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MATERNIDADE: UM PERFIL IDEALIZADO ‘Aida Maria Novelino 'Do Departamento do Psicologia da UFPe. “Que pal esranho desejou os hos para no culdardeles! Que me estanha, rjublia-se em assum sozinha oda a carga das clangas” Christiane Olivier RESUMO © arigo enfoca o medelo de mstemicade tal como é veiculado pelo siscurso de especalisias, principalmente da rea da pscologa, Yransmitdo por revista do diwigagdo extra-académica. O ideal da mie perteta 6 destlado pela andise de contoddo de textos reteren- tes a fungdo matera, como etapa prliminar de pesquisa em anda- mento, SUMMARY “This artlefocuses on he curent model of mothrhood as publicized by exper, mainly by psyctologists, on a non-scholarly, women ound magazine, The ideal ofthe perfect mother i csiled through content analysis kom a selection of quotes refering io maternal func ton, in a preliminary stage ofa research in progress. Cad. Pesq., Sao Paulo (65): 21-29, maio 1988 at Assistimos, ao longo das iitimas décadas, a um movimento de inquietagéo crescente no tocante aos rigi- dos padrées de valores masculinos e femininos, vigentes ‘em nossa sociedade. As barreiras que separam homens e mulheres, em seus respectivos papéis sociais, parecem ameagadas de fragmentagao, @ as linhas que demarcam as diferengas entre os sexos, confusamente embaralha- das om seus tracados. Som dtvida, a situacdo sécio-poltico-afetva da ‘mulher mudou. Sua maior inser¢éo no mercado de traba- tho, maior participacéo na esfera poltica, entre outras col ‘sas, contnibuiram para redefinir, até certo ponto, seu lugar social e alterar os referenciais morais dominantes. Enire- tanto, apesar das transformagées, a rede de signiicados que estabelece a assimetria de dreltos e funcdes entre os 86x08 ainda no foi desarticulade. O sistema de domina- 0 se mantém, também, pela desiguakdade sexual e pela divisdo sexual do trabalho. (© lugar socialmente destinado @ mulher continua ssendo a fama: & na privacidade do lar que, prioritaria- mente, ela deverd encontrar a realizado pessoal. E a matemidade, hoje aparentemente opcional, constitu ainda © componente central, defnidor da identidade feminina. O| grupo social reafimma de maneira implicta e expicita a existéncia de um “instinto materno” que vincula a mulher, e forma inevitével, & fungo de mae. Como afirma Cho- orow (1978), a maternidade 6 um dos poucos elementos permanentes e universais da diviséo sexual do trabalho. ‘A noo sociaimente aceita e difundida de que a ‘mulher, por sua natureza, destina-se & maternidade per- ‘manece, portanto, inabaiada. Esse & um indicador impor- {ante dos limites das transformagées relativas & condigéo feminina, Na reaidade, neste contexto, a maternidade nao ode ser experimentada como opgo. Ha, de fato, uma expectativa social que se concretiza em modelos normat vos, que orientam a experiancia. Longe de ser apenas uma fungéo biolégica, a ma- {ornidade inscreve-se num sistema de cédigos articulado € estruturado ideologicamente, indissocidvel das concep- 828 correntes de homem, muiher, fama, crianga. Encal- xa-se, entéo, num esquema mais ampio de representa ges. Nossa cultura destaca, como momenios privilegia os da trajetéria ferinina, gravidez, parto, amamentacéo, vinculo mae-fiho, em detrimento de outros, fundamentan- o a idéia da materidade coro meta ineviével (Parseval, +1986). Entendo, assim, que um caminho para 0 estudo da imaternidade é a andlise desse fendmeno a luz dos mode- los consiruldes sociaimente. Modelos que adquirem dife- rentes contomos em fungao das injungbes e interesses do contexto social (Badinter, 1985; Salem, 1985; Ameida, 1987). © objetivo desse artigo & analsar alguns modelos ‘de maternidade presentes no discurso psicolégico das re- Vistas de psicologia de cunho extra-académico. Minha erspectiva é fazer uma letuta interpretativa para isso, utilzo a técnica da andlise de contetido - dos conteddos referentes & funco matemna que transmitem, muitas ve- 2 de forma velada, 0 ideal de matemidade. Esta andlise constitu a versio preliminar de uma pesquisa mais ampla sobre modelos de maternidade e que s@ encontra em an- damento. 22 Buscar 0 ideal de matemidade nas elaboracdes dos especialistas da psicologia é, a meu ver, atingir uma par- cela importante responsdvel pela construcdo da subjetivi- dade da mulher contemporanea. Além disso, pensar a construgo de modelos no &mbito da ciéncia psicolégica, ‘em 0 sentido de evitar, cuidadosamento, o caminho das verdades inquestiondveis e empreender o desvio para o terreno da suspeita e da indagago. Alinal, as formulagdes dos especialistas compdem © idedro cultural acerca da maternidade e colaboram na legitimagao de uma verso da realidade. ‘A PALAVRA DE ORDEM DO ESPECIALISTA Os especialistas das diversas ciéncias tém um pa- pel proeminente na producdo dos modelos de maternidade. Como afrmam algumas pesquisadoras (Badinter, 1985; Ehrenreich & English, 1979; Kitzinger, 1978) foram os mé-

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