Você está na página 1de 9
IV. A TRANSFERENCIA: UM CONCEITO FUNDAMENTAL* Carlos Olivé Jase afirmou quea transferénciaéum dosconceitos fundamentais em que se sustenta o referencial teori- co psicanalftico e 6, por sua vez, nessa nocio, que se contextualiza sua praxis, Em sua definigao, oconceito de transferéncia implica essencialmente a idéia de traslado, de deslocamento, de transporte, no de objetos ~ que teriam uma consisténcia material, mas de valores ou signos, 0 que confere a seu modo especifico de movimento uma implicagio simbélica. Entre os escolasticosa transferéncia - denominada alienatio ~ era considerada como uma das proprieda- des dos termos de uma proposicao e consistia em transferir um termo de uso proprio (originério) a um. uso impréprio, isto 6, substitutivo, Essa referéncia é interessante, pois alude nao somente A nocao de deslocamento ~ na medida em que este assume 0 cardter de alienacdo, de esvaziamento, imy + Antigo traduzde do expanbel por LenisG, de Almeida revisado por Suet Css mm i ‘TRANSFERENCIAS termo alienatio (de alienus, alheio, pertencente a ou- tro), como também acentua o aspecto metaférico da substituicao, implicito na transferéncia. Em ou- traspalavras: se oquesemanifesta vem deoutra parte e de modo substitutivo, nunca o que é expresso é aquilo em si mesmo e, portanto, em seu cardter evocativo do originario ausente, sempre em algum pontose estar falando de outra coisa, traco distintivo dametéfora. Por sua vez, esse originari \dicauma estrutura de auséncia, que instaura o deslocamento de valores através de uma operat6ria de extracao, de esvaziamento do elemento no lugar de origem, para ser colocado em outro lugar, denominado substituto. Supée-se que essa operatéria de traslado se produz porque em seu lugar ori h4 algo que nao sees- {4 aproveitando bem ou nao se esté realizando. Do que foi exposto pode-se inferir que no fundamento légico do conceito de transferéncia se sustenta a nogao de um traslado de algo que em seu lugar de origem nao se realizou satisfatoriamente; algo faltou ali e, portanto, em sua derivacao; aquilo quenaoserealiza em um lugar procura realizar-seem outro. Inserindo 0 que dissemos no marco te6rico especifico da psicandlise, temos que formular que 0 conceito de transferéncia implica uma nogio de tras- lado, sustentado na idéia de que ha algo ndo-rea- lizado que procura se realizar de modo substitutivo. Portanto, néo se pode pensar no conceito de transferéncia — e isso j4 se encontra em Freud ~ sem. articuld-lo com 0 conceito de inconsciente. O incons- ciente nao € apenas cogitavel como um campo de forcas tal como o indica a concepcao dinamica, mas ‘A TRANSFERENCIA: UM CONCEITO FUNDAMENTAL 81 inclui Gedanken, isto é, pensamentos que se expres- sam através de suas formacées, Isso se articula com a formulagao de Lacan: “O inconsciente é estruturado como uma linguagem”!, toma- da no sentido lingiifstico, que remete ao jogo com: binatorio que operanaespontaneidade, Masessejogo combinatério se ap6ia numa estrutura de falta, do mesmo modo que o simbélico se sustenta numa estrutura de auséncia, na medida em que alguma coisa do sensivel deixa de ser em si para passar a ceecrenha a fungio de representar algo que nao © mundo representacional do simbélico, que se manifesta em sua trama como cadeia de significa- 6es, implicaa dimensdo da ausénciaem suaestrutura e essa dimenso da auséncia em nfvel do inconscien- te se define como inscrigio intrapsfquica no registro de uma falta, de algondo resolvido, que é justamente Oo que gerao movimento, o jogo de deslocamentos na busca de resolucio, a Essa nocd, que alude a algo “nao resolvido” que define 0 estatuto do inconsciente, esta implicita no fundamento dos conceitos de neurose de trauma. O nao resolvido que procura se resolver é 0 que Lacan vai definir como nao-realizado; a dimensao do inconsciente faz referéncia ao registro do niio-realiza- do em um sujeito. __ Oinconsciente, enquanto estrutura de uma hién- cia, se conecta coma fungao estruturante deuma falta, 4, Jacques Lacan Los cuatro cncpie fundamentals de pe Barents 1977.32 (ogo ede Laat nn Penis 82 TRANSFERENCIAS que se pode designar, ao falar da fungo do desejo, como a falta-em-ser®, O que equivale a dizer que 0 desejo se sustenta e se constitui no registro de algo ausente, de algo que falta; ¢ 0 desejo o que busca realizar-se e 6 0 desejo o que se inscreve na subjetividade como 0 nao-realizado. Quando Lacan define o desejo como “a metonimia da falta-em-ser"* esta aludindo ao jogo de deslocamentos e combina- 6es do que se inscreve como falta no sujeito, onde na medida em que algo realiza, isto é, algo satisfaz, algo 6 obtido, mas também algo nao se esgota, o que obri- ga a deslocar para outro objeto, para outro lugar o signo que falta, ou seja, o signo do nao-realizaco, Lessa estrutura de falta que preserva 0 sujeito de esgotar as possibilidades de satisfagio ou de realiza- cdo num tinico objeto ou num tinico lugar, ou seja, 0 que Ihe permite continuar desejando, Em Freud 0 desejo se define como “reproducao alucinatéria da primeira experiéncia de satisfagio”*, do que'se deduz que o desejo ¢ reprodugiio de um registro de satisfagdo, que por ser tempo passado ja esta ausente, isto 6, 6 uma satisfagio perdida, uma satisfacao que cessou de se realizar, n&o continuou se realizando, ou seja, af esta implicito o néo-realizado da estrutura do desejo, No conceito de “reprodugio alucinat6ria” est implicito a presentificagio de algo passado, a atualizacdo evocativa, mais ou menos 2 Jacques Lacan, op. cif p- 41 3, Jacques Lacan, "La Direceién dea cura ylos principios desu poder”, in Escrilos 1, Sigho XX1Eaitores, 1975, p. 271 ', Sigmund Freud/"Peicologia’ de los procosos oniricos’, in Obras Conpletas, Tomo If, Editorial Biblioteca Nueva, 1972, p. 689. A TRANSFERENCIA: UM CONCEITO FUNDAMENTAL 83 intensa em sua conotacéo imagindria, do objeto perdido. Retomandooque dissemosinicialmente, podemos formular que se algo se desloca sob a forma especifica de transferénciaé porque existeumsujeitoqueemseu registro tem algo que se inscreve na ordem do nao- realizado que procura se realizar. Por outro lado, afirma-se que a transferénciaé um, afeto e se presentifica sob os tracos do amor. Se 0 que se presentifica na transferéncia é o amor € porque algo do amor busca realizar-se, o que impli- ca que no sujeito do inconsciente o amor esté em fal- ta, hé algo nfo-realizado do amor que busca realizar- se. Dito de outro modo, é porquehé um amor em falta que um sujeito deseja e esse sujeito que deseja é 0 sujeito do inconsciente. Se o proceso identificat6rio primério marca a constituicéo do ego em sua idealidade, como consisténcia de ser em uma compacticidade ima- gindria, é a cena priméria em sua funcdo de ruptura que insere a nocao da falta-em-ser; 60 amor narcisista posto em falta que ocasiona a estrutura do desejo. A cena priméria marca o advento da estrutura triangular do complexo de Edipo, onde 0 sujeito per- de a condicao de ser tinico no amor, isto é, 0 sujeito 6 destituido do lugar do Ideal enquanto objeto de amor do Outro. Aquilo que falta para ser se inscreve como falta no amor, acarretando 0 desencadeamento do circuito do gozo no plano da pulsio. Hoque consigna Lacan quando diz: “(...) Oum que €introduzido pela experiéncia do inconsciente é 0 um 8 ‘TRANSFERENCIAS do corte, da fenda’, da ruptura que faz surgir a auséncia. “O inconsciente se situa na margem estritamente oposta & de que se trata no amor, que todo mundo sabe que é sempre tnico”.? Mas esse um do corte nao é senao um significante emitido no campo de Outro, um significante que marca uma falta no sujeito e que se formaliza através do que 0 Outro enuncia em sua demanda. Do que foi exposto pode-se inferir que ha duas instancias do registro da falta ~ uma em relacao ao amor e outra referente ao gozo ~ equeambas se inscrevema partir do discurso do Outro no modo pelo qual este emite suas exigéncias. O sujeito bascula entre essas duas di- mensbes da falta que Ihe server como referéncia. Se Outro poe aénfase da suasatisfaciono polodo gozo, areferéncia da falta no sujeito centra-se no amor, Se 0 Outro coloca a énfase em seu discurso do lado do amor, o sinal da falta no sujeito se localiza no gozo. ft nessas duas dimensdes da falta que se sustenta o des O desejo se manifesta, se transforma em deman- da; se o sujeito pede é porque nao tem, e aquilo que nfo tem se transforma em demanda; a demanda, portanto, 0 modo imaginario pelo qual se presenti caafalta;é0modo pelo qual a faltaadquireconsistén- cia form: Conseqiientemente, pocemos inferir que hé duas dimensées da demanda no sujeito, que surgem como correlato do queno Outro foi emitido como demanda Barra Editores, 1977, pp. 37-38. ‘A TRANSFERENCIA: UM CONCEITO FUNDAMENTAL 85 na origem: uma 6 a demanda de amor e outra 6 a demanda do gozo. Trata-se de manter em falta essas duas dimensées para sustentar 0 jogo metonimico que o desejo implica. Se inserirmos 0 que foi dito no conceito de transferéncia, podemos formular que seu inicio se verifica a partir da localizaciio do Sujeito Suposto Saber no desencadeamento da demanda, queno tem- po légico comeca como demanda de amor. Se de algo se trata é de ver como se inscreve, no registro do sujeito, o modo particular como foi significada na origem a falta de amor, posto que é af que esta o fundamento l6gico dessa falta e a partir dai se pode decifrar tudo o que deriva em termos de discurso. Quando, na transferéncia, a cena que se presentifi- ca ade umestado amoroso intenso, em seu aspecto sm geral corresponde a sujeitosque tem em seu registro histérico a vivéncia de um gozo excessivo inscrito no campo do Outro, isto é, sujeitos que viveram experiéncias ou as imaginarama partir de certo suporte real, com o signo de uma su- perexcitacao provocada pelo Outro. A busca do amor indica um desejo de purificacio de um gozo vivido como excessivo e culposo. Um efeito de degradacio desse goz0 significado retroativamente como p: doobriga osujeitoacongelé-loepurificd-lo,colocando a énfase no amor. A idolatria e uma particular ma- nifestagao de misticismo em certas histerias mostra o polo extremo dessa énfase, que deriva de uma busca compensatéria daquilo que se inscreve como 0 mito do gozo excessivo, que é preciso neutralizar, com a conseqiiente transformacao do gozoem puro amor. O outro pélo se verificaria em sujeitos cujos registros 86 ‘TRANSFERENCIAS hist6ricos marcam a inscrig&o de um excesso de amor no campo do Outro; se a énfase é colocada desse lado, a.ameaca subjetiva de sufocamento promove a busca da degradacdo desse amor, derivando na promogiio de certas cenas erdticas ou na busca de alguém que intervenha para erotizar. Em certas manifestacées clinicas, descritas como psicoseshistéricas, vé-seomodoextremodesseaspecto excessivo do amor situado no campo do Outro, que promovenosujeitoa busca daintervencao, geralmente frustrada, de um terceiro que venha interromper abruptamente esse amor asfixiante. Em resumo, pode-se formular que a cena constituinte do sujeito define topologicamente a divisdo do campo em dois espagos psiquicos que se inscrevem como campo do sujeito e campo do Outro e, nesse contexto topol6gico, pode-se consignar que, se no campo do Outro se inscreve um excesso cle go- 20, do lado do sujeito se produz umcongelamentoe a ‘sustentacdo intensa da demanda de amor. Em con- trapartida, se no campo do Outro se manifesta o excesso no amor, obriga-se o sujeito a enfatizar a busca do gozo, marcando a demanda como demanda de gozo. Do que foi dito pode-se inferir o fundamento l6gico daquilo que Lacan formula ao falar de trans- feréncia: “Toda resposta 4 demanda, frustrante ou gratificante, na anélise, reduz nela a transferéncia A sugestao”®, 6.Jaques Lacen, “La Direccién dela cura y es prinsipios desu poder”, In Escrits I, Sigho XX Eaitores, 1975, p. 266. ‘A TRANSFERENCIA: UM CONCEITO FUNDAMENTAL a7 Isso implica que a resposta 4 demanda produz uma obstruco da falta, fundamento da estrutura simb6lica ¢ conseqiientemente produz a opacidade do sujeito em sua trama légica por essa perda de distancia simbélica. Simultaneamente se produz uma acentuagdo da expectativa de realizacdo, de conversao do impossfvel em posstvel, experién- cia fascinante que acentua o p6lo da idealizacio no sujeito, com 0 efeito de docilidade e irresistibilida- de que inspira esse poder do Outro ao qual se sujeita. Lacan acrescenta: “Somente para a manutenciio desse quadro da transferéncia deve a frustracdo prevalecer sobre a gratificacao"” Isso implica em primeiro lugar que quando se diz “frustrar a demanda’, isso significa “ndo responder a demanda” porque, ao frustrar pode-se perfeitamen- teestar dando respostaauma demanda, nosentidode que pode estar inscrito um gozo nessa_frustracao; nesse caso, ao frustrar poder-se-ia estar satisfazendo esse g070. Quando se fala em nao responder & demanda, deve-se ter presente que se trata da demanda inconsciente e nao do pedido manifesto. ‘A solugao passa pelo fato de que se pode res- ponder a umademanda manifesta, na medida emque essa resposta esteja marcada pelo “nao é isso”, que indica a manutengdo da diferenca entre o gozo obtido eo esperado. Ou seja, que preserve um ponto de nao-realizacdo ou entéo que nao se produza um efeito de identificacao entre a demanda e o desejo. 7. Ide, ib. 88 ‘TRANSFERENCIAS Também se pode formular que é factivel a satisfacao de uma demandanamedidaem quesesignifique que nesse ato nfo se esgota nada, que nele ndo ha a realizagao do desejo do analista. A“manutencéio do quadro da transferéncia” indi- ca que se mantém 0 marco de nao-realizacéo, isto 6, a manutencao do signo da falta, no gozoe noamor, que preserva 0 circuito de deslocamentos que 0 desejo implica. £ porque ha algo que o Outro nao da que posso continuar procurando, ou seja, desejando, Se algo se realizar, se algo se completar, “se se chegar meta, a corrida acaba”. Mas assim como Lacan fala da necessidade técni- cade nao responder a demanda, também faz referén- cia a uma certa fungio da vacilacao. Ele escreve em “Subversao do sujeito e dialética do desejo no incons- ciente freudiano”: “Eis por que uma vacilaciio calcu- ada da ‘neutralidade’ do analista pode valer para uma histérica mais do que todas as interpretagoes, com 0 risco da perturbacio que disso pode resultar. Claro que, desde que essa perturbaciio nao provoque a ruptura e que a continuagao convenga o sujeito de que o desejo do anallista nada tinha a ver com 0 caso, Essa observaciio no é absolutamente um conselho técnico, mas um ponto de vista aberto sobre a ques- #80 do desejo do analista para aqueles que nao po- deriam, de outro modo, ter uma idéia dele: como o analista deve preservar para o outro a dimensito imaginaria de seu ndo-controle, de sua necessaria imperfcicdo,éalgoqueé taoimportante regular quanto ofortalecimento nele voluntario desua nesciéncia,no tocante a cada sujeito que vema ele em anilise, de sua ATRANSFERENCIA: UMCONCEITOFUNDAMENTAL 89 ignorancia sempre nova, para que nenhum seja um caso’#, Opardgrafo“vacilacaocalculadadaneutralidade” indica uma forma particular de resposta que se aproxima da demanda, mas que no temo sentido de satisfazer especificamente algo - embora dé certa sa- tisfagdo~massim osentido de dizeralgoa respeitodo que falta, inclusive instrumentalizando um nao- controle, Que o desejo do analista nada tenha a ver com o caso, indica que nessa resposta nao hé realiza- co de seu desejo, nao hé esgotamento de nada, que 0 desejo e a demanda se mantém diferenciados. Areferénciaao nao-controlee a necesséria imper- feicdo doanalista indicam, por sua vez, aimportancia que tem o fato de emitir signos que denotem que ele nao é 0 Ideal e, por conseguinte, que tampouco seu saber é absoluto. Nesse pardgrafo de “Subversao do sujeito” vé-seo germe do que vai ser em Lacan o desenvolvimento posterior do conceito de Ato psicanalitico, no sentido de que a imperfeigéo alude a uma falha e 0 ato psicanalitico contém essencialmente a estrutura do ato falho, na medida em que esta se define como um mododedizera verdade dosujeitoa partir da falhano discurso. O atopsicanalitico é, por sua vez,um modo de dizer falho, nao-articulado, que produz. um efeito de verdade no sujeito, de modo que ressoe nele um novo sentido. Lacan afirma: “A operagéo e a manobra da transferéncia devem ser reguladas de modo que se 8. Jacques Lacan, “La SubversiGn del eujeto yla dialética del deseo em el inconstiente freudiaro", in Escrilos J, Siglo XX! Editores, 1975, p. 296, 90, TRANSFERENCIAS: mantenha a disténcia entre o ponto desde onde o ito se vé amével e esse outro ponto em que o sujeito se vé causadocomo falta por a [objetocausa do desejo], e onde a vem tapar a hiancia que a divisio inaugural do sujeito constitui”.? Isso implica um tenso equilfbrio entre o que se da no amor e no goz0 e 0 que se mantém como falta em ambos. Sintetizando, poderfamos formular que a respos- ta a demanda que produz sugestdo é aquela que sugere a expectativa de realizacao, ou seja, a identificacio no mesmo ponto da demanda com o desejo. Quanto ao termo “sugestdo”, podemos defi como umefeito de influéncia exercida sobre um sujei- to, pela qual este fica subordinado a uma certa dominac&o de Outro. Esse processo pode ser descrito por um efeito de fascinacao, de idealizacao, pelo qual © sujeito se entrega sem critica a este que encarna 0 Ideal, sob a forma de um atributo que supde um saber sem contestacao. Lacan diz: “O saber é a funcio imagindria da idealizacdo”", o que implica dizer que aquele que possui o saber ¢ idealizado; por conseguinte, quanto maisabsoluto€o saber suposto, maior éa idealizacao. Nesse contexto, “sugest4o” poderia ser lida como su(a)-gestao, isto 6, gestio do Outro, a que opera no sujeito, ao qual este se entrega docilmente, 9, Jacques Lacan, Los cuatro conceptos fndamer Bovral ai 77, 273. 10,Jacques Lacan, “ELA cto Peicoanalitico-Seminasio 1967-68". Inédito, ee del psiconnd A TRANSFERENCIA: UM CONCEITO FUNDAMENTAL a Freud em Psicologia das massas e andlise do eu, no capitulo “Estado amoroso ¢ hipnose”" descreve esse fenémeno assimilando-o ao da fascinacao coletiva, em que se produz um efeito de confusao e de identificactio num ponto, entre 0 objeto do ego e 0 ideal do ego, localizando-se em uma pessoa que aparece investida da condicao de Ideal e em posse do ‘objeto do desejo do sujeito. Isso gera uma captura subjetiva que, na sugestao, se apresenta comoentrega submissa ena hipnose como suspensiosubjetivacom 0 adormecimento conseqiiente, onde é 0 Outro que mais radicalmente opera no sujeito. Oolhar ou um objeto equivalente é, na hipnose, o elemento que se coloca no lugar do objeto do desejo, e que na nomenclatura lacaniana se consigna no olhar como objeto a. Esse objeto € possuido pelo hipnotizador, de tal modo que este fica investido de umpoder que deriva da suacondigaio de Ideal (devido ao seu saber inquestionado) e por ser portador do objeto; tal atribuicao produz um efeito de colapso na funcao do sujeito. O efeito desse fenémeno poderia ser formulado em termos discursivos da seguinte maneira: “Eu me entrego sem discussdo aquele que, sendo o Ideal, possua por sua vez 0 objeto que eu desejo”. Omito que serefere aentregadaalmaaodiaboem troca da realizagio dos desejos corresponde a essa estrutura, onde o sujeito se entrega ao Outro a partir de uma captura ilusoria. Diz Lacan: "Definir a hipnose pela confusao, num. 11. Sigmund Freud, "Psicologia ce las masas y anilisis del yo", Tomo ‘VIL, Obras Complets, Editorial Biblioteca Nueva, 1972, pp. 2588-2592, 92 ‘TRANSFERENCIAS ponto, do significante ideal, em que o sujeitoserefere ‘como 4, éa definicaio estrutural mais segura que ja se ‘exp6s. Ora, quem nao sabe que foi ao se distinguir da hipnose que a anélise se instituiu? Pois a mola funda- mental da operagao analitica € a manutencao da distancia entre ole oa”. ‘A manutengao dessa distancia marca a diferenga entre o que se erigecomo Ideal eo que falta para s¢-lo, condigdo necessaria para a preservacao de um referente de falta, de um ponto de nao-realizacaio, no qual se sustenta a fungdo légica do sujeito. Nao obstante, ha um modo particular de manifestagao da sugestdo na transferéncia que sustenta a gestdo do Outro como gestiio do saber; é a gestiio do saber do Outro que o sujeito se entrega, onde o sujeito amano Outro o seu saber. Aresisténciaa sugestao, enquanto desejo de man- ter o desejo, implica que se convenciona como gestéo do saber do Outro aquilo que se demanda como exercicio;e ao mesmo tempo é resistencia asupor que esse saber seja absoluto. Portanto, essa resisténcia deve ser considerada como transferéncia positiva, ou seja, a que levaa preservar o funcionamento pleno do sentido do sujeito. Por outro lado, quando Lacan afirma que o inconsciente € o registro do saber do sujeito, nao se trata, obviamente, de um saber articulado, mas de um saber sustentado nas marcas, nas imagens, nos registrossignificantes do gozo; portanto, éum saber a respeito do que fazer com relagio ao sexo. 42, Jacques Lacan, Les cuatro conceptos fendamentales del psicown Barra Editores, 1977, p. 276. A TRANSFERENCIA: UM CONCEITO FUNDAMENTAL, % Ea partir desse saber em relacdo ao gozo que 0 sujeito tem a referéncia para tomar posicdo, como homem ou como mulher, no plano da significagio sexual. Mas esse gozo é tributério de sua falta, na medida em que é pela degradagao do ideal que se constitui o gozo sexual ~ 0 que implica dizer que esse gozose inscrevenele como gozoculpavel;isto deriva, em conseqiiencia, no efeito de ocultacdo e encobrimento do gozo sexual. Dito de outro modo, o sujeito ndéo tem a razdo articulada do porqué faz o que faz, justamente por- quenele atua 0 efeito de ocultamento que arepressio implica; nao obstante, 0 sujeito nao perde as marcas que lhe servem de referéncia. Se de algo se trata no trabalho analitico é de dar ao sujeito a possibilidade de reencontrar-se com o saber que esta nele. Portanto, quanto mais o sujeito sabe de sua falta, mais sabe do seu desejo, mais pode tomar esse saber em sua fungo de referéncia e, conse- qientemente, menos idealiza. A destituicao subjetiva, consignada por Lacan no fim da anilise, ilustra a relativizag&o do saber do Outro, o que indica que nao é que 0 Outro saiba me- nos ~ talveznesse momento o Outro saiba mais ~mas, ao mesmo tempo, jé nao é tio necessério para o su- jeito esse apelo ao saber do Outro, na medida em que em seus jogos de ocultacio j4 ndo perde seu sentido, 0 que ¢ 0 mesmo que dizer que seu saber recuperou sua funcdo simbélica. De qualquer modo, sempre ha um resto ndo- realizado na anélise, que marca 0 seu cardter interminavel, na medida em que sempre resta algo para ser realizado. A anélise,em sua praxis, contém a om TRANSFERENCIAS marca da estrutura do discurso, portanto seu fe- chamento nao deixa de ter alguma arbitrariedade; para além das sinteses que se tenham logrado, sem- pre fica algo inacabado, Lacan afirma: “Um discurso como 0 analitico visa ao sentido. De sentido, éclaro que somente posso ofe- recer a cada um de vocés aquilo que estao dispostos a absorver. Isso tem um limite, que ¢ dado pelo sentido emquevocés vivem (...). Seo discurso analitico indica que esse sentido € sexual, isto s6 pode ser para dar razio de seu limite. Nao ha, em nenhuma parte, ‘altima palavra (...). O sentido indica adirecdona qual ele fracassa” Ao longo desse trabalho desenvolvi alguns dos pontos fundamentais que definem o conceito de transferéncia, com a intengio de formular questées que levemao seu esclarecimento, assinalando apenas uma direc&o para o queé, na realidade, uma tematica inesgotavel, 13, Jacques Lacan, Seminario Ain, Ediciones Paid6s, 1981, p. 96.

Você também pode gostar