegiados. Esses
as mais comprometidas com o futuro e
órgãos eram as Congregações,
com os novos ideais, parte significativa
Conselhos Universitários, Conselhos
das direções estudantis decidiram a
Técnicos e Conselhos Administrativos,
estratégia de luta pela reforma
nos quais os estudantes tinham direito a
universitária. A maneira de iniciá-la era
uma vaga, geralmente ocupada pelo
democratizar os órgãos colegiados,
presidente do Diretório Central dos
ampliando a participação dos
Estudantes (DCE). O problema é que
estudantes, na proporção de um terço do
para os setores ligados a UNE, a
seu número total de membros, o que
representação de apenas um membro
também foi chamado de co-governo, e
nesses órgãos não possibilitava que as
quem daria início a essas reformas, em
ideias estudantis de fato tivessem
última instância, seria o próprio
representatividade. Segundo foi
movimento universitário, a partir da sua
sintetizado por Roland Corbisier,
participação efetiva nos rumos desses
“Só essa participação da mocidade órgãos deliberativos.
estudantil, hoje esclarecida e
identificada com as aspirações A primeira ação da UNE, no sentido de
populares e nacionais, tornará mobilizar e tentar unificar os estudantes
possível a transformação da em torno da reforma universitária e, em
Universidade em um instrumento especial, em torno das propostas do II
promotor do desenvolvimento, da SNRU, foi a criação da UNE-Volante,
emancipação econômica do uma caravana dos diretores da UNE e
progresso social” (COBISIER, do Centro Popular de Cultura (CPC)
1968, p. 129).
que percorreu quase todas as capitais

122
brasileiras realizando assembleias, de subverter a ordem democrática, além
reuniões, apresentando peças de teatro, de um radicalismo extremo.
debatendo a reforma universitária e
Essas interpretações tinham origem
defendendo a participação estudantil de
tanto no contexto internacional quanto
um terço nos órgãos colegiados. Para a
no nacional. No plano internacional, a
UNE, era necessário que os estudantes
Guerra Fria colocava em confronto as
conhecessem as análises e as propostas
duas superpotências mundiais, os EUA
dos seminários que haviam sido
e a URSS. Quanto ao Brasil e a
realizados pela entidade. Segundo um
América Latina, eram um teatro
de seus comunicados, enviado para os
secundário até que a Revolução Cubana
Centros Acadêmicos,
arrastou todo o Continente para o centro
“A UNE-Volante, percorrendo do embate (MOTTA, 2002, p. 231).
todos os Estados, levará as Identificado o perigo internacional do
definições sociais do movimento
comunismo e o crescimento nacional
estudantil, instrumento seguro para
prosseguirmos em nossa luta. (...)
dos movimentos de esquerda, os setores
Dentro de uma perspectiva tática mais conservadores e as fileiras do
nossa luta será tanto mais válida anticomunismo passaram a se organizar
quanto mais bem orientadas forem e se traduziram em algumas
as nossas reivindicações, quanto organizações com importância
mais bem estruturado estiver o preponderante no Brasil. Duas dessas
nosso movimento.” (...) Impõe-se organizações foram o Instituto
aqui, como tarefa imediata, nossa Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)
presença nessa reformulação, e o Instituto de Pesquisas e Estudos
exigindo um co-governo efetivo Sociais (IPES). Juntos, o IPES e o
(um terço de aluno) que dê ao
IBAD lideraram ações de contenção da
estudante as possibilidades reais e
válidas nos órgãos de direção da
influência das organizações de esquerda
Universidade” (A UNE-Volante. In: em diversos movimentos e segmentos
CASTILHO, s.d., s/p; Folha de São sociais. Também lançaram filmes,
Paulo, primeiro caderno, revistas, estudos e livros de propaganda
12/03/1962, p. 6). contrária ao comunismo (DREIFUSS,
2006, p. 174-175).
Ao considerarmos esse comunicado,
podemos concordar com o apontamento No interior das organizações estudantis,
de José Luiz Sanfelice (1986, p. 37) de a maior influência que existia naquele
que provavelmente a UNE tivesse momento era da esquerda, em especial
convicção de que os estudantes estavam de um setor político da Juventude
ganhando novas forças e perspectivas. Universitária Católica (JUC) que havia
se consolidado na direção da UNE a
Por outro lado, o cenário no qual se partir de 1961, com a eleição de Aldo
afirmavam as propostas das reformas de Arantes, então membro dessa
base e no qual os estudantes ligados a organização. Em seguida, o Partido
UNE desenvolviam as suas concepções Comunista Brasileiro (PCB) também
a partir da questão universitária não era exercia influência. Para fazer frente ao
homogêneo, e as posições que se avanço dessas organizações dentre os
contrapunham a elas eram bastante estudantes, o IPES e, em especial, o
fortes. Havia setores que identificavam, IBAD se empenharam em uma difícil e
nas manifestações reformistas, a dura campanha de contenção e
influência do comunismo e o objetivo desagregação dirigida especialmente

123
contra a UNE. (Idem, p. 300-302). Sua No Rio de Janeiro, os alunos da
atuação principal se dava por meio do Faculdade Nacional de Direito também
Movimento Estudantil Democrático estavam em greve contra a proibição de
(MED) e da Frente da Juventude uma conferência patrocinada pelo
Democrática (FJD), patrocinada pelos Centro Acadêmico Cândido de Oliveira
IPES e dirigida por ativistas estudantis (CACO) e os alunos da PUC em greve
de direita. contra a demissão sumária do Professor
de Direito Civil da instituição (Revista
A greve universitária
Visão, 08/06/1962, p. 20).
A greve nacional por um terço teve
início dia 1º de junho e o jornal Última No Paraná, as aulas também estavam
Hora (01/06/1962, p. 2) atribuiu ênfase suspensas desde o início de maio,
à decisão do Conselho Nacional de reivindicando antecipadamente a
Estudantes em lançar mão do recurso participação de um terço nos colegiados
extremo a fim de verem atendidas as (O Estado de São Paulo, 07/06/1960, p.
suas reivindicações. A efetivação da 7). Em Fortaleza, os estudantes
greve, no entanto, era parte de um igualmente em greve e na Bahia,
cenário de efervescência no interior das Pernambuco e Paraíba as mobilizações
universidades. Os estudantes da estudantis vinham sendo constantes.
Universidade Mackenzie, em São Paulo, Com o decreto da paralisação nacional
estavam com as aulas paralisadas desde da UNE, o movimento incorporou e
o início de maio, reivindicando que a unificou a grande maioria das
instituição fosse federalizada.2 Na reivindicações que já existiam, o que
Faculdade de direito da Universidade de significou um peso considerável logo no
São Paulo (USP), a greve era seu primeiro dia. Nos outros Estados, a
direcionada contra um concurso de paralisação foi acontecendo
Cátedra que os estudantes eram contra. gradativamente, conforme os Conselhos
No final de maio, A União Estadual dos Estaduais de Estudantes se reuniam para
Estudantes (UEE-SP) incorporou as deliberar a paralisação das aulas.
reivindicações estudantis dessas duas
universidades e foi decretada uma greve Por outro lado, o meio universitário,
geral no Estado que em junho ainda mesmo no auge inicial da greve por um
estava vigorando. terço, não era homogêneo ou unitário.
Apesar de alguns grupos frontalmente
opostos à UNE terem se manifestado
2 favoráveis à paralisação, especialmente
Além da reivindicação estudantil pela
federalização, a Universidade Mackenzie foi
na Guanabara (Encontro Universitário,
tema de diversos debates no Conselho Federal Jornal do Brasil, 18/05/1962 –
de Educação (CFE), que chegou a indicar uma 25/06/1962, caderno B, p.14), na
comissão para acompanhar o caso. O relatório Universidade Mackenzie e na PUC, em
da comissão apontou divergências entre a São Paulo, grupos de alunos das
Universidade e a Mantenedora na adequação de
seus estatutos a Lei de Diretrizes e Bases da
Faculdades de Direito se posicionaram
Educação (LDB) e um mediador foi indicado. publicamente em favor de furar a greve
Em 16/11/1962, o Estatuto da Universidade foi (O Estado de São Paulo, 03/06/1960, p.
aprovado pelo CFE como o resultado feliz da 17). No Paraná, nas cidades de Ponta
mediação levada a efeito pelo nosso eminente Grossa e Londrina também haviam
colega, Professor Almeida Junior, em nome
deste Conselho. O estatuto previa a participação
estudantes contrários à greve, além de
de apenas um representante discente em seus um movimento pró-plebiscito que, a
órgãos. Documenta (1962), MEC, nº. 1-7. partir de um grupo estudantil de

124
Curitiba, passou a exigir da União principalmente nos Estados de São
Paranaense dos Estudantes (UPE) uma Paulo e do Paraná (Folha da Manhã,
votação geral, justificando que essa era 08/05/1958, p. 2). No entanto, o ano de
a oportunidade de todos os 1962 começou com ações mais
universitários se expressarem em violentas. Logo no início do ano, a sede
relação à paralisação, proposta que foi da UNE foi metralhada pelo Movimento
tachada como traidora e divisionista Anticomunista (MAC), além de pintar
pela UPE (Idem, 22/06/1962, p. 5). frases anticomunistas na sede de várias
entidades estudantis e órgãos públicos.
No entanto, os movimentos que se
A ação do MAC criou um alarde geral
opuseram à greve não se tornaram
na imprensa (Folha de São Paulo,
nacionais e foram sendo ofuscados
09/01/1962, p. 01, 04 e 17; 10/01/1962,
pelas assembleias dos centros e
p. 01; 11/01/1962, p. 01) e acirrou os
diretórios acadêmicos e por
ânimos contrários a esse tipo de ação.
intervenções das entidades estudantis
No mês de abril, durante uma
estaduais, que foram continuamente
conferência do deputado Francisco
ratificando a decisão da UNE e as
Julião, líder das Ligas Camponesas, na
resoluções do II SNRU. Nesse contexto
sede da UNE, estudantes que
inicial, a FJD surgiu como a primeira
discordavam da política praticada pela
organização radical de oposição à greve
entidade atacaram os participantes com
que, apesar de não ter aglutinado um
pó de mico, pimenta do reino e bombas
número significativo de estudantes, se
de ácido sulfúrico. Esses
manteve na imprensa nacional
acontecimentos contribuíram para a
assinando longos comunicados nos
exasperação das relações entre as
quais denunciava a infiltração
esquerdas estudantis e suas oposições
comunista internacional na direção da
durante a greve por um terço.
UNE e os objetivos da entidade em
conturbar o panorama nacional. Já a FJD, ainda no dia 1º de junho,
publicou o seu posicionamento oficial
A FJD contra a UNE durante a greve em relação à parede estudantil. Segundo
As ações da FJD e de grupos contrários a organização, a greve da UNE era uma
à UNE e ao avanço das esquerdas no manobra comunista, criminosa e
interior das entidades estudantis não impatriótica. Afirmava ainda que
eram novidade em 1962. Desde 1956 a “na base das falsidades comuns a
FJD promovia denúncias contra a tática revolucionária do Kremlin, o
influência comunista nos meios movimento paredista é apresentado
estudantis, quando relatou aos órgãos de como resultante de motivos
segurança que dois membros da União relevantes, isto é, desejo de
Internacional dos Estudantes (UIE), em participação no conselho das
visita ao Brasil, traziam material universidades, solidariedade aos
subversivo e instruções comunistas aos estudantes perseguidos, reforma
brasileiros (SEGANFREDO, 1963; universitária e outros pretextos,
DOPS, A influência comunista no quando a greve geral decorre de
ordem expressa da União
próximo congresso dos estudantes da
Internacional de Estudantes (UIE),
América Latina, 1956, p. 1). Em 1958, em Praga, que determinou aos seus
no contexto das mudanças internas que agentes – traidores dos estudantes –
ocorriam nas entidades estudantis, a que perturbem o ambiente para
FJD passou a denunciar o caráter tornar possível a eclosão
comunista dos encontros universitários, revolucionária dos operários

125
(greves) e camponeses (guerrilhas)” se prolongou, coincidindo com o XXV
(O Estado de São Paulo, Congresso da UNE3, em julho de 1962,
01/06/1962, p. 10). centro nacional de disputa entre os
Logo depois, em 17 de junho, outro grupos estudantis universitários e que
comunicado da FJD de grande iria eleger a nova diretoria da entidade.
circulação afirmava que a greve da Com a chegada desse congresso, os
UNE era organizada por agentes discursos da FJD sofreram alterações, se
comunistas a serviço da guerra civil, e adequando as disputas internas da
alegava que nas sedes dos centros entidade.
acadêmicos existiam armas leves e Tendo no congresso um espaço para
revólveres (Idem, 17/07/1962, p. 06). expor e disputar as suas posições, a
FJD, por meios dos seus comunicados,
Ainda no mesmo mês, a FJD deu início passou a tentar aglutinar estudantes e a
a uma campanha para que a UNE fosse denunciar as restrições que os
expulsa da antiga capital brasileira. democratas supostamente sofriam
Segundo o comunicado, intitulado durante o encontro. Tiveram início as
Manifesto da FJD contra a denúncias dos planos de agitação
permanência da UNE no Rio de Janeiro comunista no próprio congresso
(Idem, 27/06/1962, p. 06 e 28/06/1962, estudantil. A FJD passou então a se
p. 06), a organização sugeria que a reafirmar como defensora da
entidade nacional dos estudantes democracia e opositora do comunismo
transferisse sua sede para a nova Capital nos meios estudantis e se apresentou aos
brasileira, Brasília, ou para Moscovita, universitários como a promotora de uma
matriz ideológica do internacionalismo maratona cívica em favor da libertação
nacionalista, fabricantes de greves, dos estudantes brasileiros, na tentativa
lutas de rua, agitação e invasão de de livrá-los dos grilhões da minoria
escolas. Segundo o comunicado, a russificada que empolgou a direção da
mudança da minoria corrupta de UNE (Idem, 13/07/1962, p. 06).
comunistas arruaceiros da UNE (Idem)
para Brasília se faria com as verbas de Nesse sentido, ao lado das denúncias de
385 milhões que ela recebia do que a minoria comunista da UNE
Ministério da Educação e Cultura tentava corromper, coagir, amedrontar
(MEC). Até meados de julho, a FJD e perseguir a maioria dos estudantes
publicou outros comunicados que democratas, brasileira e nitidamente
circularam em torno das mesmas antissoviética, se mantiveram as
denúncias, incluindo a intenção da UNE acusações contra o que se entendia ser a
em cubanizar o Brasil (Idem, inimiga do estudo, que recebia
06/07/1962, p.5). A organização contribuições do peronismo
também manteve a campanha de internacional (Brizola) e conduzia o
expulsão da sede da entidade, incluindo congresso com assessoria de técnicos
encontros com o Governador da comunistas da Rússia, China e
Guanabara, Carlos Lacerda, que tinha
3
um discurso similar ao da FJD em O XXV Congresso da UNE aconteceu no
relação à transferência da UNE e que Hotel Quitandinha, em Petrópolis/RJ, entre os
dias 17 e 21 de julho. A Frente Única, que
recebia, do mesmo modo, atenção da reunia os setores da esquerda, saiu vitoriosa
imprensa. com a Eleição de Vinicius Caldeira Brandt, com
711 votos e 106 abstenções. Ao final do
Nesse contexto, como a reivindicação congresso diversos estudantes haviam presos e
por um terço não era atendida, a greve um estudante baleado.

126
Checoslováquia, autênticos espiões formaram em sua oposição, e em
(Idem, 20/074/1962, p. 07 e 19/07/1962, especial contra as esquerdas estudantis,
p. 07). Entendemos assim que a forma tiveram reflexos imediatos. Da Escola
como a FJD entendia a participação das Superior de Agricultura surgiu um
esquerdas nas entidades estudantis não telegrama repudiando as atitudes
apenas se relacionada a uma concepção esquerdistas da entidade da UNE
anticomunista doutrinária. O discurso (Idem, 21/07/1962, p. 5). Na
dessa organização também se Universidade Mackenzie, alguns centros
relacionava com a militância política acadêmicos reuniram os seus cursos em
que ela desenvolvia nos meios assembleias e se desligaram da UEE-SP
universitários e com as disputas e da UNE, de modo geral aprovando
eleitorais das entidades estudantis. cartas de repúdio às ações da entidade,
Dessa forma, ainda que mantivesse o que entendiam ser subversivas. Mesmo
mesmo conteúdo, o anticomunismo, ao em faculdades onde as esquerdas eram
seu discurso se somou a necessidade de bastante fortes, começaram a surgir
mobilização dos estudantes, se oposições, como na Escola Politécnica
colocando não apenas como da USP. Em Santa Catarina, Paraná e
denunciante dos perigos comunistas, Recife também começaram a surgir
mas também como defensora da movimentos de retorno às aulas e em
democracia. alguns casos, de oposição a UNE (Idem,
01/08/1962, p. 6). No Rio de janeiro,
Durante o congresso da UNE, ao lado
estudantes de diversos centros
dos comunicados da FJD começaram a
acadêmicos da PUC se desligaram ou se
circular também as posições da Aliança
colocaram em oposição a UNE,
Democrática Estudantil (ADE), de
lançando o Movimento Solidarista
grupos estudantis ligados aos setores
Universitário (MSU), que se opunha ao
mais conservadores da Igreja Católica e
comunismo e aos extremismos. Os
das Mães, apelando contra a
centros acadêmicos das faculdades da
participação dos comunistas na entidade
Nacional de Medicina, Engenharia e
nacional dos estudantes (Idem,
Odontologia também se desligaram da
20/07/1962, p. 10). Além das disputas
UNE. O rompimento mais expressivo,
que partiam do cenário estritamente
no entanto, aconteceu no início de
estudantil, Carlos Lacerda e o reitor da novembro, quando a coluna Encontro
Universidade do Paraná, Flávio Suplicy
Universitário, do Jornal do Brasil
de Lacerda, deram início a uma forte (Encontro Universitário, 02/11/1962, p.
campanha contra a greve por um terço,
14), divulgou os resultados da votação
na qual também qualificaram a UNE para a União Metropolitana (UME) do
como um centro comunista.
Rio de Janeiro: Vitória foi da
Ao anticomunismo da FJD na imprensa renovação. Mesmo sem os votos de
e no cotidiano do congresso da UNE faculdades cariocas importantes, que
foram acrescidas as divisões internas do haviam rompido com a UME e a UNE,
movimento, o que provocou a oposição derrotou a esquerda, dando
divergências e cisões mais nítidas entre início a uma sequência de vitórias da
os universitários. oposição em outras entidades estaduais.
Ao final do congresso, ainda com a O final da greve universitária por um
continuidade da greve por um terço (já terço só foi encerrada em agosto de
chegando ao seu terceiro mês e bastante 1962, sem que os seus objetivos fossem
desgastada), os discursos que se alcançados, e com uma oposição

127
radicalizada aos seus posicionamentos. acusavam a entidade de ser um centro
Essa oposição havia surgido tanto no comunista, tendo sido, inclusive,
interior das universidades, quanto fora. aprovada uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI), para que os gastos da
A entidade passou a ser alvo constante
entidade fossem investigados.
de discursos parlamentares que

Grupo de estudantes da Universidade Mackenzie comemoram o golpe civil-militar de 1964 pelas ruas de
São Paulo. Fonte: Revista O Cruzeiro, Edição Extra, 10/04/1964, p. 27.

Conclusão todo monolítico, infensos à divisões


políticas. São atravessados pelas
Ao tentar uma análise sobre o discurso questões que agitam a sociedade, e
anticomunista nos meios universitários, não podem ser reduzidas à
o presente artigo buscou entender as problemática de classe”
formas como a FJD concebeu as
esquerdas estudantis. Ao mesmo tempo, Nessa perspectiva, os anos iniciais de
também buscou compreender o 1960 foram anos agitados, de intensas
movimento universitário a partir de um lutas sociais, de mobilização dos
espaço heterogêneo, marcado pelas movimentos populares e de polarização
diferenças e pela disputa das entidades ideologia, elementos que exerceram
estudantis entre grupos políticos opostos influência sobre o movimento
que, em última instância, nos anos de estudantil, que em seu meio, assistiu ao
1960, representaram de um lado as surgimento de movimentos que podem
forças de esquerda, e de outro, as forças ser identificados a partir da conjuntura
que discordavam e se opunham ao que nacional, como o anticomunismo.
se considerava ser a influência do Nesse sentido, os setores da esquerda
comunismo. A reflexão sobre o tema estudantil que tentavam formar as
parte da análise colocada por Daniel frentes únicas nas entidades estudantis,
Aarão Reis (1999, p. 65) de que unindo os diversos grupos que possuíam
“Os estudantes em geral, e tão algum ponto em comum, passaram a
pouco, os estudantes universitários sofrer oposição acirrada em algumas
em particular, não constituem um faculdades e em importantes entidades

128
estudantis, das quais algumas foram sempre estabelecendo alguma ligação
conquistadas pelas oposições. Não raro, alarmante entre a agitação social,
essas oposições traziam em seu discurso comunismo e ligações internacionais.
versões do anticomunismo, como foi o Dentro desse propósito geral, a FJD
caso do MSU no Rio de Janeiro, que articulou o seu discurso aos contextos
além de ter vencido rapidamente as políticos pelos quais o Brasil passou, e
eleições para diversos centros e ao mesmo tempo, às disputas travadas
diretórios acadêmicos na PUC-RJ, foi no movimento universitário.
ativa na campanha que derrotou as
No tocante à forma como essa
esquerdas na UME-RJ, em 19624. Nesse
organização concebeu o movimento
sentido, podemos considerar que o
universitário como um todo, e em
discurso e as formas de organização
especial a UNE, é possível afirmar que
anticomunistas nos meios estudantis
a FJD não se opunha diretamente às
seguiram uma tendência similar ao
entidades estudantis, mas sim aos
anticomunismo mais geral que se
movimentos de esquerda que tinham
desenvolveu no Brasil. Segundo Sá
maioria em suas direções. Para essa
Motta (1999, p.19), o anticomunismo
interpretação, contribui a militância da
comportava em seu interior formas
própria FJD, que disputava as eleições
diferenciadas de organização, assim
estudantis das mesmas entidades que ela
como formas diferentes de conceber o
considerava como centros de agitação.
comunismo e combatê-lo. Em relação
Também identificamos que, conforme
aos meios universitários, a FJD foi
as oposições foram vencendo as
apenas uma dessas organizações e
eleições de algumas entidades estaduais,
defendeu apenas uma das muitas
os centros e diretórios acadêmicos que
versões contrárias às práticas políticas
anteriormente haviam rompido com a
da UNE.
subversão e o esquerdismo dessas
Durante praticamente todas as aparições entidades foram gradativamente se
na imprensa, a FJD manteve a mesma religando a elas, como aconteceu na
motivação, o anticomunismo, desde UME do Rio de Janeiro.
1956, quando denunciou o perigo que
representava a chegada dos
universitários da UIE ao Brasil, até Fontes
1980, quando denunciou que o XXXII Folha de S. Paulo, 1961 – 1963
Congresso da UNE era uma
O Estado de São Paulo, 1961, 1963
monumental reunião de agitadores
(Folha de S. Paulo, 14/10/1980, p. 12), Revista Visão, São Paulo, maio – agosto, 1962
com a participação de terroristas, Última Hora, RJ, junho-julho, 1962
representantes do Imperialismo A influência comunista no próximo congresso
Soviético e de Havana. Em suma, a dos estudantes da América Latina. Memórias
estratégia era qualificar os setores da Reveladas. Cod. Id. BR,NA,RIO X9.0ESI, 3/7,
esquerda estudantil como agitadores, 1956, p. 1-3.
Declaração da Bahia, 1961.
4
A divulgação do manifesto do MSU recebia Carta do Paraná, 1962.
ênfase da imprensa no que se referia a
condenação do movimento ao comunismo, que Programa de governo para educação e cultura
além de encampar os defeitos do socialismo (1961), Educação e Ciências Sociais, Ano VI,
ainda é dotado de uma filosofia atéia e vol. 9, nº. 17, Maio – Agosto, p. 13-19.
materialista. Folha de São Paulo, 08/05/1963,
primeiro caderno, p. 15.

129
Referências MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o
“perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil
CASTILHO, A. (Org.) Apesar de tudo UNE
(1917 – 1964). São Paulo: Perspectiva/
REVISTA: elementos para uma história da UNE.
FAPESP, 2002.
São Paulo: Edições Guaraná e DCE-Livre USP
“Alexandre Vanuchi Leme”, s.d., s/p. REIS FILHO, Daniel Aarão. In: GARCIA,
CORBISIER, Roland. Reforma ou revolução. Marco Aurélio; VIEIRA, Maria Alice (Org).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. Rebeldes e Contestadores: Brasil, França e
Alemanha. São Paulo: Perseu Abramo, 1999.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista
do Estado: ação política, poder e golpe de RIBEIRO, Darcy. (1994) “Nossa herança
classe. 6ª. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2006. política”. In: FREIXO, Adriano de;
MUNTEAL, Oswaldo; VENTAPANE,
FÁVERO, Maria de Lourdes de A.. A UNE em
Jaqueline (Org.). O Brasil de João Goulart: um
tempos de autoritarismo. Rio de Janeiro: Ed.
projeto de nação. Rio de Janeiro: PUC-
URFJ, 1994.
Rio/Contraponto, 2006.
FERNANDES, Florestan (1960). “Dados Sobre
SANFELICE, José Luis. A UNE na resistência
a situação do ensino”. Revista Brasiliense. nº.
ao golpe de 64. São Paulo: Cortez, 1986.
30, Julho – Agosto, p. 112-136.
SEGANFREDO, Sonia. UNE: instrumento de
MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento
subversão. Rio de Janeiro: GRD, 1963.
estudantil e ditadura militar: 1964 – 1968.
Campinas, SP: Papirus, 1987.

130

Você também pode gostar