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‘MARILDA SANTANA DA SILVA PODERES LOCAIS EM MINAS GERAIS SETECENTISTA: A REPRESENTATIVIDADE DO SENADO DA CAMARA DE VILA RICA (1760-1808) Tese de Doutorado apresentada 20 Departamento de Histéria do Instituto de Filosofia. e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientagio. da Prof. Dra. Leila Mezan Algranti, Este exemplar corresponde a redagdo final da tese defendida e aprovada pela Comissio Julgadora em| /05/ 2003. Prof’. Di’ Iara Lis Carvalho Souza : Prof’. Dr’. Laura de Metlo © Souza Ute Prof. Dr. Leandro Kamal l_/ Prof. Dr’, Maria de Fatima SilvaGouvea ©. Prof. Dr’. Izabel Andrade Marson (Suplente) Prof*, Dr’, Maria Margaret Lopes (Suplente) UNICAMP : BIBLIOTECA CENTRAL Maio / 2003 SECAO CIRCULANTE roma Bc; $4 ¥ FF I pnoc. 46-42 Z. eo) oa saeco URSA cep ice Si38p FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP Silva, Marilda Santana da Poderes locais em Minas Gerais Setecentista: a representatividade do Senado de Camara de Vila Rica — (1760- 1808) / Marilda Santana da Silva. - - Campinas, SP: [s. u, 2003. Orientador: Leila Mezan Algranti. ‘Tese (doutorado ) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas. x YP 1. Vila Rica (MG) ~ Camara Municipat. 2. Minas Gerais — Historia, 1760-1808. 4. Brasil - Historia ~ Periodo colonial, 1500-| 1822. I. Algranti, Leila Mezan. Il. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas. IIL.Titulo. Fis. Nv. a proc. N° Opie OF Rub. ERRATA sta errata contém os créditos devidos a Sra. Roberta Giannubilo Stumpf, que foram omitides na versBo original desta tese, Ver STUMPF, Roberta Giannubilo. Fithos das Minas, americanos ¢ portugveses: identidades coltivas te das Minas Gerais (1763-1792). 2001. Dissertacdo de Mestrado, FFLCH, Dep. de Hist6ria, USP, Sto Paulo. ‘Onde se Ie Leia-se Paginas Paréigrafo Notade Linha Rodape “A Capitania das Minas .... Estado “Metropolitano.” STUMPF, R. G. 2001, 153 2 4 op. cit, p. 50. “Uma parte da historiografia. “Uma parte da historiografia .... .. Universidade Federal Universidade Federal Ouro Preto, 1986. 153-154 216 20 ‘Ouro Preto, 1986. p.12.” _p. 12. Apud STUMPF, R. G. 2001, op. eit, p.51, nota 108. “Predominou na Capitania “Predominou na Capitania ....tocaram 08 ‘tocaram os ouvidos do ouvidos do Ministro.” STUMPF, R. G. 158 1 10 Ministro.” 2001, op. cit, pp. 94 € 95. «apart da década de“... apartir da década de 60, .... foram. 60... foram deixados de deixados de ado”. STUMPF, R. G. 155 1 1 lado.” 2001, op. cit, pp. 54-55. «...independentemente da“... independentemente da sua sintonia sua sintonia com as ‘com as dretrizes metropoitanas ..- Giretrizes metropolitanas _auforidades de maior escaldo”, STUMPF, 155 2 9 autoridades de maior RG. 2001, op. cit, p. 52. esealio”, Guerzoni, a0 perceber —“.... Guerzoni, a0 perocber que as ‘que as condutas do Estado _condutas do Estado ....ovidéncins do ‘evidencias do local que local que a elas cabia administrar”. Apud 155-1563 2 las cabia administrar”, _- STUMPF, R. G. 2001, op. cit, p. 52, nota i. “Gilberto Guerzoni “Gilberto Guerzoni Filho, p.12". Apud ee a Filho, ‘STUMPF, RG. 2001, op. cit, P- 52. os olhares sobre a Capitania .revelavam —_revelavam mais sobre o observador do fee 2 7 mais sobre o observador do que sobre as Minas”. STUMPE, R. G- que sobre as Minas”. 2001, op. ci, p-99- “José Viera Couto ... “José Viera Couto .... Revista do Revista do Arquivo Pablico Arquivo Péblico Mineiro, mo I, fascfculo Mincro, ano I fasefculo 3, 3, juboset de 1896, pp. 416-426. 4pud 156-157 2800017 jiulbolst de 1896, pp.416- STUMPF, R.G. 2001, op. cit, pp. 9, 426”, 1396 140. “Oshabitantes da Capitania “Os habitantes da Capitania .. sobre a vas SObre a regio que regio que habitavam”. STUMPF,R.G. 157 1 8 habitavam’” 2001, op. cit , pp. 99.6 100. (0s Senados des Cimaras Os Senados das CAmaras enquanto cenquanto “cabegas do “cabegas do Povo” .... op. cit, P. 216. ia 281 Povo”... op.cit, p.216. _Apud STUMPF, R. G. 2001, op. cl» P. 99. eretrens iministragio como era de : . ‘desejo dos camarisias”. STUMPF, RG. isrise 2 2001, op. cit, pp. 99, 100 ¢ 101. minciro, Ponte Nova—MG, de4.a 10 de junho de 1972”. “,...em perfeita ‘consondincia com os ideais “... Telativas as primeiras ‘Trés foram os monarcas que governaram Portugal durante 0 século XVI. O longo reinado de D Jodo V cobriu a primeira metade do século, durante a qual fluiram grandes Tiquezas para Lisboa, vindas dos territérios americanos™. Em 1750, Dom Jofo V foi sucedido por seu filho D. José I, cujo reinado distinguiu-se pela longa predominancia de Pombal nos assuntos de Estado e, posteriormente, pelo reinado da devota, e mais tarde louca, Dona Maria |, que sucedeu ao seu pai em 1777. Dona Maria foi declarada incapaz em 1792, quando seu filho Dom Jo&o passou a suceder a mie no trono portugués . Ele tornou-se principe regente formalmente em 1799 ¢ permaneceu como tal até a morte de sua mae, em 1816, quando foi aclamado, no Rio de Janeiro, como Dom Jodo VI do Reino Unido de Portugal, Brasil Algarve”* Os monarcas portugueses do século XVIII - especialmente os da segunda metade dos Setecentos - governaram, de certo modo, influenciados pela “mentalidade das luzes” européia, ‘momento em que ocorre uma progressiva afirmacao do “poder temporal sobre o espiritual”. As viagens cientificas do século XVIII denotavam que o colonialismo estava intimamente ligado ao movimento da Hustragdo. A partir de 1763, navegadores ingleses ¢ A vasta literatura sobre o periodo de atuac3o do primeiro-ministro do rei D. José | utiliza, por diversas vezes, apenas a expresso Marqués de Pombal ao fazer referéncias ao ministro das Relagdes Exteriores Sebastidio José de Carvalho e Melo. Seguindo essa tradi historiogrifica, estaremos também ufilizando essa expresso mesmo para o periodo de governo anterior a 1770. E importante destacar que essas distingSes de nobreza no foram recebidas como heranga, mas obtidas como recompensa por servigos prestados ao monarca e ao Estado portugués, Ver, a respeito, Jorge Borges de Macedo. “Marqués de Pombal”. In: Diciondrio de Histéria de Portugal, (Diregdo de Joe! Serréo). Lisboa: Livraria Figueirinkas, vol. v, 1989. pp. 113-121 *Especialmente metais e pedras preciosas, originirios das Capitanias de Goiés, Mato Grosso e, sobretudo, da (Capitania das Minas Gerais. 20 franceses, entre outros comandantes de expedigdes, aventuraram-se a percorrer os oceanos em busca de contato com sociedades povos em estado absolutamente “selvagem”. Em oposi¢ao 4s nag6es civilizadas da Europa, redimensionaram a imagem do mundo, substituindo a figura da terra geometricamente ordenada por um mosaico de culturas e de ragas. E impossivel deixarmos de mencionar, em se falando da Europa nesse periodo, todo o clima cultural e ideolégico que envolveu a “Epoca das Luzes”: 0 desenvolvimento da ciéncia e da razio, a curiosidade pelos fenémenos da natureza, a consciéncia planetaria € um certo olhar voltado para 0 exético € 0 “selvagem”, agugando a curiosidade de cientistas ¢ filésofos acerca das sociedades nfo-europtias, sobretudo aquelas ainda pouco conhecidas ou contactadas pelos navegadores. Somava-se a esse movimento intelectual o interesse das poténcias na exploragao dos mares ¢ territérios ainda pouco navegados, dando origem as viagens de circunavegacdo, visando a descoberta e a explorago de novas possi jlidades expansionistas e colonizadoras Os relatos de viagens conheceram grande publicidade na Europa, fazendo parte da leitura corrente de seus contempordneos, integrando desde 0 acervo das bibliotecas dos grandes filosofos até os arquivos dos estrategistas coloniais.” Cf. Kenneth Maxwell, Marques de Pombal. Paradoro do Ituminismo. 2*ed, Sto Paulo: Ed. Paz e Terra, 1996. p. 38. Segundo Michéle Duchet, os dominios coloniais eram a mais proxima das imaginagSes européias de Portugal ¢ Castela, tondo sido amplamente difundida, desde 0 séoulo XVI, pelos escritos dos conquistadores espanhis © dos rmissionérios ibérices. 1é as missBes cicntificas da segunda melade do século XVII distinguizam-se pela exploragio de novas ilhas © continentes, privilegiando os Mares do Sul (Pacifico), os rinodes ainda pouco cexplorades da América do Notte, os temitrios austrais e, em menor escala, 0 continents afrcano, trazendo a0 conhecimento do piblico ¢ dos pensadiores curopeus sociedad, povos, costumes, religies e espécies naturais totalmente desconhecidas ¢, de certa forma, “intocadas”. Ver Michéle Duchet. Anthropologie et Histoire au Siécle des Lumiéres. Buffon, Voltaire, Rousseau, Helvétus, Diderot. Pars: Albin Miche, 1995. p. 29. # ainda Duchet quem analisa 0 papel da literatura de viagem na formagdo do espiritofiloséfico da época, por meio do lugar preeminente que os respectivos relatos ocuparam nas biblictecas privadas de alguns flésofos, come a de Voltaire, Turgot, De Brosses e do Bardo de Holbach. A partir do inventrio da biblioteca de Voltaire, concluiu que, de um total de 3.867 tiulos, 133 eram relatives @ literatura de viagens: 19 recolhas, calogdes ou historia geras,7 viagens ao redor do mundo, (Anson, Banks ¢ Solander, Bougainville, Dampier, Hawkesworth, 21 Assim, a Europa do século XVII", assistiu a uma intensa transformacao mental € social. Impregnados por um sentimento de inovago que se projetava sobre todas as ordens das coisas estabelecidas, os literatos ¢ idedlogos setecentistas manifestaram um sentimento de “humanismo renovado”, no qual o espirito humano aparecia como principal e quase tnico ator hist6rico. Buscavam submeter ao livre-exame sobre todas as insténcias da vida ~ a religifio, a politica, a filosofia, o homem e a sociedade, a natureza moral e material ~, estabelecendo novas fronteiras do conhecimento, subordinado ao império da razio.”° Apresentando-se como contiuador da tradigio racionalista iniciada com o Renascimento © desdobrada por Descartes, Newton e Locke”, o Tluminismo teve carater ‘La Barbinais, Woodes Rogers), 2 livros sobre as Terras Ustrais, 26 sobre as indias Orientais ~ dos quais 16 sobre a China -, além de um grande nimero de livros sobre geografia. Cf Duchet, op. ct, pp. 68 -71 74 Europa do século XVIIL, que enfatizamos acima era um continente, ao mesmo tempo, integrado e dividido, ‘com caminhos ¢ meios de transportes precéries, cota parcos recursos ¢ dificil comunicagao; integrado por tender unificagdo, & supranacionalidade, mostrando-se aberto ao livre pensar, conduzido pela razio, pela lingua e cultura francesas; dividido por conter, na realidade, trés europas, apesar de sua aparéacia una. De um lado, Franga, Inglaterra, Itia ¢ Alemanka constituiram centros de imadiagdo do pensamento e da pritica ilustrada, tendo como base a razo, o cosmopolitismo, o progresso da ciéncia e da técnica, o apreco a religiao racional, assim como a liberdade © a secularizagdo, Do outro, paises de uma Europa periférica, tais como Espanha, Portugal, Suécia, Rissia ¢ Polénia, que eram menos receptores culturis, caracterizando-se por sociedades defasadas, estruturas econdmicas scmifeudais, desenvolvimento lento e limitado, buscando o progresso © a civilizagao apenas como argumento a favor das politicas modemizadoras. A meio caminho, os Paises Baixos © a Suiga situavam~se na encruzifhada das luzes, absorvendo a cultura ilustrada, transformando sua economia pelo desenvolvimento comercial ¢ irradiando progresso, Ver Francisco José Calazans Falcon. A época pombalina: politica econémica e monarguta Htustrada. Sio Paulo: Ed. Atica, 1982. p.105. *Embora o Thuminismo tenha sido um movimento de intelectuais origindrios da burguesia, ou mesmo da atistocracia, a par de profissionais liberals e de oficais do Estado absolutista- que em nada se coadunavam com ‘© analfabetismo ¢ com as massas, expressando um esquema dual, em que convivia o racional com 0 irracional, as Juzes com as trevas. a superstigo com a religiio racional - a Tiustragdo apresentava uma unicidade sustentada pela concepedo de mundo, da vida da fé a luz da razdo, tendo © homem e o humanismo como bases, ¢ a moral laica ea liberdae como um dircto incontestado, Cf. Goulemont-Launay; J. Marie, ZI siglo de Jas Iuces. Madrid: Guadarrama, 1969. pp. 11-19. As conquistas cientficas ¢ intelectuais de Descartes, Newton e Locke, durante o século XVII, operaram uma ruptura audaciosa com a tradicio biblica ¢ arisiotélica Newton, usando 0 poder da razio, da informagao obtida pelo meio da observaglo ¢ do sistema matemético, invemtou o cileulo diferencial e definiu as leis bisicas que governam 0 movimento, tanto da Terra como do espago. A fisica newtoniana suscitou a confianga nas pPotencialidades da pesquisa ¢ do raciocinio. Locke procurou demonsirar que o funcionamento da natureza ‘humana poderia ser explicado e, portanto, melhorado. Descartes, por sua vez, defendeu o pressuposto de que 2s idéias deviam ser analisadas scm preconceitos ¢ livres da dependéncia e da autoridade reconhecidas. Portanto, a {losofia, enquanto método, ea fisica, enquanto dominio cientifico do real, substituiram a teologia e a metafisica 2 fortemente anti-religioso e, sobretudo, anticlerical: “arrasai a infame”, dizia Voltaire, referindo-se 4 Igreja. Afirmaram-se também as concepgdes da filosofia natural do século anterior, como o método cientifico baseado na observagao e na experimentagio, a idéia do universo como um sistema auto-equilibrado, regido por leis e por uma nova visio do ‘comportamento humano. Segundo Francisco Falcon, esse fendmeno, de repercussdo em todo 0 ocidente europeu € nas colénias americanas, rejeitou sempre definigbes precisas, seja pelas suas origens esparsas, seja pelas especificidades das circunstancias historicas que o viram nascer, ou, ainda, pelas profundas divisdes que separaram aqueles que se definiam ihaministas” num mesmo espago cultural, Enquanto movimento intelectual, envolveu debates internos ¢ a defesa de idéias, sendo opostas, ao menos conflitantes”. Por volta da segunda metade do século XVIII, o Iuminismo em Portugal assumiu caracteristicas muito peculiares. Além do debate filoséfico, que foi caracteristico da Europa catélica nesse periodo, havia uma importante corrente de pensamento especifica de Portugal. Era um conjunto de idéias sobre governo, economia ¢ diplomacia, que surgiu na primeira filoséfica como visio do mundo. Ver, sobre 0 assumto, os estudos de Kenneth Maxwell, Margués de Pombal. Paradoxo do Iluminismo, op. cit, p10 ¢ Arno Webling. A Administragao Portuguesa no Brasil de Pombal a D. Joao (1777-1808). Brasilia: FUNCEP, 1986. p17 para o historiador Francisco Falcon, o termo Tuminismo “tem a ver com 0 processo histérico concreto”. A Tustragio ¢ genericamente definida como “um vasto movimento de idéias, marcadas pela secularizagdo e pelo racionalismo, concretizando-se em formas variadas, de cultura para cultura, seguindo dois principios basicos ~ 0 ‘pragmatismo ¢ 0 enciclopedismo — ¢ comportando uma pluralidade de sentidos”. Ver Francisco J. C. Falcon. ‘Tluminismo. Séo Paulo: Fa. Atica, 1986. pp. 12-19, idem, “O que caracterizava a Ilustracéo era a sua existéncia como uma mentalidade, como um estilo de vida". ‘Sendo a0 mesmo tempo estilo e mentalidade, destacava-se, nela, a obviedade da contradigao entre ter-se uma visto do mundo cosmopolita e uma ideologia que no penetrava no corpo social como um todo, limitando-se a ‘uma reduzidissima camada social, p. 96, metade do séoulo XVIII, em um grupo pequeno, mas influente, de representantes ultramarinos € ministros do governo de Portugal Foi sob o signo do distanciamento da patria, que os primeiros ilustrados portugueses setecentistas nfio sO emitiram suas visdes sobre a situagdo de Portugal no contexto internacional de fermentago das novas idéias ¢ avangos cientificos, como também elaboraram propostas reformistas norteadas pela Optica da necessidade de uma reforma global da sociedade lusitana, a luz do processo europeu. © periodo de “estrangeiramento™* do Marqués de Pombal, a exemplo de outros intelectuais ¢ estadistas portugueses, permitiu-lhe conhecer ¢ avaliar a situagdo de Portugal medindo os “efeitos de seu isolamento” a partir da comparagio com outros paises europeus. Para Kenneth Maxwell, Dom Luis da Cunha Menezes, “sucessivamente embaixador portugués na Inglaterra, na Republica Holandesa, na Espanha e na Franga, ¢ representante Portugués no congresso da paz de Utrecht e Cambrai, foi o mais formidavel desses pensadores”, sendo autor de uma anilise abrangente das fraquezas de Portugal e os meios de remedié-las”’, Ja Sebastio de Carvalho ¢ Melo, no periodo de estrangeiramento nas cortes, inglesa e austriaca como diplomata de Portugal, ao tomar conhecimento da suntuosidade em que caira a corte de D. Joo V e do modo como os jesuitas apoderaram-se dos “animos do ‘monarea”, bem como dos “vicios da administragZo portuguesa”, claborou suas principais CL Kenneth Maxwell, op. cit, p. 14 *De acordo com 0 dicionario organizado pelo portugués Joe! Sertio, os estrangeirados eram, inicialmente, representados pelos embaixadores lusitanos enviados & Europa. Essa situago foi imposta pela necessidade de Restauragao do Reino, de 1650 até meados do século seguinte. Os estrangeirados denunciaram a defasagem entre a cultura portuguesa e a européia. Contudo, foi no reinado de D. Jodo V que houve um maior favorecimento is ‘Viagens dos pormgueses ao estrangeiro, ¢ a entrada de estrangeiros em Portugal, dando impulso no sentido de romper com 0 isolamento da cultura lusa, In: Joel Serrio (Dir.). Diciondrio de Histéria de Portugal. Lisboa: Iniciativas Editoriais, vol. 2, 1965. pp. 123-125, “Maxwell, op.cit, p. 45. 24. idéias sobre a situagdo do Reino e as politicas nela embasadas, algumas das quais foram esbogadas em seus primeiros escritos diplomaticos no periodo de 1738 a 17426 Nao € nosso objetivo fazer qualquer tipo de anilise sobre os discursos dos estrangeirados’” a respeito, por exemplo, da dependéncia econémica de Portugal em relagao as poténcias européias no século XVIII, ou mesmo da existéncia de uma decadéncia ‘econémica, pautada, em grande medida, na alianga anglo-lusitana. Pretendemos, portanto, no enveredar pelo vasto campo constituido pela literatura sobre a trajetéria politica-intelectual dos estadistas luso-brasileiros e, especialmente, de Sebastiio Carvalho e Melo. importa-nos, neste estudo, detectar algumas das inovagdes politicas ¢ administrativas adotadas por Pombal em relagio América portuguesa que resultaram em mudangas estruturais na organizagao administrativa do territorio americano.* Ver a tese de doutorado de Ana Rosa Cloclet da Silva. inventando a Nagdo. Intelectuais e Estadistas luso- brasileiros no Crepiisculo do Antigo Regime: 1750-1822. Departamento de Historia, IFCH/UNICAMP, 2000. pp. 25-67. >Foram “estrangeirados” homens de Estado como Alexandre de Gusmio, nascido no Brasil e principal artifice 0 Tratado de Madr, o ministro Dom Luis da Cunha Menezes, além de intslectuais como Martinho de Mendonga de Pina e Proenga (1693-1743). Esse intelectual viajou extensamente pela Europa. Como Pombal, cle foi associado a Academia Real da Historia Portuguesa e autor de um estudo revolucionirio ~ para os padres portugueses — sobre educagio. Serviu como governador interino da capitania das Minas Gerais e do dstrito de mineragdo de Cuiabé, no Brasil. E importante destacar as academias e sociedades em Portugal foram sinteses da atuagdo desses inteloctuais-estadistas. Entre elas, a Academia Real da Historia (fundada em 1720), a Arcédia Lasitana (1756) e a Academia Real das Ciéncias de Lisboa (1779). Essa iltima, mais duradoura que as primeiras, ‘dou importantes contribuicSes para virios campos do conbecimento preocupados com sua aplicagio pritica, através da “combinaco de influéncias mercamtilists, liberais ¢ fisiocréticas”. “Esse academicismo repercutin também no Brasil, onde floresceram instituigbes semelhantes, 8 sombra da autoridade dos vice-reis da Bahia © do Rio de Janeiro”. Ver sobre o assunto, a obra de Amo Wehling e Maria José C. de Webling. Formagao do Brasil ‘Colonial, Rio de Janeiro: Ed, Nova Frontcira, 1994. p.151. “Sobre formas diferenciadas de politicas adotadas por monarquias europdias para um determinado territério, ou, mesmo, sobre uma teoria da “arte de govemar”, ¢ valida a andlise elaborada por Michel Foucault em “A Governamentabilidade”. In: A Microfisica do Poder. Tradugao de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979. pp. 277-293. Na conferéncia proferida para o Curso do Collége de France, em 1° de fevereiro de 1978, Foucault tece comentirios sobre a relacio entre a seguranga, a populago ¢ 0 governo, Na sua fala, 0 smercantlismo é a primeira forma de racionalizagio do exercicio do poder como pritica de governo, sendo um ‘comego de um saber sobre o Estado, utilizivel como titica de governo. Foucault relaciona a “teoria da arte de governar” a trés fendmenos do sSculo XVI: “o desenvolvimento do apareiho administrative da monarquia territorial, o conjunto de anilises e de saberes que se desenvolveram a partir do séeulo XVI e adquire toda 2 sua A primeira dessas inovagdes resulta da verificag3o de que, por mais divergentes que sejam as posigées assumidas por alguns historiadores sobre o periodo, ha sempre um pressuposto de que a politica pombalina para a América repousa em alguns pilares: definigao concreta do espago colonial americano e sua respectiva defesa, reorganizacio e dinamizagio econémica da colénia, e reorientagdo e reestruturagdo dos instrumentos politicos ¢ administrativos. Quanto ao primeiro aspecto, destacou-se a assinatura do Tratado de Madrid em 13 de janeiro de 1750.” Procurava-se 0 equilibrio e, acima de tudo, a paz entre as coroas ibéricas em terras sul-americanas, Desse acordo, resultou o compromisso de delimitar as fronteiras a norte a sul, entre 0 Brasil ¢ as colénias espanholas, tendo Sebastiao José de Carvalho e Melo encarregado duas pessoas de sua confianga para a execugdo de to importante tarefa”’ Cabe ressaltar que, desde o inicio da década de 1750, estendendo-se por toda a segunda metade do século XVUL, Portugal e Espanha, nas demarcages dos Tratados de Madri (1750) ¢ de Santo Idelfonso (1777), contrataram os trabalhos de matemiticos, engenheiros ¢ ‘importincia no século XVI, como a estatistica, isto é “ciéncia do Estado” ¢, por iltimo, o mercantilismo ¢ 0 ‘cameralismo”. Esse tipo de esforgo jé tinha sido ensaiado no tempo de D. Joo V em funcéo dos trabalhos de demarcagio ‘ronteiriga da América portnguess. No entanto, a “timidez da TustragZo em Portugal”, cujo campo intelectual até endo havia sido dominado pelo pensamento escolistico, fez com que esse rei, por volta de 1722, resolvesse contratar dois jesutasitalianos, Carbone e Carpassi, para a tarefa de confeccionar um apurado allas do Brasil, com latimdes e longitudes obtidas por observagtes astronémicas. Contudo, esses padres vieram a falecer no Brasil, sem mesmo alcancar a fronteira oeste do territério, nem. tampouco, visitar 0 estado do Maranhio-Pard, Mas, logo que seu filo D. José I assumin a Coroa, a questio das frontciras brasileiras tornou-se uma das pincipais prioridades politcas. Ver Angela Domingues Viagens de Exploragao Geogréfica na Amazénia em Finais do Século XVII: Politica, Ciéncia e Aventura. Lisboa: Instituto de Historia do Além-Mar, 1991. pp.11 - 15. "Umma deias era o sen irmio, Francisco Xavier de Mendonca ¢ Furtado, que se encarregou dos trabalhos Norte, ssendo que ao Sul as operagtes foram dirigidas por Gomes Freire de Andrade. Cf Joaquim Verissimo Serra Historia de Portugal. O Despotismo Ituminado (1750-1807). Lisboa: Editorial Verbo, vol. VI, 1982. p. 171. 26 cartografos estrangeiros.*’ Nao apenas o litoral americano ¢ a regido platina, mas também a ‘Amazénia ~ um extenso “sertdo” encravado nas fronteiras dos dominios dos paises ibéricos -, foram alvos de expedigies “ilustradas”, articulando razGes de natureza politico-administrativa, cientifica e econémica, integrando-se nesse grande movimento europeu de efervescéncia intelectual e interesse pelo exotismo, tipicos do “Iluminismo”*. Dessa forma, esbogada no século anterior pela ocupagio de quase todo 0 litoral, pelo devassamento dos sertdes, e pela afirmago portuguesa nos extremos norte-oeste-sul, veremos a integragdo da América portuguesa praticamente concluida na primeira metade do século XVII © alvorecer do século XVIM na colénia portuguesa da América transformou os bandeirantes paulistas em mineradores, fundando arraiais, povoando a faixa central Minas- Goiés-Cuiaba, e delineando a fronteira de Mato Grosso.* Na regiéo Norte, por conta do Estado do Maranhio, os portugueses percorreram a Amazénia através de alguns rios principais, e tentaram expulsar espanhdis e franceses. Na regiéo Sul, enquanto se processava 0 povoamento do Rio Grande, a colénia do Sacramento foi periodicamente atacada, sendo que algumas vezes os espanhéis dominaram essa parte do territerio que pertencia 4 América 0 Tratado de Santo Idetfonso, assinado j4 no final da atuagao politico-administrativa do primeiro ministro ((Maarqués de Pombal), fixou as mesmas linhas do Tratado de Madti. © C£ Angela Domingues, op. cit p11. também, que esta tendEncia vinha aliada ao progressivo desinteresse tuso pelo império das Indias Orientais, jé praticamente perdido aos estrangeiros. Ver a respeito, Sérgio Buarque de Holanda (Org). Histria Geral da Civilizapao Brasileira, A Epoca Colonial: Administracdo, Economia e Sociedade. 4* ed. Rio de Janeiro/S30 Paulo: Ed. Difel, tomo I, vol. 2, 1977. pp. 192-217. 20 portuguesa * Fixaram-se, assim, até meados do século XVII, as bases do temtitério que constituiria o Brasil. Contudo, Caio Prado Jinior nos diz que, cerca de 60% da populagéo colonial, ou seja, quase 2.000.000 de habitantes, ainda se concentravam numa faixe litorinea que no ultrapassava para o interior, nos seus pontos de maior largura, algumas dezenas de quilémetros. Esse desequilibrio entre o litoral e o interior exprime bem o cariter predominante de colonizagio agricola, onde se localizavam as terras férteis, timidas e quentes, e onde havia mercado para os produtos.* A dispersio para o interior s6 aconteceu, de forma intensa e rapida, com a descoberta sucessiva do ouro, em Minas Gerais, no iiltimo decénio do século XVIL; em Cuiabé, em 1719 e-em Goias, seis anos depois. Afluiam, assim, para 0 coragdo do continente, levas e mais levas de povoadores. Alguns eram colonos novos vindos da Europa; outros, escravos trazidos da Africa, e outros ainda, povoadores dos estabelecimentos agricolas da zona litoranea®*. Para o historiador Francisco Iglésias, a regido das Minas Gerais correspondeu o polo do desenvolvimento no século XVIII, sendo um dos niicleos mais importantes ¢ acabando por exercer influéncia sobre os demais. A sua economia era original — néio era agricola, mas mineradora, Verificou-se uma corrida de pessoas para o centro, de modo que havia ameagas de “CE. AZIZ N, AB’ SABER “Politica ¢ Administra;ao de 1640 a 1763". In Sérgio Buarque de Holanda (Org.) A Epoca Colonial: Administragdo, Economia e Soctedade, op. cit, p. 27. Ver Caio Prado Jimior. Formacdo do Brasil Contempordneo. 23° ed. Séo Paulo: Ea. Brasiliense, 3* reimpressl0, 1999. p. 39 “Idem. 28 despovoamento de outras capitanias, formando, de um instante pare outro, uma unidade politico-administrativa importante, populosa e rica.” Antes, porém, de cuidar das medidas politicas e administrativas ligadas a diminuigéo da extragdo do ouro em Minas, convém lembrar que o Brasil, em meados do século XVI, viveu uma época de modificages, decorrentes mais da iniciativa governamental do que da evolugao espontanea, causadas especialmente pela politica de Pombal. O Estado do Maranho, por sua vez, passava por um momento de decadéncia que se alastrava pelo interior norte do Brasil Contudo, € fato que parte da regido litorfnea do norte e nordeste vivia um relativo progresso, gragas as ages das companhias comerciais pombalinas. © quadro da politica econdmica elaborada por Carvalho ¢ Melo para o reino visava promover o desenvolvimento econémico por meio do crescimento global da indistria e das atividades agricolas efetivamente integradas pela circulagdo mercantil. Também teve uma importincia consideravel, no contexto dessa politica, a criago das companhias orientais de ‘comércio ¢ do Brasil.* Ver Francisco Iglésias. “Minas e a Imposico do Estado no Brasil”. Revista de Histéria, vol 1, tomo 1, 1979. p. 1259, Esse historiador defende o pressuposto de que houve, no século XVIIL uma centralizago politica na colénia ‘americana imposia pela Coroa, mas néo a centralizacio administrativa. Para Iplésis, a Metropole sempre Teconhecen as peculiaridades locais, ndo vendo o Brasil como um todo, mas em suas cspecificidades regionais. Esse reconhecimento explica a plasticidade e alguns éxitos de administradores na colénia americana. Quando se fala em centralizagdo politica, portanto, 0 que ests em jogo ¢ a unidade para servi & Coroa, no a centralizago da administraedo, que, segundo o historiador, munca existiv e nem foi desejo da autoridade. Nos dizeres de Francisco Igisias: “Visave-se preservar o todo, mas nao se chegou & unidade administrativa, que a Coroa estava convencida que ndo teria eficiencia. Nos setecentos, é a vez do poder piblico que se apresenta sobre Setores administraivos maiores ou menores, sem munca perder de vista, que se trata de algo que é da Coroa e ‘constitu’ 0 Estado”. & nesse sentido que Francisco Iglésias assinala a presenga dos poderes politico ¢ ‘administrativo portugués em terras do Brasil. “As modemas companhias de comércio portuguesas foram organizadas segundo os moldes das companhias ceuropéias mais eficientes. Foram criadas, 20 todo, seis companhias, quase que simultancamente: Companhia do ‘Comércio Oriental e Companhia do Comércio de Mogambique, destinadas ao comércio indico; Companhia da das Vinhas do Alto Douro ¢ Companhia das Pescas do Algarve, para atuapves na metrépole; Geral do Gro Pari ¢ Maranho e Companhia de Pemambaco Paraiba, ambas destinadas 20 ‘comércio atlintico. CE José Jobson de Arruda. “A Circulagfo, as Finangas ¢ as Fiutuagées Econémicas”. in: 29 A instituigéo, em 1755, da Companhia Geral de Comércio do Griio Para ¢ Maranhao, propiciou meios para escoar a produgdo estagnada, e também, possibilidades de novas iniciativas agricolas. Mais de meio século de prosperidade cultivada em Séo Luis decorria, assim, da administragéo pombalina Se o Para no colheu fartos proveitos diretos da Companhia do Comércio, nem por isso desconheceu lucros ¢ progressos. Suas exportagSes valiam menos da metade das conseguidas pela capitania vizinha, mas, em relagBo a0 passado proximo, atingiam indices inéditos. Assim, o planejamento politico-administrativo de Pombal para a regio norte conseguiu firmar-se ¢ realizar-se pela presenga do poder que defendia o territério, impondo sua autoridade e estimulando a produtividade de seus sitditos.” Contudo, na sua pratica politica ¢ administrativa, Pombal nao aceitava qualquer tipo de dissidéncia.*® Para alguns historiadores, o episédio da Companhia de Jesus “foi uma das bateas mais visiveis causadas pelos acontecimentos que tiveram origem nas pretenses imperiais da administracéo de Pombal, pelas demarcagées de fronteiras e pela tentativa de nacionalizar setores do comércio luso-brasileiro”. No caso da regio Norte, intimeras foram as correspondéncias enviadas por seu irmio Francisco Furtado, relatando a "soberania” ¢ "despotismo" exercidos pelos padres da Companhia de Jesus, os quais, "conseguindo nao sé 0 governo espiritual das aldeias, mas também o temporal e politico, se persuadiram logo que Maria Beatriz Nizza da Silva (Coord). Nova Historia da Expansao Portuguesa. O Império Luso-Brasileiro 1750- 1822, Lisboa: Ed. Estampa, V. VIL 1986. p. 158. “Ver, a respeito, Lourival Gomes Machado, “Politica e administragdo sob os ultimes vice-reis”. In: Sérgio Buarque de Holanda (Org.). Historia Geral da Chilizagao Brasileira. A Epoca Colonial: Administracéo, Economia, Sociedade, op. cit, pp. 354-358, °° impossivel analisar a atuago politica do Marqués de Pombal, ¢ mencionar Antigo Regime em Portugal - ¢ ‘mesmo na América portuguesa -, sem considerar © papel que a lereja desempeakou, sob inimeras formas ¢ através de diferentes mecanismos, no disciplinamento das mentes c das almas dos vassalosreindis e dos vassalos 30 estas aldeias eram suas (...) que livremente poderiam e deviam fazer um monopdlio de trabalhos destes miseréveis, arruinando com ele e com o grosso comércio que fazem, nao sé 0 Erério Real, mas a praga comum e as plantagées ¢ lavouras em particular”®" © pesquisador Kenneth Maxwell acredita que, em 1755, Pombal instigou seu irmao a usar qualquer pretexto para afastar os jesuitas das fronteiras e romper toda a comunicagéo entre eles ¢ os jesuitas de dominio espanhol. A situagdo foi agravada, ainda, pelo fato de as misses estarem isentas das contribuigdes para o Estado no Norte, causando tensdes agudas entre eles ¢ a administragao colonial. O conjunto desses acontecimentos agravou as relagies entre a Companhia de Jesus ¢ © primeiro-ministro do rei D. José I, chegando ao seu estopim quando Pombal tomou a decisio de expulsar essa ordem do Brasil em 1758 e, posteriormente, do reino e de todo império portugués, em 1759 Temos, no entanto, que ressaltar que uma das principais medidas politicas e econdmicas adotadas por Pombal em relago a colénia americana foi a mudanga do governo geral, em 1763, de Salvador, na Bahia, para o Rio de Janeiro. A transferéncia da sede do governo traduziu um esforgo de dinamizar e equilibrar a administragdo da Col6nia. Com essa alteragio, ‘0 centro da gravidade econémica e militar deslocou-se do norte para o sul.** S**Carta de Francisco Xavier de Mendonga Furtado a seu irméo Sebastiao José de Carvalho ¢ Melo. In: Marcos Cameiro de Mendonca, Aula de comércio, op. cit, p. 25. Apud Kenneth Maxwell. Marqués de Pombal. Paradoxo do Tluminismo, op. cit. pp. 92-94 £0 debate filoséfico sobre a educagéo também tomou a Companhia de Jesus vulnerivel as acusagbes de obscurantismo na era do Iluminismo, apesar da longa tradieo da educagéo jesuitica. Em 1750, havia 474 jesuftas ‘no Brasil, 155 deles residiam na capitania do Maranbio. segundo a “Carta de Instrugio”, de Martim de Melo ¢ Castro a Martim Lopes Lobo de Saldanha, a transferéncia do vice-reino para o Rio de Janeiro tinka um objetivo maior, pois enquanto capitania ligada diretamente a regio mineira, bd muito firmava-se como o natural escoadouro de seus produtos, posigdo essa que requer uma “preeminéncia politica e uma posigdo administrativa capaz de encampar a posiedo fiscal assumida de fato”. Tn: Marcos Cameiro de Mendonca. Século XVII ~ Século Pombalino no Brasil, op. cit, p. 519. Ver também, Kenneth Maxwell. Margués de Pombal. Paradoxo do Iluminismo, op. cit. p. 129. “A redobrada atengd0 & capitania mineira, coreava-se numa percepel0 ampliada acerca da dindmica politico-econémica colonial, cujo a Essa mudanga politica foi acompanhada por outras de carter estrutural, tais como a reforma dos sistemas tributirio e judicial. A primeira culminou com a criagéo da Real Fazenda, em Lisboa, em 1761. Em ligag3o com a colénia foram constituidas Juntas da Fazenda em todas as capitanias, cada uma com jurisdigo propria, mas todas dependentes de Lisboa.* A esséncia do objetivo das Juntas esté consagrada nas palavras de D. José ao Capito General Martim Lopes de Saldanha “Em suas partes se divide a boa administragao da Fazenda, quanto a diregéio de um Governador. A primeira consiste no aumento dos rendimentos ¢ a segunda na boa arrecadapao deles. No respeito aos contratos, para que se obtivessem exatamente os rendimentos da Real Fazenda, era preciso haver uma clara individual noticia do que produzem os rendimentos para se conhecer se sao competenies os lagos que se oferecem nas arrematagdes ou se hd conluios para se rematarem os contratos baratos [...].*” ‘Na principal regio aurifera do Brasil, Minas Gerais, a Junta da Fazenda, estabelecida em 1765, recebeu instrugdes minuciosas em 1769 e assumiu a sua forma administrativa final em 1771. Nessa capitania, como em todas as outras, os gastos deveriam ser divididos em

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