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wy MANOEL GONCALVES FERREIRA FILHO DO | PROCESSO ee LEGISLATIVO VN 20400020492 5* edigdo, revista, ampliada e atualizada 2002 BIBLIOTECA | CIRCULANTE zo. No pensimento do século XVI; como js assnalou anterior ‘ou amanhi, aqui ou acolé, sublinhavam os pensado- res do Huminismo, Assim, a Nagao hd de querer sempre 0 que a Raziio quer, e, participando da Razdo, os representantes exprimiriam sua vontade sobre qualquer problema politico, sempre que dessem a ele uma solugdo racional, Essa interpretagdo nao exclui —é evidente —que o mével dos cconstituintes de 1789 fosse obstar ao populacho a participago no poder, o que seria logicamente insustentivel se se reconhecesse a soberania popular & Rousseau, e, portanto, se se houvesse de reco- nhecero voto como um direito de cada cidadao. A doutrina da repre- sentago, como a da soberania da Nago, de que decorre, se desen- volveram incontestavelmente a partir da desconfianca em relagao & ‘multidio e serviram eficientemente para 0 estabelecimento de as- sembléias “menos préximas do povo”™. E patente, portanto, que o mandato representativo, a luz da dou: trina eldssica da Revolugdo Francesa, longe esti do mandato conhe- cido pelo Direito Privado. Entre ambos, s6 ha em comum o agir em nome alheio, 0 exprimir vontade que ¢ juridicamente imputada a ‘outrem. Basta isso para justificar a identidade de nome? Nao faltam ‘05 que veementemente sustentam que nio”. presentativo. De fato, a tade nacional, manifest pelos representantes, que se identifica com a vontade geral, ou seja, com os imperativos da Razao. Na verdade, a lei aparece nas duas principais Constituigdes do século XVII, a americana e a francesa, com a mesma natureza juri- dica, a de ato complexo. Ou seja, a lei resulta do concurso de vonta- des de Grados distintos que se unem numa sé vontade. 38. V supra 33. 39, CL. Duverger, Dro 40. Cf. Goffredo TellesJinior, A democracia e o Brasil, Sio Paulo, 1965, p. 2es. 10 De fato, em ambas, a lei resulta da deliberagio do Legislativo —nos Estados Unidos, o Congresso; na Franga, a Assembléia Nacio- nal — e da sangao do chefe de Estado. Alias, nos Estados Unidos, é complexo igual se ajusta- Segundo se depreende de das leis, 0 ato legislativo resultaria da aprovagio pelo somada & sangao pelo Executivo. Ou, na linguagem do la conjungio da faculté de statuer pertencente aquele po- co do século XVII Lé esta resultava do “Rei ito, entendendo-se por isso a conjugacao da vontade da Camara dos Comuns, da Camara dos Lords e do Rei®. ‘Todavia, nessas Constituigdes, se se atentar para 0 caso das leis ‘que se aperfeigoam pela st jo do veto, a natureza da lei parece set antes de ato complexo desigual que de ato complexo igual, salvo no direito inglés, onde o veto era absoluto e definitivo. (© que caracteriza 0 ato complexo desigual, segundo a melhor doutrina, é exatamente a desigual importancia das vontades que se uunem para o ato". Ora, a vontade do chefée de Estado em relagao & lei € secundaria em relagao a vontade do Legislativo, uma vez que sua ‘oposicdo ¢ superivel. 41-CE Liv. XI, Cap. VI 42. CL. Introduction, cit, p. 38. 43. Cf, Manoel Maria Diez, El acto admin » 2. ed, Buenos Aires, 1961, p. 124. Reproduz este autor entre outras de Miele (Principii di diritto amministratvo, Pisa, 1945, p. 181) de que “o concurso de dois ow mais ppovleres para formagso do ato se pode apresentar de wal forma que um sea prepon- Aerante(prevalecente) 0 outro a cxeteerfungbes da mesma indole, ou de ‘otra, mas nto de igual relevancia. Com relagao ao poder principal, os outros se n Segundo a Constituigao de 1791, 0 veto real era meramente suspensivo. Se o Legislativo reiterasse a sua vontade, em duas legislaturas seguidas, seria presumida a concordancia do Rei. De acordo com a Constituigdo dos Estados Unidos, as objegies do Presidente (0 seu veto) no impedem a transformagao do projeto ‘em lei, se ambas as casas do Congresso, cada uma de per tarem pelo voto de dois tergos de seus membros. Por certo, alguma dubiedade persiste. Se a Const Unidos, composto de um Senado e da Camara dos Deputados' 18, Sogao 1)", a francesa langa alguma incerteza: “O poder legis € delegado a uma Assembléia Nacional composta de represe1 temporirios, livremente eleitos pelo povo, para ser exercido com a sangao do Rei, da maneira que ser determinada adiante”’”, Todavia, esse mesmo texto sugere a posicao secundaria do chefe de Estado em relagao a legislacdo, pois o poder de legislar é delegado & Assembléia Nacional somente, embora o seu exercicio envolva a in- tervengao do monarca. Mais obscura é ainda, assinale-se de passagem, a esse respeito, ‘Carta de 25 de margo de 1824, Esta, como a francesa, dé denegagio dda sangio efeito suspensivo apenas (art, 65)", mas solenemente afir- ma, no art. 13, que “O poder legislativo é delegado & assembléia geral com a sano do Imperador”. Assim, deve-se convir que, no Direito Constitucional cléssico, se nfo hé divida de que a lei é ato complexo, no existe tanta sezu- ranga quanto a ser ato complexo igual ou desigual. A licdo de ‘Montesquiew e a Constituigao inglesa a apresentam como ato comple- Xo igual, a americana, a francesa etc., como ato complexo desigual 46. A elaboragao da lei, no Direito Constitucional eldssico, obedece a um processo comp! certo ponto espelho da propria natureza da lei. De fato, essa elaboracao se desdobra em trés fases distintas. A primeira é meramente introdl €a fundamental, é a fase tar, integra a eficdcia da lei 47. Chama-se ini ‘0 poder de propor a adogdo de uma lei como também a apresentagao do projeto junto a0 érgao competente. _Enibora se use dizer que ela é uma fase do processo legislativo, juridicamente no o &, embora politicamente 0 seja, Nao 0 € ito do Direito, porque se resume num ato, o depdsito do projeto. sim, mais correto seria afirmar que @ iniciativa € 0 ato que desen- cadeia 0 processo de elaboragao ou de adogao da lei. No plano politico, todavia, a preparagao do projeto é de alta importancia, Antes de um projeto ser depositado, um trabalho mui- tas vezes longo e penoso se desenvolve. E trabalho que demanda ei ee ae cae mmo t énnela sobretudo que a pressio de interesses particulars se faz sentir preponderantemente. Aos constituintes de 1787 ou de 1789, essa fase aparenta simplici- se alei era a expresso da Razio, traducZo de um direito proposigao de uma lei era um convite a Nagao, para que Nada tinha que ver a pr des governamentais, porqu Executivo no gozava do poder de propor leis. Tanto a Cons francesa de 1791 como a americana nao atribuiam esse di chefe do Bxocutivo, Nowmésima podiao Rel segundo concedia a B primeira das Constituigdes francs ‘onvidar o Corpo legislativo ‘a tomar um objeto em consideracdo™*, Somente os parlamentares que gozavam desse poder, certamente como representantes. no da Nagio, que isso o Rei também era, mas como representartes dos hhomens livres, conforme a ligiio de Montesquieu". 48. A fase constitutiva da lei cra, a seu turno, no Direito classi- £0, um ato complexo, De fato, a lei se constitui pela aprovacdo da cdmara ou cémaras legislativas mais a sangao do chefe de Estado, ou sua superago nos sa € a esse respeito a Constituigdo de 1791, que devota um capitulo todo ao exercicio do Poder Legislativo e toda uma secio a formu das deliberagdes, ao passo que élcdnica ados Estados Unidos, 's separada da anterior por um intervalo nao menor do que oito dias. Desenha-se, assim, a preocupacao de im- pedir qualquer atrebatamento do Corpo Legislativo, obrigando-o a ‘maduramente ponderar sobre o que esta aprovando. ‘Como garantia da observiincia dessas formalidades, determinava a Constituigdo que o Rei nao sancionasse qualquer deliberagio do Corpo Legislativo que as violasse e que 0s ministros ndo promulgassem tal ato, sob pena de responsabilidade a perdurar por seus atos™. Lembra essa disposicio 0 direito atenicnse, pois a graphé paranomon era tam- bbém dirigida contra as autoridades que toleravam a lei inconveniente. Quanto a sancdo, era exigida, mas dispensada se reiterada a aprovagio do projeto em outras legislaturas seguidas, na Franga, ou Por maioria qualificada, nos Estados Unidos" XI, Cap. VI 10 56. ¥ supra n. 8, 4 Dando ao veto carter meramente suspensivo, rompiam essas legislativo, visto que incidem sobre atos que sio leis desde a sano ou.a superacdo do veto. Representam, todavia, uma fase no que Vai da imaginagao da lei por aquele que tem poder de até 0 momento em que todos devem obedecer as suas prescrigdes. A promulgagio é um ato de execugio. Como o ato promulgatério celts oat rl Se ace aan jf a Constituigao de 1791, exercicio do Poder Execut ‘$Ho das | Em verdade, a promulgagio é a autenticago de que uma le foi ‘Como ato de execucao, a promulgacao da lei incumbe ao Poder Executivo", A publicacao, por sua vez, € uma comunicagao destinada a le- ‘ar ao conhecimento daqueles a que obriga o texto da lei. E comu- yymond Carré de Malbere, ie discute cle as opinivies de da lei, que somente depois dela é que pode ser exigida, de quem quer que seja®. A tantas vezes mencionada Constituiglo de 1791 a prevé expres- samente, De fato, nesta, a propria promulgacao continha a ordem de publicagio dirigida a todos os “compos administrativos e tribunais”, Era certamente Gbvio para 0 constituinte de 1787 ou de 1789 ser allei a regra de dieito c apenas a regra de direito, como Ihe era rio sobre a Reforma do Poder Legislativo no Brasil, publicado pela Chmara dos Deputados, Brasilia, 1966, p. 219. ja, além do Prof, Orlando de Carvalho, jé mencionado, os Profs. Reale, Machado Horta, Ernest Griffith, Jean Lyon, Oswaldo Triguciro,Betil, ‘e Anhaia Mell, ingress: its contemporary role, 1951 p. $3, apud Bemard Schwartz, Di icional americano, trad. bras., Rio de Janeiro, 1966, p. 107. 132 Todavia, observa Finer, a pericia (experiness) na feitura de leis 86 “o dominio do conhecimento de sua substincia” mas, ‘capacidade de formular os resultados com um minimo de precisao sem contradi¢ao com outras leis”. Hé, assim, um aspecto técnico na redagao das leis, que escapa muita vez a tecnocratas

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