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OUSADIA

O DIÁRIO DE VIAGEM DE UM INTERCAMBISTA BRASILEIRO RAIAM


SANTOS

Copyright © 2015 by R2 Publishing.


All Rights Reserved.
ÍNDICE
Prefácio
Ousadia
Capítulo 1. San Diego, Estados Unidos
Capítulo 2. Pondichery, Índia
Capítulo 3. Pamplona, Espanha
Capítulo 4. Philadelphia, Estados Unidos
Capítulo 5. Elba, Itália
Capítulo 6. Paris, França
Capítulo 7. São Paulo, Brasil
Capítulo 8. Maastricht, Holanda
Capítulo 9. Ain Taoujdate, Marrocos
Capítulo 10. Barcelona, Espanha
Capítulo 11. Lloret de Mar, Espanha
Capítulo 12. Madrid, Espanha
Capítulo 13. Frankfurt, Alemanha
Capítulo 14. Ibiza, Espanha
Capítulo 15. Ciudad del Este, Paraguai
Capítulo 16. Milão, Itália
Capítulo 17. Londres, Inglaterra
Capítulo 18. Florianópolis, Brasil
Capítulo 19. Jerusalém, Israel
Capítulo 20. Newark, Estados Unidos
PREFÁCIO

Não me pergunte onde, mas eu vi em algum lugar uma pesquisa que falava
sobre o que a geração Y realmente quer fazer na vida.
Uma parte dizia que alguns jovens queriam entrar na faculdade e outros sair
dela com pelo menos 22 anos.
Uns mais ousados, queriam não só ter um diploma, mas ter vários e ainda
pelo menos mais uns dois diplomas, mas de cursos de língua estrangeira.
E outra parte, mais ousada ainda não só queria isso tudo, mas também queria
conhecer uma boa parte do mundo até os 25 anos.
E quando isso tudo acontece quando você tem uns 22? O que será que virá
depois?
Contar história, ou fazer algo que vá além disso.
Essa parada toda que aconteceu com o meu mano, meu irmão, meu parceiro,
mentor, aconselhador-referência, Raiam dos Santos e ele relata tudão nessa
relíquia de livro que você está prestes a iniciar.
Você irá se tornar um ídolo do futebol americano, se graduará em três
especialidades além de fazer uma viagem por vários lugares do planeta, mas
de uma maneira divertida e com um jeito bem brasileiro de conhecer o
mundo.
Nesse sentido, eu pergunto a vocês, leitores: Se o Raiam já “zerou a vida”
antes dos 25 anos, o que mais falta pra esse cara fazer?
Olha, não duvide, porque tudo é possível e você pode descobrir isso passando
para a próxima página.
Boa leitura!
Gerson Saldanha
O Que Eu Trouxe Na Bagagem
OUSADIA...
Quando tinha 14 anos, coloquei na cabeça que precisava urgentemente de
uma mudança.
Gostava de arriscar, queria conhecer o mundo e não me contentava com a
palavra rotina.
E olha que minha vida na adolescência era bem confortável.
Morava em um bairro de classe média alta, estudava em um dos melhores
colégios do Rio de Janeiro e me descontraía nas festas de debutante das
meninas da escola e nos shows de bandinhas teen do início da década de
2000 como Dibob e Forfun.
Na real, eu estava de saco cheio daquilo.
Nunca tive um bom relacionamento com meus pais e não via a hora de meter
o pé.
Para agravar a situação, perdi o status de filho único quando meus dois
primos do Rio Grande do Norte se mudaram lá pra casa.
Ainda não sabia o que queria ser quando crescer mas tinha meio que uma
visão do que eu buscava para a minha vida no longo prazo.
Uma coisa estava sólida na minha cabeça: não me imaginava vivendo na aba
dos meus pais até os 30 anos que nem a maioria dos marmanjos de classe
média do Brasil.
Era meio deslumbrado pela cultura americana então comecei a traçar um
plano de ação para morar fora.
Na época, não existia Google.
Aliás, existia sim.
Mas perdia de lavada para uma ferramenta de busca 100% tupiniquim
chamada “Cadê”.
Isso porque o algoritmo do Google tinha uma dificuldade enorme para cuspir
resultados de sites em português.
Uma das coisas que eu aprendi nessas minhas pesquisas foi que uma
excursãozinha de férias para passar 10 dias na Disney com aquelas agências
custava quase que o dobro de um programa de intercâmbio de ensino médio
no exterior.
Que ineficiência! É claro que era muito mais jogo passar 6 meses estudando
numa high school americana do que 10 dias falando português com a galera
da viagem e andando de trenzinho e montanha russa em Orlando.
Sabendo disso, me pus a pesquisar intensamente sobre programas de
intercâmbio e oportunidades de bolsas de estudos no exterior.
Tinha coisa nos Estados Unidos, na Austrália, no Canadá e até na África do
Sul!
Numa dessas investidas pelo Cadê, fiquei sabendo de uma feira de
intercâmbio que ia rolar na sala de exposições do Museu de Arte Moderna no
Aterro do Flamengo.
Conversei com dezenas de expositores sobre os programas de intercâmbio e
saí de lá com plena certeza que era daquilo que eu precisava na minha vida.
Lá na feira, aproveitei para me inscrever num concurso oferecido por uma
das agências. Os primeiros colocados receberiam bolsas de estudos para
passar 6 meses nos Estados Unidos.
O processo seletivo era divido em três etapas: uma redação em inglês, uma
prova de conhecimentos gerais e o Michigan English Test (MET), uma
exame meio brabo de gramática e interpretação de texto.
Mandei super bem, fiquei em terceiro lugar do Brasil e a diretora da agência
chamou minha família lá no escritório para explicar o funcionamento da tal
bolsa.
Não tinha como meus pais dizerem não.
No dia 14 de agosto de 2005, saí da Ilha do Governador para passar 6 meses
aprendendo inglês em San Diego, Califórnia.
Só que esse intercâmbio de 6 meses acabou durando quase 10 anos e
cobrindo mais de 200 cidades em países tão longínquos e diferentes como
Índia, Turquia, Panamá, Gibraltar e até o Território Palestino.
Esse livro é uma compilação de algumas das melhores histórias que
aconteceram comigo durante esse intercâmbio que me fez passar uma década
inteira longe de casa.
Divirta-se!
CAPÍTULO 1

SAN DIEGO, ESTADOS UNIDOS

“Salieron de San Ysidro, procedentes de Tijuana


Traían la llanta del carro, repleta de yerba mala.”

♬ Contrabando Y Traición
★ Los Tigres del Norte
Essa história aconteceu em agosto de 2005 e eu tinha 15 anos.
Como eu descrevi na introdução, saí do Brasil ainda muleque para fazer um
intercâmbio de ensino médio em San Diego.
Na beira do Oceano Pacífico e com mais de 300 dias de sol por ano, San
Diego é considerada a metrópole com o mais alto índice de qualidade de vida
nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, ela é a cidade da Califórnia que faz fronteira com Tijuana,
uma das principais capitais do narcotráfico no México.
A verdade é que, nos meses que antecederam o intercâmbio, esperava chegar
na Califórnia e ter uma vida de cinema.
Me imaginava naquelas escolas maravilhosas de seriados de TV como The
OC, The Hills e Laguna Beach.
Me imaginava frequentando festas em mansões a beira mar lotadas de
cheerleaders loiras e peitudas no melhor estilo American Pie.
Sabia que San Diego era uma cidade movida ao surf e planejava pegar onda
todo fim de tarde depois da escola, que nem os caras da TV.
Uma prova disso é que, dos mais de 300 estudantes de intercâmbio que foram
passar um semestre nos Estados Unidos pela agência CIEE/World Study, eu
era o único que estava levando uma prancha de surf na bagagem.
Mas o choque de realidade aconteceu muito rápido e eu acabei caindo numa
Califórnia totalmente diferente.
Era um lugar que tinha mais a ver com o GTA San Andreas do que com
seriados adolescentes da década de 2000.
A começar pela escola que eu acabei caindo.
Nos Estados Unidos, as escolas públicas são divididas por distritos.
Vou te dar um exemplo: se você mora em Copabacana, você tem o direito de
matricular seu filho apenas na escola de Copacabana.
Tem uma escola boa em Ipanema que os amigos do seu filho frequentam?
Que pena!
Você terá que mudar sua família para Ipanema (ou adulterar seu comprovante
de residência) para matricular seu filho lá.
Por causa dessa política dos distritos, minha host family me colocou na San
Diego High School, uma escola enorme fincada bem no centro de San Diego
e que servia quase 5 mil estudantes.
A casa da família era num bairro residencial bem tranquilo chamado North
Park, a uns 10 minutos do centro da cidade.
North Park recebeu esse nome por causa de sua localização ao norte do
Balboa Park, um dos parques urbanos mais famosos de todo o país e
endereço do premiadíssimo San Diego Zoo.
Apesar de North Park ser um bairro tranquilo de classe média, o “alcance” da
San Diego High School também englobava Skyline Hills, Golden Hill, Barrio
Logan e Sherman Heights, os quatro bairros mais perigosos da cidade.
Resultado: além de ser a mais tradicional e maior escola da cidade, San Diego
High era também a escola mais mal-frequentada de todo o distrito.
Mal frequentada porque eu dividia a sala de aula com gangstas de verdade.
E era um negócio bem polarizado: negros de um lado, hispânicos do outro.
Qualquer discussãozinha dentro de sala podia terminar em uma race riot.
Race riot era o nome dado para as pancadarias generalizadas entre etnias que
geralmente ocorriam na saída da escola, muitas vezes no estacionamento do
McDonald’s na esquina das ruas Park Avenue e 11th.
Esses race riots lembram muito o “Lado A, Lado B” dos bailes funk cariocas
da década de 1990.
E eu tava ali, bem no meio do fogo cruzado.
Por quê? Porque eu sou preto. E latino também.
Vou confessar que minha primeira semana foi meio braba.
Queria trocar de escola e estudar em um lugar mais “normal”.
A agência de intercâmbio foi totalmente contra essa ideia já que eles teriam
um trabalho a mais para encontrar uma outra família para mim.
Minha única outra opção era voltar para o Brasil.
Era extremamente difícil me enturmar em San Diego High. Se eu ficasse
amigo dos negões, eu ia arrumar confusão com os latinos e vice versa.
E ainda tinha as divisões dentro das etnias.
Crips versus bloods no lado dos negros e Southeast versus Logan no lado dos
hispânicos, cada uma filiada a um daqueles grandes cartéis do norte do
México.
Você nota essas subdivisões na maneira de vestir das pessoas.
Os bloods, por exemplo, usavam pelo menos uma peça de roupa vermelha.
Os crips usavam camisão branco, calça caída e uma bandana azul-bebê
pendurada no bolso esquerdo.
O dress code dessa gangue foi imortalizado na mídia por aquela música Drop
It Like It’s Hot do Snoop Dogg, um dos membros mais ilustres dos Crips: “I
keep a blue flag hanging on my back side, but only on the left side. Yeah,
that’s the crip side.”
Sempre fui um cara da paz e não estava nos EUA para brigar.
Para você ter uma ideia, só caí na porrada uma vez na vida, e foi com meu
primo Gustavo na saída do Colégio Pentágono de Vila Valqueire na 5a série.
Além de ser um cara tranquilo, tinha plena consciência de que, se eu fizesse
alguma merda por lá, voltaria para o Rio de Janeiro no primeiro avião.
Não demorei muito para descobrir que no campus havia duas “instituições
democráticas”, onde negros e latinos conviviam em paz.
A primeira era o JROTC, uma unidade do exército americano dentro do
campus da escola.
Os caras faziam uma lavagem cerebral nos adolescentes e convenciam a
galera a entrar nas forças armadas depois da formatura.
Em troca do serviço militar, os jovens receberiam bolsas universitárias,
estabilidade profissional e benefícios governamentais para suas respectivas
famílias.
Frequentei o JROTC por alguns dias, levado por uma menina de origem
filipina chamada Dung Li que estava matriculada no programa e tinha o
sonho de servir os Estados Unidos na guerra do Iraque. Não me pergunte o
porquê.
Fiz uns amigos lá mas logo saí fora do JROTC quando os monitores fardados
começaram a me sondar para entrar para as forças armadas.
Eu dava a desculpa de que nem era cidadão americano e eles vinham com um
papo de que se eu servisse 2 anos nas forças armadas ganharia um green card
e blá blá blá.
Não era tão simples assim.
Afinal, em 2005, os Estados Unidos tinham tropas no Iraque e no
Afeganistão.
Primeiro eu tinha que sair vivo de lá, né?!
Não conseguiram me convencer e acabei explorando a segunda “instituição
democrática” do campus.
Meu professor de informática era um mexicano gordinho e gente boa
chamado Leo Lopez.
Sabendo que eu era brasileiro, Lopez me chamou para jogar futebol no time
da escola e eu fiquei todo pilhado.
A sirene das 14:45 tocou, corri para o ponto de ônibus e peguei o 7B para a
North Park.
Tinha que buscar minha chuteira, minha caneleira e minha camisa do
Ronaldinho Gaúcho, melhor jogador do mundo e estrela de todos os
comerciais da Nike dedicados àquele esporte que não parava de crescer nos
Estados Unidos.
Ia tirar onda!
Os americanos de San Diego High estavam prestes a conhecer a verdadeira
definição de futebol arte.
Peguei o ônibus de volta para a escola, cruzei o campus e fui para o Balboa
Stadium, o estádio mais antigo de San Diego.
Até a década de 1960, o Balboa Stadium foi casa de times profissionais da
NFL e sediou eventos importantes como shows dos Beatles e discursos do
Presidente John Kennedy.
A capacidade de 60 mil lugares do estádio havia diminuído para 10 mil
depois que um terremoto destruiu grande parte da estrutura do lugar.
Depois que o Qualcomm Stadium foi construído em Mission Valley nos anos
1970, o Balboa Stadium passou a ser propriedade da San Diego High School.
Desci aquelas arquibancadas históricas e notei uma parada meio estranha
dentro do campo.
Os caras estavam jogando futebol americano e o Prof. Lopez, apesar de seu
nome mexicano e sua paixão pelo Chivas Guadalajara, era coordenador de
defesa da equipe juvenil de futebol americano sub-17 da escola.
A vontade era de meter o pé na hora.
Por respeito ao cara, desci ao campo, fui apertar a mão dele e confessei que
tinha me enganado, que fora um erro de tradução e que meu negócio era jogar
futebol soccer.
Ele entendeu minha confusão mas não me deixou ir embora.
A verdade é que eu estava morrendo de medo daquela parada.
Os caras eram grandes e passavam o treino inteiro se batendo como se fossem
gladiadores da Roma Antiga.
Até armadura e capacete eles tinham.
Para me colocar mais medo ainda, o mexicano mais magrinho do time (que
pesava uns 5 quilos a mais do que eu) saiu de campo de maca com uma
torsão no joelho depois de ser derrubado por um defensor negão de uns 120
quilos.
Por momentos como aquele, passei a vida inteira odiando o futebol
americano mesmo sem saber 1% das regras do esporte.
Papo reto, pra quê aquela violência toda?
Minha referência de violência no gramado eram nomes como Odvan, Junior
Baiano e Felipe Melo. Vai vendo!
Aquela porra ali estava em outro patamar.
O treino continuou e, uns 10 minutos depois da lesão do mexicano, o Coach
James, principal técnico do time, apitou e gritou para o time inteiro: “Field
Goal! Field Goal!
Em menos de 30 segundos, os jogadores já tinham se alinhado de frente para
o Y gigante que fica no fundo do campo.
“Brazil! It’s your turn!
Naquele momento, ganhei um novo apelido e também uma nova paixão.
Não sabia o que fazer e o Sr. Lopez rapidamente simplificou tudo pra mim:
“Você dá três passos pra trás e dois passos para a direita. A bola vai vir
daquele cara do meio e tudo o que você precisa fazer é dar um bicão na bola
e acertar aquele Y ali.”
Antes de tirar qualquer dúvida com ele, ele completou seu raciocínio:
“Mas faz isso rápido senão os caras do outro lado vão te pegar e quebrar
tua perna.”
Boom!
Field goal de 40 jardas, um chute digno de NFL!
O time inteiro olho pra trás como se eu tivesse descoberto a pólvora.
Coach James pulava de alegria:
“We have a kicker! We have a kicker!”
No dia seguinte, me levaram para fazer exame médico e três dias depois, lá
estava eu representando o San Diego Cavers no Balboa Stadium.
Todo equipado, sob as luzes de refletores e na frente de um público de quase
5 mil apaixonados por futebol americano, com direito a várias cheerleaders
gostosas atrás do banco de reservas.
Sem falar inglês direito, sem saber a regra do esporte e sem conhecer
ninguém do time, minha única função era chutar a bola oval no Y.
E aquela bola oval acabou abrindo várias portas pra mim nos Estados Unidos.
CAPÍTULO 2
PONDICHERRY, ÍNDIA
“Watch me zoom by, make it boom by
What up to all the ladies hangin out in Mumbai”

♬ Singh is Kinng
★ Snoop Dogg feat.Akshay Kumar
Essa história aconteceu em maio de 2008 e eu tinha 18 anos.
Depois que a Varig faliu e deixou milhares de pilotos brasileiros sem
emprego e sem fundo de garantia, meus pais decidiram se mudar para a Índia
para reerguer as finanças lá de casa.
A aviação na Ásia estava bombando e as companhias aéreas precisavam
urgentemente de pilotos experientes para treinar a mão de obra local.
Meu pai, do alto de seus 20 anos de Varig e 30 anos de aviação, aceitou a
missão, assinou um contrato de 2 anos com a Jet Airways e foi morar em
Calcutá com a minha mãe.
Não cheguei a morar permanentemente na Índia pois estava fazendo
faculdade nos Estados Unidos mas fui dar um rolé por lá pra ver como é que
era.
Na verdade, eles haviam me convidado várias vezes para ficar um tempo lá
nas férias.
O negócio é que eu não tava muito a fim de passar 18 horas seguidas dentro
de um avião.
Mas a voz da curiosidade falou mais alto.
Acabou o semestre na Wharton Business School e, ao invés de voltar para o
Recreio dos Bandeirantes, minha passagem indicava Chennai, uma cidade no
sudeste da Índia.
Juntei minhas tralhas e peguei o trem de alta velocidade Amtrak que conecta
a 30th Street Station em Philadelphia com a Penn Station em Nova York.
A última parada que o trem faz antes de chegar em Manhattan é exatamente
no aeroporto de Newark, no estado vizinho de Nova Jersey.
E foi lá que eu saltei.
Cheguei no guichê da Jet Airways e fui super bem tratado pelas indianas
cheirosas que trabalhavam no staff do aeroporto.
Isso porque elas viram uma indicação no meu tíquete de embarque que dizia
que eu era filho do comandante Francisco Santos.
Foi ali que descobri que pilotos de avião eram semi celebridades na Índia,
respeitadíssimos tanto pelos empregados da companhia aérea quanto pelos
passageiros.
Tão bem tratado que, ao verem minha “procedência” e checarem o mapa de
assentos do vôo entre Newark e Bruxelas, as meninas da Jet transformaram
minha passagem de classe econômica em primeirona.
Foi minha primeira surpresa positiva.
Tá ligado que na primeira classe da maioria das companhias aéreas
ocidentais, nego é obrigado a usar paletó e sapato né?
Mesmo pagando aquela nota toda tem um dress code e uma formalidade a
serem respeitados.
Eu tava jogadasso nesse dia.
Com cara de atleta universitário mesmo: barba por fazer, calça de nylon, tênis
de cano longo, boné fechado de aba reta e casacão de moletom do meu time
de futebol americano.
Realmente, não tinha me preparado para aquela mordomia toda.
O comissário responsável pelo vôo me viu mal vestido e ficou implicando
comigo, querendo me jogar de volta para o fundão do avião.
Nunca dei carteirada na minha vida mas falei que meu pai pilotava os
Boeings da Jet e acabou dando tudo certo.
Mermão, que luxo brabo!
Sabe aqueles comerciais fodásticos de companhias aéreas como a Emirates, a
Turkish e a Qatar Airways? Mais ou menos aquilo.
Fui de patrão, bebendo champagne e brincando com os comandos de
massagem e calefação do poltronão que deitava 180 graus, maior e mais
confortável do que a cama lá de casa.
Em teoria, não podia estar bebendo aquele champanhe por que ainda era “di
menor” perante a lei americana mas ninguém implicou comigo.
Filho de piloto!
Hoje em dia tem telinha de entretenimento de bordo atrás das poltronas em
quase todo vôo internacional mas, naquele ano de 2008, eram pouquíssimas
as companhias aéreas que contavam com aquela tecnologia.
O único ponto ruim da primeira classe é a hora de usar o banheiro.
As aeromoças da área VIP eram treinadas para limpar o banheiro toda vez
que alguém terminasse de usá-lo.
Não sei se os milionários indianos que estavam sentados do meu lado sentiam
isso mas eu ficava super desconfortável toda vez que ia lá dar uma cagada.
Elas me viam no corredor voltando para minha poltrona e iam correndo para
o banheiro. Não esperavam nem 30 segundos para o cheiro passar e dar o
bote.
Tive uma curta conexão no aeroporto de Bruxelas, um dos hubs da Jet
Airways na Europa, e peguei outro avião para Chennai.
Dessa vez a carteirada do paizão não funcionou e eu fui pra econômica para
mais 10 horinhas pelos ares.
Cheguei em Chennai às 3 da madruga e já tomei um choque brabo.
Primeiro que só tinha gente feia no aeroporto.
Segundo que o cheiro do lugar já era diferente.
Pensa aí numa mistura de cheiro de umidade, cecê de suvaco e molho curry.
Eu realmente não sabia porque estava voando para Chennai já que a “casa”
dos meus pais era em Calcutá, uns 1.700 quilômetros ao norte dali.
Encontrei minha mãe no lounge da Jet e, antes de dar bom dia e falar “que
saudade, mãe”, já saí perguntando que diabos estávamos fazendo em
Chennai.
Era surpresa.
Ela chamou um taxista mais preto que eu mas com o cabelo lisinho e tentou
negociar um preço camarada no inglês dela.
Minha mãe falando inglês com os indianos é uma das paradas mais
engraçadas desse mundo.
O inglês dela é uma mistura de inglês americano, inglês indiano, português,
tupi guarani, embromation e linguagem de sinais.
Mesmo assim, todo mundo entende!
A negociação deu certo e metemos o pé do aeroporto.
A Índia é um país de pobreza extrema mas vou te contar que a estrada entre
Chennai e o lugar surpresa dá de 7 x 1 em qualquer estrada de pedágio a
R$20 do nosso sistema rodoviário.
Te cuida CCR!
Papo reto... qualidade daquelas Autobahns da Alemanha ocidental.
Umas 3 horas depois, chegamos no nosso destino final: Pondicherry.
Pondicherry é um pequeno povoado litorâneo situado bem no sul da Índia
que, durante séculos, foi colônia francesa.
O interessante do lugar é essa dualidade França-Índia que segue viva até hoje,
mais de 50 anos depois de sua independência.
Você vê uma rua de paralelepípedos cheia de casas de chá e sobrados
franceses e do nada aparece um elefante liderando uma procissão de fiéis
hindus no meio da rua.
Tinha passado por uns perrengues durante aquele meu primeiro ano fazendo
faculdade nos Estados Unidos e havia pensado até em abdicar da bolsa de
estudos, jogar tudo pro alto e voltar a morar no Brasil.
Por causa daquele piripaque, meus pais, preocupados que só eles,
programaram a visita a Pondicherry para que eu fizesse uma espécie de detox
espiritual.
Eu mesmo pensava que iria fazer uma simples viagem de férias por um lugar
desconhecido para dar uma relaxada e esquecer dos problemas da vida.
Na realidade, eles me faziam acordar às 5 da manhã para cumprir uma agenda
lotada de sessões de massagem ayurveda, cursos de meditação, refeições
vegetarianas, terapia de cristais, aulas de yoga e coisas do gênero.
Tá aí a razão que eles esconderam a “surpresa” até o último minuto.
Porque se tivessem publicado os verdadeiros detalhes, eu com certeza não
iria topar cruzar o mundo para aprender a meditar.
Tá ligado naquele filme Comer, Rezar, Amar?
Sabe aquela parte que a Julia Roberts vai parar num retiro na Índia onde ela
tem que se desprender de coisas materiais, meditar e viver em comunidade?
Meu rolé em Pondicherry era isso aí.
A verdade é que minha minha mãe havia passado duas semanas num retiro de
meditação (Ashram) ali e se apaixonou perdidamente pelo lugar.
Nesse meio termo, ela fez várias amigas no templo, virou seguidora do guru,
filósofo e líder espiritual Sri Aurobindo e queria me “converter” também.
O auge dessa lavagem cerebral foi uma excursão que fizemos para Auroville.
Auroville é uma comunidade auto sustentável no meio do mato com uma
enorme cúpula de ouro onde os discípulos de Aurobindo ao redor do mundo
vão meditar.
Tem um globo do tamanho de um ginásio da NBA com uma enorme bola de
cristal no meio.
O lugar devia ser famoso na Europa porque, no dia que eu fui meditar lá com
a minha mãe, tinha só uma meia dúzia de indianos para mais de 100
ocidentais.
Coloca aí Auroville no Google para ver a magnitude da parada.
Dizem que o lugar é sagrado e que as pessoas que meditam lá dentro
conseguem recarregar energias e esquecer dos problemas da vida.
Juro que tentei meditar.
Fiquei até com ciúmes das pessoas à minha volta que estavam em pose de
Buda e com a cabeça em outra órbita.
Minha mãe era uma que nem se mexia.
Eu não durei nem 10 minutos lá dentro.
Depois de passar uma semana inteira sendo devorado por mosquitos
carnívoros e sanguinários do sul da Índia e tentando desenvolver meu lado
espiritual, peguei o avião para Calcutá para passar um tempinho em “casa”.
A companhia aérea botou os expatriados brasileiros para morar no hotel
Hyatt Calcutá, um pico ultra luxuoso com 5 restaurantes da mais alta cozinha,
quadras de tênis, squash, piscina, academia de última geração e um mordomo
para cada suíte.
Fiquei uns dias de molho lá, mas de vez em quando eu saía daquele oásis
para dar um rolé na verdadeira Índia.
Rapaz, que lugar interessante!
A Índia é um país de extremos, né?!
Exatamente ao lado do palácio que era o Hyatt Calcutá tinha um favelão
construído em cima de um mangue de esgoto.
Pensa no Hotel Fasano e no tipo de gente que se hospeda por lá.
Agora transporta as palafitas da favela da Maré dos anos 80 para o outro lado
do muro do hotel.
E os funcionários do Hyatt moravam ali no favelão.
Não exagero quando digo que tinha nego recebendo o equivalente a 50 reais
mensais para trabalhar em um dos hotéis mais chiques de todo país.
A verdade é que, ao longo dos dias, aprendi a gostar da Índia.
As pessoas são do bem, ultra amigáveis e respeitosas.
Rodei o mundo umas duas vezes e até agora não encontrei um lugar que trata
melhor o estrangeiro do que na Índia.
O que as pessoas têm de amigáveis, elas têm de estranhas também!
O episódio mais louco dessas 2 semanas que eu passei lá aconteceu bem no
centro de Calcutá.
Estávamos passeando pelo Monumento à Rainha Vitória, um prédio suntuoso
que é um dos principais pontos turísticos da cidade de Calcutá. Ele é até um
pouco parecido com o maior ponto turístico do país, o Taj Mahal.
Do nada, passou um menino de uns 14 anos por nós.
Se fosse no Rio, pensaria que era um pivete querendo nos assaltar mas ele
saiu saindo.
Dali uns 50 metros, o menino virou a direita para dentro de um gramadinho,
abaixou as calças e deu um cagadão ali mesmo.
Como se fosse um cachorro.
E o pior é que era no principal parque da cidade, a uns 20 metros de prédios
comerciais, agências de turismo e carrocinhas de comida.
Ele terminou o serviço, levantou o short e saiu andando como se nada tivesse
acontecido.
Sem papel higiênico nem nada.
Já se passaram quase 10 anos e eu não consigo tirar aquela imagem da minha
cabeça.
Aviso aos navegantes: nunca toque a mão esquerda de um indiano!
CAPÍTULO 3
PAMPLONA, ESPANHA
“Cinco de mayo, seis de junio, siete de julio: San Fermín!
A Pamplona hemos de ir con una bota y un calcetín”

♬ Uno de enero, dos de febrero


★ San Fermín
Essa história aconteceu em Julho de 2008 e eu tinha 18 anos.
Nas férias da faculdade, consegui mais uma bolsa de estudos e fui fazer um
curso de verão na Universidade de Alicante na Espanha.
Me matriculei em aulas de literatura e história da Europa para adiantar uns
requisitos básicos do currículo de relações internacionais, um dos meus
diplomas lá na Pennsylvania.
Aquelas aulas ali também me ajudariam a dar uma guinada no meu CR, que
naquela época não andava muito bem das pernas.
Esse era o objetivo inicial mas não foi bem assim que as coisas funcionaram.
Vou te mandar a real: era extremamente difícil focar nas aulas!
Afinal, o calor era infernal e estávamos ali na beira do Mar Mediterrâneo no
auge do verão europeu.
A casa da minha host family espanhola era bem em frente a Playa de San
Juan e o que tinha de gostosa fazendo topless ali não era brincadeira não.
Além disso, era época da Eurocopa e a cidade toda parava para ver os jogos
da Seleção Espanhola, uma das favoritas para levar o caneco daquele ano.
Numa bebedeira pós-jogo no bar Texaco da Playa de San Juan, dei a ideia de
juntar a galera do intercâmbio e subir para Pamplona para participar do
festival de San Fermin.
San Fermin é o nome que os espanhóis dão para aquela festa onde os touros
saem pela rua atropelando a galera.
Alguns instantes antes da ideia surgir, a Espanha acabava de vencer a Rússia
na semifinal da Euro 2008.
Aproveitando a alegria da galera do intercâmbio, recrutei umas 30 pessoas do
programa.
Todo mundo pilhou de ir.
A Universidade da Pennsylvania levaria uma caravana de gringos para a
corrida dos touros de 2008!
Mas na hora de ajeitar a logística, quase todo mundo brochou.
Isso porque não havia vôos diretos entre Alicante e Pamplona e o pinga-pinga
parando em Madrid estava caro demais.
Era alta temporada, a crise econômica da Espanha ainda não havia batido nos
bolsos do povão e todo jovem espanhol queria participar daquela festa em
Pamplona na primeira semana de Julho.
A alternativa era o buzão da rodoviária mas quase todos os americanos
almofadinhas do intercâmbio não curtiram a ideia de passar 10 horas num
ônibus que cruzaria a Península Ibérica quase que inteira.
No final, consegui fechar um bonde de 5 guerreiros. Junto comigo, vieram
Gage, Michael, Chris e Alan.
Todos eles americanos, e todos da região de Nova York/Nova Jersey.
Chegou a sexta feira, nos vestimos de branco, botamos o passaporte no bolso
e partimos para a rodoviária de Alicante, sem mochila nem nada.
Não tínhamos reserva de hotel em Pamplona e o combinado era voltar para
casa de ônibus no mesmo dia.
Tinha um cara lá na aula de literatura chamado Zach que era meio nerdão e
não tinha feito amigo nenhum no intercâmbio.
Ele descobriu nossos planos de ir correr com os touros em Pamplona, se
convidou para a viagem e caiu de gaiato do nosso lado no ônibus.
O Chris arrumou um Dramin pra nós e, num piscar de olhos, acordamos no
País Basco. Foram as 10 horas mais rápidas da minha vida.
Meu amigo, a cidade estava em chamas! Da rodoviária já dava pra sentir a
vibe do lugar.
Nunca tinha visto tanta gente acordada às 5 da manhã. Nem no carnaval do
Rio.
Era uma mistura dos bêbados que passaram a noite inteira na farra e dos
sóbrios que acordaram cedo para pegar um bom lugar no circuito dos touros.
Parecia que a cidade inteira tinha combinado de usar o mesmo uniforme:
calça de linho branca, camisa branca, um lenço vermelho amarrado na cintura
e um bastão de jornal na mão.
A medida que eu ia subindo a Calle Santo Domingo, olhava para cima e via
as varandas dos sobrados lotadas de gente.
Aquele pessoal ali havia pago uma nota para assistir a corrida de camarote.
Quem não tem grana e quer ver a corrida tem duas opções: fazer parte dela
correndo no meio da multidão ou ver tudo pela televisão.
A ficha estava demorando para cair.
Me sentia dentro da clássica obra O Sol Também Se Levanta do
conceituadíssimo escritor americano Ernest Hemingway, boêmio e ávido
frequentador do festival de San Fermín no início do século XX.
Estava prestes a fazer a maior loucura da minha vida.
Nessa época aí, eu era atleta nos Estados Unidos e estava no auge da minha
forma no futebol americano.
Meu parça Gage também jogava no Pennsylvania Quakers. Se o técnico
descobrisse que dois de seus principais titulares estavam ali no meio da
galera correndo risco de serem chifrados por um touro malvado, com certeza
ele teria um ataque do coração.
Para adicionar um pouco mais de adrenalina e cagaço, a chuva começou a
cair na cidade e o circuito dos touros ficou super escorregadio.
Todo cuidado seria pouco.
Os fazendeiros da província de Castilla passam o ano todo cuidando dos
touros para deixá-los bem raivosos para o encierro de Pamplona.
A idéia é essa: quanto mais brabos, melhor!
Tem até uma comissão de jurados que vai nas fazendas durante o ano para
fiscalizar se os touros são do mal mesmo.
Fiquei de cara com aquela informação mas, apesar de toda aquela parada de
direito dos animais, tourada é coisa séria em certos lugares da Espanha.
Para nós que somos gringos, é bem difícil de entender.
Da mesma maneira que os europeus não entendem os barracões de escolas de
samba que funcionam dia e noite durante o ano inteiro para preparar um
desfile de pouco mais de uma hora na Marquês de Sapucaí em fevereiro.
As feras de San Fermin são liberadas do Corral de Santo Domingo
pontualmente às 8 da manhã.
Antes disso, os organizadores do evento soltam três sequências de fogos de
artifício: uma às 7:55, outra às 7:57 e a última às 7:59.
Em cada uma delas, o povo levanta o bastão de jornal enrolado e canta uma
música religiosa pedindo benção a San Fermín. A letra é mais ou menos
assim: “A San Fermín pedimos
Por ser nuestro patrón
Nos guie en el encierro
Dándonos su bendición”
Depois da versão em espanhol, eles mantinham a tradição de cantar a mesma
música no idioma euskera, língua oficial do País Basco.
“Entzun arren San Fermin
Zu zaitugu patroi
Zuzendu gure oinak
Entzierro hontan otoi Assim que as pessoas acabam de cantar a música em
basco pela terceira vez, sobe um foguete aos céus e os monstros famintos
saem da jaula para atropelar geral.
Já tinha visto o encierro na TV durante a semana e, depois de uma pesquisa
minuciosa no Google, concluí que o melhor lugar para me posicionar na
corrida era na reta final, logo após a perigosíssima Curva de Estafeta e um
pouco antes da Plaza de Toros.
Essa curva é no fim do principal retão do caminho dos touros.
Eles pegam velocidade nos primeiros 200 metros da corrida e não se dão
conta que tem uma curva bem fechada ali.
Resultado: quase todos os bois dão de cara (ou chifre) com o paredão preto
da Curva de Estafeta.
Os aventureiros locais sabem que devem fazer a curva por dentro para evitar
os touros mas volta e meia morre um gringo bêbado e sem planejamento
exatamente ali.
Quem não conhece, faz a curva por fora e acaba se ferrando de verde e
amarelo. Não acredita? Põe no YouTube “Curva de Estafeta” pra ter uma
noção da seriedade da parada.
O ponto final da corrida é na Plaza de Toros Monumental de Pamplona, um
estádio de quase 100 anos de idade, onde são realizadas as touradas da noite.
Na verdade, todos os 6 animais que participam do encierro na parte da manhã
são mortos no fim da tarde pelo toureiro aos sons de “Olé”!
Se o toureiro mandar bem, ele ainda leva a orelha do bicho pra casa como se
fosse um troféu.
Não tem como contar os detalhes da própria corrida porque eu estava
preocupado em não ser pisoteado pelos milhares de bêbados que enfrentaram
os touros ao nosso lado.
Pra te mandar a real, as pessoas chegam a ser mais perigosas do que os
próprios touros.
Nego não quer nem saber.
Te empurram, você cai e vira tapete para uma multidão de gente e para 6
touros com algumas toneladas de carne na barriga.
Só sei que cheguei ao estádio com uma sensação de vitória: saí vivo e ileso
da corrida dos touros de Pamplona!
Papo reto, esse sentimento foi potencializado por causa dos aplausos que a
gente recebeu das 15 mil pessoas que lotavam a arena naquela fria manhã de
julho aos pés dos Pirineus.
Fui atleta a minha vida inteira e nunca tinha sentido algo parecido.
Muita testosterona!
Tinha perdido a virgindade com minha namorada dos tempos da escola
quando tinha 16 anos mas só virei homem de verdade ali em Pamplona.
“Dominar” 6 feras raivosas e ainda ser aplaudido por isso não tem preço.
E a melhor parte da corrida não é a corrida em si.
É o que vem depois.
Ao fim do encierro, os organizadores soltam os touros um por um para
brincar de pega-pega com o povão no círculo da arena.
E essa brincadeira dura algumas horas!
Se tem uma viagem que todo macho tem que fazer antes de morrer é essa aí.
Te garanto que você não vai se arrepender.
CAPÍTULO 4
PHILADELPHIA, ESTADOS UNIDOS

“Tell him I'm doing fine, Obama for mankind


We ready for damn change, so y'all let the man shine”

♬ My President is Black
★ Young Jeezy
Essa história aconteceu em novembro de 2008 e eu tinha 18 anos.
Durante o ano inteiro de 2008, o campus da University of Pennsylvania
borbulhava com a campanha para a presidência dos Estados Unidos.
Sério mesmo, nunca tinha visto tanta gente jovem envolvida em política.
Havia dois sérios candidatos para substituir o atrapalhado e impopular
presidente George W. Bush.
Do lado republicano, um veterano de guerra de quase 80 anos de idade
chamado John McCain. McCain tinha uma vice semi-retardada chamada
Sarah Palin que botava medo até nos próprios republicanos.
Do lado democrata, tinha um negão gente boa de Chicago com pouquíssima
experiência no cenário político mas muita lábia e carisma.
Seu nome? Barack Hussein Obama.
No início, os eleitores estavam com o pé atrás com ele.
Um dos principais motivos era o fato dele ser quase xará dos dois maiores
inimigos do país naquela época: Saddam Hussein e Osama Bin Laden.
Não demorou muito para eu virar fãzasso do cara, mais porque ele era negro
do que outra coisa.
Isso porque quando eu era muleque eu não tinha heróis negros para me
espelhar no Brasil.
Lá para 1995, quando eu começava a abrir os olhos para o mundo, quem era
o negro que mais fazia sucesso e aparecia na TV?
O Jacaré do Tchan!
Para mim, ele era o único cara parecido comigo que era bem sucedido. Eu
admirava tanto o Jacaré do Tchan que queria ser dançarino de axé music que
nem ele. Vai vendo!
Realmente não conhecia muito os ideais do partido democrata dos Estados
Unidos e apoiava o Obama mais por sua aparência e sua imagem de pop star.
Tava tão pilhado com possibilidade de ver um cara da minha cor virar o
homem mais poderoso do mundo que decidi virar voluntário da campanha
Penn for Obama.
Apesar de não poder participar da eleição por não ser cidadão americano, eu
podia ficar na rua com uma prancheta na mão registrando a galera para votar
nas eleições presidenciais.
Lá nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório e o partido democrata
contava com o impacto causado pela adesão de novos eleitores.
Com isso, eles recrutaram centenas de milhares de cabos eleitorais ao redor
do país, principalmente nas universidades.
E eu era um desses voluntários.
Não sei os números oficiais mas muita gente nos Estados Unidos se registrou
pela primeira vez em 2008 só para votar naquele negão gente boa.
Num momento histórico daquele, papai do céu foi bem generoso comigo.
Não podia estar num lugar mais estratégico que Philadelphia, basicamente no
olho daquele furacão descomunal e revolucionário.
Naquele ano, meu endereço no campus da University of Pennsylvania era
4052 Chestnut Street.
No ano de 1776, a Declaração da Independência foi assinada num prédio
chamado Liberty Hall. Quer o endereço do Liberty Hall?
520 Chestnut Street, 35 quarteirões ao sul do meu cafofo.
Fora isso, o discurso mais memorável da campanha presidencial do Obama
foi feito ali mesmo na Philadelphia.
Foi no dia 18 de março de 2008 que centenas de milhares de pessoas lotaram
o gramado do National Constitution Center para escutar o que aquele político
com naipe de palestrante motivacional tinha a dizer.
Obama falou sobre sonho, igualdade, mudança... tudo o que o povo queria
ouvir.
Tava todo mundo de saco cheio da família Bush e sua obsessão por guerras.
O discurso “A More Perfect Union” daquela noite será lembrado nos livros
didáticos de história por séculos e séculos como um dos principais
catalisadores para a vitória de Barack Obama em 2008.
Para você ter uma ideia da influência do tal discurso, o vídeo tem 37 minutos
e mais de 7 milhões de hits no YouTube.
Não é qualquer vídeo longo desse que consegue uma audiência tão grande na
internet.
Especialmente quando se trata de política.
A verdade é que a eleição de 2008 foi a primeira da história a ser decidida nas
redes sociais.
O partido de Obama, sabendo da crescente influência da internet na vida das
pessoas, contratou um ex-executivo do Facebook para liderar a parte de
novas mídias da campanha.
Os republicanos, mais conservadores e mais atrasados no movimento de
inclusão digital, não apostaram muito no fator social da parada e rodaram.
Obama viralizou o newsfeed de todo mundo que tinha conta naquela rede
social que ainda engatinhava e brigava com o MySpace por market share nos
EUA.
Chegou o dia 4 de novembro, uma terça feira chuvosa de outono na
Philadelphia.
Se tudo corresse bem, essa terça feira entraria para a história daquele país.
Era o dia da verdade e a vibe no campus era de total incerteza e mistério.
Sentia um pouco de inveja dos americanos que iam para as urnas exercer seu
papel de cidadão. Queria votar no Obama também.
No fim da tarde, as fraternidades de Penn organizaram festas para assistir a
apuração dos votos em tempo real pela TV.
Colocavam a CNN no telão e ofereciam cerveja de barril e asinhas de frango
para os mais chegados.
Fui para a casa da Phi Kappa Sigma, fraternidade que fica na esquina da 36th
com a Locust Walk, para encontrar meu amigo Bijan.
Bijan era um americano de origem iraniana que, além de estudar economia na
Wharton School e ser campeão nacional de boliche, era um ativista brabo do
Partido Democrata.
Enquanto a galera do nosso prédio passava o tempo livre jogando Mario Kart
na sala de TV, Bijan preferia ficar assistindo os analistas políticos de canais
como MSNBC, Fox News e CNN.
A apuração dos EUA é feita de uma maneira complicada de explicar.
Tem 50 estados lá. Quem ganhar mais estados, leva a eleição.
Só que cada estado tem um peso diferente para a apuração final. Por
exemplo, vencer na Califórnia é muito mais importante do que vencer na
Dakota do Norte.
Depois das 8 da noite, o bicho começou a pegar.
A cada 5 minutos aparecia a apuração final de um estado diferente da costa
leste.
Quanto mais azul ficava o mapa interativo da CNN, mais o nosso coração
batia.
Pelo menos por uma noite, azul era a cor da esperança.
Azul era a cor dos democratas, de Bill Clinton, de Joe Biden e de Barack
Obama.
Antes mesmo de terminar a apuração dos estados do fuso horário oeste como
Oregon, Washington e California, a CNN anunciou Barack Husein Obama
como 44o presidente dos Estados Unidos da América.
Parecia que eu estava no Brasil e nossa seleção havia ganhado uma Copa do
Mundo em cima da Argentina.
Era essa a sensação. O campus da University of Pennsylvania veio abaixo!
Botei um casaco e partimos para o centro de Philadelphia.
Eu, Bijan, Jordan Billups, um negro intelectual de cabelo dread e Mike
Winstein, um “irmão” texano da fraternidade do Bijan.
Também tinha o James, um negro britânico que estava no mesmo barco que
eu: não podia votar mas estava mais feliz do que os próprios americanos.
Do campus para o centro de Philadelphia é uma boa caminhada de uns 30
minutos.
Fizemos o percurso em menos de 10 minutos tamanha nossa euforia.
Chegamos na Broad Street, a principal rua do centro histórico da cidade, e
vimos uma festa inigualável nos arredores do majestoso City Hall, prédio da
prefeitura de Philadelphia.
Negros, brancos, latinos, asiáticos, ricos, pobres, empresários funcionários
públicos e até mendigos... dezenas de milhares de pessoas enfrentaram o frio
daquela noite de outubro na Philadelphia para celebrar nas ruas.
Depois de séculos e séculos de preconceito e segregação, o país tinha um
presidente negro.
E a cidade de Philadephia naquela noite era a definição do discurso que
Obama fizera ali alguns meses antes.
A alegria não tinha cor e nem classe social.
CAPÍTULO 5
ELBA, ITÁLIA
“Bongiorno mia signorina, li poso ofrire un café.
Viaggio da questa mattina, in cerca di lei”

♬ Dentro ad ogni brivido


★ Marco Carta
Essa história aconteceu em junho de 2009 e eu tinha 19 anos.
Nas férias de verão depois do meu segundo ano na Wharton Business School,
consegui outra bolsa de estudos para estudar de graça na Europa.
Dessa vez, a universidade me mandou para a cidade que fora quartel general
de grandes nomes do Renascimento como Michelangelo, Leonardo da Vinci
e Boticelli.
Por três meses, seria residente de Florença, a capital da belíssima região da
Toscana e uma das cidades mais visitadas Itália.
Assim como em Alicante, estava lá para dar um gás na sala de aula e levantar
minha notas da faculdade.
E assim como em Alicante, as distrações me tiraram um pouco do sério.
Todos os 45 estudantes do programa de intercâmbio moravam no Hotel
Bellettini, um hostel simplesinho na Via di Conti, a dois quarteirões do
belíssimo Duomo di Firenze.
O Duomo é uma das catedrais mais famosas da Europa e marco-zero da
cidade toscana.
Apesar de não ter praia e fazer um calor infernal, Florença no verão é uma
maravilha.
Isso porque a cidade é tomada por estudantes de intercâmbio dos Estados
Unidos.
Havia uns 10 programas parecidos com o Penn-in-Florence, onde
universitários americanos passavam as férias aprendendo italiano, história da
arte, literatura e moda.
Assim como as salas de aula dos cursos de engenharia nos Estados Unidos
são dominadas por machos, o mercado consumidor de carreiras como
literatura, história da arte e moda era estritamente feminino.
Resultado: só tinha mulher fazendo intercâmbio em Florença!
Os poucos homens que estudavam lá nas férias ou eram gays ou eram
profundamente agradecidos a Deus por estarem naquele paraíso.
Para você ter uma idéia, dos 45 que moravam no Hotel Bellettini, 35 eram
mulheres.
No meu 2o dia de Florença, fiquei amigo de um imigrante muçulmano que
havia fugido do Kosovo na época da guerra.
Benny era ilegal na Itália e pagava suas contas panfletando e fazendo bicos
de promoter nas noitadas da cidade.
Era a pessoa certa para conhecer!
A galera da Pennsylvania fazia aula das 8 da manhã às 3 da tarde num prédio
medieval administrado pela Università Firenze ao lado da Piazza Signoria.
Depois do almoço, voltávamos para o hostel para descansar e completar os
deveres de casa, que não eram poucos dado a rigidez do currículo da
University of Pennsylvania.
De noite, formávamos um batalhão de americanos e íamos para noitadas do
Benny como Central Park, YAB, Fishpub, Red Garter, Twice, 21 e Lion’s
Fountain.
Cada uma bombava em um dia diferente da semana.
Até aquele verão, eu tinha uns problemas de confiança.
Tinha muita dificuldade para chegar nas minas, especialmente as minas
desconhecidas da balada.
Mas cara... as nights de Florença eram floridas, literalmente.
E a lei da oferta e da procura me ajudou a superar aquele bloqueio
psicológico que eu tinha e me fazia um semi-virjão com quase 20 anos na
cara.
Todo lugar em Florença tinha papo de 4 gatas para cada homem.
A procura feminina era mais alta do que a oferta masculina e, com a ajuda do
meu novo amigo muçulmano que tinha contato em todas as nights da cidade,
eu me aproveitei disso.
Numa terça feira de hip hop regada a álcool na YAB, conheci uma morena
americana que estudava administração na University of Indiana e era
torcedora do Los Angeles Lakers.
Dancei com ela a noite toda.
A química foi tão forte e minha confiança estava tão alta que consegui
finalizar o serviço na mesma noite.
Era a primeira vez na vida que eu realizava essa façanha.
Dividia o quarto com dois americanos lá da faculdade e fizemos o máximo
para não acordá-los.
A cabeça de um deles estava a menos de um metro de distância da minha
cama mas acabou dando tudo certo.
Talvez por causa do fator “first-time”, fiquei apaixonadinho por ela.
Tão apaixonadinho que liguei no dia seguinte e a convidei para dar um rolé
pela cidade.
Nos encontramos na Ponte Vecchio e andamos de mão dadas pelas belas ruas
de paralelepípedo de Florença como se fôssemos um casal em lua de mel pela
Toscana.
Parecia cenário de filme romântico.
Brincamos com as estátuas da Piazza Signoria, jogamos pedrinhas no rio
Arno e assistimos o pôr do sol na Piazza Michelangelo.
Lua de mel total!
Só faltou ter o Andrea Bocelli ali cantando aquela música da novela Terra
Nostra pra gente.
Naquele fim de semana, tinha um passeio marcado com os amigos do
intercâmbio para Elba, uma ilha semi-paradisíaca no meio do Mar
Mediterrâneo.
Tá ligado naquele carro véio da Fiat que foi o estopim para o impeachment
do presidente Collor? Era em homenagem a esse lugar aí.
Elba também é famosa por ter sido o local de exilio de Napoleão Bonaparte
depois de sua tentativa frustrada de invadir a Rússia em 1814.
Hoje em dia, o lugar é um dos destinos favoritos entre as famílias italianas
nos meses de verão. É uma praia mais azul que a outra.
Convidei a gata e ela topou.
Caraca, o negócio tava ficando sério.
Conheci a mina na terça feira e já estava viajando para uma ilha no
Mediterrâneo com ela.
Reservamos um hotel de frente para uma praia deserta de pedras e com água
ultra cristalina.
Ela levou uma amiga da faculdade para não ficar sozinha.
Red flag!
Nos encontramos na estação Santa Maria Novella e fomos de trem para o
porto de Piombino num bonde de 20 pessoas.
Pegamos a balsa em Piombino e chegamos nas docas de Portoferraio umas
duas horas depois.
Só que chegando lá em Elba, ela fez o maior doce do mundo.
Não sei no que deu na cabeça dela que ela me colocou na geladeira a viagem
inteira e se dedicou exclusivamente à amiga dela.
Friendzone total!
Papo de “terça feira foi um acidente e eu só gosto de você como amigo”.
Acho que ela estava de rolo com um cara nos Estados Unidos e ficou com a
consciência pesada.
Casei, saí em lua de mel no mediterrâneo e divorciei em menos de uma
semana.
CAPÍTULO 6
PARIS, FRANÇA
“Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão”
♬ Melô do Marinheiro
★ Paralamas do Sucesso
Essa história aconteceu em agosto de 2009 e eu tinha 19 anos.
A University of Pennsylvania cobriu quase todos os meus custos durante os 3
meses que passei em Florença estudando italiano.
O que eu tinha que bancar do bolso era a farra e a passagem de avião até a
Itália.
Mas isso não era muito problema. Meu pai era piloto de avião da Jet
Airways.
Uma das grandes vantagens da Jet Airways era sua filiação à Star Alliance.
Vou traduzir: com essa parceria com a Star Alliance, o empregado da Jet
Airways podia voar quase que de graça em qualquer outra companhia aérea
desse clube.
E já que meu pai era comandante pica das galáxias lá na Índia, eu e minha
mãe também tínhamos direito a essa mamata aí.
Se era só escolher as cidades e apertar o botão de imprimir a passagem, o
negócio era cair pra dentro mesmo.
Naquelas férias, o planejado era o seguinte: acabou o intercâmbio da Itália, eu
ia passar um fim de semana em Casablanca no Marrocos visitando um
brother que estudava comigo na Pennsylvania.
A família do cara era magnata de vários setores da economia local (tipo um
grupo Votorantim aqui no Brasil) e eu ia ficar de patrão na mansão fazendo
networking com o high-society do Marrocos.
Depois do rolé pelo norte da África, eu ia dar uma passada em Londres para
ver o show de retorno do Michael Jackson na O2 Arena.
Cara, eu sou viciado em Michael Jackson.
Meu velho tem todos os discos do Michael de 1968 a 2010 e passei a infância
cantando embromation de músicas como Ben, I’ll be There e Black or White.
Aquele show em Londres seria a realização do maior sonho da minha vida
que era ver o ídolo do meu pai (e o meu também) em pessoa.
Era a turnê This is It, a série de shows mais esperada do século XXI.
De Londres, eu pegaria o avião de volta para o Rio, onde passaria o resto das
férias com os meus avós antes de retomar a temporada de futebol americano
em Philadelphia.
Uma coisa que aprendi nesses 10 anos dando voltas ao mundo é que quanto
mais você planeja uma viagem, maior é a possibilidade que ela tem de dar
errado.
Primeiro que o Michael morreu, né.
Mó vacilo.
Até hoje eu não aceito isso!
Uma das maiores frustrações da minha vida foi não ter ido a esse show da
turnê This Is It em Londres.
Segundo que eu esqueci de dizer que essa mamata das passagens de graça
sempre tinha um porém.
E um porém que tinha que ser levado à sério.
Não tinha assento marcado.
Aquele pedaço de papel me garantia apenas um lugar na fila de espera.
Se o avião tivesse lotado, eu ficava na pista.
Já que o aeroporto de Florença é bem pequeno e não tinha vôos direto para o
Marrocos, tive que pegar um Air France até Paris e de lá pegar outro vôo para
Casablanca.
Me fudi!
E foi por uma questão demográfica.
Tinha um feriado prolongado na França e parecia que todos os imigrantes
marroquinos do país decidiram viajar no mesmo dia para visitar seus queridos
parentes em Casablanca.
E, cara, nos subúrbios de Paris, o que mais tem é marroquino. Papo reto.
Fui no guichê fazer o check-in cheio de esperança no rosto.
A tiazona da Air France imprimiu a passagem, abriu um sorriso meio amarelo
pra mim e disse com todo o sarcasmo do mundo: Bonne chance!
Chequei minha bagagem, passei pelo raio X do aeroporto e me dirigi para o
portão de embarque.
O vôo estava lotado, tinha overbooking e a lista de espera para embarcar
tinha 44 nomes.
Meu ranking de prioridade? 44O!
Isso quer dizer que eu só sairia dali se 43 pessoas faltassem o vôo.
O próximo vôo entre Paris e Casablanca seria só às 7 da manhã seguinte.
Não tinha dinheiro para pegar um hotel de última hora em Paris. Afinal, julho
é o auge da alta temporada de turismo na Europa.
Sabia que o aeroporto Charles de Gaulle era bem afastado do centro da
cidade então resolvi me virar por ali.
Forrei o chão do aeroporto com umas roupas sujas que estavam na mala, usei
minha mochila como um travesseiro e caí no sono ali no chão do aeroporto.
Meu relógio biológico me acordou na hora certa. Me espreguicei, fui ao
banheiro escovar os dentes e parti para o portão de embarque.
Vôo da manhã: lotado, overbooking e #32 da lista.
Opa, um pouco melhor. Se continuasse nessa sequencia, dali a 3 dias
conseguiria um assento para o Marrocos.
Mas eu tava é morrendo de tédio.
Me senti o Tom Hanks naquele filme que ele morou num sei quantos meses
dentro de um aeroporto.
A tecnologia não era tão avançada como hoje em dia e uma hora no wi-fi
custava uns 10 euros então realmente não tinha nada pra fazer lá.
Pra piorar, no terminal que eu estava só tinha duas lanchonetes.
E o sanduíche de queijo com presunto no baguete dormido custava 14 euros.
Para você ter uma idéia do surrealismo da parada, na birosca que eu almoçava
lá perto da universidade em Florença, o “prato executivo” de spaghetti
custava 4,50.
Brabo!
Mais três vôos para Marrakech de tarde e nada. Sobrei de novo.
Estava perdendo a paciência e fui tentar negociar com o pessoal da Air
France algum jeito de chegar ao Marrocos, talvez através de escalas em
outras cidades.
Mas a velha da Air France não falava inglês direito e meu francês era
totalmente limitado, já que havia aprendido apenas na cama com uma peguete
libanesa que eu tive no meu segundo ano de faculdade.
Um negão gente boa que parecia o cantor Seu Jorge viu que eu estava com
dificuldade de falar francês com a atendente e foi lá me ajudar.
Ele fez o que pôde mas a atendente não queria largar o osso.
Mais uma noite de fedentina no aeroporto Charles de Gaulle.
O Seu Jorge era de um país chamado Benin e também planejava passar o
feriadão com seus ancestrais na África.
A Air France cometeu algum erro na emissão de passagens e ele e seu filho
acabaram não conseguindo embarcar no voo daquela noite.
Já que eles dois eram passageiros “de verdade” e realmente haviam pago por
suas passagens, a companhia deu uma noite no hotel para ele e seu filho.
Seu filho tinha mais ou menos a minha idade e seu sonho era jogar basquete
universitário nos Estados Unidos.
Contei a minha história, falei que havia conseguido bolsa para jogar futebol
americano universitário e mostrei algumas fotos minhas jogando pelo
Pennsylvania Quakers.
O cara virou meu fã.
Acabou que os dois se sensibilizaram com o fato de que eu estava preso
naquele terminal há 48 horas sem sequer tomar banho e ofereceram para
dormir no hotel da Air France com eles.
Eu já não estava aguentando meu fedor, vi que o cara e o filho dele eram do
bem e aceitei o convite.
Pegamos a condução com a tripulação da Air France e fomos para o hotel que
ficava a uns 5 minutos de Roissy-Charles de Gaulle.
Acabou que eu dormi na cama de casal com o muleque e o Seu Jorge dormiu
no chão com a cara no tapete.
Sério, sem nada para forrar.
Insisti que o quarto não era meu e que não me importava de dormir no chão
mas seu instinto de pai falava mais alto.
De manhã fomos para o aeroporto, eles dois partiram para o Benin e eu
continuava na minha epopeia de embarcar para Casablanca.
Mais um vôo lotado e eu joguei a toalha.
Queria minha mãe. Foda-se o Marrocos.
Fui no guichê da Air France e, depois de muito suor e muito desenrolo no
francês, consegui trocar três voos por um.
Minhas passagens Paris-Marrakech, Marrakech-Londres e Londres-Rio
viraram apenas um Paris-Rio.
Alguns meses antes, um avião da Air France fazendo a rota Rio-Paris
simplesmente desapareceu no meio do Oceano Atlântico.
Acho que nego ficou impressionado com aquilo e parou de voar de Air
France para a Europa. Menos mal! O vôo para o Rio tinha uns 150 assentos
vazios, tava garantido.
Bati o martelo e acordei no Galeão.
Mas o Marrocos ficou me devendo uma...
CAPÍTULO 7
SÃO PAULO, BRASIL
“O mago mandou avisar!
Água de beber, água de benzer, água de banhar.
Alcohol, só para desinfetar”

♬ Água de Beber
★ Jorge Benjor
Essa história aconteceu em dezembro de 2009 e eu tinha 19 anos.
Meu terceiro ano de faculdade na Philadelphia foi a época que eu mais senti
saudades do Brasil.
Minha agenda em Penn estava lotada de treinos, provas, trabalhos,
apresentações, dissertações e não sobrava tempo para quase nada.
Isso sem falar nas viagens de fim de semana que eu fazia pela costa leste dos
EUA para competir no futebol americano.
Por incrível que pareça, minha maior alegria nessa época aí era assistir o
Pânico na TV aos domingos.
Lá pra 2009, o Pânico estava arrebentando na audiência.
Tinha dia que eles ultrapassavam o Fantástico e o Silvio Santos no Ibope.
Tudo isso graças a um carismático personagem da periferia de São Paulo.
O nome do cara era Marcos da Silva Herédia mas o Brasil inteiro o conhecia
por seu nome de guerra: Zina!
O Zina era um fenômeno.
Para quem não lembra, ele é aquele guardador de carros do Estádio do
Pacaembu que ficou famoso por uma simples frase que caiu na boca do povo
brasileiro naquele ano de 2009: “Ronaldo, brilha muito no Corinthians”
Impressionante como o bordão “Ronaldo” viralizou geral.
Sabendo aproveitar aquela oportunidade de ouro de capitalizar em cima do
bordão, a Rede TV contratou o cara para o elenco do programa e colocou a
Sabrina Sato e o Alfinete para dar vários rolés com o Zina.
Cada episódio tinha um tema mas dava para sentir que a produção do Pânico
não tinha um script pré-definido.
Era a espontaneidade do Zina que ditava o rumo do quadro.
E, cara, o Zina era tão figura, tão irreverente que conquistou o coração do
Brasil inteiro.
Até minha mãe que era viciada em Fantástico e só assistia Globo News e
GNT parava para ver o Zina aos domingos.
O quadro deu tanta audiência que a Rede TV comprou uma casa pra ele lá na
favela e colocou o Exaltasamba para tocar na “inauguração” do lugar.
Não tinha Rede TV lá nos Estados Unidos e não existia essa montoeira de
streams piratas perdidos pela internet que tem hoje em dia.
Mas isso não era problema.
Toda noite de domingo, eu esperava ansiosamente alguma boa alma postar o
vídeo do Pânico no YouTube para que eu pudesse ver as últimas aventuras do
meu herói.
O programa ia ao ar mais ou menos às 21h do Brasil.
Com a diferença de 3 horas no fuso horário e com o tempo que demorava
para upar o vídeo para o YouTube, era só esperar dar 20h na Philadelphia que
já tinha o episódio do Zina lá.
Eu me acabava de rir com os bordões dele e com sua paixão platônica pela
Sabrina Sato.
Quando voltei ao Brasil de férias, recebi um convite para participar de uma
mesa redonda sobre futebol americano na Rede Bandeirantes em São Paulo.
Adorava aparecer na TV então topei o convite e fui pra lá.
O programa foi numa quarta-feira à noite e meu vôo de volta pro Rio só saía
no fim da tarde de quinta.
Fui para os estúdios da Band no Morumbi, gravei o programa e peguei um
táxi para o hotel.
Tinha feito uma reserva em um hotel barato no centro de São Paulo pelo
Booking.
Na internet, o negócio era limpinho, arrumadinho e o preço era bem
acessível. Devo ter pago uns 60 reais no quarto.
Só que quando eu cheguei lá, dei de cara com uma zona de prostituição.
Era barato porque era hotel de puta!
Já estava tarde demais para procurar outro lugar para dormir então respirei
fundo, tapei os ouvidos e caí no sono.
Não sei o que me deu na cabeça mas eu acordei decidido em visitar a
quebrada do Zina.
Afinal, iria fazer o quê em São Paulo até a hora do meu voo?
Tinha feito uma pesquisa básica no Google para saber exatamente como
chegar ao tão famoso bairro do Panamericano.
Mesmo assim saí perguntando para a galera lá do centro de São Paulo para
ter mais certeza.
A primeira pessoa não soube responder o número do ônibus mas apontou o
lugar certo para pegá-lo.
A segunda pessoa falou que estava indo exatamente para lá!
Era meu dia de sorte.
Que lugar longe, parceiro!
Depois de umas 2 horas perambulando pela zona norte de São Paulo, o cara
mostrou o ponto que eu tinha que descer do buzão.
Antes de descer, ele me mandou tomar cuidado naquela área ali e perguntou
quem eu conhecia lá na favela.
Deve ter ficado curioso para saber o que um negro com sotaque carioca e
mochila nas costas estava fazendo lá naquela quebrada.
Eu tava lá mesmo era pra conhecer o Zina mas resolvi disfarçar a tietagem e
falei que ia ver meus amigos Ivanzinho, Saruê e Kléber.
Na verdade, não tinha amigo nenhum lá.
Eu sabia o nome dessa galera porque o Zina ficava mandando salve para eles
na TV.
Meus avós moram bem perto do Complexo do Alemão mas eu nunca tinha
entrado em favela até aquele dia.
Subi o morro e, depois de uns 10 minutos de caminhada pelas vielas do
Panamericano, encontrei uma paisagem muito familiar: o campo de terrão da
Xurupita.
Sabia que estava chegando cada vez mais perto do Zina.
Na parte de cima do campo, tinha uma birosca com um pessoal meio sinistro.
Os caras não faziam nada. Pareciam que estavam marcando território ali.
Será que eu estava em área de risco?
Não sei até hoje mas tinha ido muito longe para desistir.
Era a birosca da Tia do Caldo e do Passarinho, que também eram famosos na
TV porque recebiam vários salves do Zina no programa.
Cheguei lá e me apresentei para a galera que tava na birosca.
Disse que era o fã #1 do Zina e tinha vindo dos Estados Unidos só para tirar
uma foto com ele.
E não deixava de ser verdade, né?
O pessoal se sensibilizou com a história que eu contei e a Tia do Caldo
mandou chamar o Zina lá na casa dele.
Mas o cara tava dormindo.
Enquanto ele não descia, tomei algumas doses de rabo de galo com o Michael
Jackson da Xurupita no bar.
Michael Jackson era um velho lá da comunidade que imitava o Rei do Pop
mal pra caramba mas que acabou surfando no sucesso nacional do Zina e
ganhou a vaguinha dele no elenco do Pânico na TV.
Fiquei a tarde inteira trocando idéia com o Michael Jackson da Xurupita.
Ele me contava detalhes sobre os bastidores do programa Pânico, das
Panicats que supostamente davam em cima dele atrás das câmeras e do
contrato que havia fechado com uma operadora de celular para fazer
comerciais.
Algumas horas depois, o Zina finalmente desceu!
Era ele em pessoa! O poeta de uma palavra só! O cara mais querido do Brasil
naquele ano de 2009.
Tirei foto, fiquei zoando com ele e, antes dele meter o pé, implorei que ele
mandasse um salve pro Raiam do futebol americano no próximo programa.
E não é que ele me cobrou 5 reais pra me mandar um salve no programa?
Ele foi lá e anotou meu nome numa folhinha de papel que ele carregava no
bolso. E olha que tinha gente na fila.
Tive a leve impressão que o sucesso tinha subido à cabeça dele mas isso não
tirou o brilho daquele rolé.
Cara, essa aí uma das tardes mais felizes da minha vida.
Eu sinto até vergonha de dizer isso hoje em dia.
Pô, formado, viajado, cheio dos diplomas, dois livros publicados, profissional
do mercado financeiro e fã do Zina da Xurupita?
Mas a verdade é que eu nunca ri tanto num dia só.
Voltei para o Rio, contei essa história para a família e ninguém acreditou em
mim.
Os vídeos dessa tarde com os manos da Xurupita devem estar perdidos pelo
YouTube aí.
CAPÍTULO 8
MAASTRICHT, HOLANDA

“Pa rapa papa papa. Waat mot ich doon.


Want de maedjes zeen hie allemaol zo sjoon”

♬ Parapapapa
★ Big Benny
Essa história aconteceu em março de 2010 e eu tinha 19 anos.
Nas noites de quinta e sexta feira, os estudantes de intercâmbio de Barcelona
se reuniam nos chamados botellones, uma espécie de pré-night com um
tempero mais globalizado.
Durante a maior parte do ano, os botellones geralmente acontecem em praças
públicas como a Plaza Real, o Arc de Triomf e também na própria praia de
Barceloneta.
Mas já que em março ainda fazia frio na Espanha, as praças eram substituídas
pelos apartamentos estudantis do Bairro Gótico, do Borne e do Eixample,
lugares dominados por estrangeiros que lotavam as universidades
barcelonesas naquele semestre.
Cada semana, tinha pré no apartamento de alguém e o ritual era sempre o
mesmo: levar duas caixinhas de sangria Don Ramón ou um 6-pack de cerveja
Estrella Damm.
A marca não importava mas o pessoal acabava criando uma lealdade por
causa do custo-benefício do goró.
Uma caixinha de um litro de sangria custava pouco mais de 1 euro e rendia
muito bem.
Eu e meu brother colombiano Dan sempre colávamos nesses eventos na
esperança de arrastar uma sueca ou uma norueguesa cheirosa daquelas que
são sedentas por sangue e suor latino.
Funcionou algumas vezes mas, na maioria dos casos, saíamos lisos, bêbados
e nem conseguíamos passar do pré-night.
Num botellón desses do Eixample, conhecemos um holandês gente boa
chamado Guillaume.
O Guillaume era de uma cidadezinha no sul da Holanda chamada Maastricht
e estava estudando gestão internacional na Universitat Pompeu Fabra.
Depois de horas de conversa sobre mulher, futebol, música eletrônica e
depois de muitos copos de vinho, ele veio com um papo torto de que o
carnaval mais louco do mundo era exatamente em Maastricht.
Só faltou mandar um “sabe de nada inocente” mas nós fomos políticos e
diplomáticos porque tínhamos acabado de conhecê-lo e ele tinha o contato de
todas as gostosas do intercambio.
Eu falei sobre os blocos de rua do Rio de Janeiro, o Dan puxou a brasa para a
sardinha do carnaval de Cartagena na Colômbia mas o Guillaume não jogava
a toalha e continuava insistindo no fervo que era o carnaval de rua em
Maastricht.
Eu mandei um “eu só acredito vendo” e o Guillaume respondeu convidando
geral para a casa dele na Holanda no carnaval, que seria dali a cinco dias.
Nessa época, o euro estava bem valorizado e minha grana de universitário
bolsista mal dava para fechar as contas no fim do mês.
Só que a Europa tem a 8a maravilha do mundo para jovens sem grana como a
gente: companhias aéreas low cost como RyanAir e Easyjet.
Cheguei em casa bêbado, abri o site da Ryanair e encontrei passagens a 10
euros de Girona para Eindhoven.
Não pensei duas vezes. Partiu Holanda.
Girona é uma cidade a uns 90 km ao norte do centro de Barcelona que tinha
um aeroporto super moderno mas que era meio abandonado.
Apenas a Ryanair pousava ali.
Para chegar em Girona, os habitantes de Barcelona têm que ir para a
rodoviária e pegar o ônibus amarelinho da RyanAir.
Para nós, a rodoviária ficava numa posição super estratégica: exatamente do
outro lado da rua da Residencia Onix, alojamento que a universidade botou a
gente para morar lá em Barcelona.
O engraçado é que o ônibus que fazia o trajeto de 90km até o aeroporto
custava mais do que a passagem do avião que cruzava os 1400km entre a
Espanha e a Holanda.
Chegamos em Girona e na hora de embarcar, o Dan percebeu que estava sem
passaporte.
Que otário!
Mesmo sendo um voo internacional, os residentes da União Europeia só
precisam da carteira de identidade para entrar no avião.
Só que o Dan era cidadão da Colômbia, né?
Como todo bom latino, ele tentou desenrolar com o cara da imigração mas
Europa é outro papo.
Perdeu o voo e eu fui para a Holanda sozinho.
Saí do avião e só vi neve naquela porra.
Guillaume estava lá no aeroporto esperando e, antes mesmo de apertar a
minha mão, já chegou perguntando:
“What the fuck?! Where’s Dan?”
Expliquei para ele a situação do Dan e tocamos para a extremidade sul da
Holanda. Sua cidade natal fica bem na tríplice fronteira entre Bélgica,
Holanda e Alemanha.
Por causa da neve, Guillaume se distraiu, pegou a saída errada da estrada e
foi parar na Bélgica.
Para quem estava acostumado a pegar a saída errada da Linha Amarela e
parar no Engenho de Dentro ao invés do Méier, errar o caminho e cair na
Bélgica até que teve um sentimento legal.
Mais um país na minha lista!
No caminho para Maastricht, o Guillaume recebeu uma ligação internacional
à cobrar. Quem poderia ser?
Era o Dan!
O colombiano atrapalhado voltou para a Onix para pegar seu passaporte,
logou no site da RyanAir e conseguiu um outro voo.
Só que esse saía de Girona e chegava na cidade alemã de Düsseldorf no fim
da tarde.
O aeroporto de Düsseldorf fica a apenas a 30 minutos de Maastricht pelas
lendárias Autobahns, estradas sem limite de velocidade que recortam a
Alemanha inteira.
Apesar de estar em outro país, o aeroporto de Düsseldorf ficava mais perto de
Maastricht do que o aeroporto que eu cheguei, em plena Holanda.
O Dan usou a lábia dele para convencer o Guillaume a buscá-lo do outro lado
da fronteira.
Se fosse eu, já mandaria ele se virar sozinho e pegar um táxi para a Holanda
mas o Guillaume é um cara muito bonzinho.
Lá fomos nós em mais uma missão internacional.
Até aquele momento da minha vida, só havia visitado 4 países.
Naquela sexta feira, peguei o vôo na Espanha, aterrissei na Holanda, peguei a
estrada errada para a Bélgica e fui parar na Alemanha para buscar o Dan.
Botamos 200km/h no velocímetro da BMW do Guillaume mas, a medida que
nos aproximávamos do aeroporto, o trânsito da metrópole alemã ficava cada
vez mais intenso.
Sexta feira é sexta feira em qualquer lugar do mundo!
A única diferença é que lá não tem aquela musiquinha da Voz do Brasil para
interromper a pegada do rádio às 7 da noite.
Na rampa de acesso para o aeroporto tive minha primeira surpresa negativa: a
lista de companhias aéreas por terminal pulava de Qatar Airways para
Scandinavian Airlines.
Cadê a porra da RyanAir?
Demos duas voltas pelo aeroporto e nada de Ryanair.
Decidi sair do carro e usar o pouco do alemão que eu sabia para perguntar o
guardinha do aeroporto:
“Güten Tag! Wo ist Ryanair”
O cara notou que eu não manjava nada de alemão e respondeu em inglês que
a Ryanair não voava para aquele aeroporto e sim para Düsseldorf-Weeze, o
outro aeroporto da cidade.
Quando ouvi aquilo, pensei que o bagulho era tipo Santos Dumont e Galeão,
um relativamente perto do outro.
Só que quando o Guillaume jogou Weeze no GPS, a mulherzinha respondeu
que faltava 1 hora e 45 minutos para chegar lá.
Colombiano filha da puta!
Tinha saído do meu cafofo em Barcelona às 6 da manhã.
Eram 6 da tarde já e basicamente não tinha saído do carro.
E olha que nesse dia, o plano era ir até Amsterdam e dar um rolé por lá mas
os vacilos do Dan mudaram a porra toda.
Weeze era no meio do nada.
Um aeroportozinho mambembe que foi construído durante os tempos de
Hitler, ficou abandonado por décadas e foi reativado quando a Ryanair
começou a voar para lá.
Lá estava ele!
Dan Santos de casaquinho, fone no ouvido e cara de bunda.
O vôo dele havia chegado umas 2 horas antes e era o último do dia em
Weeze.
No aeroporto inteiro, só tinha ele, o segurança e as tias da limpeza.
Só chegamos em Maastricht lá pras 10 da noite e a única parada aberta no
bairro do Guillaume era uma birosca de comida típica holandesa.
Eles serviam uma mistura de comida alemã com aquelas gororobas da Feira
de São Cristóvão.
Imaginou?
Agora molha isso tudo na farinha e joga num panelão com óleo quente.
Bom, o carnaval foi legal mas nada de outro mundo.
De manhã, os municípios de região desfilavam carros alegóricos dignos de
Grupo de Acesso D do Rio de Janeiro.
Ainda bem que não tinha jurado de alegorias e adereços e nem o Milton
Cunha para cornetar o acabamento dos carros.
Ao invés de samba, eles tocavam umas musiquinhas de carrossel de parque
de diversão de quermesse estilo ragtime.
Tudo isso com neve até o tornozelo e com muito álcool pesado no sangue.
Lembra aquela mística de que a Holanda é o paraíso dos maconheiros por
causa da legalização da erva nos parques e coffee shops?
Bom, não vi nenhum holandês apertando nada e fiquei com a leve impressão
de que fumar maconha na Holanda deve ser coisa de turista.
De noite, a galera ia para a principal praça da cidade curtir uma música
eletrônica.
Todo mundo fantasiado e com garrafa de Heineken na mão.
Holandês pode não gostar de maconha mas se amarra num goró. Isso sim!
Quer ficar amigo de um holandês, dá uma cerveja, uma vodka, uma tequila
ou um rum pra ele.
E não esquece de elogiar algum DJ holandês de música eletrônica.
Afrojack, Tiësto, R3hab, Sander Van Doorn, Armin Van Buuren, Fedde
LeGrand, Nicky Romero e Laidback Luke são todos holandeses.
É impressionante como a juventude de lá endeusa esses caras.
Cheguei lá esperando que os maiores ídolos da mulecada fossem gente do
naipe de Bergkamp, Seedorf e Van Persie.
Que nada!
Holanda é o país do eletrônico. Tem uma escola de DJ em cada esquina!
Na hora de voltar para Barcelona, passei um sufoco meio brabo no aeroporto
de Eindhoven.
Minha mochila estava super inflada e a atendente da Ryanair não estava
deixando eu embarcar.
Ela queria que eu despachasse a mochila e pagasse a taxa de 40 euros.
Eles são espertos. Cobram barato na passagem mas metem a mão no
passageiro nos “extras” como impressão de ticket, excesso de bagagem e
preferência de assentos.
Eu sempre fui pão duro e a cotação do euro beirava os 4 reais na época.
Tu achava que eu ia pagar 160 reais só para despachar uma mochila? Nem
fudendo!
A solução foi botar 4 camadas de roupa no corpo e um casacão de neve e
chegar em Barcelona que nem um esquimó.
CAPÍTULO 9
AIN TAOUJDATE, MARROCOS
“No deserto que atravessei
Ninguém me viu passar”

♬ Catedral
★ Zélia Duncan
Essa história aconteceu em abril de 2010 e eu tinha 20 anos.
Na Espanha, a Semana Santa é santa mesmo.
Ao invés de dar ponto facultativo na quinta e folgar na sexta igual a gente faz
no Brasil, as escolas e faculdades locais dão um break de uma semana inteira
para a galera na Páscoa.
Isso queria dizer que tínhamos um total de 10 dias para fazer o que
quiséssemos pela Europa.
Uma amiga minha que também estudava na University of Pennsylvania e
fazia intercâmbio em Barcelona bolou um roteiro pica pelo sul da Espanha e
pelo Marrocos e saiu convidando o pessoal da Onix.
Em 10 dias, visitaríamos Málaga, Marbella, Gibraltar, Algeciras, Tangier,
Fez, Marrakech e ainda passaríamos uma noite acampados no deserto do
Saara.
Que sonho!
Eu e o Dan topamos e descemos para o sul da Espanha de RyanAir com 4
gringas.
A primeira parada era Málaga e, antes mesmo de chegarmos no hostel,
tivemos nossa primeira baixa.
Dan me deixou na mão mais uma vez.
Depois de ter cagado a viagem para a Holanda algumas semanas antes, ele
deixou o passaporte cair do bolso em algum lugar entre o avião e o hotel.
Com isso, além de perder todo o dinheiro das reservas, ele teve que gastar
uma grana forte em uma passagem de volta para Barcelona para fazer um
novo passaporte.
Apesar de ser um país mais tranquilo que Estados Unidos e Inglaterra quando
o assunto é imigração, ele não queria correr o risco de ser deportado da
Espanha e perder o semestre inteiro da faculdade.
Sem o Dan na parada, meu papel mudou um pouco.
Do nada, eu fui de companheiro de viagem para guarda costas de quatro
minas.
Depois de passar pelas praias de Málaga e Marbella, saltamos na rodoviária
de La Línea de la Concepción, cidade ao lado do porto de Algeciras.
Algeciras tem um dos principais portos da Espanha e era ali que pegaríamos
o ferry boat para a África no fim da tarde.
Tínhamos algumas horas de espera e resolvemos dar um rolé por Gibraltar.
Gibraltar é um território britânico de apenas 6 quilômetros quadrados que fica
basicamente dentro da Espanha.
Você tá andando em La Línea de la Concepción e olha para a esquerda.
Tem uma grade, uma cabine de pedágio e já outro país, outra jurisdição.
Entramos na fila do checkpoint, mostramos nossos passaportes e passamos
direto para o outro lado da fronteira.
Gibraltar é um lugar curioso pra caramba!
Pra começar, o “país” é tão pequeno que a principal rua da cidade faz
interseção com a pista de pouso do aeroporto.
Tenso!
Cada vez que tem um avião se aproximando, a polícia local fecha a rua para o
piloto pousar!
Chega a ser cômico. Procura no YouTube aí.
Demos o azar de chegar em Gibraltar justamente em horário de pouso.
Tivemos que esperar uns 20 minutos na cancela e, logo que o trânsito foi
liberado deu para perceber que, apesar do clima abafado e do visual
Mediterrâneo, estávamos na Inglaterra.
Fora o clima, a única diferença de Gibraltar para a terra da rainha são os
carros dirigindo pelo lado direito.
De resto, Gibraltar é a típica cidadezinha no interior da Inglaterra com
cabines telefônicas vermelhinhas, ônibus de dois andares, além de pubs, casas
de apostas em cada esquina e gente branca com o sotaque engraçado.
Fizemos um rápido passeio pela cidade e pegamos o teleférico para o Mirante
da Rocha de Gibraltar.
Que lugar poderoso, foda, sensacional!
A vista para África é de tirar o fôlego.
Lá de cima dá para ver uma infinidade de navios fazendo o percurso entre um
continente e outro.
Tudo isso na companhia de um monte de macacos, habitantes da Rocha de
Gibraltar durante milênios.
Na realidade, Gibraltar é o único lugar da Europa inteira que tem macacos
silvestres.
E essa espécie que mora em Gibraltar está em extinção. Só tem 230 deles no
mundo e todos moram ali naquele morro.
Depois de uma rápida passagem pela “Inglaterra”, cruzamos o pedágio de
volta para a Espanha e pegamos um buzão para o porto de Algeciras.
A África estava cada vez mais perto!
E dava para notar isso pela quantidade de mulheres vestindo os hijabs e
homens de djellabas no terminal portuário. Para aqueles que não conhecem,
hijab é aquele véu que as mulheres muçulmanas usam e djellaba é o vestidão
até a canela que os homens árabes usam.
Cruzamos o Estreito de Gibraltar de ferry boat e, duas horas depois, pusemos
o pé na África pela primeira vez.
O engraçado é que não tinha nem controle de imigração.
Aliás, tinha.
O oficial do governo marroquino ficava numa mesinha no lobby principal do
navio mas o negócio era tão amador que parecia que ele estava vendendo
produtos Jequiti ali.
Ao invés de expor seus cremes, sabonetes e perfumes femininos, o moço
ficava ali carimbando o passaporte da galera.
Essa imigração aí era bem simbólica.
Se eu quisesse sair do barco sem carimbar o passaporte, conseguiria
tranquilamente já que entre a plataforma onde os passageiros do navio
desciam e a cidade de Tangier não tinha nenhum checkpoint daqueles.
Saímos do porto e fomos abordados por taxistas, guias turísticos, mendigos e
até ciganos.
Eu logo pensei no livro O Alquimista do meu ídolo Paulo Coelho.
Na história, o personagem principal Santiago também cruza o Estreito de
Gibraltar de barco e termina em Tangier.
No caminho, um sábio avisa para ele tomar muito cuidado com cidades
portuárias como por causa dos ladrões.
Naquela ocasião, tinha que proteger a mim mesmo e cuidar das 4 meninas
que estavam comigo né.
E, na real, nós chamávamos muita atenção!
Era quatro gatas: uma loira, uma asiática, uma ruiva, uma morena... e um
negão de 90kg andando com elas.
No livro do Paulo Coelho, Santiago acabou sendo roubado ali mesmo no
porto de Tangier.
Por isso, meus radares estavam bem acesos.
Apesar de Tangier ser a cidade mais “europeizada” do Marrocos, a raiz
muçulmana do lugar ainda era muito forte.
Minhas amigas estavam todas com roupas ocidentais e eram todas bem
gostasos. Todo mundo nos olhava torto!
Na avenida beira-mar da cidade, tinha vários prédios residenciais ultra
modernos estilo Brickell Avenue em Miami e até uma filial do McDonalds.
Mesmo assim, fiquei de cara com a quantidade de mulheres muçulmanas
fundamentalistas com o corpo todo coberto pela burka naquele calor de quase
40 graus.
Tínhamos que fazer hora pois o nosso trem só vazava às 5 da tarde da
belíssima estação Gare de Tangier-Ville.
Elas queriam sair pela rua e explorar a cidade e o segurança aqui não
aprovou, influenciado por Santiago e por Paulo Coelho.
Deu a hora do trem, compramos uma cabine de primeira classe e partimos
para a cidade de Fez, uma cidade histórica bem no coração no Marrocos.
O trem de Tangier parava em Sidi Kassam e de lá pegamos outro para nosso
destino final.
Já estava escuro e o trem não tinha muita iluminação própria. Nem mesmo na
primeira classe.
As meninas começavam a reclamar de medo, já que tinha uns elementos
suspeitos rondando a nossa cabine.
Eles só passavam, olhavam, encaravam o negão-cara-de-mau que com
certeza tinha sido contratado para ser o segurança das minas e saíam da nossa
vista.
O trem ia parando em várias cidades e o condutor não avisava aonde
estávamos pelo intercom das cabines.
Quando saía algum som do alto falante, saía em árabe!
Tinha estação que nem placa tinha. Como é que iríamos saber em que estação
descer?
Ficamos uns 5 minutos parados em um lugar.
Estava muito escuro e não para ver aonde estávamos.
Já que vimos um pessoal saindo do trem, coçamos nossas mochilas e nos
preparamos para sair.
Diana, a asiática do grupo, foi a primeira a abrir a porta da nossa cabine.
Assim que ela botou o pé no corredor, um marginal rasgou a bolsa de seu
braço e saiu voado pra fora do trem.
Desespero total!
Naquela bolsa estava todo seu dinheiro e também seu passaporte.
Ela estava fazendo intercâmbio em Londres e, sem aquilo, não poderia voltar
para sua faculdade no Reino Unido.
Fudeu!
Pensei em sair correndo atrás do cara mas o trem começou a andar.
Finalmente uma prova que não estávamos no nosso destino final.
Mas puta que pariu! Que cidade era aquela?
Enquanto a Diana chorava no colo da Katie, eu e Courtney pensávamos num
plano de ação.
Uns 40 minutos depois, chegamos ao nosso destino final: a cidade histórica
de Fez.
A primeira coisa que eu fiz foi reportar o roubo para os seguranças da
estação, que me indicaram para o escritório da polícia federal marroquina.
Eu expliquei o caso da melhor maneira possível no meu francês de cursinho.
O delegado entendeu tudo e me pediu para voltar na manhã seguinte.
Teria que levar o boletim de ocorrência para a delegacia da cidade de Ain
Taoujdate, a estação aonde o crime aconteceu.
Estava impressionado e orgulhoso com minha capacidade de me expressar
em francês.
O ser humano tem uma vergonha natural na hora de falar uma língua
estrangeira.
Eu sabia o básico do francês mas, fora aquela rápida conversa com a
atendente da Air France do capítulo 7, nunca tive oportunidade de falar
francês em um ambiente sério.
O caldo apertou, as meninas estavam meio sem saída e, do nada, encontrei
forças dentro de mim para ficar fluente em francês.
Pegamos um taxi para a hospedaria que a Courtney tinha reservado no
AirBnb mas eu nem consegui dormir.
Só pensava em resolver esse pepino com as autoridades marroquinas.
O delegado me orientou a pegar o trem para Ain Taoujdate, na província de
El Jaheb, na manhã seguinte.
Ain Taoujdate é um vilarejo remoto de 22 mil pessoas no meio do deserto do
Saara.
Realmente queria ter ficado em Fez para fazer turismo que nem as outras
meninas do nosso grupo mas não tinha condições nenhuma da Diana ir
sozinha para lá.
Primeiro que ela é mulher e a cultura do lugar é meio hostil para mulheres
que andam sozinhas sem burkas e hijabs.
Segundo que ela não falava uma palavra de francês.
Ela precisava do boletim de ocorrência da polícia local para expedir um
passaporte novo no consulado americano na cidade de Casablanca, a uns 300
quilômetros dali.
Como é que uma asiática ia se meter num vilarejo no meio do deserto do
Saara sem falar árabe nem francês para negociar um B.O. com um delegado
marroquino?
Essa era minha missão.
Chegamos na delegacia de Ain Taoujdate antes das 8 da manhã.
Tá ligado naqueles filmes que mostram o sertão brasileiro de antigamente
como o Auto da Compadecida e Guerra dos Canudos?
Parecia que eu tinha voltado uns 100 anos no tempo.
Me apresentei ao delegado bigodudo e cheio de marra que comandava a
repartição.
Nem eu nem o cara falávamos francês direito.
Apesar do francês ser uma das línguas oficiais do país, as classes mais pobres
e os habitantes de cidades mais remotas só falavam árabe entre si.
Ao invés de liberar a papelada para que nós pudéssemos meter o pé dali e ir
para o consulado de Casablanca o mais rápido possível, ele quis que nós o
ajudássemos a solucionar o crime.
Na verdade, eu e a Diana só queríamos o tal documento. Tava pouco me
fudendo para o desfecho da parada.
Com isso, fui forçado a dar o retrato falado do marginal que roubou a bolsa
dela.
Mas cara, estava escuro e eu não lembro de nada.
Só que eu não conseguia me expressar direito em francês.
O que o delegado fez? Mandou a gente esperar.
Umas duas horas depois, nos trouxe para uma sala com um monte de maluco
em pé.
À moda antiga.
Daí ele perguntou:
“Qual deles é o culpado”.
Não tinha nem vidro nem nada para proteger nossa identidade.
Era ali na lata mesmo.
Eu, a Diana, o delegado e meia dúzia de suspeitos. Um parecido com o outro.
Tava me cagando de medo, afinal, se eu incriminasse alguém erradamente ali
podia correr o risco de ser linchado no caminho de volta para Fez.
A cidade era muito pequena e, com certeza, todo mundo se conhecia.
Não apontei o dedo para nenhum deles e consegui contornar a situação.
Umas duas horas depois, o delegado finalmente liberou o documento para
apresentar no consulado e voltamos felizes para Fez, onde as outras três
meninas passaram o dia fazendo compras e turismo.
Na manhã seguinte, pegamos o trem para Casablanca, capital financeira do
país e sede de quase todos os consulados dos países que tem relações
diplomáticas com o Marrocos.
Rabat é a verdadeira capital do país mas não tem quase nada lá. Só a sede do
governo.
Deixei a Diana na porta do consulado americano e fiquei esperando do lado
de fora. Não podia fazer companhia para ela lá dentro por que não sou
cidadão americano.
Começou a passar um filme na minha cabeça.
Aquele mesmo consulado havia sido alvo de um ataque terrorista dos brabos
no ano de 2003.
A Al-Qaeda matou 45 pessoas no atentado e as imagens da correria naquela
rua e do prédio em chamas estavam bem fresquinhas na minha cabeça.
Estava me cagando de medo.
Passou uma hora, duas e nada dela aparecer.
No fim da tarde, a Diana saiu de lá com o passaporte na mão.
Missão cumprida!
Pegamos uma Kombi para a estação de trem e, algumas horas depois,
encontramos o resto da galera em Marrakech.
CAPÍTULO 10.
BARCELONA, ESPANHA
“Mil vuit-cents norant-nou.
Neix el club que porto al cor.
Blaugrana són els colors. Futbol Club Barcelona”

♬ 1899
★ Boixos Nois
Essa história aconteceu em maio de 2010 e eu tinha 20 anos.
Tive a sorte de morar na Espanha nos anos áureos do Futbol Club Barcelona.
Na época, os especialistas diziam que aquela era a melhor equipe da história
do futebol, mais sinistra até do que o Brasil de 1970.
Victor Valdés no gol, Dani Alves na lateral, Puyol e Piqué na zaga e o Abidal
na esquerda.
Quem comandava o tiki taka do meio era o Xavi, ao lado de Busquets e
Iniesta.
Lá na frente, Messi, Ibrahimovic e Pedro.
Se liga no banco: Maxwell, Touré Yaya, Rafa Marquez, Thiago Alcântara,
Seydou Keita.
Só estrela.
Para completar o banco, o mito Thierry Henry e o revolucionário técnico Pep
Guardiola.
Tudo bem que o tridente Neymar-Messi-Suárez que ganhou tudo em 2015
supera o Barça de 2010 mas esse capítulo não é para ser uma crônica
esportiva.
Marquei de assistir o último jogo da temporada com os holandeses do
intercâmbio.
Nos encontramos num domingo à tarde para beber no apê do Guillaume e do
Sander no Borne.
De lá, seguimos para as proximidades da Plaza Catalunya para assistir Barça
versus Valladolid num bar aleatório do Raval, bairro meio macabro fincado
bem no centro de Barcelona.
Se o Barça empatasse, seria tricampeão da liga, independente do resultado do
jogo do Real Madrid no Santiago Bernabéu.
Geralmente assistíamos os jogos do Barça no pub irlandês George Payne, um
bar enorme frequentado por turistas e intercambistas no meio da Plaza
Urquinaona.
Nesse jogo final, a nossa estratégia foi um pouco diferente.
Fomos para o Raval para ficar mais perto de Canaletes, um chafariz na
esquina de Las Ramblas que é quase sagrado para todos os torcedores do
Barça.
É lá que os torcedores catalães comemoram todos os seus títulos.
Ao invés de gritar “É campeão” como todas as torcidas normais, eles cantam
uma música que diz, em tradução livre, “vamos para Canaletes”.
O Barça acabou ganhando o Valladolid por 4 x 1 e levantou a taça da La Liga
dentro de casa.
Num piscar de olhos, a Plaza Catalunya ficou abarrotada de gente vestida de
azul e grená. A cada minuto, apareciam umas duas mil pessoas naquele lugar.
Experiência única! Estar no coração de Barcelona e poder comemorar um
título com os verdadeiros torcedores do clube realmente não tem preço.
Mas como toda experiência única, eu enchi o saco de ficar lá rapidinho.
Tinha muita gente bêbada por metro quadrado, incluindo os holandeses que
estavam comigo.
Me despedi dos caras e tive uma ideia brilhante.
Desci a Rambla até a estação Liceo, na altura do Mercado Boquería e peguei
o contra-fluxo da linha 6 do metrô.
Contra-fluxo porque, naquela hora da noite, a cidade inteira estava se
programando para sair de casa em direção ao centro para comemorar o título
em Canaletes.
Eu não! Estava indo é pro estádio!
Saltei em Les Corts, caminhei uns 10 minutos e cheguei num Camp Nou com
portões escancarados.
Metade dos torcedores já tinha metido o pé do estádio e a outra metade estava
lá assistindo o discurso dos jogadores.
Cheguei chegando e peguei um lugarzinho no segundo nível.
O estádio ficou totalmente apagado, com a exceção de alguns spots em grená
e azul que iluminavam a entrada de cada jogador campeão espanhol naquela
temporada 2009-2010.
Um por um, eles agradeciam a torcida, puxavam o saco do Guardiola e
sempre terminavam dizendo:
“Visca el Barça i visca Catalunya!”
A galera do estádio ia à loucura, especialmente depois que jogadores
estrangeiros como Dani Alves, Eric Abidal e Yaya Touré faziam juras de
amor ao povo catalão e gritavam o “Visca Catalunya” do fundo de seus
pulmões!
Com a crise econômica que destruiu o país nos anos anteriores, os moradores
da cidade começavam a pensar cada vez mais na Catalunha como um país
independente da Espanha.
O Barça, sendo a melhor equipe do mundo, era como o garoto-propaganda da
causa catalã, motivo de orgulho para todos os catalães da região (menos os
torcedores do Espanyol).
Acabou a festa, os torcedores esvaziaram o estádio e eu desci para a beira do
campo para tirar umas selfies e tentar levar algum souvenir para casa.
A verdade é que eu estava feliz pra caramba.
E quando a gente tá feliz assim, a gente acaba arriscando mais, né?
Não satisfeito, tive uma ideia mais brilhante ainda.
Na Espanha, não tem essa parada de concentração pré-jogo. Só em alguns
raros casos de Champions League.
Na maioria das vezes, os jogadores vão para o estádio com seus respectivos
carros.
Sabendo disso, fui para a rampa de saída do estacionamento subterrâneo do
Camp Nou, no lado oeste do estádio.
Estava vestindo a camisa 34 do Thiago Alcântara.
Thiago, filho do tetracampeão Mazinho, jogou comigo nas categorias de base
do CFZ lá no Recreio quando eu tinha uns 11 anos de idade.
Em 2010, ele era uma das maiores promessas do Barcelona e toda crítica
esportiva o apontava como herdeiro de Xavi naquele meio campo majestoso.
Perdi contato com ele por quase uma década mas voltamos a ser amigos
nessa época que eu estava estudando em Barcelona.
Mandei várias mensagens perguntando sobre a boa daquela noite. Ele não
respondeu nada e eu fui lá para a rampa de saída do estacionamento dos
jogadores.
A galera ia à loucura com cada carrão que saía do estacionamento. Passou
Messi, passou Puyol, passou até a Shakira mas não passava o Thiago.
Quando o carro do Mazinho passou, eu meio que fui lá pra frente e mostrei
minha camisa amarela do Barça com o número 34.
O Thiaga era jogador do Barça B e ainda não era muito conhecido pelo
público.
No meio de centenas de milhares de torcedores, eu devia ser o único com o a
camisa escrito “Thiago”.
Ele viu que era eu, parou o carro, me cumprimentou, me chamou de maluco e
mandou eu subir.
Fui com ele e com o Rafinha pro apartamento onde eles dois moravam com a
mãe no bairro de Pedralbes, perto do shopping L’Illa na rua Diagonal.
Acho que uma voz dos céus tinha me falado para levar camisa social para
Canaletes.
Thiago e Rafinha se trocaram rapidinho, pegamos o carro e partimos para a
festa MVP no Broadbar para comemorar o título entre amigos.
Na época, o Broadbar era uma das noitadas mais chiques da cidade e ficava
na rua Aribau, no mesmo endereço da atual boate Soho.
Ainda bem que eu levei a camisa social para Canaletes.
Seria impossível entrar na noitada mais VIP de Barcelona vestindo camisa de
time e as roupas do Thiago e do Rafinha não iam caber em mim afinal, era
jogador de futebol americano e devia pesar uns 20 quilos a mais que eles.
Junto dos irmãos Alcântara, estavam também os campeões Jonathan dos
Santos e Jeffren, além dos nossos amigos brasileiros Erik e Dihogo.
Começou a tocar um hip hop sinisitro e eu, desacostumado a ouvir aquele
som nas boates de Barcelona, me empolguei e desci para a pista.
Perdi a noção do tempo.
Quando voltei para o camarote, a mulecada já tinha ido embora.
Eles tinham me avisado que rolaria uma festa restrita para os jogadores do
Barça e que não ficariam no Broadbar a noite inteira.
Perguntei a hostess que estava cuidando da nossa mesa sobre o paradeiro do
pessoal.
Ela indicou o Luz de Gás, uma boate antigassa na rua Muntaner, a um
quarteirão dali.
Pensei: “Caralho, preciso penetrar nessa festa”.
Eram 2 da manhã ainda e as noitadas na Espanha só acabam depois das 6,
mesmo em dia de domingo.
Já estava alto no goró e não queria que minha noite acabasse ali sozinho no
Broadbar.
Era minha chance de tirar uma foto com meu ídolo Messi.
Nunca estive tão perto da realização desse sonho e tive que pensar rápido.
Recrutei 3 minas que estavam no camarote do lado e mandei um papo bem
reto pra elas:
“Vamos na festa do Barça”.
De primeira, elas me olharam meio torto.
Mas uma delas cochichou em catalão que havia me visto no camarote com os
jogadores no início da noite, dando um pouquinho mais de credibilidade ao
meu convite inesperado.
E não é que elas aceitaram?!
Na caminhada de 100 metros entre o Broadbar e o Luz de Gás, tentava bolar
um plano mirabolante para convencer o segurança de que eu era convidado
daquela festa.
Nem precisei.
O segurança me viu de mãos dadas com 3 gatas de 1,80m e deve ter pensado
que eu era alguém importante.
Afinal, negão, alto e forte de mãos dadas com três gostosas é algo muito raro
de ver em Barcelona.
O combinado era o seguinte: eu boto elas pra dentro mas elas tinham que tirar
fotos minhas com meus ídolos.
Isso porque se eu contasse para a galera lá de casa, ninguém ia acreditar.
Tinha que ter evidências daquela resenha toda!
Consegui entrar e lá estavam Messi, Xavi, Puyol, Busquets, Valdés,
Guardiola como se fossem pessoas normais da noitada.
Dos 20 e poucos jogadores do Barça, só não estavam os muçulmanos Keita,
Touré Yaya, Abidal e Henry.
O presidente fanfarrão Joan Laporta bancou o open bar pra todo mundo.
Messi parecia uma criança hiperativa. Não parava quieto.
Consegui um ângulo legal e tirei uma foto com ele que virou capa do meu
perfil no Facebook por alguns anos.
Rafinha e Thiago não conseguiam acreditar que eu havia me infiltrado ali.
Durante a música Viva la Vida do Coldplay, que fora tema do título da
Champions no ano anterior, todo mundo se reuniu no palco e fez uma rodinha
de abraço.
Eu fui lá também de papagaio pirata.
Nesse meio termo, o Piqué despejou uma garrada d’água inteira na minha
cabeça.
Quase comprei briga com ele, mas resolvi deixar quieto afinal, eu era penetra
na festa e todos os amigos dele estavam ali né?
Contando assim, é difícil de acreditar.
Soltei um vídeo no YouTube contando essa história e mostrando as fotos
dessa noite. O próprio Thiago ficou puto por causa do vídeo e nunca mais
falou comigo.
CAPÍTULO 11
LLORET DE MAR, ESPANHA

“Living forever young. Singing songs underneath the sun.


Let’s rejoice to the beautiful game.”

♬ Wavin’ Flag
★ K’naan
Essa história aconteceu em junho de 2010 e eu tinha 20 anos.
Depois do rolé por Maastricht, Eindhoven e Amsterdam, fiquei muito amigo
dos holandeses Guillaume e Sander lá em Barcelona.
Eles dividiam um apartamento velho e escuro num prédio medieval do bairro
do Borne, entre a Calle Princesa e o Arco do Triunfo.
Os dois eram mestres-cucas sinistros e vira e mexe eu passava lá depois da
faculdade para fazer uma boquinha e economizar uma grana.
Papo de ter um menu diferente para cada dia da semana.
E tudo bem temperado e bem incrementado.
Não duvido nada se os dois abrirem um restaurante lá na Holanda num futuro
próximo. Vão se dar muito bem com isso.
Um amigo deles chamado Tristan, que também fazia economia na Universitat
Pompeu Fabra, descobriu que ia rolar um festival enorme de jovens
holandeses numa cidade litorânea da Costa Brava a uns 50 km ao norte de
Barcelona.
Todo mês de junho, os estudantes do 3o ano do ensino médio das escolas
públicas do sul da Holanda se reúnem por um fim de semana em Lloret de
Mar para beber, curtir a praia e comemorar a formatura.
Uma espécie de American Pie europeu.
Quando eles me contaram essa história, não pensei duas vezes.
Só imaginava a quantidade de loiras rosadinhas de 18 anos que iam brotar nas
praias da Costa Brava naquele fim de semana.
Os moleques mataram aula e foram para Lloret na sexta de manhã mas eu
tinha prova de finanças na faculdade e queria ver a abertura da Copa do
Mundo na TV lá de casa.
Odeio assistir jogo em bar, ainda mais Copa do Mundo né?
Era México versus África do Sul e um amigo nosso que saía pra night com a
gente de vez em quando lá em Barcelona era a principal estrela da Seleção
Mexicana.
O jogo acabou em 1 x 1 com direito a golaço do sul-africano Tshabalala.
Assim que o juiz apitou, eu joguei algumas roupas na mochila e meti o pé
para a rodoviária em direção a Lloret de Mar.
Cheguei em Lloret já de noite e me senti na cidade do jogo GTA Vice City
do Playstation 2.
Luzes de neon estilo anos 80, mulheres com looks duvidosos andando de
salto alto pelas ruas, várias lojas de souvenir vazias e algumas palmeiras
imperiais enfileiradas na beira da praia.
Além disso, fiquei de cara com a quantidade de hotel meia-boca que tinha no
caminho entre a rodoviária e a orla.
A impressão era de que aquilo ali já foi grande no passado, perdeu
importância para outros balneários espanhóis como Ibiza e Marbella e acabou
entrando em decadência.
Realmente, não era o que esperava.
Cadê as novinhas?
Do jeito que os holandeses venderam o peixe deles, Lloret era uma cidade
pulsante que nem Panama City Beach e Cancún durante os Spring Breaks
universitários dos Estados Unidos.
Em menos de 20 minutos naquele lugar, fui abordado por dois traficantes do
leste europeu me oferecendo ecstasy e LSD.
Era meio virjão nessa época e fiquei morrendo de medo.
E essa não foi a primeira vez que me ofereceram droga pesada pela rua na
Europa. Não é possível! Devo ter cara de usuário mesmo.
Deixei minhas paradas no hotel e finalmente encontrei com os holandeses
num pub de caminheiros, onde eles estavam reunidos para ver o empate sem
gols entre a França do galã Franck Ribeiry e o Uruguai do jovem e
desconhecido jogador do Ajax Luis Suarez.
Junto com os holandeses, estavam três brasileiros com cara de playboy
almofadinha da Zona Sul do Rio.
De início, não fui muito com a cara deles.
Os três eram amigos do Sander não sei da onde, tiveram folga no curso de
férias que estavam fazendo em Barcelona e partiram para Lloret com a
galera.
Que porra é essa de brasileiro no bonde?
A vaga de único brasileiro do grupo era exclusivamente minha e confesso
que começou a bater um ciúme no ar.
Perante a mulherada gringa, é sempre bom ser o cara diferente, forçar o
sotaque brasileiro e falar algumas sacanagens em português no ouvidinho.
Elas não entendem mas adoram.
Essa vantagem desapareceria com a presença dos três novos elementos já que
a estratégia deles era muito parecida com a minha.
Do bar, passamos numa mercearia de paquistaneses para comprar goró e
começamos o pré-night no canto da praia.
Whisky vai, whisky vem e eu comecei a ir com a cara dos três forasteiros que
ameaçavam meu status.
Na verdade, Henrique, Bernardo e Léo são meus amigos até hoje!
Volta e meia a gente se reúne para tomar um danone e relembrar os velhos
tempos de intercâmbio.
O álcool em excesso misturado com testosterona e clima de Copa do Mundo
transformou todo mundo ali em hooligan.
Do nada, começamos a puxar gritos de torcida xingando os holandeses.
Lembramos o gol do Branco nas quartas de 1994, as defesas do Taffarel na
semifinal de 1998 e fizemos questão de ressaltar a falta de títulos da Laranja
Mecânica.
Tadinhos! Foram vice três vezes mas nunca ganharam nada.
A mais cantada da noite foi: “Êeeee... Pelé é melhor que Cruyfêeee” no ritmo
daquela musiquinha chiclete eternizada pela torcida do Flamengo na época do
Obina e do Eto’o.
Os caras não deixaram barato e cantavam suas músicas de volta.
Ninguém ali entendia holandês e não tinha a mínima ideia do que eles
estavam falando da gente.
A tensão subia no ar.
Em teoria, me juntei aos meus “inimigos” para duelar com meus parças de
longa data.
Parecia que ia rolar uma porrada generalizada e internacional.
Estávamos em um canto meio deserto do costão e se a porrada comesse não
ia ter ninguém para separar.
Os holandeses estavam em vantagem.
Além dos europeus serem mais numerosos e parrudos, os três playboys que
estavam comigo nunca tinham brigado na vida.
Eu também não.
Mas acabou todo mundo se abraçando no final e indo para a noitada junto.
Chegando lá, a música eletrônica estava sinistra e a pista abarrotada de
novinhas.
Impressionante!
Até aquele ponto, nunca tinha visto tanta loira bonita por metro quadrado!
Do jeito que a gente estava alegre e confiante, parecia que todo mundo
marcar gol aquela noite.
Parecia.
Apesar da proporção favorável na pista de dança, resolvi dar uma de do-
contra e tentei puxar assunto com uma go-go girl que estava dançando no
queijo atrás da gente. Pra quê?
A verdade é que eu nem lembro o que eu falei para ela, só sei que ela ficou
bem puta da vida com o meu approach.
Ela tirou o break dela, cochichou alguma coisa com o gerente da boate e,
alguns segundos depois, só senti um estalo bem forte na minha orelha
esquerda.
Comecei a ver várias estrelinhas, que nem naqueles desenhos antigos dos
Looney Tunes.
Tomei um socão de um segurança e o outro me carregou para fora da boate.
Apanhei e fui expulso da festa e até hoje eu não sei por quê.
Voltei pro hotel com cara de cu, dormi de cabeça quente e meti o pé de volta
para meu cafofo em Barcelona.
Moral da história: nunca troque ideia com a go-go da boate quando ela está
trabalhando.
CAPÍTULO 12
MADRID, ESPANHA
“Waka Waka eh eh!
Tsamina mina zangalewa
This time for Africa”
♬ Waka Waka
★ Shakira
Essa história aconteceu em junho de 2010 e eu tinha 20 anos.
Estava na reta final do meu intercâmbio de 6 meses na Universidade de
Barcelona e me desdobrava para estudar para as provas e assistir os jogos da
Copa do Mundo da África do Sul.
Numa dessas tardes aí de Copa do Mundo, minha coordenadora lá de
Philadelphia me ligou no celular espanhol e foi direta ao ponto: “Raiam, eu
quero você em Madrid no dia 22 de junho. Vai ter a conferência global da
Wharton Business School e eu quero você lá representando os estudantes de
graduação. Se vira!”
Lisonjeado foi pouco.
Lá em Wharton, minhas notas não eram das melhores e eu estava longe de ser
um aluno exemplar a ponto de servir como jovem embaixador da
universidade em eventos chiques no exterior.
A verdade é que nunca pensei que ia receber um convite desse da
coordenadora.
É claro que eu aceitei o convite.
Só que eu não tinha levado nem terno nem sapato chique para meu
intercâmbio em Barcelona.
Achei que nunca ia precisar.
A solução foi descer a Ronda de Sant Pere caminhar até a loja da Zara em
Puerta del Ángel para resolver meu problema.
A Zara aqui no Brasil é sinônimo de luxo e só tem nos shoppings mais
chiques das grandes cidades.
Lá na Espanha, ela é loja de povão, tipo uma C&A da vida.
Sempre foi extremamente difícil encontrar terno para o meu corpo já que eu
não sou muito alto mas tenho ombros largos e a bunda grande.
Para piorar a minha situação, na Europa eles usam os ternos bem
apertadinhos.
Não tinha muita escolha nem tempo para levar o terno num alfaiate.
Confiei na atendente da loja e peguei um de cento e poucos euros que ela
tinha escolhido pra mim.
A verdade é que eu não estava muito confortável naquele terno mas as outras
alternativas ou eram mais apertadas ainda ou custavam mais de 500 euros.
A parte logística foi tranquila.
A bola da vez foi a companhia aérea espanhola Vueling que tinha vôos da
ponte aérea Madrid – Barcelona por menos de 30 euros.
Cheguei em Madrid na quinta feira a noite e fui direto para o Hotel Melià
Chamartín, que fica em um dos bairros mais chiques de toda Espanha e a
alguns quarteirões do Estádio Santiago Bernabéu.
O dono da rede Melià de hotéis Sebastián Escarrer estudou em Wharton
quando era mais novo e foi ele que organizou a conferência quase que inteira.
Na época, ele era um dos caras mais influentes da Espanha e convidou todos
os picas das galáxias do cenário corporativo europeu para participar da
conferência.
Entre outros, estavam lá a herdeira do Banco Santander, o chairman da
Organização Mundial do Turismo, o presidente do Banco Bilbao Vizcaya, o
CEO do Morgan Stanley, o presidente do Intesa Sanpaolo e uma centena de
executivos das maiores empresas da Europa.
Era a ocasião perfeita para eu dar uma de Raiam e explorar o salão.
Lembra quando você tinha uns 14 anos e sempre tinha um amigo que passava
o rodo em todas as menininhas da pista?
Eu era esse cara.
Só que, ao invés de abordar a menininhas da pista, eu exercia todos os meus
dotes de político e fazia networking com os executivos pica das galáxias.
Com 14 anos, o objetivo era descolar pelo menos um beijo antes e ir pra casa.
Com 20, marcar gol significava conseguir o cartão de visitas de algum
daqueles executivos multimilionários.
O objetivo final era cavar um emprego numa grande empresa da Europa
depois da formatura.
E minhas chances não poderiam ser melhores.
Isso porque a maioria dos participantes daquela conferência haviam estudado
em Wharton quando eram mais jovens.
Sem sombras de dúvida, eles passaram exatamente por aquilo que eu estava
passando.
Entre uma palestra e outra, tinham coffee breaks aonde os engravatados
trocavam cartões e conversavam sobre dinheiro.
Eu não tinha business card mas sabia conversar sobre dinheiro.
Papo vai, papo vem, eu marcava presença nas rodinhas de conversa e, antes
de sair de fininho para o outro grupo de engravatados, pedia o contato de
geral.
Só nesses dois primeiros dias de conferência, eu consegui uns 150 business
cards.
A coordenadora ficou tão impressionada com essa minha desenvoltura que
citou esse episódio dos cartões de visita no discurso de formatura.
Depois de quase 10 horas seguidas de networking, voltei para meu hotel para
dar uma descansada.
Antes de dormir, tentei mandar um booty call para uma mina chinesa que eu
tinha pego no 3o período e que também estava representando o corpo
estudantil naquela conferência.
Não tava fazendo nada, ela também não...
Mas o hotel dela era do outro lado da cidade e a missão foi abortada bem
antes de começar.
Na manhã seguinte, percebi um burburinho diferente no hotel.
Repórteres, seguranças e militares armados dividiam o saguão com os
quarentões engravatados do nosso evento.
Na noite anterior, a organização do Wharton Madrid havia pedido o número
de passaporte de todos que iam participar do almoço no salão nobre do Hotel
Melià Chamartín.
Bem que tinha achado estranho. Fiquei até meio constrangido de entregar
meu passaporte para a hostess da conferência.
Descobri o porquê.
O keynote speaker do almoço de encerramento da conferência seria ninguém
menos do que Don Felipe VI de Borbón e Grécia, príncipe de Astúrias e filho
do Rei Juan Carlos e da Rainha Sofia.
Don Felipe tinha seus 40 anos de idade e era economista de formação, com
passagem pela Georgetown University.
No discurso, ele falou sobre a recessão espanhola e as oportunidades de
investimento que surgiam com a crise.
Como todo bom líder de estado, ele estava basicamente tentando vender a
Espanha para tantos investidores endinheirados que eram decision-makers do
mercado financeiro global.
Não sei se funcionou muito não. A Espanha continuou na merda por uns bons
anos.
Acabou o discurso, ele recebeu um título honorário das mãos do Escarrer e
do presidente da universidade e foi todo mundo almoçar.
É claro que não fiquei na mesma mesa que o príncipe mas, por alguma ironia
do destino, minha cadeira era a 2 metros da dele na mesa do lado.
Estávamos literalmente de costas um pro outro.
Como eu falei no começo da história, estávamos em época de Copa do
Mundo e havia uma possibilidade real do Brasil cruzar com a Espanha nas
oitavas de final.
Naquela noite, a Espanha jogaria um jogo de vida ou morte contra o Chile e
uma derrota tiraria a La Roja da Copa.
Se empatasse, a Espanha pegaria o Brasil nas oitavas.
Passei o almoço inteiro pensando em uma maneira de abordar o príncipe.
Se eu aprendi alguma coisa na minha carreira de Relações Internacionais na
University of Pennsylvania é que o futebol é a língua universal da
diplomacia.
Contra todas a regras de etiqueta e de segurança nacional, esperei ele
terminar a sobremesa, o cutuquei e puxei assunto sobre a Copa do Mundo.
Funcionou! Falar sobre futebol sempre funciona, especialmente quando você
está na Europa.
Ele me deu papo, sorriu e disse que a Espanha ia ganhar a porra toda.
E não é que ganhou?
Uma das imagens mais marcantes daquela Copa foi a da família real
espanhola pulando de alegria na arquibancada do Soccer City em
Johannesburgo com aquele gol do Andrés Iniesta na prorrogação contra a
Holanda.
Vi isso na TV e lembrei na hora do prognóstico que o cara fez umas duas
semanas antes.
Com tantas histórias de sujeira e corrupção na FIFA, será que aquela Copa
foi comprada também?
Não sei. Só sei que hoje em dia o cara é rei da Espanha e anda de coroa e
tudo!
CAPÍTULO 13
FRANKFURT, ALEMANHA

“I want the money. Money and the cars. Cars and the clothes. The hoes. I
suppose. I just wanna be successful”

♬ Successful
★ Drake
Essa história aconteceu em dezembro de 2010 e eu tinha 20 anos.
O fim da carreira universitária se aproximava e eu não tinha a mínima ideia
do que eu ia fazer da vida depois da formatura.
Meu mentor Nick trabalhava em Wall Street e me levou algumas vezes em
Nova York para passar alguns dias com os caras mais picas do mercado
financeiro americano.
Bati papo com gente do Deutsche Bank, Citigroup, JP Morgan, Morgan
Stanley e de vários fundos de investimento que administravam alguns bilhões
de dólares e investiam em todos os cantos do mundo.
Tudo isso na esperança de que algum daqueles caras ia se amarrar na minha e
me contratar para trabalhar em Nova York depois da minha formatura dali a 6
meses.
Na passagem pelo Citigroup, conversei com o chefão da área de análise do
banco de investimento, contei minha história e ele me botou para conversar
com um dos diretores do banco.
Minha primeira surpresa foi que o cara era negão.
Que top!
Durante dias e dias que eu passei em Nova York, não havia conhecido
nenhum preto nos bancos de investimento.
Segundo que ele também havia estudado em Penn, só que 20 anos antes.
Terceiro que o cara falava um monte de língua!
Nessa época aí, eu ostentava no francês, no italiano, no catalão e estava
engatinhando no alemão.
O cara falava tudo isso e mais o hindi, parceiro!
Pensei pra mim mesmo:
“Que cara sinistro! Quero ser que nem ele quando crescer!
Nos Estados Unidos, assim que você sai de uma entrevista de trabalho, você
tem 24 horas para mandar um email de follow-up agradecendo o tempo que o
cara passou contigo e dando uma micro puxada de saco.
Só que eu fiquei enrolando, procrastinando e empurrando essa missão com a
barriga.
Na semana seguinte, peguei um avião para Barcelona.
Era veterano de 4o ano na faculdade e já havia passado por todo o perrengue
das classes de contabilidade, finanças corporativas e estatística na Wharton
Business School.
A verdade é que meu último ano na faculdade foi tranquilaço em termos de
carga horária.
Junto com isso, eu investia na bolsa de valores desde meus 18 anos e tinha
acumulado uma graninha legal com meus investimentos em ações.
Isso me deu a liberdade para fazer umas paradas um pouco mais loucas tipo
viajar para Barcelona assim do nada.
Tinha feito vários amigos durante o meu intercambio em Barcelona sentia
muita falta de lá.
Passei o semestre inteiro pensando em voltar para lá mas não conseguia
arrumar tempo por causa da temporada do futebol americano.
Nessa vez aí, tinha combinado de dormir na casa do Thiago Alcântara e do
Rafinha, que ainda eram meus amigos naquela época.
Só que meu voo de Philadelphia para Barcelona tinha uma conexão em
Frankfurt, o maior hub de aviação da Europa e casa da gigante Lufthansa.
Quando cheguei a Frankfurt, descobri que todos os voos daquele dia haviam
sido cancelados por causa de uma nevasca braba que caiu lá de manhã.
Passou um filme na minha cabeça. Será que eu ia rolar um flashback do
episódio Paris-Charles de Gaulle?
Já que o próximo voo para Barcelona seria na parte da tarde, resolvi pegar o
trem do aeroporto e dar um rolé pelo centro da cidade.
Queria muito visitar a sede do Banco Central Europeu e tirar uma foto perto
daquele monumento enorme com o “E” de euro na principal praça da cidade,
a Willy-Brandt Platz.
Dei meu rolé pelo centro Frankfurt e parei num Starbucks para acessar a
internet mandar aqueles e-mails de follow-up para todos os caras picas de
Wall Street que eu tinha conhecido na semana anterior em Nova York.
O planejado era esse mas eu acabei perdendo tempo no Facebook como
sempre. Vou até aproveitar a levada para fazer um jabá do meu outro livro
Hackeando Tudo, que fala exatamente sobre superar essa dependência de
redes socias e mudar hábitos.
Deu a hora do almoço e eu voltei para o aeroporto.
Estava distraído escutando meus audiobooks e acabei entrando no terminal
errado.
Só fui perceber bem depois que tinha passado pelo checkpoint de segurança
do aeroporto.
No caminho para o outro terminal, quem eu encontro?
O diretor negão do Citigroup de Nova York!
Ele mesmo!
Caralho, qual é a chance de encontrar o cara que me “entrevistou” em Nova
York no aeroporto de Frankfurt do outro lado do mundo?
E o pior é que eu tinha sentado no Starbucks naquela manhã para enviar um
email pra ele e tentar cavar uma vaguinha no Citi.
Ele estava visitando clientes na Europa, tinha algumas reuniões em Londres
mas também tinha ficado preso naquele aeroporto ali.
Trocamos idéia por quase uma hora. Falamos sobre investimentos, carreiras,
preconceito, vida universitária e companhias aéreas.
A nevasca passou e o aeroporto reabriu.
Ele conseguiu embarcar para Londres e eu peguei meu vôo para Barcelona
um pouco depois.
Cheguei na casa dos moleques lá pras 23h da noite.
Foi mó transtorno do caralho já que eles dormiam muito cedo porque tinham
que se apresentar pro Pep Guardiola na Ciutat Esportiva às 7 da manhã do dia
seguinte.
Essa história teve final feliz uns meses depois.
Acabou que o negão do aeroporto de Frankfurt me chamou para fazer uma
entrevista e, dois meses depois, me deu meu primeiro emprego: analista de
investimento no Citigroup de Nova York.
CAPÍTULO 14
IBIZA, ESPANHA
“I don’t see how you can hate from outside of the club...
You can’t even get in!”

♬ Look At Me Now
★ Chris Brown
Essa história aconteceu em maio de 2011 e eu tinha 21 anos.
Nos Estados Unidos, quando o cara é contratado por um grande banco de
investimento, ele recebe uma grana de luvas antes mesmo de começar a
trabalhar.
Essa grana caiu na minha conta na minha última semana de aula na
University of Pennsylvania.
Não há melhor maneira de coroar 4 anos de correria na faculdade do que
receber um depósito carnudo do seu novo empregador na conta de banco.
Para melhorar ainda mais a situação, eu tinha 10 dias livres entre o final do
ano letivo e a tão esperada cerimônia de formatura.
A verdade é que meu quarto ano em Philadelphia foi meio sofrível.
Todo mundo que fez intercâmbio fora do país vai concordar comigo.
No começo, é difícil se adaptar a cidade do intercâmbio.
Mas, com a ajuda dos outros expatriados que estão no mesmo barco que
você, você acaba se sentindo em casa.
E isso demora menos de um mês para acontecer.
Quando o programa acaba e você tem que voltar ao seu habitat natural, o
chamado reverse cultural shock é um sentimento muito brabo.
Essa porra demora meses e até anos para superar.
Meu corpo estava em Philadelphia mas não conseguia tirar Barcelona da
minha cabeça.
As festas no Porto Olímpico, as viagens espontâneas para o Marrocos, a
resenha com os amigos do Erasmus, os jogos no Camp Nou, a mulherada da
Onix... sentia falta até dos paquistaneses que vendiam cerveja e samosas na
Praia de Barceloneta.
Ao invés de ficar coçando saco e mandando SMS para as minas que eu
pegava quando eu era calouro na esperança de um flashback pré-formatura,
resolvi entrar no site da US Airways e comprei mais uma passagem para
Barcelona.
Botei meia dúzia de roupas na mala, liguei pra vanzinha de shuttle Lady
Liberty e meti o pé para o aeroporto de South Philly.
Acordei na Espanha e meu irmão catalão Marc estava me esperando no
aeroporto com seu Porsche Cayenne preto boladão.
Toda vez que eu vou à Barcelona, fico na casa dos Segarra em Sant Gervasi,
bairro de luxo na parte alta da cidade.
Tenho até um quarto só pra mim lá.
Por jogar futebol no mesmo time que eu e também estudar relações
internacionais na Escola Superior de Comercio Internacional, o Marc virou
um dos meus melhores amigos durante aqueles 6 meses que eu passei no
intercâmbio.
Marc é neto de um dos jogadores mais importantes da história do Barça,
conhecia geral dentro do clube e descolava ingresso de jogos da Champions
League pra gente de vez em quando.
De tanto tempo que eu passava lá em Sant Gervasi, virei o filho preto da
Dona Carmen, a mãe coruja dele e do Pere.
O Marc geralmente fecha comigo nos rolés. Só que dessa vez, ele estava
meio fudido com os assuntos da faculdade e não podia sair.
Tinha um conhecido meu das antigas fazendo intercâmbio em Barcelona e
resolvi mandar mensagem para ver qual era a dele.
Ruan fazia administração na FGV-Rio e era da época que eu ainda morava no
subúrbio do Rio e estudava no Colégio Pentágono lá na Intendente
Magalhães.
Ele morava perto da Plaza Catalunya e estava matriculado na Universitat
Pompeu Fabra, universidade onde eu fazia aulas de economia no primeiro
semestre.
Na verdade, o Ruan era mais amigo do meu primo Gustavo do que meu mas
ficamos brothers porque éramos os únicos pretos da 5a série inteira lá no
Pentágono.
Marquei de tomar uma gelada com ele na Diagonal.
Papo vai, papo vem, ele me contou que dali a 3 dias iria rolar o ESN Ibiza
Week.
O ESN Ibiza Week é um mega evento de uma semana que reúne jovens
intercambistas da Europa inteira nos hotéis de Platja d’en Bossa em Ibiza.
A Erasmus Student Network é uma espécie de grêmio recreativo para
estudantes de intercâmbio e tem sede em todas as principais universidades ao
redor da Europa, da Finlândia até Portugal.
Música para meus ouvidos!
O Guillaume tinha ido no ano anterior e disse que o negócio foi animal.
Não só disse mas voltou com um álbum de fotos épicas no melhor estilo Se
Beber Não Case.
Tive a oportunidade de ir no ESN com ele em 2010 mas tinha torrado minha
grana comprando muamba no Marrocos e acabei ficando de molho lá na
Residencia Onix.
Morri de inveja.
O pacote custava 300 euros e incluía transporte de navio, hospedagem no
Hotel Jet, passeios para Formentera e 6 dias de pool parties e noitadas nos
clubes mais tops da ilha como Pacha, EsParadis, Bora Bora, Space, Ushuaia e
Amnesia.
O negócio é tão hardcore que já começa com uma mega festa na barca
Balearia que leva a galera do porto de Barcelona até Ibiza.
O trajeto leva 8 horas e meia entre um porto e outro e o estilo da festa era
parecido com aqueles Cruzeiros Universitários aqui do Brasil.
Só que um pouco mais trash.
Por causa da formatura, eu só poderia participar dos primeiros 2 dias do
evento então resolvi não pagar as 300 Angelas e ir para Ibiza por conta
própria.
Zapeei o Skyscanner e achei um vôo ida e volta da Vueling por 29 euros.
Estava tão barato que consegui convencer meu outro parça do intercâmbio
Erik para ir comigo e fechamos um hotelzinho meia bomba na Platja d’en
Bossa mesmo, a uns 3 quarteirões do quartel general da galera do evento.
A primeira coisa que fiz quando cheguei em Ibiza foi procurar uma papelaria.
Os amigos holandeses do Guillaume fizeram um esquema de pulseiras no ano
anterior e conseguiram penetrar em todas as festas.
Se os holandeses conseguiram, por que não tentar também?
Comprei cartolina, canetinha hidrocor, tesoura, fita adesiva e usei todos os
meus dotes artísticos para fazer uma pulseira idêntica a da ESN Erasmus
Week, inspirado nas fotos que o Ruan tinha me mandado por email.
É... não existia Whatsapp na época.
Cara, até o tom de vermelho ficou igual.
Sabia que ia ser difícil enganar os seguranças mas, no fundo no fundo, estava
bem tranquilo.
Afinal, se fosse pego e não conseguisse entrar nas festas exclusivas da galera
de intercâmbio da ESN, estava na capital mundial das noitadas.
Era só partir pra outra com o Erik, que tinha um histórico de ser um excelente
wingman nas festas gringas que a gente ia nas boates do Porto Olímpico
como Opium, Shoko e CDLC.
Mas Ibiza é um urso polar que hiberna no inverno e eu nem sabia disso.
O lugar respira apenas entre o Opening Weekend que acontece lá pelo dia 28
de maio e o Closing Weekend, na primeira semana de agosto.
Nos outros 9 meses do ano, Ibiza vira uma cidade semi fantasma.
A verdade é que estávamos no dia 10 de maio e não havia chegado ninguém
na ilha.
Para você ter uma ideia, a maioria dos garçons, barmen, go-go’s e camareiras
dos hotéis são empregados temporários que trabalham dia e noite por três
meses e voltam para suas respectivas cidades no resto do ano.
Caramba, todas as noitadas da ilha estavam fechadas!
De acordo com a recepcionista do hotel, só a boate Space estava
funcionando. O problema era que a Space era exclusiva para os participantes
da ESN Week.
Fechei com o Erik, o Ruan e o bonde dele nessa primeira festa da Space.
Passei liso do primeiro segurança mas não tive sorte quando cheguei na porta
principal.
Quem fazia o check das pulseiras era uma espanhola que estudou comigo no
ano anterior na Universitat Pompeu Fabra e era presidente da filial
barcelonesa da Erasmus Student Network.
Ela sabia que eu era um intruso ali.
Isso porque tinha mandado mensagem para ela na semana anterior para
negociar um preço mais camarada pela ESN week.
Fazia sentido, né? Só ia ficar apenas 2 dias no evento.
Ela foi irredutível.
Ou eu pagava os 300 euros do pacote ou passava longe das festas da ESN
Week.
Eu disse que não e ela jogou aquela troca de mensagens do Facebook na
minha cara.
Checou minha pulseira e mandou eu meter o pé do lugar. Para suavizar um
pouco o ambiente, pelo menos ela me parabenizou pela arte extremamente
bem feita.
Outra pessoa checou a pulseira do Erik e ele passou tranquilamente.
Apesar de ter cara de sul americano e cabelo diferente, o Erik chamava
menos atenção que eu e não tinha sido membro do ESN no semestre anterior.
Fiquei sozinho e com cara de bunda do lado de fora da noitada só observando
grupos e grupos de norueguesas, finlandesas e suecas que não paravam de
entrar no Space.
Pouco tempo depois, apesar das belíssimas condições de mercado, o Erik, o
Ruan e o holandês Reinoud foram solidários e saíram do Space para me fazer
companhia.
Amigo é foda, né?!
Descobri com um taxista que o único pico aberto naquela noite de quarta
feira era o Pacha Ibiza, a casa mais famosa da Ilha e uma das redes de baladas
mais respeitadas no mundo.
Pagamos 50 euros para entrar e, sem zueira, tinha umas 30 pessoas lá dentro,
contando com os barmen, os seguranças e as go-go girls.
Fail!
No dia seguinte, fui para a pool party do ESN e todos os monitores do evento
me olhavam torto como se eu fosse parente do Osama Bin Laden e tivesse
uma mochila cheia de explosivos para instalar no hotel Jet.
A mina da porta deve ter mandado um email para todos os 200 organizadores
da ESN para ficarem de olho naquele penetra de pele escura e pulseira falsa.
Não conseguia disfarçar.
Dos milhares de jovens que tinham as pulseiras do evento, o Ruan era o único
negro. Não tinha outro!
Se eles vissem dois negros juntos em um evento fechado do ESN Week, era
sinal que tinha alguma coisa errada.
A pool party tava meio fraquinha e decidimos juntar os brasileiros e alugar
quadriciclos para dar um passeio em Formentera, uma ilha vizinha a Ibiza
com água cristalina e paisagens de tirar o fôlego.
Se você nunca ouviu falar de Formentera, sugiro que veja o comercial do
verão de 2009 da cervejaria espanhola Estrella Damm. É só procurar no
YouTube.
A boa da noite seria uma festa de espuma no Amnesia.
Só que o Amnesia era num lugar mais afastado da Platja d’en Bossa e a ESN
alugou vários ônibus para levar a galera pra lá.
Adivinha quem estava fazendo o check da pulseira no ponto de ônibus?
A mina do Facebook.
O Erik se mesclou com a galera do Erasmus e entrou no ônibus com a
pulseira de cartolina.
Quando vi que a barra estava suja, resolvi ficar no hotel coçando o saco.
Resultado: saí de Ibiza sem pegar ninguém.
No ano seguinte, talvez influenciada pelo “Caso Raiam”, a ESN barrou todos
os não-estudantes do evento.
Nem pagando os 300 euros, nego conseguiria participar.
Pelo menos consegui chegar a Philadelphia a tempo para a colação de grau.
Na frente de 30 mil familiares e pais corujas dos alunos, me formei e recebi
meu diploma das mãos de ninguém menos que Denzel Washington, o speaker
da formatura da University of Pennsylvania naquele ano de 2011.
CAPÍTULO 15
CIUDAD DEL ESTE, PARAGUAI

“E vai descendo até o Paraguai.


E vai voltando, vai voltando vai
Muamba de primeira olha aí quem vai”

♬ Dança do Desempregado
★ Gabriel O Pensador
Essa história aconteceu em janeiro de 2012 e eu tinha 21 anos.
No final de 2011, fui convocado pela primeira vez para jogar pela Seleção
Brasileira de Futebol Americano.
Sim, existe futebol americano em terras tupiniquins!
O esporte ainda estava engatinhando no Brasil e o presidente da federação
Flavio Cardia decidiu bancar um amistoso internacional entre nós e os
chilenos.
Aquele Brasil x Chile seria o primeiro jogo entre seleções em solo brasileiro.
Quatro anos antes, a Seleção Brasileira já havia feito um jogo de exibição. Só
que foi em Montevidéu contra o Uruguai.
Os organizadores do evento escolheram Foz do Iguaçu por dois motivos.
O primeiro foi o potencial de público.
O time local Foz Black Sharks era um dos campeões de público da liga
nacional de futebol americano.
Os caras botavam 7mil pessoas por jogo e a expectativa era que a Seleção
Brasileira levasse ainda mais gente para o Estádio do ABC.
O segundo é que Foz do Iguaçu é relativamente “perto” de Santiago do Chile.
Coloquei o perto entre aspas porque os chilenos passaram mais de 20 horas
dentro do ônibus para atravessar a Cordilheira dos Andes e chegar no oeste
do Paraná para jogar com a gente.
Foi tudo na base da gambiarra. Esporte amador é assim mesmo.
Metade do nosso time ficou numa pousada de beira de estrada e a outra
metade dormiu em colchões improvisados no chão de uma escola pública nos
arredores de Foz.
O jogo estava marcado para as 16h e eu acordei bem cedinho para explorar a
cidade.
O problema é que Foz do Iguaçu não tem absolutamente nada para visitar. A
não ser as cataratas, né?
O turismo pelo Parque Nacional do Iguaçu demoraria quase um dia inteiro e
eu tinha que me apresentar no estádio um pouco depois da hora do almoço.
Para não ficar coçando o saco na pousada que nem televisão tinha, decidi
embarcar numa mini aventura do outro lado da Ponte da Amizade.
Queria porque queria visitar o Paraguai.
E não tinha um razão concreta para isso.
O negócio era adicionar mais um país estrangeiro para a minha lista, nem que
fosse num rápido bate-e-volta.
Peguei um taxi da pousada até a beira da Ponte da Amizade.
Mas o próprio taxista me recomendou saltar ali e subir na garupa de um moto
taxi para economizar dinheiro.
Ele estava certo.
Nesse dia, o trânsito da ponte no sentido Paraguai estava infernal.
O motoqueiro levou 5 minutos para fazer um trajeto que, de carro ou de
caminhão, demoraria umas duas horas. Sem caô.
Desci da moto e tive uma sensação muito forte de déjàvu.
Parecia que eu estava na boa e velha Tijuana.
Na época que eu morava na Califórnia e tinha meus 16 anos, era frequentador
assíduo das cidades fronteiriças de San Ysidro e Tijuana, a uns 10 minutos lá
de casa.
As duas cidades eram boas pra caramba para fazer compras.
Roupas, perfumes e eletrônicos chegavam a custar a metade do preço dos
shoppings normais do centro de San Diego.
Parece que é assim em qualquer lugar de fronteira e em qualquer cidade
portuária.
Dos lugares que eu já visitei, Cidade do Panamá, Istanbul e Andorra têm essa
vibe aí de comércio duty-free.
E, quanto maior o volume de mercadorias que passa de um país para o outro,
maior também é o tráfico de drogas.
E é impressionante como traficantes internacionais são preconceituosos.
Já contei no capítulo 4 que fui abordado umas 3 vezes por traficantes em
Lloret de Mar em menos de 20 minutos.
Também passei por isso nas minhas estadias em Florença, Ibiza e Barcelona.
Volta e mexe, vinha um africano ou um paquistanês me oferecer haxixe e
ecstasy na rua. Papo reto.
No Paraguai, além do pó, do ecstasy e da maconha, os traficantes de lá me
abordavam oferecendo anabolizantes também.
Por que isso hein?
Devo ter cara de drogado mesmo. Puta que o pariu!
Fui dar um rolé pelas galerias de Ciudad del Este para atestar a qualidade do
comércio paraguaio.
Desde meus 5 anos de idade, escutava da galera lá de Bonsucesso que o
Paraguai era uma uva para comprar muamba.
Tinha uma sacoleira lá perto da casa da minha avó que ia de ônibus até o
Paraguai todo mês e voltava cheia de paradas para vender lá na comunidade.
Lembro que a mercadoria voava e ela botava uma grana federal no bolso.
Parece que os anos 90 foram o auge do Paraguai mesmo porque eu entrei em
umas 40 lojas e não vi nada que valia a pena.
Nessa época aí, morava em Nova York e o dólar estava na faixa dos R$1,50.
Com isso, a competitividade dos eletrônicos do Paraguai devia estar em
baixa. Dava pra ver que o comércio de Ciudad Del Este vivia uma época de
vacas magras por causa do efeito Miami.
Para não sair do paraíso das muambas de mãos vazias, tive uma ideia que
salvou a Seleção Brasileira de um fiasco.
Tenho orgulho de mim mesmo até hoje por causa disso.
Fui no camelódromo que fica logo na saída da ponte e resolvi comprar uma
bola de futebol americano.
A ideia era sortear a bola oval entre a galera do estádio, dar uma de candidato
a vereador com o público e fazer um pouco de marketing pessoal.
O paraguaio me cobrou uns 5 dólares pela bola.
Não esperava pagar tão pouco naquilo e fui pedindo logo 10.
Ele disse que tinha que ir no depósito buscar o resto das mercadorias e me
pediu para esperar com o comparsa dele no meio da praça.
Antes de sair, ele falou alguma coisa no idioma guarani com o cara.
Senti que eles tavam querendo me passar a perna.
Mas já tinha dado 50 dólares de entrada pra ele. Que vacilão!
Dez, vinte minutos e nada do cara aparecer com as bolas. Comecei a ficar
ainda mais preocupado.
O cara devia ter ido na Bolívia, não é possível!
Passou uma hora e nada dele aparecer.
Algum tempo depois, ele finalmente apareceu com um saco preto enorme
daqueles que só a Comlurb tem.
Fechamos a transação e saí correndo de volta para Foz do Iguaçu para chegar
à tempo na apresentação dos atletas no estádio.
Cruzei a ponte da amizade com aquilo nas costas.
Pensando bem naquela situação, eu estava com cara de elemento suspeito
mesmo: um negão com a roupa meio fudida, barba por fazer, cruzando uma
fronteira internacional e correndo na Ponte da Amizade com um saco enorme
de lixo nas costas?
Se eu fosse um daqueles agentes da Polícia Federal, com certeza me pararia
ali mesmo para fazer uma revista de rotina.
Mas os caras da alfândega estavam pouco se fudendo e eu passei direto.
Cheguei a tempo no estádio e o Brasil trucidou o Chile dentro de campo.
O placar final foi 33 x 0.
Para te falar a verdade, o jogo foi uma merda.
A torcida estava caindo no sono antes mesmo do intervalo!
Nem os caras que realmente entendiam de futebol americano conseguiam se
empolgar com o jogo.
Nosso time era muito superior aos chilenos.
E para agravar o abismo técnico e físico entre os dois times, ninguém ali de
camisa amarela havia passado 24 horas seguidas dentro de um ônibus né?
Se não fosse aquelas bolas do Paraguai, metade do público teria ido embora
já no intervalo.
Havia combinado com o narrador do estádio que, cada vez que o Brasil
fizesse ponto, autografaria uma daquelas bolas paraguaias e chutaria para a
galera da arquibancada como se eu fosse o Sílvio Santos.
Funcionou!
Tanto que o jornal local do dia seguinte, ao invés de falar sobre o jogo, falou
sobre o jogador que chutava bola para a galera.
Cada touchdown que o Brasil marcava, o público ia a loucura na expectativa
de levar um souvenir daquele pra casa.
CAPÍTULO 16
MARANELLO, ITÁLIA

“Se der espaço, eu pedalo e vou pra cima


Corro pro abraço, vacilou entrou no clima”
♬ Ousadia e Alegria
★ Thiaguinho
Essa história aconteceu em junho de 2012 e eu tinha 22 anos.
Depois do sucesso da conferência de Madrid, tinha prometido a mim mesmo
que, sempre que pudesse, iria para todas as conferências anuais da Wharton
Business School na Europa.
Em 2012, eles marcaram o evento para Milão, capital financeira da Itália.
Na época, a Itália estava no centro de todas as discussões macroeconômicas
por causa da crise da Zona do Euro.
Programei minhas férias no banco exatamente para a semana da conferência e
reservei minha passagem JFK – Malpenza com algumas milhas que tinha
acumulado ao longo dos meus primeiros 12 meses de trabalho lá em Nova
York.
Chegaria no aeroporto de Milão às 7:30 da manhã e a conferência começaria
às 9 em ponto.
Apesar de estar num país que não cumpre horários, a Wharton é uma
instituição americana então era tudo muito estruturado e disciplinado.
Para não perder a abertura do evento, resolvi viajar de terno e gravata e levar
as malas diretamente para o prédio da Bolsa de Valores de Milão.
Do aeroporto para o centro, gastei 30 minutos dentro do trem de alta
velocidade que me deixou na estação Milano Centrale, na Piazza Duca
d’Aosta.
Da estação, caminhei uns 3km até a Piazza degli Affari, endereço do palácio
da Borsa Italiana.
O engraçado desse lugar é que, bem no meio da praça, tem uma escultura
enorme de uma mão dando o dedo do meio para o prédio da bolsa. Seria uma
crítica aos tubarões especuladores?
Na época, a União Europeia estava a beira do colapso e todo e qualquer
movimento do Banco Central era monitorado minuciosamente pelo mercado
financeiro.
A Wharton, que 2 anos antes conseguira trazer o príncipe (que hoje em dia é
rei) da Espanha, em 2012 trouxe um dos caras mais importantes para a União
Europeia na época: Ignazio Visco, o presidente do Banco Central da Itália.
Os seminários e os discursos são bons mas, como eu falei no capítulo de
Madrid, o que faz essas conferências interessantes é o networking.
Nego cruza o mundo de avião para participar da conferência porque sabe que
ali dentro tem gente com centenas e centenas de milhões de dólares para
investir e, mais importante que isso, ideias para compartilhar.
Além do networking e das palestras, o comitê organizador oferecia uns
passeios pica das galáxias para os participantes.
O objetivo era mostrar tudo o que a cidade-sede tinha do bom e do melhor
para aquele público ultra-selecionado e poderoso.
Nesse caso aí, um desses businessmen que comandavam a rede de ex-alunos
de Wharton na Itália era amigo de ninguém menos do que Luca di
Montezemolo, o chefão da Ferrari.
Com esse contato, a Wharton Milano fechou uma parceria com a marca mais
famosa do automobilismo mundial.
Sim, 20 sortudos teriam o direito de um passeio exclusivo pela fábrica da
Ferrari em Maranello, guiados pelo próprio presidente da parada.
Já que a procura era muito maior do que a oferta, eles tiveram que fazer um
sorteio.
Sempre me fodo nesses sorteios e nesse dia não foi diferente.
Não fui sorteado para o bagulho da Ferrari e tive que me contentar com uma
tarde de degustação de queijos e vinhos no centro de Milão. Nada mal.
Mas eu nunca fui muito fã de vinho.
Pode me chamar de pobre mas pra mim só se salvam o Sangue de Boi e
aqueles vinhos de caneca das adegas portuguesas da zona norte do Rio.
Mas eu sou um cara muito teimoso.
Sabia que meu professor Felipe Monteiro, um dos únicos brasileiros a fazer
parte do corpo docente da Wharton Business School, tinha sido um dos
sorteados.
Colei com ele.
Ele foi lá pra fora do prédio do evento e se uniu ao grupo de engravatados
com 50 e poucos anos que se esperava o micro ônibus que os levaria até a
cidadezinha de Maranello, a duas horas ao sul do centro de Milão.
Eram 20 lugares na parada.
As pessoas iam mostrando suas senhas e entrando no ônibus.
Eu fiquei ali na moita.
Como dizia o cantor citado na música-tema desse capítulo, “deu espaço, eu
vou pra cima”!
E não é que sobrou um lugarzinho no fundão da van?
Boom! Lá fui eu para Maranello.
Fizemos o tour completo pela sede da Ferrari.
Começamos pela linha de produção, passamos no escritório do dono, fomos
na salinha aonde o cliente personaliza seu carro, visitamos uma oficina da
equipe de Fórmula 1 e terminamos no Museo Ferrari.
Para você ter uma ideia, a única parte desse passeio que o “turista normal”
pode fazer é o museu.
O resto era restrito apenas para os funcionários da fábrica, os cliente e os
“amigos” do dono.
Por causa de umas questões de propriedade intelectual na linha de produção,
os 20 membros da caravana tiveram que assinar um termo concordando que
não tirariam fotos dentro das instalações da fábrica.
Que lugar sinistro!
Hoje em dia eu não dou a mínima para carros mas quando eu era muleque,
era completamente viciado em Fórmula 1!
Cresci vendo o Schumacher levantando taças e espirrando champagne no
pódio nas manhãs de domingo na Globo.
O engraçado é que tinha Schumacher e Alonso para todo lado no museu e
apenas uma referência ao nosso Rubinho Barrichelo.
Mó vacilo.
Voltamos tarde para Milão e a saideira da conferência foi com uma bebedeira
federal.
Fomos todos para o Just Cavalli, nightclub ao ar livre do estilista Roberto
Cavalli que ficava no parque Sempione, atrás do Castello Sforzesco.
Estava junto com dois bilionários da Indonesia que também haviam estudado
em Wharton antes de abrirem suas empresas.
Fumei um charuto cubano e tomei sequëncias e mais sequëncias de vodka
Cavalli e champagne Möet Chandon.
Não sei quem foi que pagou a conta mas eu fiquei lá só na aba dos
executivos.
Tenho o contato dessa galera até hoje.
Se algum de vocês for fechar um negócio na Indonésia, fala com o negão
aqui.
CAPÍTULO 17
LONDRES, INGLATERRA
“Eu já nem lembro pronde mesmo que vou
Mas vou até o fim!”

♬ Até o fim
★ Chico Buarque
Essa história aconteceu em agosto de 2012 e eu tinha 22 anos.
Consegui um esquema legal com meu chefe para trabalhar no escritório que o
banco tinha em Londres durante uma semana inteira na época da Olimpíada.
Só que tinha dois problemas.
O primeiro era que eu estava completamente sem grana.
Tinha acabado de me mudar para meu novo apartamento no East Village e a
grana que eu tinha guardado no meu primeiro ano em Wall Street foi toda
para pagar o cheque-calção de depósito para o proprietário do apartamento.
Tinha completado um ano no banco e, graças a boas avaliações dos diretores
e uma boa performance no trabalho, meus chefes decidiram me presentear
com um bônus bem gordo.
Mas esse bônus gordo ainda não tinha caído na minha conta.
De acordo com o pessoal do RH, a grana só entraria na sexta feira.
A Olimpíada acabava no domingo!
O segundo problema era que estava extremamente difícil de conseguir
ingressos para os eventos da Olimpíada de Londres.
Eu sabia que os ingressos tinham esgotado uns 2 anos antes e depositei todas
as minhas esperanças nos cambistas.
Em junho daquele ano, estava de passagem em Londres e estava rolando um
amistoso entre Inglaterra e Bélgica em Wembley pelas comemorações do
jubileu de diamante da Rainha Elizabeth.
Escutei de vários amigos ingleses que era impossível conseguir ingresso para
aquele jogo porque na Inglaterra não tinha essa cultura de cambistas.
Além disso, o jogo significava muito para o povo inglês já que a própria
Rainha Elizabeth estaria no estádio para receber homenagens de seus súditos.
God save the Queen!
Desafiei a opinião pública, peguei o metrô para a extremidade norte de
Londres e acabei conseguindo um ingresso tranquilamente lá na porta de
Wembley.
Só que, durante a Olimpíada, o buraco era mais embaixo.
A polícia londrina estava fechando o cerco e prendendo geral!
E, perante a lei britânica, rodava o cambista e rodava o comprador do
ingresso também.
Peguei uma grana emprestada para comprar a passagem e cheguei no
aeroporto de Heathrow sem ingresso nenhum na mão.
Fui direto para o escritório do banco em Canary Wharf e resolvi alguns
pepinos.
Entre uma call e outra, eu ficava no Facebook mandando mensagens para
todos os meus contatos londrinos em busca de pelo menos um ingressozinho.
Acabou que deu tudo certo.
Vi a derrota do vôlei de praia masculino e fui para o estádio olímpico assistir
o Usain Bolt correr o revezamento.
Mas a principal razão de cruzar o Oceano Atlântico naquele mês de agosto
era ver o Brasil ser campeão olímpico no futebol pela primeira vez na história
da nossa Seleção.
Esse era o único título que o Brasil não tinha.
Uma das piores memórias da minha infância foi a derrota para a Nigéria nas
semifinais da Olimpíada de Atlanta 96 com gols do ex-Arsenal Nwankwo
Kanu.
O Brasil era ultra favorito para ganhar aquela Olimpíada também.
O Galvão Bueno falando “Kanu acabou! Acabou Kanu” me traz pesadelos
até hoje.
Depois de 1996, vi o Brasil perder para Camarões em 2000, rodar no pré-
Olímpico de 2004 e tomar um banho do Messi e seus comparsas argentinos
na semifinal da Olimpíada de Beijing 2008.
Acabou que um cliente de um dos meus melhores amigos lá em Nova York
era britânico e tinha ingresso para esse jogo.
Esse cara não conseguiu sair dos Estados Unidos a tempo porque seu
passaporte estava expirado e o novo não havia chegado ainda pelo correio.
Que sorte!
O ingresso acabou sobrando pra mim e eu fui para Wembley com a família
dele assistir a final entre Brasil e México.
Com menos de 1 minuto de jogo, o lateral direito Rafael, que na época era
titular do Manchester United, deu bobeira, perdeu a bola e o mexicano Oribe
Peralta soltou um porradão no canto direito do goleiro Gabriel.
México 1 a 0.
No segundo tempo, mais uma bobeira da defesa brasileira e mais um gol de
Oribe Peralta, dessa vez de cabeça.
Vale lembrar que a principal estrela do México, Giovani dos Santos, não foi
nem relacionado para o jogo por causa de uma contusão.
O Brasil era franco favorito nessa final.
Tá ligado que as seleções enviam suas equipes sub-23 para Olimpíada, né?
Só que a grande maioria daquela galera ali também era titular na Seleção
principal.
Ter um time com astros consagrados do futebol mundial era algo muito
incomum na história dos torneios olímpicos de futebol.
O Brasil de Neymar, Hulk, Leandro Damião, Oscar, Lucas Moura e
Alexandre Pato tentou, tentou mas só conseguiu botar um golzinho de honra.
Medalha de prata. Mais uma pra minha conta.
Nem esperei a cerimônia de medalhas e saí correndo do estádio.
Estava realmente puto da vida.
Havia cruzado o mundo para ver a Olimpíada e só dei azar para o Brasil nas
duas finais que assisti.
Peguei a linha marrom do metrô em Wembley para voltar ao centro de
Londres e digerir um pouco daquela tristeza.
Estava hospedado na casa dos meus amigos marroquinos em South
Kensington e precisava fazer baldeação para a linha verde na estação de
Paddington.
Lá em Paddington, escutei a conversa de uma família de brasileiros que
estava indo para a final do vôlei de quadra no ginásio de Earl’s Court.
O jogo estava marcado para começar dali a uns 20 minutos e eu pensei assim:

“Quer saber? Não vim a Londres para ver o Brasil ganhar só medalha de
prata”!
Era minha última chance.
Ao invés de sair do metrô em South Kensington, onde os marroquinos
moravam, ia estender minha jornada debaixo da terra por mais duas estações
e sair em Earl’s Court.
No caminho para o jogo de vôlei, escutei uma batucada forte de samba no
vagão da frente.
Era a bateria da Portela cantando sambas-enredo dentro da porra do metrô de
Londres.
Que emoção!
Eu sou portelense desde criança e passei minha infância lá em Madureira.
Agora me diz: qual é a probabilidade de escutar um samba enredo da Portela
ao vivo assim no exterior?
Tudo bem que era época de Olímpíada e o metrô estava indo para um jogo do
Brasil mas pô, que coincidência sensacional.
Em Earl’s Court, consegui desenrolar um pedaço de papelão com o dono da
banca de jornal da estação e improvisei uma plaquinha com os dizeres “I
need a ticket”.
Fiquei ali na saída do metrô como se fosse um pedinte na Avenida Rio
Branco.
A esperança era de que uma boa alma tivesse um ingresso sobrando para
aquela tão esperada final entre Brasil e Estados Unidos no vôlei feminino.
Mas não demorou nem 2 minutos para eu ser abordado por dois policiais à
paisana que estavam em uma operação de caça aos cambistas liderada pela
Scotland Yard.
Eles ameaçaram me prender e eu dei uma de turista brasileiro inocente e
ingênuo.
Fingi que não falava uma palavra de inglês, eles viram que eu não era
cambista e devem ter se sensibilizado comigo.
Ao invés de me prenderem por infringir a lei britânica, mandaram eu sumir
dali e pegar o metrô de volta pra casa.
A sensação de alívio durou uns 30 segundos.
Não é possível. Cheguei até ali e não ia desistir.
Marquei um 5 lá em baixo, tirei a peruca que estava usando e me misturei ao
povão que saía do metrô.
Engoli seco mas consegui passar direto dos policiais e apertei o passo até o
ginásio.
Cheguei na boca do Earl’s Court e uma senhorinha chinesa de um metro e
meio de altura me vendeu o ingresso à preço de custo.
Paguei um preço camarada para ficar bem no meio da quadra.
O ingresso que a velhinha descolou era uma cortesia do comitê olímpico de
Hong Kong.
Na verdade, eu nem sabia que Hong Kong tinha comitê olímpico. Até aquele
dia, pensava que Hong Kong competia junto com a China.
Minha visão do jogo era até melhor do que a do técnico Zé Roberto
Guimarães, que ficava no cantinho da quadra junto com as reservas do Brasil.
Primeiro set: lavada das americanas: 25 a 10, fora o baile!
Acompanhava vôlei feminino desde aquela geração de bronze nas
Olimpíadas de Atlanta e nunca tinha presenciado um vareio tão grande
quanto aquele do primeiro set.
Me encaminhava para o meu terceiro vice seguido.
Daria até para pedir música no Fantástico.
Mas as meninas reagiram. E como reagiram.
A torcida de Earl’s Court acordou junto com elas.
Parecia que eu estava num ginásio daqueles do interior de São Paulo, onde
todo mundo era apaixonado por voleibol.
Para completar, devia ter uma meia dúzia de americanos na torcida.
Quem não era brasileiro com certeza estava torcendo para o Brasil e vibrando
ponto a ponto com as nossas meninas.
Earl’s Court virou um caldeirão brabíssimo ao som de “o campeão voltou”.
Jaqueline, Fernanda Garay, Sheilla... era uma cravada atrás da outra.
O Brasil fechou em 4 sets e foi campeão da porra toda, numa das maiores
reviravoltas da nossa história em Olimpíadas.
Melhor do que escutar a bateria da Portela no metrô de Londres é cantar o
hino nacional depois de uma medalha de ouro olímpica.
Meu dia em West London terminava feliz.
CAPÍTULO 18
FLORIANÓPOLIS, BRASIL

“Meu paraíso fiscal é nas Ilhas Cayman.


O que eu não gasto com imposto
Eu gasto lá em Amsterdam”

♬ Rotina de Patrão
★ MC Smith
Essa história aconteceu em Dezembro de 2012 e eu tinha 22 anos.
Meus amigos marroquinos lá de Londres decidiram passar o Réveillon no
Brasil e me convidaram para ir a Florianópolis com eles.
Eu não tava muito afim de gastar dinheiro e meu plano era ficar quietinho em
casa e desfrutar do inverno de Nova York.
Nem ia passar o Natal com a minha família no Rio para economizar a grana
da passagem e também para guardar meus preciosos dias de folga lá no banco
para uma outra ocasião.
No primeiro convite, disse não.
Meu coração ficou partido porque o Kamil e o Mohamed quebraram mó
galhão pra mim nas duas ocasiões que eu passei por Londres naquele verão.
Morei na casa deles em South Kensington de graça por um total de duas
semanas e eles não cobraram um centavo.
Durante a Olimpíada, Kamil estava viajando a trabalho e ele deixou o quarto
dele inteiro comigo.
O mínimo que eu poderia fazer para agradecê-los era chegar junto com eles lá
em Floripa.
Eles já eram experientes em viagens internacionais e sabiam mais do que
ninguém que a presença de um local é sempre importante, ainda mais quando
se trata de país corrupto, subdesenvolvido e relativamente perigoso.
Me convenceram, pedi folga, comprei passagem e voltei para o Brasil no fim
de dezembro.
Já tinha visitado Florianópolis quando tinha 11 anos de idade para assistir
meu ídolo Guga Kuerten nas finais da Copa Davis de tênis.
Só que eu não sabia muita coisa sobre Jurerê Internacional e me assustei com
o preço astronômico dos hotéis pela região.
Paulo Victor, o quarto elemento do grupo, ficou responsável por encontrar
um lugar pra gente dormir lá mas estava difícil.
Todos os hotéis e apartamentos de temporada de Jurerê estavam reservados
para aquela semana de Réveillon.
Por causa da oferta reprimida, pagamos uma nota braba para ficar numa
pousadinha mixuruca a uns 30 minutos de caminhada de onde acontecia o
fervo de Jurerê Internacional.
Depois de reservar a pousada, tínhamos que pesquisar uma boa festa para
passar a virada de ano.
Não tinha nada por menos de R$1,000.
Red flag!
Tinha recebido um aumento lá no trabalho e estava muito bem de grana nessa
época aí.
Mesmo assim, me senti bem pobre depois que pus o pé no Jurerê
Internacional.
Impressionante como só tinha carro de luxo desfilando pelas ruas do lugar.
Ferraris, Maserattis e Porsches dividiam o cenário com modeletes
“importadas” das maiores agências de Nova York, Londres e Milão.
Nosso quarto na pousadinha só tinha duas camas de casal para quatro
marmanjos.
Para piorar, não podia trazer gente de fora, o que matava 90% da graça de
uma viagem daquelas.
O pico mais famoso do lugar era um dayclub na beira da praia chamado Café
de la Musique.
Nos dias que a gente ficou em Jurerê, o Globo.com soltou várias notícias no
Ego sobre famosos se divertindo nas festas do Café de la Musique.
O elenco da novela Avenida Brasil, Neymar e seus parças, Luan Santana,
Gustavo Lima e um exército de modelos da Mega e da Ford foram
fotografados no lugar.
A curiosidade dos 4 membros do bonde só aumentava.
Chegamos lá na porta e a hostess nos deixou saber que cada um teria que
desembolsar uma quantia de 1.200 reais para entrar no Café de la Musique.
Sem mesa e sem consumação.
Ficou um olhando para a cara do outro.
Que facada era aquela?
Dinheiro e experiência internacional era o que não faltava no nosso grupo.
Além de ganharem bem como analistas financeiros de grandes bancos lá em
Londres, os dois árabes vinham de famílias de magnatas em seus respectivos
países.
O Paulo Victor é filho de um dos médicos mais respeitados do Rio de Janeiro
e viaja o mundo como chefe de delegação da Confederação Brasileira de
Vôlei.
Mesmo assim, ninguém ali era louco suficiente para pagar 1200 reais para
entrar numa balada.
Aí a gente começou a comparar com as noitadas que frequentávamos nos
países “desenvolvidos”.
Na minha época, a balada mais top de Nova York era a Lavo. Quanto eu
pagava para entrar na Lavo? 20 dólares!
Em Londres, tinha a Movida.
Não sei se ainda existe hoje em dia mas a Movida era a noitada favorita das
modeletes e dos jogadores de Arsenal e Chelsea lá em Oxford Circus.
Sabe quanto nego pagava na porta da Movida? 30 libras!
Ibiza, Miami, Mykonos, Barcelona, sul da França ... na minha época de
fanfarronice frequentei as melhores noitadas desses lugares e nunca paguei
mais de $50 para entrar.
O pensamento coletivo era mais ou menos assim: como é que eu vou pagar
tanto para entrar numa boate metida a besta de uma cidadezinha no sul do
Brasil?
Lembrando que, nessa época aí, o Brasil estava vivendo seus tempos áureos
do boom de commodities.
O real estava bem valorizado frente ao dólar, com a cotação beirando R$1,50.
O petróleo, o minério de ferro e as commodities agrícolas estavam em alta e
empresários-especuladores como Eike Batista faziam muito dinheiro na bolsa
de valores.
Tem um livro chamado Breakout Nations, do estrategista do Morgan Stanley
Ruchir Sharma, que alertava exatamente sobre isso.
Em 2011, o cara já dizia: quando as coisas no país subdesenvolvido parecem
ser mais caras do que no primeiro mundo, FUJA porque tem alguma coisa
errada com a estrutura daquele país.
Ruchir Sharma estava certo e estamos pagando o pato disso hoje em dia com
a recessão, a Lava Jato, a inflação e o ajuste fiscal.
Fiquei sabendo com uns locais que o primeiro lote de entradas do Café de la
Musique custava “apenas” R$200.
Menos mal.
Mesmo batendo a cara na porta no dia anterior, ficamos com uma curiosidade
e um gostinho de quero mais.
Afinal, era impressionante o naipe das mulheres que entravam e saíam do
Café de la Musique naquela tarde.
Mulheres entravam grátis.
Só com essa informação já dá para adivinhar que a proporção lá dentro é
extremamente favorável.
A balada abria as 14h e nos programamos para chegar meia hora antes para
garantir lugar na fila.
Entramos e ficamos na cerveja.
Nada de combo, nada de champagne.
Cara, a noitada em si não foi nada demais.
É que, lá dentro, só dá pra curtir se você tem mesa.
Isso porque não tem pista de dança e a galera fica conversando nos pequenos
corredores entre um bangalô e o outro.
Nesse dia, até o Neymar e os parças dele tavam lá.
Do nada, o DJ Pete da Zouk parou a música da noitada.
Todo mundo ficou curioso para saber o que estava acontecendo naquele
momento.
Ele falou que fulano de tal daquela mesa ali acabou de pedir 400 garrafas de
champagne!
Logo depois do anúncio, todo o staff do Café de la Musique apareceu com
garrafas e mais garrafas com sprinklers de fogo em direção a mesa do cara.
A galera foi à loucura. Impressionante como uma boa porcentagem do
público feminino do lugar migrou para a mesa do cara.
Uma pessoa não deve ter gostado daquilo.
Uns 20 minutos depois, o DJ parou a música de novo.
Dessa vez, ele falou em inglês para soar mais chique:
“Fulano de tal from Rio de Janeiro buys all the champagne at Café de la
Musique.”
Depois de uma breve pausa, ele completou seu pensamento:
“One Thousand... One thousand and six hundred bottles. There’s no more
champagne in Floripa”
Sim, um cara pediu 1.600 garrafas de champagne de uma vez só!
Realmente não tinha motivo pra isso.
Fazendo uma conta de padeiro aqui: com 1600 garrafas a 300 reais cada uma,
o cara gastou 480 mil reais naquela ostentação ali.
Isso sem contar com a gorjeta do garçom.
E, cara, faltava uma hora para a noitada fechar.
Parece mentira mas eu filmei tudo e coloquei o vídeo dessa loucura aí lá no
meu canal do YouTube.
Fiquei até com raiva. Por que ele não pega aquela grana e dá para um projeto
social, sei lá?
Quando eu virar milionário, posso te garantir que eu não vou gastar minha
grana com champagne. E você pode me cobrar lá na frente!
CAPÍTULO 19
JERUSALÉM, ISRAEL

“Hoje eu fui lá no muro conversar com o rabino


Quando de repente ouvi o bonde dos palestinos
Meti a mão na estrada, fui conferir qual é
O bonde mais sinistro é Jerusa e Nazaré”

♬ Jerusalém
★ Mr. Catra

Essa história aconteceu em junho de 2013 e eu tinha 23 anos.


Em 2011, assim que terminei a faculdade, assinei um contrato de 2 anos com
o banco lá em Nova York.
Esse contrato estava na reta final e os diretores não queriam renovar meu
visto nos Estados Unidos e tinham o plano de me transferir para São Paulo.
A nuvem da incerteza estacionou sobre a minha cabeça por alguns meses. Eu
tinha uns dias férias que estavam para expirar então decidi fazer uma viagem
para esfriar a cabeça.
Destino? Oriente Médio!
Israel estava em guerra com o território palestino e ninguém queria voar para
lá.
Com isso, as passagens para lá estavam mais baratas do que nunca.
Para viagens assim, geralmente combino com os marroquinos de Londres,
com meu amigo senegalês Marcus Goodwin ou com o próprio Marc Segarra
lá de Barcelona.
Só que nessa ocasião, todo mundo estava ocupado e não tinha dias de folga
para tirar em seus respectivos trabalhos.
Decidi viajar sozinho mesmo.
Seja o que Deus quiser.
E Deus teve uma participação grande nisso aí.
Ou pelo menos, o Filho dele.
Um dos maiores sonhos da minha vida era visitar a Terra Santa e seguir os
passos de Jesus Cristo nas cidades bíblicas de Israel.
Ninguém da minha família frequenta a igreja mas passei boa parte da minha
vida estudantil matriculado em colégios católicos como o Instituto Pio XI e o
Colégio Santo Agostinho do Rio de Janeiro.
Hoje em dia, leio a bíblia todos os dias e não falto a uma missa de domingo
mas não foi sempre assim.
Como vocês puderam ver nos capítulos anteriores, passei um bom tempo da
minha vida sendo fanfarrão e porra-louca.
A curiosidade de conhecer as cidades bíblicas vinha mesmo da época de
escola.
Cheguei no aeroporto de Ben Gurion em Tel Aviv e fui meio maltratado
pelas forças armadas de Israel.
Eu vacilei também.
Tá ligado que Israel tem péssima relação com os países árabes da região, né?
Na hora de mostrar o documento para o agente da imigração israelense, pedi
que não carimbassem meu passaporte porque viajava muito para Dubai e
outros países árabes.
Em alguns lugares, ter o carimbo de Israel no seu passaporte significa que
você é do mal, inimigo e não pode entrar naquele país.
Sabendo disso, pedi na inocência para que não carimbassem meu passaporte.
Mal sabia eu que, alguns anos antes, Israel havia mudado seu sistema de
imigração.
Ao invés de carimbo no passaporte, eles dão um cartãozinho avulso com a
mesma utilidade.
Os caras seguraram meu passaporte e me fizeram esperar umas 5 horas lá no
aeroporto.
Durante essas 5 horas de apreensão, os caras devem ter feito todo tipo de
background check em mim.
O que um negro, com passaporte brasileiro, cheio de carimbos de países
estrangeiros estava fazendo em Israel?
Traficante!
E para piorar, o cara disse que viajava para países muçulmanos.
Traficante e terrorista!
Passou o tempo, os policiais viram que eu sou um cara do bem, ficha-limpa e
gente boa.
Fui liberado pela polícia israelense e peguei o trem para a estação de
HaHagana, no centro de Tel Aviv.
No trem, conheci uns judeus americanos que estavam em Israel pelo
programa Birth Right, uma espécie de intercâmbio que presenteia todos os
jovens judeus dos Estados Unidos com uma viagem para Israel com tudo
pago.
Estávamos indo para o mesmo lugar e combinamos de rachar um táxi até a
praia de Bugroshov.
Deixei minhas coisas no Hostel Hayarkon e fui dar uma caminhada pela orla
de Tel Aviv.
O que eu vi?
Prédios altos moderníssimos, consumo de álcool desenfreado e mulheres
absurdamente lindas usando microbiquínis na praia.
A imagem que tinha de Israel realmente não era aquela.
Andei mais um pouquinho em direção ao Sheraton Tel Aviv e avistei um
casal mandando um “Cicarelli” dentro d’água.
Em plena luz do dia e na praia mais popular da cidade!
É... estava na cidade há menos de 2 horas e fiquei impressionado com a
ocidentalização do lugar.
A verdade é que Terra Santa é só apelido.
Saí pra night com a galera do hostel e a afirmação da frase acima só se
confirmou.
No dia seguinte, consegui acordar cedo, fiz o check-out do hostel e fui para a
rodoviária central de Tel Aviv.
É de lá que sai o ônibus expresso que sobe as colinas e para em HaTahanah
HaMerkazit Shel Yerushalayim, região central de Jerusalém.
Logo de frente para a rodoviária tem um trenzinho moderno.
Consultei o mapa dos transportes públicos e vi que a parte histórica da cidade
era a 2 estações dali e resolvi ir caminhando para respirar um pouco mais
daquele ar sagrado.
Cara, Jerusalém tem uma vibe diferente que é difícil de descrever.
O lugar é sagrado para católicos, ortodoxos, judeus e muçulmanos... é muita
história e muita espiritualidade para um lugar só.
No fim da rua do trenzinho, desci uma ladeira e dei de cara com uma muralha
enorme.
Era ela! A Cidade Antiga de Jerusalém!
Me senti um Jesus Cristo no Domingo de Ramos.
Era minha entrada triunfal no Portão de Jaffa de Jerusalém.
Só faltou ter o povão me saudando com ramos na mão que nem no
evangelho.
Cruzei Jaffa e demorei um tempinho para encontrar meu albergue pelos becos
e vielas sem saída da parte cristã da Cidade Antiga.
Uns 20 minutos de resolver a burocracia do hostel, saí pelas ruas da cidade
para aprender um pouco de história num dos tours gratuitos que a prefeitura
de Jerusalém oferece.
Muro das Lamentações, Domo da Rocha, Igreja do Santo Sepulcro... era tudo
lá. Um basicamente do lado do outro.
Para deixar a parada mais séria, você vai andando pelas ruas da Cidade Velha
e vê placas com algarismos romanos na parede.
E não são placas dizendo o CEP e a rua que nem essas que a gente vê nas
esquinas de grandes cidades.
Caraca! São as estações da Via Crúcis de Jesus Cristo.
As mesmas que estão presentes nas paredes de todas as igrejas católicas do
mundo.
Só que ali era real.
Dois mil anos atrás, Jesus caiu ali mesmo. Foi despojado de suas vestes uns
20 metros mais pra frente e foi crucificado na outra esquina. Intenso! Brabo!
Do outro lado das muralhas que separam a Cidade Antiga do resto de
Jerusalém tem um morrão com aquela vegetação típica do cerrado brasileiro.
Esse morrão é nada menos do que o famosíssimo Monte das Oliveiras, lugar
onde Jesus Cristo meditou antes de ser preso pelos soldados romanos.
Aproveitei para subir lá e rezar um Pai Nosso.
No dia seguinte, madruguei e peguei uma van que levava peregrinos dos
albergues de Jerusalém para fazer um tour pelas cidades bíblicas de Nazaré,
Jericó, Belém, Cafarnaum e pelo Mar da Galileia.
Paramos para almoçar num restaurante às margens do Mar da Galiléia com
um menu quase que temático: cinco pães e dois peixes.
Era uma referencia ao milagre da multiplicação retratado nos livros de
Mateus, Lucas, João e Marcos.
O passeio terminou com todos os peregrinos sendo batizados nas águas do
Rio Jordão.
Mais intenso que isso, impossível.
Voltei para casa rejuvenescido.
Encho a boca para dizer que Israel é o país mais interessante do mundo.
Mesmo se você não tiver um pingo de religiosidade, vale muito a pena dar
um rolé por lá.
CAPÍTULO 20
NEWARK, ESTADOS UNIDOS

“Bismillah Al Rahman Al Rahim!


Al Hamdoullilah Ya Rabi L’Halamine
We getting Arab money! We getting Arab money!”

♬ Arab Money
★ Busta Rhymes
Essa história aconteceu em agosto de 2013 e eu tinha 23 anos.
Meu contrato com o banco acabou no mês de julho e estava participando de
processos seletivos de alguns fundos de investimento em Nova York, Miami
e Londres.
Mandei currículo para uns 300 lugares, fiz algumas entrevistas mas dei de
cara na porta em todos eles porque meu visto de trabalho estava para expirar.
Naquela época, a taxa de desemprego nos EUA estava alta e o governo fazia
de tudo para colocar barreiras ao profissional estrangeiro que precisava de
visto para trabalhar por lá.
Não sabia se ia continuar morando nos Estados Unidos e decidi não renovar o
aluguel do apartamento que eu morava em Stuyvessant Town, no East
Village.
Coloquei todos os meus móveis em um galpão de self storage perto da ponte
do Brooklyn e passei alguns dias dormindo de favor na casa de amigos.
Tomei vergonha na cara e resolvi pesquisar apartamentos de curta temporada
na internet.
Encontrei um conjugado em Jersey City no Craigslist a um preço bem
camarada e fui morar lá até resolver minha vida profissional.
O aluguel em Nova Jersey é tipo metade ou até um terço do preço de
Manhattan.
E não é muito longe não.
Na verdade, Jersey City fica na mesma latitude de Downtown Manhattan,
bem na direção do World Trade Center, só que na margem oposta do rio
Hudson.
Mas a logística é meio embaçada.
O percurso pelo trem PATH a partir da estação World Trade Center custa 2
dólares e demora menos do que 10 minutos.
Só que o trem não funciona a noite toda.
Se você está na balada em Manhattan e quer voltar para casa em Jersey City,
tem que pegar táxi e morrer numas 100 doletas.
Isso porque os taxistas, além da bandeirada, cobram o pedágio de ida e de
volta para cruzar o túnel Holland e também uma taxa de retorno para a Big
Apple.
Tinha uma peguete colombiana nessa época que morava no Queens e se
recusava a ir lá pra casa em Jersey por que dizia que “não fazia negócios” em
outro estado.
Por causa dessa questão logística, eu tinha que ser caseiro e fazer tudo ali em
Jersey City mesmo.
Só cruzava o rio quando tinha entrevista de trabalho em algum arranha-céu de
Midtown Manhattan.
Me inscrevi numa academia na Grove Street para não ficar parado.
Lá eu conheci Charles, um personal trainer afro americano muito gente boa
que era quase meu vizinho.
Papo vai, papo vem, ele me disse que tinha acabado de se converter para o
Islã e essa tinha sido a melhor decisão da sua vida.
O engraçado era que a família dele vinha do Haiti e ele não tinha laço
nenhum com o Oriente Médio.
Mesmo assim, Charles decidiu aceitar Alah e estava muito feliz e orgulhoso
por isso.
Disse que, graças às leis do Islamismo, havia parado de beber álcool e de
comer carne de porco e se sentia muito mais saudável.
Cada vez que eu o encontrava na academia ou pelo bairro, a gente conversava
mais sobre a religião muçulmana.
Ele me convidou algumas vezes para dar um rolé na mesquita dele mas eu
sempre retruquei.
Mais por preguiça de ir até Newark do que outra coisa.
Na verdade, sempre fui fã da cultura árabe.
Isso desde a época que eu assistia a Jade e a Khadija da novela O Clone na
TV Globo. Insh’allah! Ouro, muito ouro!
Alguns dos meus melhores amigos na época da faculdade eram muçulmanos
e, ao longo dos meus 10 anos nos Estados Unidos, tive a oportunidade de
conhecer gente de países como Paquistão, Arábia Saudita, Bahrain,
Marrocos, Irã, Iraque e Argélia.
Além disso, fiz uns rolés pelo Marrocos e pela Turquia que me deixaram
ainda mais curioso sobre o islamismo.
E o legal é que todo muçulmano que eu tinha conhecido até aquele momento
era super gente boa.
Pessoas de bem com a vida, com coração aberto e sorriso no rosto.
Esse cara aí de Jersey City também caía nessa categoria.
Mas estava um pouco na cara que o Charles queria converter mais um
“infiel” à religião do profeta Maomé.
Juntando a simpatia do cara e a curiosidade que eu tinha para ver como era
uma mesquita por dentro, topei o convite.
Nas minhas viagens para o Marrocos, não foram poucas as vezes que eu
tentei entrar numa mesquita e fui expulso escutando vários insultos na língua
árabe.
Charles marcou comigo na “missa” de 6a feira à tarde e me passou o endereço
da mesquita em Journal Square.
Vale lembrar que sexta feira é o dia mais sagrado da semana para os
muçulmanos.
Ele falou que eu ia gostar da mensagem e tal.
Paguei pra ver e peguei o PATH até a estação de Journal Square.
Papo reto, essa área de Jersey City deve ser um dos lugares mais feios e
macabros de todo Estados Unidos.
Lojas caindo aos pedaços, cracudos no meio da rua, vários mendigos e uma
galera muito mal encarada marcando ponto em cada esquina.
Me sentia no cenário do filme American Gangster, no Harlem dos anos 1960.
A verdade é que eram poucas as referências que indicavam que estava em
2013.
Journal Square é a penúltima estação do PATH, que larga do World Trade
Center no sul de Manhattan e sai deixando os trabalhadores nas cidadezinhas
de New Jersey.
Andei uns 10 minutos da estação até a mesquita Al Tawheed, que fica na rua
West Side Avenue, bem perto da fronteira entre Jersey City e Newark.
O Charles estava me esperando na parte de dentro.
Tá ligado que você não pode chegar na porta de uma mesquita e sair entrando
né?
Tem que se purificar primeiro.
Ele já tinha se purificado e não saiu da mesquita.
Eu tinha que me virar sozinho.
No banheiro bem ao lado da porta principal, tinha uns desenhos
demonstrando o passo a passo da purificação pré-mesquita.
Depois de alguns anos, finalmente caiu a ficha de que eu fui expulso tantas
vezes das mesquitas do Marrocos porque eu não havia passado por esse ritual
de lavagem.
A ordem é mais ou menos assim:
Primeiro, você tem que lavar as mãos e o antebraço três vezes.
Depois, bochechar levando a água para a boca com a mão direita. Três vezes.
Depois de bochechar e lavar as mãos, tem que lavar o nariz, limpar o rosto e
lavar o antebraço de novo. Três vezes cada tarefa.
Acabou isso, é a vez de lavar a nuca e limpar o ouvido com o dedo indicador
e a parte de trás da orelha com o polegar.
Para terminar, tem que lavar os pés e usar o dedo indicador da mão para
limpar o espaço entre cada dedo do pé.
Complicado né?
Depois de uns 15 minutos de limpa-limpa, já estava devidamente autorizado
a entrar na mesquita.
Me ajoelhei no meio daquela galera.
Só tinha macho lá dentro.
As mulheres assistiam a mesma “missa” em uma sala separada. Esqueci de
dizer que elas entravam na mesquita pela porta de trás.
Acho que elas só escutavam a voz do Iman, uma espécie de padre para os
muçulmanos, através do auto falante. Acho que nem a cara do Iman elas
podiam ver direito.
Meu amigo tinha dito que o culto daquela sexta feira seria em inglês e por
isso fez questão de que eu fosse.
O problema é que o tal líder espiritual começou a falar em árabe.
Caramba, que furada.
Fiquei uma hora inteira de joelho escutando o Iman esbravejar em árabe.
A única palavra que eu entendi foi uma variação árabe da palavra “Amén”
que a galera dizia depois que o Iman terminava cada uma de suas leituras do
Alcorão.
Tenho um grau brabo de hiperatividade mas fui bem paciente lá dentro da
mesquita e fiquei lá ajoelhado até o final da “missa”. Deu até com orgulho de
mim mesmo.
No final, o Iman fez uma pergunta em árabe para os fiéis e todo mundo
começou a me olhar.
O cara que estava do meu lado me cutucou e me pediu, em inglês, para que
me levantasse.
É claro que eu fiquei super nervoso com isso mas fui lá para o altar do Iman e
fiquei de pé na frente das 500 pessoas que participavam da cerimônia.
Ele mandou eu repetir umas coisas em árabe e eu atendi.
Só fui ter noção do que era aquilo quando todas as 500 pessoas da mesquita
fizeram fila para me cumprimentar.
Sem querer, tinha declarado em árabe que Alá era meu Deus e meu único
Deus.
Em outras palavras, tinha me convertido para o Islã.
E na fé deles, a pessoa que acaba de se converter é a pessoa mais pura do
mundo.
A mesquita toda veio me cumprimentar para pegar um pouco da minha
pureza.
Recebi parabéns e vários sorrisos e realmente não sabia o que estava
acontecendo.
Foi por acidente mas pesquisei que, quando um pessoa se converte ao Islã,
não tem mais volta.
Então, pelo menos na teoria, eu sou muçulmano.
Mas nunca mais voltei numa mesquita e continuo comendo meu carré com
couve de vez em quando.
POR HOJE É SÓ...

Caramba, você chegou ao final do meu livro!


Papo reto, que felicidade! Te agradeço profundamente por isso!
Hoje tenho 25 anos, estou em outra fase da vida e minha época de viajante-
aventureiro deu uma parada.
Mas vou te contar que não me arrependo nem um pouco das escolhas que fiz
nem dos perrengues que eu passei ao longo desses anos perambulando pelo
mundo.
Cada desses perrengues, das rejeições e das dificuldades me ajudaram a ser
uma pessoa mais madura e mais cabeça hoje em dia (tenho até livro
publicado, pô).
Um cara que eu admiro pra caramba chamado Les Brown soltou uma frase
bem simples mas que fez um impacto enorme no meu modo de pensar: “If we
never make mistakes, we never learn”
Então arrisque, saia da zona de conforto e confie no teu taco!
Você é muito melhor do que você pensa!
Grande abraço!
~Raiam
Hackeando Tudo

Se você curtiu esse livro, você vai gostar ainda mais do meu primeiro livro
Hackeando Tudo: 90 Hábitos Para Mudar o Rumo da Nossa Geração.
O Hackeando Tudo foi #1 do Brasil em três categorias e, graças a Deus,
continua entre os mais vendidos do Amazon Brasil.
Para aqueles que preferem ouvir livros, o Hackeando Tudo também está
disponível na plataforma UBook.
Se liga nos comentários da galera que leu:
Muitos foram os Livros que eu li e pensei "hmm, o autor ta enchendo linguiça aqui." e eu
simplesmente não consegui achar isso em no livro. Achei genial a forma simples e direta
como as coisas foram escritas. Além disso, o conteúdo é recheado de pequenas motivações
hacks após hacks que vão dando uma vontade imensa de ler o próximo hack. Ademais, o
livro é todo baseado com histórias e pesquisas que dão embasamento aos hacks. Excelente
o Livro! Recomendo demais!
Felipe Monteiro
Li em 1 semana, mesmo em semana de prova... O livro é direto e tem capítulos curtos,
fáceis de ler. O autor é espontâneo, usa palavras e palavrões que todo mundo fala, parece
que esta falando com você cara a cara.
De todos os 90 hábitos, eu consegui pegar pra mim uns 8 de inicio. O que coloquei em
pratica na primeira vez foi o de arrumar a cama diariamente, algo que mudou meu dia a dia,
pois já começo o dia organizado.
Everton de Campos Rosa
Li esse e-book sem esperar nada... Quantas dicas diretas e sem enrolação que não leio a
anos! Raiam mostrou o seu mindset diário e compartilhou tudo o que você precisa para
fazer para melhorar, um pouco a cada dia! Confesso que tomar banho gelado ainda me
deixa cabreiro mas esse eu vou superar!
Thiago Compan
Só tenho a agradecer por ter lido esse livro pois abriu horizontes mostrou possibilidades e
somou na minha vida. Para quem busca um guia dos principais e mínimos passos pra
começar a deslanchar seu potencial.

Anderson Souza
Recomendo o livro a todas as idades, mas principalmente aos jovens que precisam de uma
força para lidar com alguma dificuldade na vida. Os "Hacks" demonstrados servem para
criar habitos úteis e eficazes no dia-a-dia corrido em que vivemos!

Vitor Junior
Livro muito interessante por seu caráter prático e direto. Quando você procura algum
livro dessa área de desenvolvimento pessoal, tudo o que você quer é isso. Ações diretas
para incorporar no seu dia a dia. Sem enrolação, sem voltas. Recomendo o livro.

Ricardo Miorin Gomes


SOBRE O AUTOR

Raiam Santos é o escritor de obras de não-ficção voltadas ao público jovem.


Seu primeiro livro Hackeando Tudo figurou entre os best-sellers do Amazon
Brasil por 18 semanas consecutivas.
Brasileiro de nascença, Raiam passou a adolescência nos Estados Unidos e
formou-se em Economia, Relações Internacionais e Letras na University of
Pennsylvania, onde também se destacou como jogador de futebol americano.
Raiam também se dedica a projetos de empreendedorismo, ministra palestras
motivacionais Brasil afora, além de jogar pela Seleção Brasileira de Futebol
Americano.
Sua maior missão é inspirar jovens brasileiros a confiarem no próprio taco e
seguirem seus sonhos de estudar no exterior.
Quer saber mais sobre o Raiam? Visite o blog MundoRaiam.com.
JÁ IA ESQUECENDO...
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