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pela Universidade de Lisboa © professora da inne das aulas Universidade Estadual do Ceard. Nesta obra ela expe, sem piedade, os principais equivocos no estude da plina. Sobre a escrita, randé aponta que ainda prevalece fem sala de aula @ prética mecdnica e @ memotizapto pura @ simples. de'repras ortograficas. A leitura & redurida a ‘momentos de exercicios endo cespertao prazernos alunos E a gramatica ¢ apresentadafragmentada, com frases inven tades, sem contesto ou fungdo. Mas ela no para por a A professora da orientagdes e suger atvidades para expo rar corretamente a cralidade, a escrita, a ptice de lita € também para rfltr sobre as regras gramaticas, re mensiona a avaliagto, para que ela ido sea a finaidade, sim a andlise da praca, iii, i onatues lrandé Antunes AULA DE por tugués encontro & interagao ue Socrates Eu sustento que a tinica fnalidade da citmcia esta em dliviar a miséria da existéncia huemana. Bret Entre coisas e palavras — principalmente ‘enure palavras — cireulamos. (Cantos Daunanox De AXDRADE As coisas vim a wma crianca vestidas pela linguagem. Tons Dewey Tada lingua sto rastros de velhos mistéios. Gumarses Rosa u Assumindo a dimenséo interacional da linguagem ‘Séesauevnam sna cosa na consusto do nosso fea Social « pa federal ese Pesos ‘Toda atividede pedagégica de ensino do portu- ‘gues tem subjacente, de forma explicta ou apenas in- tultiva, uma detenminada concepedo de lingua. Nada do ‘que-se realiza na sala de aula deixa de estar dependente de um conjunto de principiosteéricos,a partir dos quais ‘0¢ fendmenos lingdisticos sto percebidos e tudo, con- soqilentemente, se decide. Desde a definicto dos obje- tivos, passando pela selesio dos objetos de estudo, até ‘a escolha dos procedimentos mais corriqueros e espe- cficos, em tudo esti presente uma determinada con- cepglo de lingua, de suas fungdes, de seus processos de aquisicto, de uso e de aprendizagem, ‘Tenho presenciado, por vezes, uma certa descon- fianga ou uma certa restrigdo dos professores quando se trata de Ihes oferecer mais referenciais teéricos. Parece que sio meio descrentes da teoria. "Queremos pritica”, costumam dizer Esta afirmagio pode signi: car um certo cetilsmo ou um descontentamento com cexplicagses te6ricas que Ihes chegam nos eventuais ‘encontros ots “treinamentos". Nesse caso, 08 professo- res podem ter razio, principalmente, se a teoria que cestudaram no ajudou a tornar sua atividade pedagési- ca mais produtiva, mais relevante e sigificativa Mas o desinteresse pela teoria pode significar tam- ‘bém uma incompreensio do que seja "teoria”e "prati- ca, de como uma e outa se interdependem ou se all: ‘mentam mutuamente. Como pode significa ainda uma certa acomodacto des professores, que, passivamente, ee como fazer, dispensando-os, assim, do tabalho cons- tante de estudar, de “estar atentos’, de pesquisar, de avaliar, de eriar, de inventar ¢reinventar sua pratica, 0 que naturalmente supse fundamentagio teérica, am- pla, consistente ¢ relevante, [Nao pode haver uma préticaeficiente sem funda- ‘mentagdo num corpo de principios tedricos séidos & objtivos. Nao tenho chividas: se nossa pritica de pro- fessores se afasta do ideal & porque nos falta, entre foutras muitas condigées, um aprofundamento tebrico acerca de como funciona o fendmeno da linguagem humana, © conhecimento teérico disponsvel a muitos professores, em geral, se limita a nogOes e regras gra- rmaticais apenas, como se tudo © que é uma Iingua em funcionamento coubesse dentro do que € uma grarns: tica, Teoriaslingtisticas do uso da prosédia, da morfos- sintaxe, da semantica, da pragmética, teorias do texto, cconcepebes de leltura, de escita, concepsées, enfim, acerca do uso interativo e funcional das linguas, & 0 {que pode embasar um trabalho verdadeiramente eficaz do professor de portugues. Mas voltemos & questio dos principios teéricos, De uma forma muito geral, pode-se dizer que, 20 longo dos estudoslingtisticos, duas grandes tendéncias tem mareado a percepsio dos fatos da linguagem: ') uma tendéncia centrada na lingua enguanto sistema em potencial, enquanto conjunto abs- trato de signos e de regras, desvinculado de suas condigses de realizagio; }) uma tendéneia centmda na lingua enguanto atuago social, enquanto atividade e interagao verbal de dois ou mais interlocutores e, assim, cenquanto sstema-e-fegao, vineulado, porta to, As elzeunstncias concretas e diversificadas de sua atuslizagio, Evidentemente, essa segunda tendéncia te6riea possibilita uma consideragso mais ampla da Linguagem. ©, consegientemente, um tabalho pedagégico mais produtivo e relevante. Ou seja, a evidéncia de que as inguas s6 existem para promover a interagao entre as pessoas nos leva a admitir que somente wma concepedo interacionista da linguagem, eminentemente funcional contestualizada, pode, de forma ampla ¢ legitima, fundamentar um ensino da lingua que seja, individual ¢ socialmente, produtivo e relevante. Se a lingua-em-fungio apenas ocorre sob a forma da textualidade — e esta 6 uma segunda evidéncla que ‘quero lembrar agai — € natural admitir também que ‘6.0 estudo das reyularidades textuas e discursvas, na sua produgio e interpretagio, pode constituir 0 objeto ‘de um ensino da lingua que pretend ser, como se disse ‘acima, produtivo e relevant Assumo, portanto, que o niicleo central da. pre- sente discussto € a conceppio interacionista, funcional ediscursiva da lingua, da qual deriva o principio geral de que a lingua 86 se atuaizn a servigo da comtenicagao intersubjetiva, em situagées do atuagdo social e através dd prdieas discursivas, materalizadas em textos orais € escrito. B, pois, esse nicleo que deve consttuir 0 pon- to de\referéncia, quando se quer definir todas as op- ‘goes pedagogicas, sejam os objetivos, os programas de ‘estudo e pesquisa, seja a escolha das atividades e da forma particular de realizé-las ¢ avaliélas. Vale a pena trazer & diseussso mais um ponto: as sulas em questio so “aulas de portugués’. Mas, de ‘que portugues? Do portugues de Portugal? Do port ‘guts do Brasil? £ claro que é do pormugués do Brasil, ‘aberto, porém, a andlise de outras variedades. Essa é ‘uma questdo fundamental, que tem desdobramentos de toda order, S6 para dar um exemplo: querer aplicar 20 portugues brasileiro as regras da colecagio prono- minal do portugues europeu € gerar uma série de in- ‘compatibilidades que apenas reafirmam aquela idéia dde que o brasileira fala mal. Como a calocagao prono- tinal, existem muitas outras questoes (veja-se a regén- cia de certos verbos e de certos nomes, para citar mais uum exemple). Ou seja, a chamada “norma-padtiio” ‘objeto de anilise na escola deve ter coma pariimetro 08 ‘usos proprios do Brasil, nos diferentes contextos de {2 [amaze omens Inne Aras funcionamento da lingua. De outra forma, se erla um fosso se sada, um problema sem solucto, Cuma pedra zo meio do caminho" que nao pode ser afastada,) A essas consideragies acrescento, como ponto de sustentasio mais ampla, o principio de que é 0 aluno o _suieto da aprendizagem que acontece, ou sj, ¢ ele quem realiza, na interagdo com 0 objeto da aprendizagem, a atvidade estruturadora da qual resulta 0 conhecimento (cf, Kato, 1986). Valea pena ter em conta, aind, que tal conhecimento implica, nfo o armazenamento, em esto- ‘que, de um conjnto de informagies, de contetdos « regras, mas a existincia de uma capacidade gerativa, isto 6, uma capacidade de encontrar novas respostas part problemas inteiramente noves, em novas situagdes. A seguir, apresento um conjunto de prinepias que, ‘como disse, podem respaklar uma pritica pedagigica de cestudo ¢ exploragio da oralidade, da escrts, da leitura © a gramética. Em nenhum momento atribuo a esses principios @ pratcidade mecanicista de um receitudtio, ‘S40 fundamentos. Sto "a peda fundamental” da cons ‘mus que professores e alunos vo empreender: Bons professores, como a aranha, saber que te 8es, essasteias de palavras, nto podem ser tecidas 10 ‘vazio. Elas precisa de fiundamentas. Os fios, por finos eves que ssjam, tom de estar amarrados a coisas sol das: droves, paredes, caibros, Se as aniarras so corta- das, a tia 6 soprada pelo vento, e @ aranha perde a casa. Professores sabem que isso vale também para as pala vas: separadas das coisas, elas perdem seu sentido. Por si mesmas, elas ndo se sustenzam. Como acontece com 4 tia de aranha, se suas amarras as coisas sélidas sao cortadas, elas se tornam sons vazios: nonsense... (Ru- bbem Alves, 2001: 19). Ausoioge umaionmmucne cient Prevejo, para além da explicitacdo desses princi. plos, antes de tudo, uma base teérica bem mais brangente — que, naturalmente, no eabe nos limites deste trabalho — cujasaplicagoes priticas exigem,além Ae estudo, pesquisa e rellexio, a cratividade eo disceri- mento constantes dos professores. Parece-me razoivel supor que este ndo é 0 lugar ‘adequado para descermos aos minimos detalhes do que fazer pedagdgico. B evidente que pretendo atingir a realidade cotidiana da prética, da aplicagto, mas quero faztlo através da indicagao de implicagdes, de pista, ppelas quais os professores podem descobrir os jeitos daguele que-fazer pedag6gico. Tenho em mente um professor de portugués que é, além de educador,lin- lista e pesquisador (como propoe Marcos Bagno em toda a sua obra), alguém que, com base em principios te6ricos, cientificos e consistentes, observa os fatos da lingua, pehsa, reflete, levanta problemas ¢ hipéteses sobre eles e“reinventa sua forma de abordé-los, de cexplicitilos ou explicéos. Esses fatos da lingua so- ‘mente vem a tona nas préticas diseursvas, das quals © texto € parte constitutive. Por isso € que <3 of textos podem canstituir 0 objeto relevante de estudo da Ugua Vamos aos principios. 2.1. Explorando a escrita Para far ua fs de de paras somes was cm ‘Acsrita, como toda atvidade interativa, implica uma relagio cooperativa entre duas ou mais pessoas. Uma atividade ¢ interativa quando 6 realizada, ‘conjuntamente, por duas ou mais pessoas cujas ages se interdependam na busca dos mesmos fins, Assim, numa interaedo ("ago entre"), 0 que cada um faz de- pende daguilo que o outro faz também: a iniciativa de tum é regulada pelas condigGes do outro, e toda decisao Ieva em conta essas condigbes. Nesse sentido, a escrita 6 tio interativa, 180 dialdgica, dindmica e negoctavel quanto a fala, ‘Uma visio interacionista da escrita supée, desse ‘modo, encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, ppara gue aconteca a comunhio das fdas, das infor mages e das intenges pretendidas. Assim, por essa visdo se supe que alguém selecionou alguma coisa a ser dita a wn outro alguém, com quem pretendeu Interagir, em vista de algum objetivo, A atividade da escrita é, entéo, interaiva de expresso, (ex, "para fora” tagio verbal das idea, informagées, intengées, crea ‘8 ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo, interagit com ele. Ter 0 ‘que dizer 6, portanto, uma condicto prévia para o éxito da atividade de escrever. Ndo hé conhecimento lingaistico (lexical ou grammatical) que supra a deficién- cia do “no ter 0 que dizer’ As palavras sto apenas a mediagio, ou o material com que se faz a ponte entre ‘quem fala © quem eseuta, entre quem escreve e quem Ie. Como mediagio, elas se limitam 2 possibilitar a texpressio do que ¢ sabido, do que é pensado, do que é sentido, Se fallam as ldéias, se falta a informagao, vio faltar as palavras, Daf que nossa providéncia maior deve ser encher a cabeca de ideias, ampliar nosso repertério de informagdes e sensagdes, alargar nossos horizontes de percepsdo das coisas, A as palavras virdo, ea cres- ‘cente competéncia para a eserita vai fieando por conta dda pritica de cada dia, do exercicio de cada evento, ‘com as regras propria de cada tipo e de cada género de texto. © grande eguivoco em taro do ensina da | tingua tem sido o de acreditar que, easinando andlise sinttica, ensinsnde nomenclatura gramatical, conse- guimos deixar os alunos suficlentemente competentes para ler e escrever textos, conforme as diversificadas * situagées sociais, Numa outra oportunidade, explore a dimensto desse equivoco (ver Antunes, 2002). | ___Avisto interacionista da escrta supde ainda que existe outro, 0 14, com quem dividimos o momento da escrita. Embora o sujeito com quem interagimos Dela escrta ndo esteja presente a circunstancia da pro- dugio do texto, & inegivel que tal sujeito existe © & Imprescindivel que ele seja levado em conta, em cada momento. Ou soja, a escrita, pelo fato de no requerer ‘ presenea simultnea dos iterlocutores em interagio, rio deixa de ser um exercicio da faculdade da lingua: ‘gem. Como tal, existe para servir @ comuuntcagto entre sujeitos, 0s quais, cooperativa e mutuamente, se jus: tam e se condicionam. Quem escreve, na verdade, es- creve para alguém, ou seja, eS em tnteragdo com outra ppessos. Essa ouira pessoa é a medida, ¢ o parimetro das decisdes que devemos tomar acerca do que dizer, do quanto dizer e de como fazé-lo. -_Bscrever sem saber para quem ¢, logo de safd ‘uma tarefa diffeil, dolorosa e, por fim, € uma tarefa Jneficaz, pois falta a referencia do outro, a quem todo texto deve adequar-se. Como saber se dissemos de mais ‘ou de menos? Como avaliar se fomos precisos, se fo- mos relevantes, se dssemos “coma palavra cert" aquilo que tinhamos a dizer? Sem o outro, do outro lado da linha, no hé linguagem. Pode haver 0 weinamento rmecinico e aleatério de emitir sinais, o que, na verda- de, fora de certas situagses escolares, ninguém faz. O ‘outro, que caracteriza 0 ato inerentemente social da Tinguagem, paradoxalmente, $6 desaparece nas aulas de portugués, que até jé se chamaram de aulas de “Co: rmunicagio © Expressio™ Como lembra Bakhtin (1995: 113) Ia realidade, toda palnsra comporta dus faces. Ela & ‘dterminada tanto pelo fata de que procede de algwémn ‘como pelo fato de que fe dirge para alguém. (.) A palawa € uma espécie de ponte langada entre mim € ‘0s outros. Se ela se apéia sobre mim numa exremida de, na outa apéiase sobre o meu interlocutor A pa- Iavra 6 teritrio comm do loeutar do interlocutor 0 professor nio pode, sob nenhum pretexto, in- sistir na prética de uma escrita escolar sem letor, sem dlestinatério; sem releréncla, portanto, para se decidir sobre o que vai ser escrito, ‘A escrita, na diversidade de seus usos,cumpre fungdes ‘comunicativassodalmente especfica erelevantes Como uma das modalidades de uso da lingua, a cescrta existe para cumprir diferentes fmnpdes comunica- tivas, de maior ou menor relevancia para a vida da comtnidade. Se prestarmas atengo A vida das pessoas ras sociedades Ietradas,constatamos que a escrita est ‘presente, como forma constante de atwago, nas milti- plas atividades dessas pessoas — no trabalho, na fame lia, na escola, na vida social em geral —e, mais ampla- ‘mente, como registro do seu patriménio cientifco,his- ‘rica e cultural. Dessa forma, toda eserita responde a ‘um propésita funcional qualquer, isto €, possibilita 2 realizagio de alguma stividade sociocomunicativa en- tne as pessoas ¢ est inevitavelmente em relagdo com os dliversos contextos sociais em que essas pessoas atuam, Pela escrita alguém informa, avisa, adverte, anuncia, descreve, explca, comenta, opina, arguments, instr resume, documents, faz literatura, organiza, registra & divulga © conhecimento produzide pelo grupo. Se “fa- lar € uma forma de comportamento”, como afirma Seatle (1981: 27), eserever também o €. Ou seja, nunca ddizemos nada, oralmente ou por escrito, que néo tenha, ‘consequéncias (s6 a escola parece mio ver isso.) Em suma, socialmente, ndo existe a eserta “para nada’; “para nao dizer, ‘para nao ser ato de inguagem”. Daf por que néo existe, em nenhum grupo social, a ‘eserita de palavras ou de frases soltas, de frases inven tadas, de textos sem propésito, sem a clara e inequivo- ca definicio de sua razio de ser, ‘A ecrita varia, na sua forma, em decorréncia das d- ‘erencas de fungi que se prope cumprir, conse- auentemente, em decorréncia dos diferentes géne- ros em que se realiza Vinculada aquela dimensio da funcionalidade da cescrta esté a outra dimensio da sua forma de realiza- ‘0 © apresentagio, Assim como se admite que nio existe fala uniforme, realizada de forma igual em dif rentes situagées ¢ usos, também a produsso de textos ceseritos toma formas diferentes, conforme as diferen: tes fngoes que pretende cumprix, seas diferengas vao implicar diferengas de gene 10s de texto, isto é diferengas na forma de as deren: tes partes do texto se disteibuirem, se organizarem e se apresentarem sobre o papel. A chamada superestrutur do texto corresponde a essas formas diferentes de 0 texto organizar-se e apresentar-se em dus, tes ou mais partes, numa seqdéncia mais ou menos definida. Assim € que uma carta, um relatério, um aviso, um requeri= ‘mento tém um jeito préprio, um jello tipico de acomte- cer ou seja, so feitos de acardo com um certo modelo, ‘com partes ou blocos mais ou menos estsveis, que v8o sucederse numa ordem também mais ou menos fixa, Como os textos sio de autoria das pessoas, delas tunicamente provém e a clas unicamente se destinam, {ais modelos em que os g8neros de texto se manifestam ‘Slo resultado de convengOes historias e socials institut- das por essas mesmas pessoas. Sdo convengoes, comme fodas as outras,eriadas, modificadas ou deixadas de "A questo “gtnros de texto" tem cadaver mals straido tengo dos pesquisdores,sobretodo,daquls ie se eres por etablecer uma ponte enre a lngastca © 4 pedssiia do ‘osina de ings Jase encontra una ilogalarazevel creo [Sssunto— que deve ser culdadosament stad oor professes 7 Ciais novidades esto po ve Vejese como exemple apena, fm porniguts: Antunes (202) Bist Redes (2002), Brando {2010 Dion, Machado fe Bez (oat) 2002 Meer & Mots ‘Roth (2002) sts dois dior tazem muitos rabalhos be 8 gusto dos ster. Indo, sempre que for necessério fazt-lo. Neste ambito, também se pode constatar a natureza complexa da lin- suagem, que 6 por um lado, prototipica, regida por modelos e padi6es e, por outr, flexvel, passivel de alteragoes e mudangas. Assim, como jé se ressalton em outro trabalho (Antunes, 1998), 0 paradoxo da variagao e da organiza ‘fo estvel dos textos é apenas o rellexo da natureza ‘mesma da linguagem, definida como sujeta &tradigao ‘¢, a0 mesmo tempo, subordinada 2 agio livre dos fs lantes. Se, por um lado, como admite Saussure (1973), uma lingua é “radicalmente incapaz de se defender" dos fatores que, constantemente, a deslocam (p, 90), por outro, a solidariedade com 0 passado restringe © ‘controla esse inevitével deslacamento (p. 88). 0s géneros de textos evidenciam essa natureza ‘altamente complexa das realizagées linghisticas: elas sao diferentes, multiformes, mutavels, em atendimento 2 variagio dos fatores contestuais e dos valores prag- :méticos que incluem e, por outro lado, so prototipicas, so padronizadas, sio estéveis, atendendo & natureza social das instituigdes socials a que server, Em sintese, uma escrita wniforme, sem variagées de superestrutura, de organizacio, de sequgncia de suas partes, corresponde a uma escrta sem funcio, artf cial, mecanica, inexpressiva, descontextualizada, con- vertida em puro treino e exercicio escolar, que mio es timula nem fascina ninguém, pois se esgota nos redu- zidos limites das proprias paredes escolar. ‘A escrita supée condigees de producio € recepsso diferentes daquelas atribuidas faa. Todo evento de fala corresponde a uma interagao verbal que se desenvolve durante o tempo em que dais ‘ou mais interlocutores, em situapao de coppresen, a- temare seus papés de flante e ouvinte. 0 discurso vai sendo, assim, coletivamente produzido, negociado, a0 mesmo tempo em que vai sendo plancjado, e sta se- {quéncia ¢ determinada, quase sempre, na propria con- tinuidade do didlogo, Ascrita comesponde a uma outra modalidade de interagio verbal: a modalidade em que a reeepedo & ‘adiada, uma vee que 0s sujeitos atuantes no ocupam, ‘ap mesmo tempo, 0 mesmo espago.Além disso, ht um Tapso de tempo, malor ou menor, entre a sto de elabo- ragio do texto pelo autor eo ato de sus leitura pelo leitor: Como lembram Faraco & Tezza (2003: 10): °O hhomem inventou a escrta, hé milhares de anos, quan- o 56 a conversa no conseguia dar conta de todas as ‘suas necessidades ssas diferentes condigdes de produsio da escrita, dio a quem escreve a possiilidade de conceder uma pparcela de tempo maior a elaborapo verbal de seu tex- ‘to, bem como a possibildade de rever e recompor 0 set discurso, sem que as marcas dessa revisio e dessa recomposiglo aparecam. Dat a iusto de que a versio ceserita que aparece divulgada — arranjada e bem escr ta.— corresponde a versio inicial do autor: Data outra iusto — maior ainda — de que a eserita é mais bem claborada, € mais “cera’ que a fala Alem desse maior tempo na elaboraglo do texto escrito, vale a pena lembrar que é bem mais comum a escrita @ referencia a pessoas, propriedades e objetos ‘Assonon snus emacs ch susentes da stuaso, oque requer uma maior explicitagao Tingtistica dessas referencias, ampliandose e diversifi- candose, assim, na escita, 0 emprego das unidades lesicais de formulagies sintaticas mais completas. Os snails de pontuagto eo uso expliito de conectivas, entre muitos outros recursos, endem a suprit instmugBes que, ra fala, io dadas por recursos como a entonagio, as pausas, 05 acento de vor ee. (ef. Kato, 1986), Evidentemente, convém chamar a atensio para 0 fato de que ndo existe ume padrto tinico de fala. como do existe também wm padrto tinico de escrita. Nao, falamos nem escrevemes todos do mesmo jeito, em qualquer sitwagio ou para quaisquer interiocutores. Falamos e escrevemes, com maior out menor formali- dade, mais ou menos 3 vontade, com maior ou menor cespontaneidade e fuéncia. Ha momentos, de fala ou de cescrita, em que tudo o que vai ser dito pode ser dito sem muita ou sem nenhurna formalidade, como hé ‘momentos em que tudo precisa ser culdadosamente planejado e controlado. Naturalmente a diferenga que pretendo ressaltar aqui € aquela entre a fala mais informal e a eserta ‘mais formal. Quanto maior for a distancia entre as dus, mas salentes serio as diferengas. A fala informal esta rnormalmente presente nos contextos mais corriqueiros da conversacio cologuial caracterizase, em geral, por ‘um vocabulério comum, restito a esses contextos cor riqueiros, por uma sintaxe permeada de express6es fiticas (“nao &2", "sabe como €?", "ta ligado?", “ceto”), de hesitagoes, de superposicdes ou de frases inacabadas (nfo que isso signfique "erro" ou desleixo). Sua coe- so, além de outros aspectos discursivos, &estabelecida por meio de recursos paralingtisticos (como os gestos, as expressoes faciais) e supra-segmentais (como @ ‘entonaeio, o aumento da intensidade, o alongamento das vogais, as pausas). Além disso, a presenga de refe- rentes concretos deixa, quase sempre, o texto falado informalmente cheio de incompletudes e “vagueoas", 0 ‘que nfo afeta a coeréncia do que € dito, pois sao facil. ‘mente supridas pelo contexto, af que apenas a fala informal nao pode servi de ‘suporie-para © desenvolvimento da comprecnsio de ‘Como acontece a eserita de textos formals. Ou seia, 6 pelo contacto com textos eseritos formals é que se pode apreender a formulasio propria da escrita formal. Con- seqtientemente, 6 com textos oras os alunos no che- ‘gain & competéncia para o texto escito (e no espere- ‘mos por milagres!) No interior de um elevador, constava uma placa com os seguintes dizeres: 4 ‘Atengao Copacidade licenciada 6 passageiros on 420 kg A utlzagdo acima destes limites ¢perigosaedegal ‘syjitando os infratones as penaidades da eislapd. Pode-se prover que, em contexts da fala informa 1s informasées que sio dadas neste texto teriam uma formulagéo bem diferente. Certamente, as palavras se "am outras, a composigdo das frases seria outra Sem pretender estabelecer um marco nitidemen- te divisério entre a fala e a eserita — até porque, na verdade, hé muito mais de semelhante entre as duas do ‘que de diferente — sem pretender os muitos simplistnos ‘com que a fala ea escrta tém sido distinguidas, vale ‘2 pena, contudo, chamar a atengio para as diferentes ccondigdes de produgio de uma e de outra e ter em ‘conta como essas diferengas interferer na sua realiza- <0 eoncreta, ‘A escrita compreene etapas distintas e integradas ‘de teaizagio (planejamento, operacao erevisao), as ‘quai, por sua ver, implicam da parte de quem escre- ve uma série de decsbes, Blaborar um texto escrito é uma tarefa cujo su- cesso ndo 56 completa, simplesmente, pela codificasio das ideias ou das informagdes, através de sinais gificos. Ou seja, produzir um texto eserto nio & uma tarefa que implica apenas o ato de escrever. Nao comeca, portant, ‘quando tomamos nas mos papel e lpi. Supde, 20 con ‘nro, varias etapas,interdependentes e intercomplemen tares, que vo desde o planejamento, passando pela esr ‘a propriamente, a 0 momento posterior da revisio eda reescrita, Cada etapa cumpre, assim, uma fungo espect- fica, ea condigto final do texto vai depender de como se respeitou cada uma desta fungies. A primeira etapa, a etapa do planejamento, corresponde todo o cuidado de quem vai eserever para: "par aprofumareta questo darlene fla ert, vale pe, ere cura urs, «consuka a Marcoschi (2001), Priacpaiments © pmaco capul, onde © autor apeesenta ups nts da ras perspectas em ue false esl so ob a. delimitar 0 tema de seu testo © aquilo que Ihe dard unidade; Dcloger 08 objetivas; .escolher o género; d.delimitar os crtérios de ordenagso das ids; .prever as condigdes de seus letores e a forma linguistca (mais formal ou menos formal) que seu texto deve assumit [Na escolha dos critérios de ordenagto das idéias, € relevante prever como a informagao vai ser distribu da ao longo do texto, isto &, por onde se vai comesar, ue seqiéncia se vai adotar, como se vio dividir os {6picos em subtépicos e em que ordem eles vio apare- cet, Fo momento de delinear a planta da edificlo que se vai construit AA segunda etapa, a etapa da escrta, corresponde a tarefa de par no papel, de registrar 0 que fol land do. £ a etapa da escrita propriamente dita, do registro, quando concretamente quem escreve vai seguir a plan ta esborada e dar forma ao objeto projetada (imagine ‘© que € fazer uma construgio sem planejamento!) quando aquele que escreve toma as decistes de ordem lexical (a escolha das palavias) e de ordem sintético- semantica (a escolha das estruturas das frases), em ‘conformidade com o que foi anteriormente planejado ¢, evidentemente, em conformidade, ainda, com as ‘condigdes concretas da situasdo de comunicagso, Sem pre atento, sempre em estado de reflexdo, para garantir sentido, coerénela, relevanca, A terocira etapa, a etapa da revisdo eda reeserita, corresponde o momento de andlise da que foi escrito, para aquele gue escreve conlirmar se os objetivos fo- ram cumprides, se conseguiu concentrag3o temética esejada, se hé coeréncia clareza no desenvolvimento ‘das idéias, se ha encadeamento entre os varios segmen- tos do text, se hi fidelidade 8s normas da sintaxe © da semintica — conforme prevéem as regras de estrutura a lingua — se respetou, enfim, aspectos da superficie do texto, como a ortogralia, a pontuagto e a divisio do. texto em pardgrafos. £, como disse, a hora da revsto (da ‘primeira, talvez), para decidir sobre 0 que fica, o que sai, f que se reformula. Como afirmou Hemingway: “A cesta de papéis é 0 primeiro mével na casa de um escrtor”. ‘A natureza interativa da eserita impde esses die rentes momentos, ese vaivém de procedimentos, cada ‘um implicando analisese diferentes decisdes de alguém que € sujet, que € autor de um dizer e de um fazer, para outro ou outros sueitos, também ativos e coope- Carlos Drummond de Andrade parecia bastante consciente das exigencias de uma escrita cuidadosa (que ‘supse tempo e disposigio para planejar, fazer © refa- ze), quando anotou em seu dist: Margo 12, Tanto trabalho para redigir a carts de res: posta e uma dretra de servigo pablioo que me man- ‘ou observagies sobre wma crdnica que publique! no Somnal do Brasil. Problems: achar o tom adequad, « palawajusta, a expresso medida e insubstiuivel, nem 0 meso Hemingay retro: "Resco tits wes 0 ko parsoafo de leu is Aras antes de me sent satis" [Sota serbia sguinte stag: “Perdooe, Senora ‘Lett can tho compri, Niko the tempo de azole carta ‘mais nem menos. Chego & concusta de que eseritoré saqule que nto sabe server, ois quem nao sabe esere- ‘ve sem eso. ¥4 Manvel Bandra era de outra op nig: "Se voc faz uma colsa com difcudade, € que no tem jeto para ela” Duvido, (grfo meu) Carlos Drummond de Andrade, 0 observador no escrito A.realidade de nossas salas de aula mostra exata- ‘mente © contro, pois a falta de esforgo, a improvisae ‘io e a pressa com que nossos alunos estrevem pare ‘em indicar que Ihes sobra competéncia e arte, Esque-_ ccemos, como disse alguém, que "0 que ¢ escrito sem esforgo 6 geralmente ldo sem pracer” Para facilitar 2 compreensio das distintas etapas da produsio escrita de um texto, mostradas anterior ‘mente, talvez valha a pena conferir 0 esquema a seguir tapas distintas ¢ intercomplementares implicadas na atividade da escrita ‘Trae ci | Ceaperer | Ensape rn [Eee tame [ingre [fae ‘ampliar seu | ern papel © que | rever © que for reper: ol planejado: arte rar serine, | Seeds * | Mi nl | zat | Sm la y | aero ater 3 Como se vé, nfo basta © cumprimento da etapa Tiaras ge Conannaco cs conan de escrever E preciso que se provdencie uma etapa tae de fe or pasar anterior e uma outta posterior &escita propriaente ‘mage feovnwes Cadia‘uma tem una fungao de grande importanca para ae aque nossas produgées linguistics resultem adequadas 7 @ relevantes. = ata dares Soy ere aon en Possvelmente a qualidade, por veres poucod ge ‘on Jive, dos textos exerit por nowsosalinos se deva aac _--, também & falta de oportunidade para que eles plane- aa jem e revejam esses tetos. A pit das “redagtes” ‘reac

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