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pés- Ariane Daniela Cole CIDADE EM PROCESSO Orientador: Prof. Dr, Issa0 Minami ResuMo © presente artigo propde uma aproximagao entre 0 processo de ctiagao artistica e a constituigao da cidade por melo da histéria da arte, da fenomenologia da percepcao © da critica genética, cléncia que estuda os processos de criagao artistica. Essa aproximacao realizada tanto do ponto de vista da constituigao e transformacao das cidades quanta da nterlocugaa e interagao entre arte e cidade, Tanto a hist6ria da arte como 2 fenomenclogia e a critica genética observam 0 quanto a meméria ¢ 2 maginagao, junto da percepeao, so constituintes da subjetividade nstrumentos de elaboragdo da realidade; pela percepcao observames 2 realidade que passa a fazer parte de nosso ser. Para a fenomenologia de Merleau-Ponty (1969), 0 mundo se configura a partir da experiéncia original, em um nivel pré-reflexivo, no qual o corpo é a sede do dislogo entre 0 mundo e © eu, Assim, para 0 autor, a forma nao é algo externo ao, ser; para ter alguma espécle de significacao é necessario haver uma comunicagao entre a objetividade e a subjetividade, j4 que 2 forma é expresso de algo percebido e elaborado, Nesse sentido, percepcao, ‘meméria ¢ imaginacao so agentes importantes na construao do préprio real, tanto individual quanto colelivamente. No bojo desta andlise emergem 2 interlocugdo entre arte e cidade e a importancia da visualidade como manifestagao da percepgao ¢ da exoressio. J4 a aproximaca com a critica genética se 4 pela andlise dos fenémenos que se apresentam nos processos que envolvem a criagdo artistica e a constituigae e transformagao da cidade, na busca de identificar semelhangas, correspondéncias, paralelismos. Assim, observaremos 0 complexo movimento de criagao, no qual interagem ages que abrigam tanto a pesquisa, a experimentagao, 0 acaso, os testes, a coleta e armazenamento de informagées, apropriacées, descartes, assim como transgressGes, ajustes, desvios e retornos PALAvRas-cHAVE Arte, cidade, histéria da arte, fenomenologia, percepgao, proceso de criagae. Os N.22 » SKO PAvLO - DEZEMMRO 2008 Cape & PERCEPGAO Com a histéria da arte, da fenomenclogia © do estudo do processo de eriagdo podemos obser estreitas relacdes entre a produgao arlistica e seu contexto, que se realiza pelas fungdes da perceseao, meméria, imaginaeao, criagdo e expressao. Tanto a critica genética como a fenamenologia aroposta por Merleau-Ponty apontam para a percep¢4o como um fendmeno inaugural do pracesso de ctiagao, fendmeno este que nasce de relago entre a corpo € 0 mundo, 0 desenvolvimento das cldades ou 0 contexto urbana pode ser considerado, assim, como parte integrante do processo de cria¢do no desenvolvimento da propria historia da arte, tanto em um plano individual como coletivo. Para Argan (1995), a cidade nao sé favorece a arte, mas 6 ola mesma uma grande obra de arte que se corstitui de forma coletiva As reflexdes desenvolidas pela fenomenologia de Merleau-Ponty (1968) esclarecem a importancia do contexto nos processos de ctiago e da conscisncia do corpo sensivel nos processos de percepeao 2 apreensdo do mundo. E, com Merleau-Ponty (1969), Argan (1995), Bachelard (1993) e Brissac-Peixoto (1992 1996) aprofundam o entendimento do papel do artista, na relagao com seu ambiente, apontando pare a interlocugao entre o real e 0 poético na construgao do conhecimento da préprio real. Se habilamos uma cidade real, somos habitados por uma cldade Ideal, distinta da primeira como a natureza dos fatos distingue-se da natureza do pensamento, A cidade ideal se constitui como uma referéncia para os prablemas apresentacos pela cidade real. Conceites introduzidos por Lynch (1997) demonstram como se dé a presenga da cidade nos processos de percepeao © como essa presenga habita a meméria e a Imaginacdo, para se desenvolver em Imagens da cidade. Em teorizagbes Sobre o urbanisme, a partir das quais odserva a concepeao espacial que temos das cidades, Lynch (1997) desenvolve o concelto de Imaginabilidade; para 0 autor, qualquer objeto é dotado de imaginabilidade quando favorece ou provoca, na mente de quem o percebe, imagens menta's. Imaginabitidade pode ser entendida também como legibilidade ou visibilidade, po's um objeto s6 pode ser evocado pela imaginacao quando presente na meméria de quem imagina, Assim ocorre com a cidade; para habitar a meméria ¢ a imaginagao das pessoas a cidade deve ser dotada de imagens elaboradas, de identidade propria, e quanto mais claramente for definida sua Identidade, mais nos identificaremos com seus espacos, mals nos ocuparemos com ela © 2 imaginagao poderd trabalhar sobre sua imagem. A imaginabilidade da cidade, quando existente, torna-a presente aos sentidos, convidando seu habitante @ uma observagao © participagso mais intensas, pos- pés- Devemos, como nes mastra Lynch (1997), abservar a importancia da particigagao do individuo na interpretagao, na ullizagao da cidade e na participagao da construgao de seu espaco, € para isto & necessério torné-lo mais logvel,flexivel, eldstico. “So temas o objetiva de construir cidades para 0 desfrute de um imenso fntimero de pessoas de formacdo e experiéncias extremamente diversas ~ e cidades que também sejam adaptavels a abjetivas futures -, devemos também ter a sabedoria de nos cancentrar na clareza fisica da imagem © permit que 6 significado se desenvolva sem nossa orientagao direta.” (LYNCH, 1997, 9. 10) Tudo aquilo que se apresenta no contexto urbane é passivel de interpretagao, andlise e avaliagao, Deve-se, portanto, manter a possiblidade de continua interpretagao e avaliagdo dos fatos urbanos pela comunidade que nela hhabite, no sentido de garantir a interaeao entre a cidade e a comunidede. Partinda da idéia de a cidade ser feita de “coisas" e que estas se oferecem a nossa percepeao enguanto imagem, Argan (1995) prapde uma aprontiagao da imagem pela cidade, pela atribuigao de imagens as “coisas”, Com essas reflexdes emerge a importancia da contribuigao dos artistas e da arte no processo de rellexdo e de gestao da cidace. “Liga-se a este problema outro, extremamente semelhante, dos valores attisticos, ndo apenas por serem dependentes da participarao, que deveria ser direta e (otal, dos artistas visuais na construgao © na gestao do ambiente urbano." IARGAN, 1995, p. 220) [As coisas se impregnam de imagem e 6 assim que conservamos ou demolimos os edificios que chegam a nés em forma de heranga, carregados de imagens e simbolos as quais os investem de valor, seja ele funcional, historico, estético ou simbélico, mesmo que, come multas vezes acontece, sua funcionalidade ganhe outros contornes, diferentes dos originais. Resta indagar se uum valor de qualquer natureze investe-se, afinal, ce um valor simbilico. ‘Assim, podemos dizer que o urbanista, assim como o artista, lida com duas temporalidades: o passado e o futuro, na medida em que conserva edificias ou tipologias do passado, elementos investidos de valor histérico ou estético, € transmite para o futuro estruturas por ole projetadas no presente. Indegando sobre o que tem valor e de como sdo alribuidos valores, Argan (1995) explica que os valores si atribuldos, de maneira geral, por toda uma comunidade, mesmo se, em um primeiro momento, 2 iniciativa ocorter por parte de uma parcela esclarecida da populacae. Mas, para aprofundarmos 2 questdo, 6 necessario distinguir vafor de fungdo, embora saibamas serem canceitas inlercomunicantes. Ha um tipo de valor atribuido aos objetos em cantrapartida de sua fungdo e hd uma fungdo que se dé fem um ambito subjetvo, seja ele de ordem estética, sela simbdlica, Argan (1995) demonstra de que modo o Caliseu & um exemplo disso ~ sua funcionalidade original deixou de existi, hd muito tempo; entretanto, agrega um valor, hoje, talver maior do que anteriormente. Meso em ruinas, alribuimos-lhe um valor estético , sobretudo, simbdlico, como um marco significante da historia da humanidade, da histéria da arte, da arquitetura ou da esirutura visual da cidace. Observar a cidade, vivencié-a, faz-nos mais conscientes dela. Assim, os dados visuais da cidade fazom aflorar, em cada individuo, valores simbélicos Os N.22 + skO PAULO» DEZEMMRO 2008 diferencladas, Valores estes engendrados a partir de imagens que nos atingem @ percepeaa, habitam noss2 meméria ¢ imaginagao. AN reside uma das fungbes co artista ~ registrar essas imagens, elabord-las, torné-las concretas, pare a apreciagao e reflexto de espectadar. Para Argan (1995), a tarefa principal do urbanista & administrar esses valores urbanos que tém por base os valores humanos. Parlindo dessa idéia, ele defende a necessidade de uma andlise socioldgica. E para que uma andlise socioldgica se desenvolva em profundidade deve considerar uma andlise psicoldgica, o principio de qualquer estudo sabre os modos de vida de uma sociedade urbana. Explica, assim, 20 menos em parte, a contribuiggo de uma Interpretagao individual do espaco urbano, ‘A experiéncia individual 6 representativa, na medida em que apresenta certos pontos de convergéncia de uma coletividede. Na Idade Média a lgreja marcava uma presenga, nao s6 fisica, na cidade, mas uma presenga no imaginério de todo um perlodo. Os artistas interpretaram esse fenémena deixando registros de sua percepgao e imaginagao para seus conlemporaneos e para a posteridade, possibilitando-nos, por sua andlise, uma compreensao mais aprofundada da percepgao e dos valores humanos daquele momento histérico, Sabemnos haver uma tendéncia de conservarmos as herancas do pasado, ediffclos, monumentos, tragados de ruas, tradigdes cullurais, conservamos aquilo que conhecemos, e, se decidimos conservar au demolir alguma dessas herancas, serd uma opedo afirmada a partir de uma vontade coletiva, composta por individualidades. € essa vontade que reside na origem das cidades. A transmissio dos diversos significados ediffcacos pelas diversas épocas sucessivas, marcados nas coisas e suas imagens, € 0 Unico elo que garante alguma conlinuidade entre as épocas e possibilta um desenvolvimento histérico. Se a tareta do uranista ¢ administrar valores, sua atividade deve caracterizar-se mais por uma agdo interpretativa do que deliberante, devendo ser balizada pela coletividade de tal forma, que as pessoas possam reconhecer-se na forma da cidade. A cidade, enfim, estrutura-se a partir ce um actimulo de significados que geram a cultura. Até hoje enriquecemo-nos culturalmente 20 vistar novas cidades, conhecendo sua morfologia, suas ruas, pontes, editicias, monumentos, museus, tudo @ emitir imagens a habitarem a imaginagao daqueles cidadaos. Oaservamos, alualmente, a necessidade de assegurar um cardter humane as cidades, devemos estar atentos & necessidade do devaneio, da criagao, da constituigao da cultura, inerentes a0 ser humano. Argan (1995) ainda identifica uma analogi2 entre urbanismo e lingdistica, pela relagao mével entre signo, significante e coisa significada, Para exemplificar, © autor novamente aponta o Coliseu, mesmo em ruinas, como significante de Roma, mas em um sentido muita diverso do antigo; © Coliseu, hoje, agrega a Roma imperial, crist3, sua derrocada e sua condi¢ao de metropole contemporanea. [No universo da lingu'stica 0 entendimento de um discurso se 44 em duas esferas: a primeira de ordem sintagmatica e a segunda de ordem associative. Um discurso verbal ocorre, necessariamente, de forma linear, na medida em que as palavras s40 pronunciadas uma a uma, sucessivamento; o significado que as pés- pés- palavras adquirem em fungao de seu ardenamento resulla em uma inlerpretagao logica, sintagmatica, Entretanto, assim camo acontece com as imagens, as palavras nos suscitam a meméria e a imaginacao, ecoam em nossa meméria, acendendo relagées com outras, de ordem associativa, gerando uma interpretagao pessoal, de acordo com o repertério mnemdnico de cada um. Assim, fungaes logicas, sintagmaticas, unem-se as fungdes associativas para a constituigaa de tuma linguagem intelgivel, porém viva, rica, mutéve. Desse modo, © contexto urbano nao pode resullar somente de um somatério de Imagens, pois seria ininteligivel. Também nao poderia se resumir a fungées objetivas, pois ndo agregaria profundidade histérica, nao comunicaria nada que estabelecesse uma interlocugdo come as subjetividades, A equivaléncia entre arte © arquitetura torna-se evidente. 0 convite a uma reflexdo que volta seu olhar sobre a cidade como um processo de criagao, segundo a aborcagem proposta pela critica genética, & um dos desdobramentos que se apresentaram na desenvolvimento desta pesquisa, abrindo a possibllidade de uma nova pesquisa e 0 desenvolvimento de novas reflexdes, Investigando os processos de percepeao na diregao de realizar uma aproximacao com o processo de criaggo, constalamos o quanto 2 perceogao & clementa inaugural do pracesso de criagdo @ 0 quanto esté diretamente ligada aos pracessos da meméria € imaginagéo. CIDADE EM PROCESSO. Com a critica genética podemos tecer analoglas entre os processos de ctiagao individual e coletivo, na arte © na arquitetura, © observar semelhangas entre eles, Sabemos que @ criagdo nao se realize a priori. A necessidade de expresséo & sua formulagao estao imbricadas com a vivencia de uma realidade dada, na qual 2 interlocugo com o contexto em que o artista esta inscrito é parte integrante, © 2 Inter-relagao entre percep¢ao, meméria e imaginagao sao os fundamentos da criagao, 0 estudo dos documentos que registram o processo de crlagao individual, investigados @ partir de dois pontos de vista, o da criagdo ce apenas uma obra © 2 andlise da oora do artista como um todo, desdobra as possibilidades de analise do processo de eriagao coletivo. Dessa maneira, & possivel observar os movimentos coletivos a partir de cuas formas de investigaeao, ou seja: como um grupa de arlistas se reine com o intuito de conceber um ideal de arte e como os registros histOricos da produgdo artistica produzida pola humanidade sao apreendidos, apropriados ou mesmo descartados, para o encaminhamento de seu proprio desenvolvimento aristico e cukural Entretanto, 0 proceso de criagao ¢ um fendmeno de natureza dinamica, mutavel, nao € possivel determinar um inicio ou um término, pois se trata de um processo. Assim, devemes frisar que as correspandéncias identificadas devem ser entendidas como componentes nao-estéticos; elas podem assumir diferentes Configuragbes e estéo sujetas a alteragdes no decorrer do proceso de desenvolvimento da art. Os N.22 + skO PAULO» DEZEMMRO 2008 No processe histérico da arte ¢ da arquitetura, podemos observar como determinadas concepgées so, em alguns momentos, levadas adiante, em outros so descarladas, para dar lugar a um novo Idedrlo, ou, ainda, séo resgetadas de tempos imemariais, tanto em um processo de eriacao Individual como em manifestagdes promovidas por grupos de artistas ou arquitetos. Em visle disso, tanto a arte como a arquitetura classica apontaram para as proporgdes harménicas, para o conhecimento da natureza, O maneirismo propos um contato com @ emogao, 0 cubisino mostrou o aspecto multfacetado da realidade, a arte abstrata elabora a autonomia da arte e 0 proprio processo de criago. Atualmente, testemunhamos a utlizagao de autros meios de expresso como meios digitais na criagdo de obras de arte e arquitetdnicas, De todo modo, seja qual for a ago, ela sempre aponta uma continuidade, para uma interlocugao com o processo como lm todo. Sela qual for a agao, ela se dé como resposta a um contexto €, mesmo colocada para promover uma nega¢ao ou um descarte, esta intimamente lgada aquilo que esté negando, mas, 20 promover agdes, estaré sempre afirmando 2 vitalidade da arte Tendéncias se apresentam em processos de cria¢ao e cumprem a funeao de sinalizar, apontar caminhos, manter rumos ne sentido de garantir 0 aprofundamento e agregar 0 conhecimenta gerado pela a¢ao ctiadora. Tendéncias de processo podem ser identificadas tanto no pracesso de criagao individual como em manifestagées de nalureza coleliva, Para engendrar uma obra Signifcativa, o artista busca realizar uma aproximagao de sua expressdo com aquilo configurado em sua mente, com 0 que deseja exoressar. Entrelanto, sabomos que multas perguntas, respostas e solugbes se apresentam no processo de criagao, a tornar essa aproximaeao mais dificil, no sentido de identificar-se qual das possibilidades apresentadas seré a mals préxima do desejo de expresso, sobretudo se lembrarmos que cada configuraeao apresentada traz consigo novas desatios, novas possibilidades, desencadeando novos processos. Assim, as ag6es criadoras incidem sobre a tendéncia como mais um elemento gerador do processo de criagdo. Em processos de criagao, @ envolverem uma coletividade de artistas, tendéncias também podem ser identificadas em varios momentos da historia, soja quando artistas e arquitetos se voltaram para um determinado modo de conceber 0 edifcio e a cidade, seja valorizando as oroporgbes harmOnicas, ou valorizando 0 movimento, a emordo, as formas organizadas racionalmente, formas fragmentadas entre oulras tantas formas. Aplicacos a formacao das cidades vemos bairros sendo criados, pasando por transformagses, degradarem-se, passarem por processos de recuperapao. Descartes e resgates operam em uma constante transformagao, e, desse modo, tendéncias se desenham. Podemas verificar tendéncias em varias perfodos na historia das cidades: na modernidade, de maneira sintomatica, arquitetos conceberam as espacas em aberto, de tal forma, que pudessem ser ocupados de acordo com as necessidades de quem os habila, justamente no momento em que a arte assumia rumos inusitados na dire¢do da abstragao, debxando clara uma tendéncia do periodo de atender as navas investigagdas acerca da subjetividade. Para Argan (1998), a cidade representa valores de uma comunidade ~ econdimicas, motais, religiosos, histéricos e politicos; a cidade & uma realidade pés- 2 8 pés- complexa que congrega um né de relagdes, ¢, como visualidade, a cidade & também discurso, oratoria,retorice. £ assim como 0 tempo transforma o espaco, geragdes mudam os valores; cidade, em sua dinamica, também se reorganiza {em Um continuo processo de eriagao, seja na busca de solugées, na direcdo de elaborer e ordenar 0 mundo, seja na busca de aproximagao com a cidade idealizada © acasa, outro importante componente em pracessos de ctiaga0, apresenta- se também tanto na consltuigao de obras de arte quanto na constitulgae de cidades. Diante de um evento indesejado ou impreviso como guerras, desastres naturais ou acidentes, pode-se proceder de diversas maneiras, seja na diregso 4e promover uma restauragéo, seja aprovetando o evento para uma grande remodelaga0, ou até mesmo abandananco ou acolhendo as rulnas do edificio, bairco ou regido Suscetivel a0 acaso e & agdo criadora, © processo de criagdo em constante movimento torne-se, entéo, uma atividade que explora o terreno do desconnecido, na direcao de promaver um desvendamento, Desvendar 0 desconhecide no processo de criagao se apresenta como uma a¢do direcionada a um processo de construgao de conhecimento. Essa conslugéo se <8 om um inguieto movimento, em um pracesso individual ou coletvo, soja para © desvendamento de tendéncias, sela na cirerdo co conhecimenta da natureza ro sentido de compreender melhor a subjetividade humana ou a realidade no contexto do mundo, entre lantas possibilidades. Seria improvavel prever quantos aspectos ainda se apresentarao para sua exploragao © comareensao, jé que cada descoberta prope novos desatios, Dessa forma, 0 processo de criagao sempre presenta novos aspectos a desvender, a superar, a descobrir, a comproender. ‘A percepgao, come vimos, & um elemento fundamental inaugural do processo de criapdo, tornando-se, na meméria e na imaginacdo, instrumento de claboregao da realidade. Ao devoler sua interpretagao do rea, pelo dislogo com 2 obra de arto, da percopedo, meméra e imaginagao, o artista cra a reaidace 4 obra que, por sua vez, incide sobre a orépria realdade, transformando nosso clhar, nossa apreensdo & aprofundamento da compreenséo do real ‘Assim como obras de arte reconhecidas pola coletivdade se tornam historcas ae longo de geracdes e aferecem-se como documentos de processo de criagdo em um plano coletvo, a arte elabora seus proprios processos pelo Gilogo com obras histricas e movimentos esilstcos. Entrtanto, vale riser, saberos que a interrelagao da arte & mutével e passvel de revsbes & roolaboragsos. 10 processo de criago se fundamenta ne percepyéo que se articula com a memoria @ a imaginacao, Entretanto, sensagdes e pensaments sem a inferéncia da ap30 nao so suficientes, por si sé, para concratizar 0 processo de criagao. & por melo da ago que se realza o cidlogo com a propria obra de arte em processo de elaboragae, quando se aprotunda o projeta pottico, quando se promove o desvendamenta de suas tendéncias, pele interlocugéo entre sensacéo, pensamento e agdo. A cada agdo novas sensagbes e pensamentos se apresentam, soliitando novas ap6es. [Ages promaver conhecimento na medida em que levar o artista a lidar com 0 objeto de sua agdo. Para continuar esse process, o artista tamoém 6 Os N.22 + skO PAULO» DEZEMMRO 2008 levado a adguirir novos conhecimentos, seja no sentido de promover um aprofundamento, uma superagao, seja uma alteragao. Assim, a pesquisa, 2 abranger desde conhecimentos lécnicos, clentficas, filosétices, antropolbgicos, entre outros, em fungao das tendéncias que se apresentam, também 6 elemento integrante do processo de criagao, ¢ pudemos observar sua presenga importancia em processos de criagao, tanto de natureza individual quanto coletiva. 0 proceso de criagao nao se realiza se nao concretizar, pela acao, aquilo que estava prefigurado no pensamento e na sensagdo. Entretanto, para a ago se realizar & necessério o artista incidir sua apo sobre sua matéria, com recursos € instrumentos que guardam suas préprias leis, Com a postica, identificamos uma proximicade enire concepeao e matéria, na qual referéncias ou imagens geradoras podem se apresentar como objeto de pesquisa artstica e, ao habitar a meméria e a imaginacao, também podem se tornar matéria sobre a qual incidirs uma apdo. Recursos criativos foram apropriados em processos de criagao, por artistas, assim como por grupos de artistas, come fol 0 caso dos renascentistas que apropriaram e atualizaram todo 0 cabedal conceitual e formal de Antiguidade classica, Instruments foram criados e, posteriormente, apropriados coletivamente, como o caso da tinta a dleo inventada por Van Eyck, no sécula 15, 0 cancreto no século 19, a fotografia e as imagens digtais no século 20. A utlizagao de recursos criativos ¢ instrumentos exigem conhecimento da rmatéria com a qual o artista esta Iidando, ¢ esse conhecimento é alcangado com testes e pesquisas, que se desenvolvem pela agdo, pelo embate com a matéria, A necessidade de expresso e a busca por novas possibilidades expressivas fazem dda transgressdo um agente importante do proceso de criagao, j8 que, pela transgressdo, novos caminhos se apresentam para o desenvolvimento do pracesso. A transpressdo no se restringe apenas aos recursos criativs, 8 ‘matéria, opera também na esfora das concepr6es. Assim, mais uma vez se apresenta uma proximidade entre materia e concepgo. Tamemos como exempla as transgressbes promovidas por El Greco, o qual, assim como Tintoretto, lengendrou, pela ago de transgressao, novas possibilidades de criagao, de expressto. Transgressio e experimentago so ages intimamente relacionadas. 0 ato de transgredir € resultado da experimentacao © envolve a cecisdo de transgredit. Em qualquer momenta do arocesso de criagao possibilidades de expresso sao consideradas @ testadas. Os testes serdo, onto, avaliados, no sentico de observarse o quanto correspondem a tendéncia do projeto podtico, se haverd, ou nao, necessidade de ajustes, novos testes, ou se deverdo ser cescartadas, Assim, expetimentas serdo apropriados, reservadas, ajustades ou entao descartados, mas qualquer uma dessas ages implica uma decisao, que se inscreverd de forma determinante no processo de criagao. Finaimente, os elementos que constiluem 0 pracesso de ctiaga0 se enlagam em um fluxo de cantinuidades. Esse processo opera uma permanente apreensdo de canhecimento, uma continua descoberta de novas formas de pperceber @ expressar os fendmenos da vida e @ inauguragao de obras as cuais, afinal, constituem-se como universos préprios transformando a realidade. és-|2 Pés- |g pés- | 2 S BIBLIOGRAFIA ALBERT, Leon Batista. Da pinta, radusao de Antonis da Sibeia Mendonya. 2. ed. Campinas: Unieamp, 1982. ARAN, Glulo Calle, Histrle oe arte como hits de cidade, Tradugde de Pier Lug) Cabra, So Paulo. 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