A religião, em si, não é um sistema de crenças nem um código moral (a obscuridade
simbólica e a existência de tantos episódios imorais no relato bíblico já deveria
bastar para eliminar desde logo essas duas ilusões): ela é um conjunto de experiências internas e externas, condensadas em narrativas simbólicas e transmitidas de geração em geração por uma linhagem de profetas, apóstolos e sacerdotes, revivenciadas periodicamente nos ritos e lentamente, muito lentamente, consolidadas num sistema de crenças e regras que, aí sim, podem servir de "instrumento de controle social", justamente quando o sentido das experiências originárias já se tornou muito distante no tempo para poder ser reativado facilmente pela experiência da participação pessoal. Ademais, se a religião pode tornar-se um instrumento de controle social, a onipresença e a eficácia desse instrumento são demasiado notórias para poderem ser abolidas a priori de uma investigação do poder que se pretenda realista e objetiva. [...]
(Olavo de Carvalho, ´Maquiavel ou a confusão demoníaca')