Você está na página 1de 6
SEQUENCIAR COMPORTAMENTOS DE UM CONJUNTO PARA ENSINA-LOS. DE MANEIRA GRADATIVA: ALGUNS CRITERIOS' Silvio Paulo Botomé Ensinar envolve multiplas decisées e os comportamentos envolvidos ou decorrentes dessas decisdes. A clareza sobre essas decisdes @ esses compertamentos é to necessdria quanto a aptidao para realizar ‘essas decisées @ esses comporiamentos. Desde a deciséo inicial sobre o que ensinar até a decisdo final sobre se 0 aluno aprendeu ou no o que foi proposto como sendo 0 objetivo de ensino ha um longo caminho a percorrer. Mesmo antes da decisio sobre o que ensinar ha varias decisdes a tomer e varios comportamentos a realizer para conseguir tomar a decisdo @ realizar os comportamentos pertinentes a ela. Tendo um bom objetivo de ensino para orientar a dire¢&o do processo de aprendizagem a desenvolver e tendo um conjunto (ou mais de um) de comportamentos que constituem as aprendizagens intermediarias necessarias para chegar até o abjetivo terminal, surge a oportunidade de responder a uma perguntas qual a melhor sequéncia desses comportamentos (dessas aprendizagens) para desenvolver o objetivo terminal por meio de um processo de aprendizagem que seja confortavel para o aprendiz e efelivo como processo de ensino? Nao é uma pergunta que deva ser respondida de qualquer jeito ou sem alguma consideragao do conhecimento existente a respeito disso. Algumas areas j& desenvolveram bastante conhecimento sobre como organizar_as aprendizagens necessérias (ou os objetivas: intermediaries) para ‘facilitar a aprendizagem e para organizar uma seqliéncia de ensino que seja efetiva ¢ conforiével para quem vai aprender. Mager @ Beach (1976) salientam que o que é significative para 0 professor n&o é necessariamente o que é significative para 0 aluno © que, no caso dos comportamentos que constituem os objetivos ou aprendizagens intermediarios para atingir um objetivo de ensino, é necessario que tais aprendizagens sejam organizadas em uma segiléncia para ensino o mais significaliva possivel para o aluno que vai desenvolver o processo de aprendizagem. Os mesmos autores, ao iniciar a apresentacao de critérios para organizar uma seqiéncia de aprendizagem significativa para o aprendiz, dao exemplos ¢ fazem questées importantes para orientar quem quiser realizar um trabalho desse tipo a luz do conhecimento ja existente. Fazendo analogias as contribuigdes desses autores til fazer as mesmas questées: se voce tiver que aprender a consertar um aparelho de televiséio, vecé gostaria de eprender primeiro teoria eletrnica ou primeiro aprender como funciona 9 sistema e como lidar com ele? Se voce tiver que abandonar um curso pelo meio, vocé prefere adquirir alguma habilidade que possa ser utilizada ou prefere dominar a teoria ¢ a base que condicionam tal habilidade? Ou, indo além da preferéncia, qual dos " Fste testo € wina adapragia ce uma contribuigo de RLF. Mager © K.M. Beach, press planejamento do ensino profissional, Porto Alegre: Ed. Globo, 1976. pp. 62-71 tad no liveo “O critérios seria mais util? Ou, sendo ainda mais exigente, como aplicar “esses critérios em cada caso de aprendizagem? Mager e Beach, no mesmo texto, apresentam um conjunto de critérios para organizar seqiiéncias de aprendizagens para desenvolver ensino de um objetivo. Tais critérios sAo derivados do conhecimento ja existente em diferentes areas e servem de auxilio para 0s comporlamentos envolvidos na classe de comportamentos chamada “seqiienciar aprendizagens para desenvolver um programa de ensino”, Tais critérios s40 Uteis como orientadores de comportamentos € n&o como sendo os préprios comportamentos. Também & importante considerar que nenhum deles é absoluto. Em cada caso eles podem ser considerados de uma maneira peculiar, nao necessariamente igual a outros casos. Enfim eles néo devem ser tomados como regras de conduta mas como orientadores ou critérios para avaliar qual o melhor comportamento em cada caso. Vale a pena explicitar e examiner esses critérios como um auxilio pera aprender a sequenciar comportamentos intermediarios envolvidos na consecuga0 do comportamento que constitui um objetivo de ensino. 4. Do geral para 0 especifico © critério apresentado com esse nome parece simples. E varias pessoas poderiam aplicé-lo sem perceber que ele pode conter varias ermadithas. Uma que merece exame 6 que ele pode significar algo muito diferente conforme o ponto de vista for o do professor ou o do aluno. Os aprendizes “querem dizer algo diferente do que dizem os professores quando concordam que prefeririam ir do ‘simles para 0 complexo’ ". Em muitas circunstancias, enquanto os professores ficem A vontade @ com conforio trabalhando @ partir dos elementos de um assunto em direcéo & descric&o geral, para os alunos é mais util e facil ou confortavel trabalhar, para aprender, indo do todo pera as partes componentes. Pode ser que, depois que um aluno dominar um trabalho, tarefa ou assunto cle possa, também, ser capaz de com facilidade e conforto, ir do especifico para o geral na compreensdo ou na execug4o. Mas sé quando jé dominar esse trabalho ou, em outras palavras, s6 quando jd o tiver aprendido. Ao contrério do que 0 senso comum ou a experiéncia cotidiana podem sugerir, 6 melhor, do ponto de vista do desenvolvimento de um processo de aprendizagem, “ensinar a0 aluno como operar uma maquina antes de ensinar-Ihe a consertd-la ou antes de ensinar-Ihe os comportamento relacionados ao dominio das informagées teoricas a respeito da maquina. O conhecimento existent aponta para urna maior eficacia @ um maior conforto quando, em um programa de ensino é ensinado primeiro como algo funciona e, depois, por que funciona desse modo. 2, Seqiiéncia de interesse Um segundo tipo de critério que pode ser usado para sequenciar aprendizagens envolvidas na consecugéo de um ou mais objetivos de ensino relaciona-se ao grau de interesse dos alunos por essas aprendizagens. Pode s conforme a natureza das aprendizagens em foco, manter, desde 0 inicio do precesso de ensino, um alto grau de envolvimento e de motivacéo dos aprendizes. Se houver um alto grau de interesse ou motivagao para alguns tipos de aprendizagens do conjunto que constituird o programa de ensino, pode ser titil comegar o trabalho de ensino por essas aprendizagens. Isso pode gerantir que 0 curso inicie por algo gratificante para os alunos e, com isso, facilite o trabalho de desenvolvimento das demais aprendizagens gragas & dedicacao e envolvimento dos aprendizes. Mager e Beach (1976) dao um exemplo a respeito desse critério. Se a maioria dos alunos de um curso de serralheria mostrar um alto interesse e curiosidade em aprender como abrir uma fechadura, a primeira aprendizagem da seqtiéncia de ensino pode ser “abrir um certo tipo de fechadura’. Se n&o houver comprometimento para 0 desenvolvimento de outras aprendizagens, é possivel e, provavelmente util, comegar pela eprendizagem que desperta maior interesse pode ser mais gratificante para os alunos. Este critério pode ser usado a partir de alguns comportamentos basicos do programador de ensino: identificar as aprendizagens de maior interesse para os alunos; avaliar se elas podem, ser comprometer © desenvolvimento de outras aprendizagens (de acordo com os demais critérios para um sequenciamento para ensino), ser incluidas — pelo menos algumas delas — no comeco da sequéncia ou ser intercaladas em varios outros pontos sempre sem comprometer os demeis critérios ou prejudicar a facilitagéo do desenvolvimento do processo de aprendizagem. O critério de interesse dos eprendizes é um critério que deve ser usado com muito cuidado uma vez que pode trazer riscos para 0 processo de aprendizagem que levara & consecug&o dos objetivos de ensino. 3. Seqiiéncia Iégica Algumas vezes e em alguns tipos de objetivos hd a necessidade de ensinar algumas aprendizagens antes de outras devido & prépria natureza dos objetivos de ensino. Em alguns casos isso é bastante evidente. O exemplo dado por Mager e Beach 6 bem elucidative deste critério; um mergulhador precisa aprender a operar 0 equipamento de mergulho antes de aprender a execular manobras sob a agua ou antes de aprender a submergir com 0 equipamento, Os mesmo autores insistem: “quando for necessario ensinar alguma coisa antes de outra, faga-o". E, a0 mesmo tempo, alertam para tomar muito cuidado: as razbes para usar esse critério para seqtienciar aprendizagens néo séo téo numerosas quanto os professores em geral julgam, Ha muitas aprendizagens que séo independentes de outras: ndo precisa ser capaz de realizar operagées mateméticas para aprender a consertar_um aparelho de televiséo; nao precisa ser capaz de explicar como funciona um motor de automével para aprender a regular um carburador; néo precisa ser capaz de fazer os alicerces de uma casa para aprender a construir um telhado (Mager e Beach, 1976). O perigo desse critério é criar uma légica nao necessatia @, as vozes, prejudicar 0 proceso de aprendizagem com uma seqiiéncia de aprendizagens que prejudica ou dificulta o desenvolvimento do processo de ensino. Novamente, levar em conta 0 critério mais importante ou considerar os vérios critérios para sequenciamento 6 melhor do que utilizar 0 que momentaneamente é 0 mais conveniente para 0 professor ‘ou que mais se adapta @ seu ponto de vista ou perspectiva. A sequéncia Iégica como critério de sequenciamento tem esses perigos e isso precisa ser considerado com cuidado ao seqienciar as aprendizagens de um conjunto 4, Hierarquia de conjuntos de habilidades Um quarto critério que pode ajudar e ser importante para organizar uma seaiiéncia de aprendizagens relaciona-se 4 nog&o de “capacitagéo por graus". Mager e Beach sao draméticos ao considerar esse critério: “se alguns alunos abandonam um curso antes de termina-lo (seja qual for o motivo), é melhor que saiam sendo capazes de fazer algum trabalho completo, mesmo que de importancia menor do que o trabalho complexo inteiro, do que sair do curso sendo apenas capazes de falar sobre o trabalho a realizar’. A razo para 0 uso deste critério néo é 0 perigo de abandono do curso. Ele nao chega a ser também um critério apenas de sequenciamento. Ele é mais um critério para agrupamento de aprendizegens em conjuntos significativos para o aprendiz. Nesse sentido os exemplos de Mager e Beach sao elucidativos. Primeiro ensino a0 aluno tudo que ele precisa estar apto a fazer para realizar um trabalho de ajudante de bombelro qualificada; 86 depois ensine o que ele necessita a mais para tornar-se um bombeiro qualificado. Capacite primeiro alguém a realizer um nivel de consertos dé televisdo; s6 depois prossiga para ensinar as aprendizagens relacionadas a ‘outros tipos de consertos mais complexos. Com gradientes desse tipo ¢ sempre motivador para 0 aluno ir realizando 0 curso. Fica mais facil e motivador ele ir completando niveis, conjuntos, etc. de aprendizagens que tenham utilidade, sejam passiveis de uso imadiato, ja 0 capacitem para realizar atuagées completas & que aumentem sua capacidade de aco e independéncia. Também este & um critério que néo pode ser usado independentemente dos demais. Mas ejuda a ponderar @ otimizar a seqiiéncia de aprendizagens para atingir os objetivos de interesse. 5, Seqiiéncia de freqiléncia Em qualquer atividade, ocupaco, servigo ou profissdo_ha comportamentos que séo usados com mais frequéncia do que outros. Este critério refere-se & importancia de ensinar primeiro as aprendizagens que vao ser usadas com mais freqliéncia pelo aprendiz. Em seguida podem ser ordenadas @s demais aprendizagens em uma hierarquia de frequéncia, Em qualquer caso, es! critério significa que 0 aprendiz aprende primeiro a fazer aquilo que ele mais necessitara ou usara e, gradativamente, ir desenvolvendo o ensino até aquelas que eles menos freqiientemente usard, Os exemplos de Mager ¢ Beach lembéem neste critério sao elucidativos: ensine primeiro um aprendiz de serralheiro a fazer chaves ©, depois, a mudar combinagdes de fechaduras; ensine @ um técnico de televisio a rnudar tubos de aparelhos de TV antes de ensinar-Ihe @ mudar resisténcias de televisores; ensine um mecanico de automéveis @ regular um carburador, antes de ensinar-Ihe a soldar um bloco de motor. E importante nao esquecer que o critéria de seqiiéncia de freqiiéncia, embora refira-se 2 uma hierarquia relacionada ao que o aprendiz mais faz ser ensinado em primeiro lugar, ete envolve de diferentes maneiras outros critérios e, por isso, é importante té-1o bem claro (entender bem seu significado e definig&o) e us4-lo com muito cuidado. 6. Pratica do trabatho completo Fazer um trabalho completo, seja do porte que for, é sempre algo gratificante @ mais facil de realizar ou aprender que aprender "pedagos de trabalho" que s6 depois de muito tempo e muita atividade adquirem sentido ou podem ser articulados com outras aprendizagens. Um programa de ensino que ensina varias aprendizagens aos alunos mas n&o cria condi¢des para eles acumularem parcelas ou realizarem um trabalho completo alguma vez pode estar sequenciando mal as aprendizagens a desenvolver para 0 consecucao dos objetivos de ensino. O exercicio em trabalhos ou tarefas completas é 1&0 importante ou necessério quanto as praticas em pequenas partes ou fases do trabalho. Ser capaz de organizar as aprendizagens de um programa de ensino em seqiiéncias que garantam que o aprendiz possa ter oportunidades para acumular ou exercitar conjuntos completes do trabalho que vai realizar ou, do trabalho integral que constitui o objetivo de ensino é muito importante como critério para_o desenvolvimento de um programa de ensino 7. Simplicidace pata realizar ou facilidade para aprender O critério mais importante para o sequenciamento de aprendizagens componentes de um programa de ensino é 0 de facilidade para o aprendi for mais facil ou mais simples de aprender 6 0 que deve ser ensinado primeiro. Este critério deve ser sempre completado e combinado com os demais mas 6 0 mais importante. Qualquer aprendizagem que puder facilitar a aprendizagem de outra 6, no significado deste critério, uma aprendizagem que deve ser desenvolvida antes da outra. Nesse sentido é melhor ensinar uma crianga a segurar uma escova de dentes, antes de ensind-la a movimentar essa escova na boca. E melhor ensinar alguém a notar algo antes de ensina-lo a agir em fungao desse algo, Quanto mais esse critério for respeitado, sem desconsiderar os demais critérios, mais provavelmente sera po: aprendizagem apropriado e confortavel. Nenhum desses critérios deve ser considerado 0 Unico a usar em qualquer seqtiéncia de aprendizagens. O conjunto deles @ o melhor para considerer como sequencier as aprendizagens envolvidas em um programa de ensino. Mesmo em um Unico programa, podem ser usados varios critérios para sequenciamento, Uma avaliagao criteriosa se a seqtiéncia alende a esses critérios e se facilita e torna mais agradavel e eficaz a aprendizagem 6 a melhor forma de saber se foi construida uma boa seqiiéncia de aprendizagem. E esta a tarefa a enfrentar para quem ja em um conjunto de aprendizagens a desenvolver @ quer prosseguir na construgdo de condigées de ensino para elaborar um programa de ensino,

Você também pode gostar