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Apesar de você.

Novamente estou em dívida com nosso editor Basílio Machado. Minha


generosa terapeuta diria que não fosse tão cruel comigo mesmo, enquanto o
sentimento que me ocorre é que não sou muito feliz em manter regularidade
nos assuntos que, embora me agradem, não implicam em vida ou morte.
Vida ou morte nem sempre são bons assuntos. Ainda mais enquanto escrevo
essas linhas um tanto desorientado pela perda de Sérgio Soares Preguinho,
sem entender muito bem o que essa infelicidade esconde.
Outro sentimento que me ocorre além da minha incapacidade em ser regular
em assuntos agradáveis e não essenciais à sobrevivência, é que há, no ar,
uma infelicidade difusa, difícil de entender, captar, mas que parece grassar não
obstante os ventos soprem como sempre sopraram.
Um tipo de ressaca da pandemia ou talvez a culpa por ter sobrevivido; quem
sabe o retorno intenso da palavra “guerra” ao palavreado do dia a dia acrescida
do adjetivo “nuclear”; talvez um outro retorno vocabular ainda dolorido na
história brasileira, da tal “inflação”; ou, ainda, as ameaças insistentes de que
derrotados possam roubar o troféu que não ganharem; ou quem sabe esteja a
percepção dessa infelicidade apenas nos sentidos de quem a diz perceber.
Seja como for, uma melancolia de dentro para fora ou de fora para dentro (as
duas quem sabe), hoje escrevo com melancolia; com um certo medo de que a
existência se finde; e com mais medo ainda de que alguns não temam que a
existência se finde.
Prezado leitor, a constatação da melancolia tem lá seu valor. Apenas se pode
enfrentar e superar aquilo que é posto existente pela palavra. Nomear os
sentimentos difusos os tornam claros, expostos e, assim, evidentes, objetivos,
passíveis de serem confrontados.
Confrontar essa melancolia é colocar na vitrola (agora player ou tocador de
música web) uma canção que nos faça olhar para frente. A canção que eu
escolhi para enfrentar a minha melancolia dessa tarde de quinta-feira é do
Chico, e diz que “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.
E é isso, meu prezado leitor. Apesar de tudo isso que está aí, amanhã há de
ser outro dia. E se não for, a esperança não nos enganou. Apenas nos fez
seguir.
Porque no fim das contas, não há mesmo como voltar.

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